sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

TV Record esconde tornozeleira de Crivella


Por Altamiro Borges


Após uma curta estadia na penitenciária, Marcelo Crivella foi posto em prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins. Prestes a deixar a prefeitura do Rio de Janeiro, o “bispo” havia sido preso preventivamente na terça-feira (22).

Ele foi apontado como chefe do chamado “QG da Propina”, um grupo que extorquia empresas em contratos com a prefeitura. Além da prisão domiciliar e da tornozeleira, o ministro do STJ proibiu o “bispo” de manter contato com terceiros, requisitou a entrega de telefones e computadores e vetou a sua saída de casa sem autorização.

Como era de se esperar, a notícia da prisão do sobrinho de Edir Macedo – chefão da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e da Rede Record – teve ampla repercussão na rival Globo. O assunto ocupou preciosos minutos no Jornal Nacional (TV aberta) e também foi alvo de repetitiva cobertura na GloboNews (TV por assinatura).

O jornalismo "tropeça" na emissora da Iurd

Já na Record, como também já era de se esperar, a prisão preventiva e o posterior uso da tornozeleira eletrônica foram abafados na maior caradura. A concessão pública de TV, hoje explorada por uma denominação religiosa, não cumpriu devidamente o seu papel constitucional de informar com imparcialidade os telespectadores.

Como destacou Ricardo Feltrin, em matéria postada no site UOL, o “jornalismo da Record tropeça (de novo) na prisão de Crivella”. Na avaliação do especialista em mídia, há vários motivos que explicam porque a emissora não tem qualquer isenção. “O maior deles, sem dúvida, é o fato dela estar umbilicalmente ligada à Iurd”.

“Por mais que invista em sua redação, em suas coberturas a Record sempre acaba ‘traindo’ alguns pilares do jornalismo como o da isenção e o do distanciamento”. Após citar vários episódios passados de parcialidade, Ricardo Feltrin aborda o tratamento jornalístico vergonhoso da detenção do prefeito do Rio de Janeiro.

A prisão do bispo virou "condução"

“Enquanto todas as TVs e sites acompanhavam a prisão, a Record usava seu jornalismo para ‘dourar’ a pílula. Em todas as emissoras o título era óbvio e claro: ‘Marcelo Crivella é preso’. No ‘Fala Brasil’ da Record, no entanto, a chamada para a notícia era: ‘Prefeito Marcelo Crivella é conduzido para a Cidade da Polícia’”.

A manipulação foi tão descarada que repercutiu imediatamente nas redes sociais. “A emissora foi criticada por supostamente estar tentando ‘passar pano’ ou distorcer um fato consumado: a prisão tratada apenas como ‘condução’... Após as críticas na internet, a emissora acabou mudando o tratamento e também passou a usar a palavra "prisão" para o que ocorreu com Crivella. Mas, já era tarde demais. Novamente o jornalismo da RecordTV havia sido usado em interesses pouco transparentes. Ou talvez transparentes demais”.

Movimentação atípica de R$ 6 bilhões na Iurd

Se a prisão, a tornozeleira e o drama do prefeito foram ofuscadas pela emissora, pior ainda ocorreu com o vazamento da informação de que o Ministério Público do Rio de Janeiro identificou movimentação atípica de quase R$ 6 bilhões na igreja de Marcelo Crivella. Essa bomba, se confirmada, pode abalar de vez o projeto de poder da Igreja Universal do Reino de Deus. Por isso, a notícia foi vetada na Record.

Ela foi postada, entre outros veículos, pelo site UOL, em matéria dos jornalistas Herculano Barreto Filho e Nathan Lopes. Segundo a matéria, “a denúncia que resultou na prisão de Marcelo Crivella (Republicanos) também revela ligações envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus e suposto esquema bilionário de lavagem de dinheiro”.

“O MP-RJ identificou uma circulação atípica de quase R$ 6 bilhões na instituição religiosa entre maio de 2018 e abril de 2019... Os promotores ligam o que entendem ser uma ‘movimentação financeira anormal’ a uma indevida utilização da igreja para ocultação da renda com o esquema de propinas”, afirma a reportagem do UOL.

O "QG da Propina" e os membros da igreja

Ainda segundo o site, “a suspeita veio à tona pela primeira vez em setembro com base em dados revelados em um relatório de inteligência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão do Ministério da Fazenda), que verificou entrada de dinheiro vivo e transferências bancárias nos CNPJs (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) ligados da igreja. Na época, os envolvidos negaram participação no suposto esquema”.

“Bispo licenciado da Universal, Marcelo Crivella é acusado de envolvimento com o chamado ‘QG da Propina’, como ficou conhecido o esquema de liberação de contratos na Prefeitura do Rio. Primo de Edir Macedo e ex-tesoureiro das campanhas eleitorais de Crivella, Mauro Macedo é acusado de integrar o esquema em conjunto com Crivella. Segundo a investigação, o suposto esquema também contava com as participações do bispo e ex-senador Eduardo Benedito Lopes (Republicanos) e do empresário Rafael Alves. Eles foram identificados como os operadores financeiros do chamado ‘primeiro escalão’ do grupo criminoso”.

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