segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Bolsonaro e a crença em extraterrestres

Por Jorge Gregory, no site Vermelho:


Bolsonaro passou uma semana anunciando que apresentaria as provas de fraudes nas urnas eletrônicas. Porém, o que se viu na live da última quinta-feira, foi um monte de fake news requentadas, utilização de argumentos ridículos e o desferimento de uma sucessão de ataques, em especial ao TSE e STF. A tese central de que o sistema é fraudado e fraudável se assemelha aos argumentos de ufologistas fanáticos, que acreditam cegamente na visita de extraterrestres ao nosso planeta. Ainda que não tenham nenhuma prova concreta da existência de outras formas de vida inteligente fora da Terra e de suas aparições aqui, apegam-se a suposições e na tese de que, em universo tão vasto, ninguém pode provar que outros planetas não contenham vida inteligente. Não havendo provas do contrário, logo, outras formas de vida existem.

O argumento central de Bolsonaro, com base em uma série de suposições, é de que, embora não haja provas concretas de que ocorreram fraudes em eleições passadas, também não há provas de que não aconteceram e, portanto, o sistema não é confiável. Certamente, ninguém conhece a totalidade do universo e tal desconhecimento gera a dúvida sobre a existência ou não de vida extraterrestre. Ainda que a maioria das pessoas já estejam ambientadas com equipamentos eletrônicos, é para elas uma incógnita como o seu voto é registrado e contado e tal desconhecimento gera dúvidas naturais. Em ambos os casos, ufologistas e bolsonaristas exploram a dúvida, utilizando-se de uma meia verdade para induzir a uma conclusão totalmente equivocada. Pior, tais teorias inconsistentes são compartilhadas por outros segmentos e personalidades fora do campo de extrema-direita. Ainda que essa cruzada de Bolsonaro contra a urna eletrônica seja uma cortina de fumaça para desviar o foco de questões que podem lhe causar danos, é imprescindível que tais argumentos sejam totalmente desmontados.

Seria um erro afirmar que o sistema de votação eletrônico é absolutamente imune a fraudes. Todo e qualquer sistema, eletrônico ou analógico, é produzido pelo homem e, portanto, sempre passível de superação pelo próprio homem. O que podemos discutir, entretanto, é qual sistema tem mais brechas que possibilitam fraudes. De qualquer forma, podemos afirmar com segurança que o principal inibidor de fraude é a capacidade de fiscalização por parte da sociedade, dos candidatos e dos partidos políticos. Sem uma eficiente fiscalização, qualquer sistema ficará totalmente exposto e aberto a práticas fraudulentas. Antes de 1996, quando o voto era em cédula impressa, era rara a eleição em que não tínhamos aqui ou ali um caso de fraude. Contudo, desde a implantação do sistema eletrônico, naquele ano, não tivemos um único caso de fraude comprovado. O próprio PSDB já admitiu que em 2014 levantou suspeitas de fraude única e exclusivamente para colocar dúvidas sobre a vitória de Dilma, mas que não tinha nenhum elemento para tal denúncia.

No sistema analógico, as cédulas eleitorais são impressas e ficam expostas e disponíveis desde o momento em que saem da gráfica até o momento em que se encerra a contagem dos votos. Uma única cédula que seja desviada ainda na gráfica servirá de modelo para reprodução e tais reproduções oportunizarão fraudes em qualquer momento do processo de eleição. Obviamente são organizados esquemas de segurança, mas a quantidade de material e a logística de armazenamento e distribuição exigem uma segurança muito mais complexa, colocando enormes dificuldades à fiscalização.

Já os programas utilizados nas urnas eletrônicas, após concluídos, são auditados em audiência pública do TSE, assinados digitalmente e lacrados com 30 níveis de segurança. Em outras palavras, é como se no sistema analógico o TSE, em audiência pública, fizesse a conferência de todas as cédulas, assinassem, e posteriormente colocassem todo o material em um cofre, este cofre dentro de outro cofre e assim sucessivamente até o 30º. A audiência pública é aberta a qualquer cidadão, às entidades e, principalmente, aos fiscais dos partidos. Não participa quem não quer ou não tem interesse.

Uma enorme baboseira afirmada pelos bolsonaristas é que a urna eletrônica pode ser hackeada. Mas tal afirmação não é exclusiva de bolsonaristas, pois já assisti vídeo de um ex-senador tido como de esquerda afirmando a mesma besteira. Para que se possa hackear qualquer equipamento eletrônico, primeiro é necessário acessá-lo e para tanto ele precisa estar conectado a uma rede. No entanto, desde o momento em que é lacrada até o encerramento da votação, a urna eletrônica opera de forma isolada, de maneira que só seria possível hackeá-la se alguém conseguisse entrar na cabine de votação com um computador e conectá-lo à urna, algo absolutamente improvável, para não dizer, impossível.

