Numa longa e didática entrevista ao blog de José Dirceu, o advogado constitucionalista Pedro Estevam Serrano, professor de direito forense da PUC-SP, abordou um aspecto da mídia ainda pouco discutido na sociedade. Com mais de 20 anos de dedicação ao direito constitucional, ele avalia que hoje os meios de comunicação têm enorme interferência nas decisões judiciais. “A mídia constrói símbolos, ergue e destrói personagens e interfere diretamente nas decisões. Hoje, é mais relevante o que pensa o dono de um jornal do que qualquer parlamentar”. Serrano propõe medidas para disciplinar este “poder imperial”. Reproduzo abaixo trechos desta rica entrevista:
Como você avalia a mídia brasileira hoje? Podemos considerá-la um quarto poder?
Temos duas dimensões do que é considerado mídia. Hoje, há um processo de comunicação que domina todos os ambientes da vida humana. Na realidade, a natureza do capitalismo mudou. Atualmente, ele é mais uma máquina produtora de desejos do que de mercadorias, o chamado fetiche da mercadoria virou o produto principal, muito além da própria aquisição. Um autor chamado Gilles Lipovetsky afirma que a compra e as relações de consumo estão muito mais ligadas à experiência do que ao consumo material. Talvez, nunca em sua história, a humanidade tenha experimentado um período de tanta radicalização do poder do simbólico e da comunicação. Neste quadro, evidentemente, a mídia torna-se um poder social.
Há também a ampliação da caracterização clássica do poder político, o uso da força física num âmbito legítimo e institucional. Hoje, o poder político implica mais do que o uso da força física, trata-se de qualquer tipo de condicionamento da vida humana e os mais diversos ambientes da vida estão permeados por esse tipo de questão.
No Brasil, isso não é diferente. Quando você considera o conceito da mídia, no sentido de quem veicula notícias, o poder que ela tem sobre a vida social e comunitária das pessoas é imenso. A mídia constrói símbolos, ergue e destrói personagens e interfere diretamente nas decisões comunitárias. Hoje, é mais relevante o que pensa o dono de um jornal a qualquer parlamentar. Ele tem mais poder de decisões que interferem diretamente na vida das pessoas. Sem dúvidas, a mídia é um poder. Por isso, defendo a adoção de mecanismos próprios do Direito, ambiente que desde a Revolução Francesa vem acumulando conhecimento e portas de procedimentos em relação ao poder.
Você acha que a adoção de uma lei de imprensa moderna como vigora nos países democráticos faz-se necessária também no Brasil?
Sim. Nós precisamos publicizar as regras da mídia. Existe uma tendência dos jornalistas a acreditar na informação imparcial, a notícia imparcial. Uma idéia que não se sustenta frente a menor observação empírica. A própria escolha do que é um fato jornalístico é uma escolha de valor. Por outro lado, isso não significa que a imparcialidade é tão inatingível que tanto faz. A busca pela imparcialidade não é um fato cientificamente apurável e não se atinge através do discurso científico, mas ela pode ser um valor ético. Óbvio que sujeita a toda subjetividade de qualquer valor, mas, sem dúvidas, é um valor ético.
Notícia e imparcialidade nunca estarão juntas, mas são como duas grandes paralelas, podem estar a centímetros ou a metros, quilômetros de distância. A regulação da produção da notícia deve se dar através de mecanismos de natureza ética. Devemos entender a produção da notícia não como um produto de uma condição necessária ou de algo científica ou parcialmente verificado, mas como produto de um juízo ético.
O segmento de conhecimento humano que mais tem lidado com controlar os poderes através de valores éticos é o direito público. É um fenômeno contemporâneo, você como advogado sabe, a interpenetração entre os direitos público e privado. Por exemplo, ambientes societários adotam leis do direito público; o controle tarifário é feito por concorrência, um controle típico do direito das relações privadas. Você tem uma interpenetração entre os dois fenômenos.
Eu proponho que certos procedimentos próprios do Estado democrático sejam trazidos para a produção da notícia, com vistas à defesa de certos valores. Veja que os princípios jurídicos sempre incidem em tensão, jamais sozinhos, um colide com o outro. É o que ocorre nesse caso. A defesa de uma natureza democrática na produção da notícia se dá nessa tensão.
Grosso modo seria a preservação da identidade de um lado, o direito de informar e de ser informado. Aí a distinção entre essa legislação democrática e uma legislação autoritária que iria contra essa tensão, servindo ao interesse do Estado. Não ponho nessa relação, em nenhum momento, o interesse do Estado como um interesse que deva ser considerado em uma lei de imprensa, até porque o governo geralmente é o principal investigado. Agora, você tem o direito da sociedade a se informar.
Se informar não é só ter acesso à notícia, mas que essa esta seja produzida por um procedimento que garanta o valor ético da imparcialidade. Creio que a sociedade - não os jornalistas, nem os donos de jornais – deva regular esses procedimentos da produção de notícia através de uma lei. Portanto, uma lei democrática de imprensa não vai discutir conteúdos, mas procedimentos. Ou seja, quais são os procedimentos que devem ser adotados na elaboração de uma notícia.
Por exemplo, o outro lado não deve ser uma postura ética do jornal, mas uma válvula jurídica imposta. Quais os critérios desse outro lado? As razões que levam uma editora a negar a veiculação de uma notícia produzida por um jornalista precisam ser motivadas, o princípio da motivação. O dono de jornal está lidando com um assunto de interesse público – aliás, é esse o argumento deles para não serem censurados, o que é correto. Mas se estão realizando uma atividade de interesse público, precisam adotar um procedimento estabelecido por lei para negar, por exemplo, a veiculação da notícia ou para formatar uma notícia de dado modo. Isso tudo precisa ser justificado.
Esse tipo de experimentação, o Estado já tem através do direito público com as licitações, os procedimentos de concurso, os atos administrativos etc. Trazer esse tipo de modo procedimental do direito privado para o âmbito de imprensa, talvez seja o mais adequado. Isso atende não só ao interesse da sociedade, mas também o do jornalista. Na hora em que a produção dele for negada, o editor tem que justificar. É uma forma de atendermos também o direito das pessoas que foram acusadas e tem o direito de produzir a sua defesa.
Como é feito hoje? Vai o jornalista do próprio jornal entrevistar o acusado. Você tem que dar o espaço de, para se a pessoa quiser, ter o seu assessor de imprensa. Que ele produza aquela notícia na formação técnica adequada e ocupe aquele espaço no jornal. Ou seja, temos que aperfeiçoar esses processos que são imperiais. O que vivemos hoje em relação à imprensa é muito semelhante ao período da aristocracia onde havia um imperador que era um governante absoluto do Estado, que não reconhecia na sociedade qualquer cidadão. A cidadania é um direito oponível ao próprio Estado. Não é a supremacia só da lei, mas que esta reconheça direitos da cidadania que possa se opor ao próprio do Estado. E que a formação da vontade estatal seja heterônoma, não autônoma.
Hoje a formação da vontade de um editor é totalmente autônoma, não é heterônoma. Não obstante, eles alegam interesse público, o que é correto, a notícia é de interesse público mesmo. Desde a eleição do que é um fato jornalístico ou não é, o processo de investigação e produção da notícia, o resultado final e a aceitação pela editoria, tudo isso teria que ser procedimentalizado através de uma lei social e democraticamente discutida.
Aproveitar essa vivência própria do direito público que lida com questões do interesse público e transitá-la para o jornalismo. Os donos de jornais teriam consciência de que são donos de uma atividade privada que tem caráter híbrido, ela lida com um objeto que é de interesse público. Não é como vender sapato no supermercado. E os donos de televisão mais ainda são prestadores de serviço público.
Hoje nós não temos uma Lei de Imprensa, nem a teremos em curto prazo. Ainda que a ANJ tenha manifestado interesse nisso, na verdade estamos sem direito de resposta, pois não há uma regulamentação nesse sentido. O que fazemos numa situação como essa? Direito de resposta e indenização à imagem são direitos constitucionais. Regulado ou não, temos que exigir. O poder judiciário tem que respeitar e fazer valer.
Sem dúvida alguma e através de ações, há mecanismos para isso. Houve uma mudança procedimental. Um procedimento próprio de Lei de Imprensa e hoje você entra com uma ação de obrigação para atender essa demanda. Quanto às indenizações, seria bom ter uma lei de imprensa específica com o efeito contrário ao que a ANJ quer fazer. Não devemos ter censura prévia, mas que seja vedado pelo Judiciário - salvo situações excepcionais como guerra, direito de menor - fornecer liminares como esta do Estadão. Por outro lado, como você faz o controle da legalidade da conduta? Através de atitudes repressivas.
A indenização não pode ser na forma como o Direito civil subentende, de compor as perdas e danos. Como nos Estados Unidos, demonstrada a má fé – expressa pela ausência de cumprimento desse procedimento que já falei – o jornal tem que pagar uma indenização que coíba esse tipo de conduta.
O Judiciário funciona como um herético de mercado de preço. Você tem que dissuadir o sujeito de fazer. Dependendo da característica de má fé, a indenização é para quebrar a empresa mesmo, para que ela saia do mercado. O Judiciário funciona como controle herético, serve de exemplo. Na sociedade, todo poder tem que corresponder a uma responsabilidade, esta é a relação do Estado de direito. Se reconhecemos que a mídia tem um espaço de poder grande, tem que ter responsabilidade também, senão fica uma atitude imperial, cada um faz o que quer e não tem responsabilidade nenhuma, domina a vida das pessoas, sem nenhum tipo de limite.
Tem que ter uma lei de imprensa para justamente garantir que não haja censura, como houve agora, mas sobretudo garanta a responsabilidade.
E no caso do direito de resposta, como lidamos com a questão do tempo. Se um processo leva 2, 3, 4 anos, qual o procedimento?
O cidadão é obrigado já na produção da notícia a produzir a resposta. Ele oferece o espaço do investigado. Na verdade, o espaço dedicado à notícia tem que ter o espaço físico destinado ao outro lado. A produção do conteúdo do contraditório não pode ficar a cargo do jornal, se o investigado quiser, ele tem o direito de ter sua própria assessoria para produzir aquela notícia. Se ele tiver problemas, abre mão e concede a entrevista para o jornalista do Jornal, mas ele tem que ter essa possibilidade. O jornal que não cumprir isso está sujeito a sanções repressivas e a pagar indenização. A notícia não deixará de ser veiculada.
Essa experiência acumulada nós temos à mão desde a Revolução Francesa. Como funcionam as coisas quando você tem um valor ético e o desejo de controlar pela sociedade a conduta do poder e ao mesmo tempo garantir a liberdade? Ninguém vai controlar o conteúdo da notícia, mas o procedimento de produção dessa notícia, ou seja, o modo como ela é produzida.
É a forma de lidar com a relação de tensão. Como você garante a liberdade de imprensa? Pelo conteúdo. Ele produz o conteúdo que quiser, a responsabilidade estará se não cumprir determinado procedimento. É imperfeito? É, mas é o mecanismo humano que adquirimos de conhecimento quando lidamos com o Estado que usa a força física que é um poder imenso. O mecanismo seria esse, o outro lado teria que vir junto com a notícia, porque aí você deixa o leitor julgar. O leitor terá seu direito respeitado também. Você produz a notícia, dá sua opinião – o jornal tem um espaço de opinião bem claro do que é opinião e notícia – e na notícia tem que vir o outro lado. E o leitor julga.