Mas é possível o hacker agir durante a transmissão dos dados à central de apuração de forma a adulterar os resultados, argumentarão alguns. Aqui é fundamental compararmos com o processo analógico, pois a segurança do sistema eletrônico é imensuravelmente superior ao físico. Ao iniciar a votação, é emitida a “zerésima”, ou seja, o relatório que confirma que a urna tem “zero voto”. Isso demonstra que não há nenhum registro na urna e assegura a integridade do programa. Ao finalizar a votação, a mesa é obrigada a emitir o boletim de urna na frente dos fiscais presentes, fornecendo-lhes cópias deste. Ao mesmo tempo, uma cópia também é fixada na porta de entrada da sala de votação para conhecimento público. Somente após este procedimento os dados são transmitidos e a urna, com todo o material, é lacrada em malote de forma que qualquer adulteração na transmissão será facilmente verificada ou por meio do boletim impresso ou do cartão da urna sob suspeita. Já no caso do voto em papel, a urna física pode ser facilmente trocada ou violada com a troca de todos os votos no transporte até o local de apuração, sem deixar absolutamente nenhum rastro e sem possibilidade de recuperação da votação original.

Se há alguma possibilidade remota de hackeamento e adulteração do resultado no sistema eletrônico, no processo analógico as possibilidades são inúmeras: pode-se inserir votos na urna durante o horário de votação, a urna pode ser violada durante o transporte para o local de apuração, a contagem pode ser adulterada sendo colocados votos de um candidato no montinho do outro, pode-se registrar no boletim de apuração resultados diferentes dos votos contados e pode ocorrer até mesmo adulteração na totalização dos boletins de apuração. Em resumo, existe uma quantidade imensuravelmente maior de pontos vulneráveis no processo físico do que no eletrônico. Portanto, o sistema eletrônico é muitas vezes mais seguro.

Mas o grande argumento que leva o eleitor à dúvida, é o de que ele não vê o voto que deu. Pois bem, no voto impresso, como o eleitor escrevia o número do candidato ou candidata na cédula, muitas vezes recebia este número de cabos eleitorais, sendo induzido a votar em um candidato achando que estava votando em outro. Tal prática era corriqueira naquela época. No voto eletrônico, quando o eleitor digita o número, aparece a foto e o nome do candidato ou candidata e, caso tenha sido enganado por cabos eleitorais, ele anula e consulta o número correto da pessoa em quem quer votar. Somente quando tiver a certeza de que está votando na pessoa escolhida ele confirma o voto.


Mas o que garante que ao confirmar o voto a máquina registre para o candidato escolhido? Poderia haver uma violação do código-fonte, direcionando o voto para outro candidato, como afirmou o “analista” do Bolsonaro, porém isso só seria possível quando da geração desse código. E a implantação de um mecanismo que alertasse o próprio sistema de que está sob auditagem e então esconderia a adulteração, como ele também afirmou, é algo totalmente irreal. Mas vamos admitir que a elocubração de tal “analista” fosse possível. Os códigos-fonte são produzidos, auditados, lacrados e só então distribuídos, de forma que a adulteração não afetaria uma ou algumas urnas, afetaria todas, evidenciando a fraude, que se tornaria gritante.

O que garante ao eleitor que, ao confirmar, o voto irá de fato para o candidato ou candidata que apareceu na tela? Como já vimos, é praticamente impossível alguém hackear e alterar o código-fonte de uma urna, mas vamos admitir que alguém consiga. Uma programação é um conjunto de comandos que faz com que a máquina execute determinadas tarefas. Em uma linguagem simples, a urna contém em sua programação o comando de “eleitor digita xx.xxx, aparece foto e nome do candidato número xx.xxx”; “eleitor clicou em ‘confirma voto para xx.xxx’, registra voto para xx.xxx”. Para que o voto fosse para outro candidato, a programação precisaria conter os seguintes comandos: “eleitor digita xx.xxx, aparece foto e nome do candidato número xx.xxx”; “eleitor clica em ‘confirma voto para xx.xxx’, registra voto para yy.yyy”. Esta fraude ficaria registrada no cartão de programação da urna e seria facilmente verificável, pois seria impossível apagar totalmente o seu rastro. Caso se fundamente a suspeita, basta fazer auditagem posterior na urna. E teria uma grande vantagem, o voto original do eleitor poderia ser restituído e não anulado, o que seria impossível no processo físico.

Quanto à apuração, uma semana depois de encerrada, são disponibilizados no repositório de dados do TSE todos os boletins individuais de todas as urnas. Qualquer analista meia-boca é capaz de baixar essa base de dados e em menos de meia hora gerar um algoritmo que totalize os votos para checar se o resultado obtido coincide com o resultado divulgado pelo TSE. Caso ocorra desconfiança sobre possível adulteração dos registros dos boletins de urna, basta confrontar com os boletins impressos coletados no encerramento da votação, disponibilizado ao público no dia da eleição e que também estarão junto com o material lacrado quando do encerramento da votação na secção eleitoral.

Portanto, a ideia de impressão do voto, além do custo e da inviabilidade técnica de se preparar o sistema com segurança para a próxima eleição, só serve para tumultuar o processo. Não há outro objetivo por parte de Bolsonaro senão encontrar uma brecha para questionar e negar os prováveis resultados desfavoráveis em 2022, além de lançar cortina de fumaça para desviar a atenção das denúncias da CPI e da sua aliança com o Centrão. Quanto àqueles que concordam ou compartilham dos mesmos argumentos do genocida, não se pode atribuir outra coisa senão ingenuidade ou má fé.

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