Tem que dar um prazo mínimo de tempo antes publicar. Mas o jornalista fala “e o furo”? O furo é interesse privado, não é interesse público.
A questão do furo foi utilizada como um contraponto à criação do blog Fatos e Dados da Petrobras. Eles alegavam que ao montar o blog, a estatal divulgaria perguntas de um determinado jornal, tirando deste informações exclusivas. Na realidade, o Fatos e Dados abriu uma nova página no jornalismo brasileiro e na disputa pela informação no país. Depois da Petrobras, ninguém ficará mais inerte, nem passivo diante uma campanha, como estão fazendo contra ela, nos jornais.
Os mecanismos de comunicação se tornam mais democráticos na medida em que as tecnologias se tornam mais acessíveis. Esse é um exemplo de construção da informação de forma artificial nos meios de comunicação. É um meio de combate. Agora, imagine só, um investigado ter que criar as condições para se defender...
Nem sempre isso é possível porque muitos não têm recursos. Para poder garantir a todos, seus direitos quando investigados pela imprensa, deveríamos criar mecanismos procedimentais dentro da própria imprensa, na produção da notícia, na escolha do fato jornalístico, no processo de produção da versão que seria e que no final chega à elaboração da notícia. Ela tem que ser um produto de um procedimento anterior. E se o jornal não quiser seguir o procedimento arcará com o ônus de não o seguir.
Inclusive, esse procedimento garantiria vários interesses. Do jornalista para fazer veicular a notícia que deseja, mesmo contrariamente à visão do editor. Se é notícia de interesse público, os interesses privados devem se submeter a ele. É mais importante que o investigado se defenda ou que eu garanta o meu furo? É evidente que a defesa é mais importante, esse é um valor humano superior à idéia de se aparecer e apropriar financeiramente das conseqüências de uma notícia.
Então, esse tipo de hierarquização de valores nós não podemos deixar nas mãos dos donos de jornais. A sociedade tem que chamar para si essa hierarquia. Procedimentar a produção da notícia garantiria, inclusive, a possibilidade de todos terem certa a veiculação da sua versão quando forem investigados. Sem falar que melhoraria a condição dos jornais, daria mais legitimidade para a produção de noticias no país, o jornalista passaria a ter um novo papel, mais relevante, inclusive.
Como você está acompanhando o papel da Conferência Nacional de Comunicação? As empresas com exceção da rede TV e a da Bandeirantes, se retiraram do debate.
É natural que os donos de meios de comunicação queiram fazer os seus interesses privados sobreporem aos interesses públicos. Este é um exemplo do que vai se enfrentar. Quando você fala em procedimentalizar notícia está, na verdade, tirando poder dos donos dos meios de comunicação em benefício da sociedade brasileira e da política no sentido mais amplo dessa palavra.
Veja que eles se retiraram de uma Conferência Nacional! É um debate, não custa nada, basta ir lá conversar a respeito do que está sendo proposto. Até para o diálogo eles se negam. Um sinal claro de que ainda temos uma aristocracia imperial dominando a mídia nesse país. De como a lógica ainda é aristocrática, o proprietário é o dominante. Esse é o tipo de noção que a gente verifica.
Com a sua experiência como advogado, como se dá a interferência da mídia nas decisões do âmbito judiciário? Os juízes e tribunais de segunda e terceira instância são influenciados pela mídia?
Muito. O negócio é tão influente que existem dois tipos de casos: os que têm repercussão pública e os que não têm. A máquina estatal judicial e de investigação também funciona de acordo com esse critério. Quando não tem repercussão é lenta, ineficaz, desatenta, burocrática. Quando tem, é mais ágil, completamente oposta, sofre condicionamentos sociais evidentes. É outra modalidade de comportamento.
É tão impactante que se o sujeito adota uma linhagem realista – uma modalidade do direito que detém a condição de previsibilidade nas questões judiciais - ele não tem como desconsiderar a mídia como um dos fatores que deve levar em conta. Em prática forense, uma das aulas que dou na universidade, não dá para não falar de mídia na sala de aula. A idéia da prática, o direito como realidade no setor, não tem jeito.
Há dois tribunais hoje, o formal do Estado e o real da mídia. Você tem que cooperar nos dois, o advogado em sua formação como profissional tem que ter aptidão para lidar com a mídia. Isso é desejável? Para fazer justiça não. Não dessa forma imperial que a mídia produz a notícia hoje. É negativo para o efeito de julgar as pessoas.
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
“Inquisição midiática” na América Latina
O intelectual argentino Claudio Katz é reconhecido mundialmente por suas análises penetrantes e polêmicas sobre a atual fase destrutiva e regressiva do sistema capitalista. Autor de vários livros, ele integra o coletivo “Economistas de Esquerda” (EDI) e hoje dá assessoria ao presidente Hugo Chávez. Em recente entrevista ao sítio Resistir, ele rejeita a idéia de que o pior já passou na recessão mundial. “A situação econômica é muito grave e teremos ainda de bater no fundo, pois estamos no primeiro momento da crise”. Mas, otimista, ele acredita que “o projeto socialista pode maturar nesta turbulência” e fala das mutações recentes na América Latina.
Num dos trechos desta instigante entrevista, Claudio Katz analisa o papel da mídia hegemônica. Indica que as esquerdas, dos mais variados matizes, devem dar mais atenção aos meios privados de comunicação, que hoje exercem uma “grande inquisição midiática” no planeta. Ao tratar da retomada da ofensiva da direita latino-americana, através de golpes, bases militares e conquistas eleitorais, ele destaca esta “novidade”. Reproduzo abaixo os trechos sobre este tema estratégico:
“A influência despótica da mídia”
“A direita cultural, neoconservadora, latino-americana, governou a região durante décadas, e alimenta os governos militares, mantendo um pensamento elitista, liberal e eurocêntrico. Hoje, ela tem grande capacidade de manipulação midiática. Essa é a novidade. Porque governaram historicamente através da igreja, dos seus recursos, das suas escolas, e agora como têm os meios de comunicação sob o seu domínio, elas exercem uma influência despótica através dos mesmos.
Os meios de comunicação são agora o que foi a Igreja Católica?
Eles são a grande inquisição e exercem uma influência nefasta. Por isso me parece tão salutar e transformadora a decisão de Chávez de não renovar a licença da RCTV. Creio que essa medida é muito mais transcendente que qualquer nacionalização de uma empresa siderúrgica.
Com essa resposta, vão dizer que Claudio Katz é um tipo totalitário. Como você responde?
Dizem isso porque para eles manipular monopolisticamente um grupo de meios de comunicação é um exemplo de democracia. Há uma hipocrisia absoluta. Os donos dos meios de comunicação são um punhado de pessoas, um grupo minúsculo que não é eleito. É algo paradoxal, pois se todos os congressistas têm de ser votados e qualquer presidente e governador também, por sua vez os meios de comunicação, que têm um poder muito mais sólido e estável que todas as autoridades eleitas de qualquer país, e esses ninguém elege, são puro poder do divino. Dizem que competem entre si através da mudança dos canais, mas a oferta é minúscula. Ou seja, o telespectador pode optar entre a CNN e a Globovisión, mas isso nada muda, vêem o mesmo.
Como é possível democratizar os meios de comunicação na América Latina?
Do mesmo modo como se democratiza qualquer instituição. Os meios de comunicação não podem ser privilegiados em relação a outras instituições. Temos que democratizar a vida política, as escolas, as instituições, as forças armadas, a sociedade, tudo. Tem de haver uma preocupação quotidiana de acabar com as discriminações de gênero, de raça, de etnia. Na América Latina estamos mudando as constituições de muitos países para incorporar novos direitos, para incorporar os direitos esquecidos dos indígenas, da juventude, das crianças. Ou seja, o desenvolvimento da sociedade é a ampliação dos direitos. O único direito de que não se pode falar é o direito à comunicação. Esse quer ser intocável.
O sociólogo brasileiro Emir Sader, atual secretário executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), dizia que os meios de comunicação, para serem democratizados, necessariamente teriam que passar ao controle do Estado. Concorda?
Creio que têm de ser propriedade pública. Mas, atenção, eles não podem ser manuseados por um governo, porque isso levaria a formas totalitárias. Há muitas experiências nos últimos 50 ou 60 anos de instituições públicas que não dependem do governo. O caso da BBC de Londres é muito comentado. Não o estudei, mas conheço muitas experiências onde o importante é que estejam sujeitos a um regime legal que impeça a sua manipulação pelo governo, por exemplo. Não podemos passar de meios manipulados por grupos capitalistas a meios manipulados por governos. Tem que haver liberdade informativa, mas também propriedade pública. Creio que há que discutir os mecanismos de propriedade democrática dos meios de comunicação.
Num dos trechos desta instigante entrevista, Claudio Katz analisa o papel da mídia hegemônica. Indica que as esquerdas, dos mais variados matizes, devem dar mais atenção aos meios privados de comunicação, que hoje exercem uma “grande inquisição midiática” no planeta. Ao tratar da retomada da ofensiva da direita latino-americana, através de golpes, bases militares e conquistas eleitorais, ele destaca esta “novidade”. Reproduzo abaixo os trechos sobre este tema estratégico:
“A influência despótica da mídia”
“A direita cultural, neoconservadora, latino-americana, governou a região durante décadas, e alimenta os governos militares, mantendo um pensamento elitista, liberal e eurocêntrico. Hoje, ela tem grande capacidade de manipulação midiática. Essa é a novidade. Porque governaram historicamente através da igreja, dos seus recursos, das suas escolas, e agora como têm os meios de comunicação sob o seu domínio, elas exercem uma influência despótica através dos mesmos.
Os meios de comunicação são agora o que foi a Igreja Católica?
Eles são a grande inquisição e exercem uma influência nefasta. Por isso me parece tão salutar e transformadora a decisão de Chávez de não renovar a licença da RCTV. Creio que essa medida é muito mais transcendente que qualquer nacionalização de uma empresa siderúrgica.
Com essa resposta, vão dizer que Claudio Katz é um tipo totalitário. Como você responde?
Dizem isso porque para eles manipular monopolisticamente um grupo de meios de comunicação é um exemplo de democracia. Há uma hipocrisia absoluta. Os donos dos meios de comunicação são um punhado de pessoas, um grupo minúsculo que não é eleito. É algo paradoxal, pois se todos os congressistas têm de ser votados e qualquer presidente e governador também, por sua vez os meios de comunicação, que têm um poder muito mais sólido e estável que todas as autoridades eleitas de qualquer país, e esses ninguém elege, são puro poder do divino. Dizem que competem entre si através da mudança dos canais, mas a oferta é minúscula. Ou seja, o telespectador pode optar entre a CNN e a Globovisión, mas isso nada muda, vêem o mesmo.
Como é possível democratizar os meios de comunicação na América Latina?
Do mesmo modo como se democratiza qualquer instituição. Os meios de comunicação não podem ser privilegiados em relação a outras instituições. Temos que democratizar a vida política, as escolas, as instituições, as forças armadas, a sociedade, tudo. Tem de haver uma preocupação quotidiana de acabar com as discriminações de gênero, de raça, de etnia. Na América Latina estamos mudando as constituições de muitos países para incorporar novos direitos, para incorporar os direitos esquecidos dos indígenas, da juventude, das crianças. Ou seja, o desenvolvimento da sociedade é a ampliação dos direitos. O único direito de que não se pode falar é o direito à comunicação. Esse quer ser intocável.
O sociólogo brasileiro Emir Sader, atual secretário executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), dizia que os meios de comunicação, para serem democratizados, necessariamente teriam que passar ao controle do Estado. Concorda?
Creio que têm de ser propriedade pública. Mas, atenção, eles não podem ser manuseados por um governo, porque isso levaria a formas totalitárias. Há muitas experiências nos últimos 50 ou 60 anos de instituições públicas que não dependem do governo. O caso da BBC de Londres é muito comentado. Não o estudei, mas conheço muitas experiências onde o importante é que estejam sujeitos a um regime legal que impeça a sua manipulação pelo governo, por exemplo. Não podemos passar de meios manipulados por grupos capitalistas a meios manipulados por governos. Tem que haver liberdade informativa, mas também propriedade pública. Creio que há que discutir os mecanismos de propriedade democrática dos meios de comunicação.
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
Pela imediata privatização da revista Veja
Numa conversa descontraída no aeroporto de Brasília, o irreverente Sérgio Amadeu, professor da Faculdade Cásper Libero e uma das maiores autoridades brasileiras em internet, deu uma idéia brilhante. Propôs o início imediato de uma campanha nacional pela privatização da Veja. Afinal, a poderosa Editora Abril, que publica a revista semanal preferida das elites colonizadas, sempre pregou a redução do papel do Estado, mas vive surrupiando os cofres públicos. “Se não fossem os subsídios e a publicidade oficial, as revistas da Abril iriam à falência”, prognosticou Serginho.
As “generosidades” do governo Lula
Pesquisas recentes confirmam a sua tese. Carlos Lopes, editor do jornal Hora do Povo, descobriu no Portal da Transparência que “nos últimos cinco anos, o Ministério da Educação repassou ao grupo Abril a quantia de R$ 719.630.139,55 para compra de livros didáticos. Foi o maior repasse de recursos públicos destinados a livros didáticos dentre todos os grupos editoriais do país... Nenhum outro recebeu, nesse período, tanto dinheiro do MEC. Desde 2004, o grupo da Veja ficou com mais de um quinto dos recursos (22,45%) do MEC para compra de livros didáticos”.
Indignado, Carlos Lopes criticou. “O MEC, infelizmente, está adotando uma política de fornecer dinheiro público para que o Civita sustente seu panfleto – a revista Veja”. Realmente, é um baita absurdo que o governo Lula ajude a “alimentar cobras”, financiando o Grupo Abril com compras milionárias de publicações questionáveis, isenção fiscal em papel e publicidade oficial. Não há o que justifique tamanha bondade com inimigos tão ferrenhos da democracia e da ética jornalística. Ou é muita ingenuidade, ou muito pragmatismo, ou muita tibieza. Ou as três “virtudes” juntas.
A relação promiscua com os tucanos
Já da parte de governos demos-tucanos, o apoio à famíglia Civita é perfeitamente compreensível. Afinal, a Editora Abril é hoje o principal quartel-general da oposição golpista no país e a revista Veja é o mais atuante e corrosivo partido da direita brasileira. Não é de se estranhar suas relações promíscuas com o presidenciável José Serra e outros expoentes do PSDB-DEM. Recentemente, o Ministério Público Estadual acolheu representação do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e abriu o inquérito civil número 249 para apurar irregularidades no contrato firmado entre o governo paulista e a Editora Abril na compra de 220 mil assinaturas da revista Nova Escola.
A compra de 220 mil assinaturas representa quase 25% da tiragem total da revista Nova Escola e injetou R$ 3,7 milhões aos cofres do “barão da mídia” Victor Civita. Mas este não é o único caso de privilégio ao grupo direitista. José Serra também apresentou proposta curricular que obriga a inclusão no ensino médio de aulas baseadas nas edições encalhadas do “Guia do Estudante”, outra publicação da Abril. Como observa o deputado Ivan Valente, “cada vez mais, a editora ocupa espaço nas escolas de São Paulo. Isso totaliza, hoje, cerca de R$ 10 milhões de recursos públicos destinados a esta instituição privada, considerando apenas o segundo semestre de 2008”.
O mensalão da mídia golpista
Segundo o blog NaMariaNews, que monitora a deterioração da educação em São Paulo, o rombo nos cofres públicos pode ser ainda maior. Numa minuciosa pesquisa aos editais publicados no Diário Oficial, o blog descobriu o que parece ser um autêntico “mensalão” pago pelo tucanato ao Grupo Abril e a outras editoras, como Globo e Folha. Os dados são impressionantes e reforçam a sugestão de Sérgio Amadeu da deflagração imediata da campanha pela “privatização” da revista Veja. Chega de sugar os cofres públicos! Reproduzo abaixo algumas mamatas do Grupo Civita:
- DO de 23 de outubro de 2007. Fundação Victor Civita. Assinatura da revista Nova Escola, destinada às escolas da rede estadual de ensino. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 408.600,00. Data da assinatura: 27/09/2007. No seu despacho, a diretora de projetos especial da secretaria declara “inexigível licitação, pois se trata de renovação de 18.160 assinaturas da revista Nova Escola.
- DO de 29 de março de 2008. Editora Abril. Aquisição de 6.000 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 2.142.000,00. Data da assinatura: 14/03/2008.
- DO de 23 de abril de 2008. Editora Abril. Aquisição de 415.000 exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 30 dias. Valor: R$ 2.437.918,00. Data da assinatura: 15/04/2008.
- DO de 12 de agosto de 2008. Editora Abril. Aquisição de 5.155 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 1.840.335,00. Data da assinatura: 23/07/2008.
- DO de 22 de outubro de 2008. Editora Abril. Impressão, manuseio e acabamento de 2 edições do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 4.363.425,00. Data da assinatura: 08/09/2008.
- DO de 25 de outubro de 2008. Fundação Victor Civita. Aquisição de 220.000 assinaturas da revista Nova Escola. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 3.740.000,00. Data da assinatura: 01/10/2008.
- DO de 11 de fevereiro de 2009. Editora Abril. Aquisição de 430.000 exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 2.498.838,00. Data da assinatura: 05/02/2009.
- DO de 17 de abril de 2009. Editora Abril. Aquisição de 25.702 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 608 dias. Valor: R$ 12.963.060,72. Data da assinatura: 09/04/2009.
- DO de 20 de maio de 2009. Editora Abril. Aquisição de 5.449 assinaturas da revista Veja. Prazo: 364 dias. Valor: R$ 1.167.175,80. Data da assinatura: 18/05/2009.
- DO de 16 de junho de 2009. Editora Abril. Aquisição de 540.000 exemplares do Guia do Estudante e de 25.000 exemplares da publicação Atualidades – Revista do Professor. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 3.143.120,00. Data da assinatura: 10/06/2009.
Para não parecer perseguição à asquerosa revista Veja, cito alguns dados do blog sobre a compra de outras publicações. O Diário Oficial de 12 de maio passado informa que o governo José Serra comprou 5.449 assinaturas do jornal Folha de S.Paulo, que desde a “ditabranda” viu desabar sua credibilidade e perdeu assinantes. Valor da generosidade tucana: R$ 2.704.883,60. Já o DO de 15 de maio publica a compra de 5.449 assinaturas do jornalão oligárquico O Estado de S.Paulo por R$ 2.691.806,00. E o de 21 de maio informa a aquisição de 5.449 assinaturas da revista Época, da Globo, por R$ 1.190.061,60. Depois estes veículos criticam o “mensalão” no parlamento.
As “generosidades” do governo Lula
Pesquisas recentes confirmam a sua tese. Carlos Lopes, editor do jornal Hora do Povo, descobriu no Portal da Transparência que “nos últimos cinco anos, o Ministério da Educação repassou ao grupo Abril a quantia de R$ 719.630.139,55 para compra de livros didáticos. Foi o maior repasse de recursos públicos destinados a livros didáticos dentre todos os grupos editoriais do país... Nenhum outro recebeu, nesse período, tanto dinheiro do MEC. Desde 2004, o grupo da Veja ficou com mais de um quinto dos recursos (22,45%) do MEC para compra de livros didáticos”.
Indignado, Carlos Lopes criticou. “O MEC, infelizmente, está adotando uma política de fornecer dinheiro público para que o Civita sustente seu panfleto – a revista Veja”. Realmente, é um baita absurdo que o governo Lula ajude a “alimentar cobras”, financiando o Grupo Abril com compras milionárias de publicações questionáveis, isenção fiscal em papel e publicidade oficial. Não há o que justifique tamanha bondade com inimigos tão ferrenhos da democracia e da ética jornalística. Ou é muita ingenuidade, ou muito pragmatismo, ou muita tibieza. Ou as três “virtudes” juntas.
A relação promiscua com os tucanos
Já da parte de governos demos-tucanos, o apoio à famíglia Civita é perfeitamente compreensível. Afinal, a Editora Abril é hoje o principal quartel-general da oposição golpista no país e a revista Veja é o mais atuante e corrosivo partido da direita brasileira. Não é de se estranhar suas relações promíscuas com o presidenciável José Serra e outros expoentes do PSDB-DEM. Recentemente, o Ministério Público Estadual acolheu representação do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e abriu o inquérito civil número 249 para apurar irregularidades no contrato firmado entre o governo paulista e a Editora Abril na compra de 220 mil assinaturas da revista Nova Escola.
A compra de 220 mil assinaturas representa quase 25% da tiragem total da revista Nova Escola e injetou R$ 3,7 milhões aos cofres do “barão da mídia” Victor Civita. Mas este não é o único caso de privilégio ao grupo direitista. José Serra também apresentou proposta curricular que obriga a inclusão no ensino médio de aulas baseadas nas edições encalhadas do “Guia do Estudante”, outra publicação da Abril. Como observa o deputado Ivan Valente, “cada vez mais, a editora ocupa espaço nas escolas de São Paulo. Isso totaliza, hoje, cerca de R$ 10 milhões de recursos públicos destinados a esta instituição privada, considerando apenas o segundo semestre de 2008”.
O mensalão da mídia golpista
Segundo o blog NaMariaNews, que monitora a deterioração da educação em São Paulo, o rombo nos cofres públicos pode ser ainda maior. Numa minuciosa pesquisa aos editais publicados no Diário Oficial, o blog descobriu o que parece ser um autêntico “mensalão” pago pelo tucanato ao Grupo Abril e a outras editoras, como Globo e Folha. Os dados são impressionantes e reforçam a sugestão de Sérgio Amadeu da deflagração imediata da campanha pela “privatização” da revista Veja. Chega de sugar os cofres públicos! Reproduzo abaixo algumas mamatas do Grupo Civita:
- DO de 23 de outubro de 2007. Fundação Victor Civita. Assinatura da revista Nova Escola, destinada às escolas da rede estadual de ensino. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 408.600,00. Data da assinatura: 27/09/2007. No seu despacho, a diretora de projetos especial da secretaria declara “inexigível licitação, pois se trata de renovação de 18.160 assinaturas da revista Nova Escola.
- DO de 29 de março de 2008. Editora Abril. Aquisição de 6.000 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 2.142.000,00. Data da assinatura: 14/03/2008.
- DO de 23 de abril de 2008. Editora Abril. Aquisição de 415.000 exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 30 dias. Valor: R$ 2.437.918,00. Data da assinatura: 15/04/2008.
- DO de 12 de agosto de 2008. Editora Abril. Aquisição de 5.155 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 1.840.335,00. Data da assinatura: 23/07/2008.
- DO de 22 de outubro de 2008. Editora Abril. Impressão, manuseio e acabamento de 2 edições do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 4.363.425,00. Data da assinatura: 08/09/2008.
- DO de 25 de outubro de 2008. Fundação Victor Civita. Aquisição de 220.000 assinaturas da revista Nova Escola. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 3.740.000,00. Data da assinatura: 01/10/2008.
- DO de 11 de fevereiro de 2009. Editora Abril. Aquisição de 430.000 exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 2.498.838,00. Data da assinatura: 05/02/2009.
- DO de 17 de abril de 2009. Editora Abril. Aquisição de 25.702 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 608 dias. Valor: R$ 12.963.060,72. Data da assinatura: 09/04/2009.
- DO de 20 de maio de 2009. Editora Abril. Aquisição de 5.449 assinaturas da revista Veja. Prazo: 364 dias. Valor: R$ 1.167.175,80. Data da assinatura: 18/05/2009.
- DO de 16 de junho de 2009. Editora Abril. Aquisição de 540.000 exemplares do Guia do Estudante e de 25.000 exemplares da publicação Atualidades – Revista do Professor. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 3.143.120,00. Data da assinatura: 10/06/2009.
Para não parecer perseguição à asquerosa revista Veja, cito alguns dados do blog sobre a compra de outras publicações. O Diário Oficial de 12 de maio passado informa que o governo José Serra comprou 5.449 assinaturas do jornal Folha de S.Paulo, que desde a “ditabranda” viu desabar sua credibilidade e perdeu assinantes. Valor da generosidade tucana: R$ 2.704.883,60. Já o DO de 15 de maio publica a compra de 5.449 assinaturas do jornalão oligárquico O Estado de S.Paulo por R$ 2.691.806,00. E o de 21 de maio informa a aquisição de 5.449 assinaturas da revista Época, da Globo, por R$ 1.190.061,60. Depois estes veículos criticam o “mensalão” no parlamento.
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
Cruzada midiática contra reforma agrária
Desde a decisão do governo Lula de atualizar os índices de produtividade rural, cedendo à forte pressão da jornada de luta do MST em agosto, os barões do agronegócio, sua mídia venal e sua bancada ruralista deflagraram agressiva cruzada contra a reforma agrária. A Rede Globo acionou seus “especialistas” para bombardear a medida. Já a TV Bandeirantes, da família Saad, dona de 16 fazendas e 4.500 hectares de terras em São Paulo, estrebuchou em editorial. Entre os jornais, o oligárquico Estadão foi o mais histérico. A Folha manteve sua linha de futricas, estimulando a cizânia entre governo e movimentos sociais, e a asquerosa Veja demonizou novamente o MST.
A correção dos índices é uma exigência legal e não deveria gerar tanto histerismo. Segundo João Paulo Rodrigues, integrante da coordenação nacional do MST, “a lei determina que os índices sejam atualizados. Atualmente, o Incra usa dados defasados do IBGE de 1975 como parâmetros para as desapropriações. A Constituição Federal estabeleceu que a propriedade da terra é um bem da natureza, que a rigor pertence aos brasileiros. Por isso, está condicionada pela sociedade a cumprir função social. Se o uso da terra não cumpre a função social, ela deve ser desapropriada pelo Estado. A sociedade será beneficiada porque a atualização obriga o latifundiário atrasado a aumentar a produção ou entregar suas terras ao governo”.
Ainda segundo o líder dos sem-terra, “a atualização dos índices dará mais agilidades e condições para o governo cumprir a lei e desapropriar fazendas que são improdutivas, mas que se escondem atrás dos números de 1975. Mesmo assim, serão utilizados dados de 1996, ou seja, ainda com dez anos de atraso. Os ruralistas que têm medo da atualização não produzem e usam as terras para especulação ou reserva de valor. Aqueles que estiveram produzindo, nada precisam temer. Se o governo aumentar as desapropriações para a reforma agrária, é evidente que vai diminuir a pobreza e a desigualdade no campo e, com isso, diminuem os conflitos”.
CPT elogia Lula e critica o latifúndio
Diante da pressão dos ruralistas, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou uma nota bastante elucidativa, assinada por seu presidente nacional, Dom Ladislau Biernaski. Reproduzo-a abaixo:
O anúncio pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva de atualização dos índices de produtividade da terra desencadeou uma furiosa campanha da bancada ruralista contra a medida, apoiada pela grande maioria da poderosa mídia e pelo ministro da Agricultura Reinhold Stephanes, usando da mentira e de argumentos falaciosos, destinados a enganar a opinião pública e a derrubar a iniciativa governamental. A CPT Nacional vem, pois, a público mostrar o outro lado da moeda.
Está de parabéns o senhor presidente por este gesto histórico que trará um grande e benéfico desenvolvimento para todo o nosso povo. Ao assinar esta atualização, atrasada há mais de 30 anos, Lula estará simplesmente cumprindo a Lei Agrária 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 que no artigo 11 determina o seguinte: “Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional”.
Recordes de produtividade e concentração
Ora, o estudo “Fontes e Crescimento da Agricultura Brasileira” divulgado em julho de 2009 pelo próprio Ministério da Agricultura revela que, de 1975 a 2008, a taxa de crescimento do produto agropecuário foi de 3,68 % ao ano. No período de 2000 a 2008, o crescimento foi de 5,59% como média anual. Em 1975 produziam-se 10,8 quilos de carne bovina por hectare; hoje são 38.6 quilos; a produção de leite por hectare multiplicou-se por 3,6 e a de carne e aves saltou de 372,7 mil toneladas em 1975, para 10.18 milhões em 2008, segundo o mesmo estudo.
A comparação com outros países demonstra que, no Brasil, o crescimento do PTF (Produtividade Total dos Fatores) foi o mais elevado: 4,98% entre 2000 e 2008. Na China, de 2000 a 2006 foi de 3,2%. Nos Estados Unidos, entre 1975 e 2006, foi de 1,95%. Na Argentina, de excepcionais recursos naturais, foi de 1,84%, entre 1960 a 2000. A conclusão óbvia a que se chega é que por trás desta guerra da bancada ruralista, teimando em manter os velhos índices de produtividade de 1975, está o intento de preservar o latifúndio improdutivo das empresas nacionais e estrangeiras, desconsiderando a função social da propriedade, estabelecida na nossa Constituição Federal, continuando o Brasil, assim, o campeão mundial do latifúndio depois de Serra Leoa.
Os argumentos mentirosos
Eles levantam repetidamente o número de 400 mil propriedades rurais que seriam afetadas pela medida, inviabilizando assim toda a produção agrícola no país. Na realidade este número corresponde a apenas 10 % das propriedades rurais, embora ocupem 42,6% das terras. Com efeito, das 4.238.447 propriedades cadastradas pelo Incra, 3.838.000, ou seja, 90 % não seriam afetadas pela medida. São estas propriedades as que garantem 70% do alimento que é posto na mesa dos brasileiros. Ao passo que essas outras 400 mil, com o ferrenho apoio da bancada ruralista, são as que recorrem ao governo para adiar indefinidamente o pagamento de suas dívidas com os bancos, como a imprensa tem noticiado com freqüência.
À crítica à anunciada medida juntou-se também uma raivosa criminalização dos movimentos de trabalhadores no campo, da forma mais generalizada e iníqua. Entretanto o que se vê no nosso campo é o deprimente espetáculo da multiplicação dos acampamentos de sem-terra que se sujeitam, por anos a fio, a condições inumanas de vida na fila da realização, um dia, do sonho da terra prometida de viver e trabalhar.
Os dados de ocupações de terra e de acampamentos, registrados pela CPT e divulgados anualmente mostram um quadro preocupante. Onde há maior concentração de sem-terra é onde o número de assentamentos é menor. E isso justamente ao lado de áreas improdutivas, que a atualização dos índices poderia facilmente disponibilizar para assentamento das famílias. Em 2007, no Nordeste se concentraram 38,3% das ocupações e acampamentos envolvendo 42,5% das famílias, No Centro-Sul, aconteceram 49,5% das ações envolvendo 43,5% das famílias. Porém os assentamentos promovidos pelo governo aconteceram na sua maioria na Amazônia, onde há mais disponibilidade de terras públicas, distantes dos centros habitados.
“Uma exigência de justiça social”
Fica claro, pois, que onde há mais procura por terra, no Nordeste e no Centro-Sul, há menos disponibilidade de terras. E um dos fatores que limita esta disponibilidade são os índices defasados de produtividade. Ao lado disso, no Sul, onde foram assentadas somente 2,6% das famílias, estas tiveram uma participação de 42,06% do total da produção nacional de grãos. Portanto a atualização dos índices de produtividade poderá disponibilizar muito mais áreas em regiões mais propícias ao cultivo de grãos, onde há mais busca por terra e onde a tradição agrícola é mais forte.
Diante de tudo isso, a CPT Nacional declara que a alvissareira atualização dos novos índices de produtividade da terra, tantas vezes protelada, é uma exigência de justiça social. Mas a superação da secular estrutural injustiça social no campo e do resgate da dívida social para com os excluídos da terra, vítimas da nefasta política do sistema corrupto e violento que defende a ferro e fogo a arcaica estrutura agrária alicerçada no latifúndio, só se concretizará quando se colocarem em nossa Constituição limites para a propriedade da terra. Então, a partir disso, será possível uma real democratização ao acesso a terra.
A correção dos índices é uma exigência legal e não deveria gerar tanto histerismo. Segundo João Paulo Rodrigues, integrante da coordenação nacional do MST, “a lei determina que os índices sejam atualizados. Atualmente, o Incra usa dados defasados do IBGE de 1975 como parâmetros para as desapropriações. A Constituição Federal estabeleceu que a propriedade da terra é um bem da natureza, que a rigor pertence aos brasileiros. Por isso, está condicionada pela sociedade a cumprir função social. Se o uso da terra não cumpre a função social, ela deve ser desapropriada pelo Estado. A sociedade será beneficiada porque a atualização obriga o latifundiário atrasado a aumentar a produção ou entregar suas terras ao governo”.
Ainda segundo o líder dos sem-terra, “a atualização dos índices dará mais agilidades e condições para o governo cumprir a lei e desapropriar fazendas que são improdutivas, mas que se escondem atrás dos números de 1975. Mesmo assim, serão utilizados dados de 1996, ou seja, ainda com dez anos de atraso. Os ruralistas que têm medo da atualização não produzem e usam as terras para especulação ou reserva de valor. Aqueles que estiveram produzindo, nada precisam temer. Se o governo aumentar as desapropriações para a reforma agrária, é evidente que vai diminuir a pobreza e a desigualdade no campo e, com isso, diminuem os conflitos”.
CPT elogia Lula e critica o latifúndio
Diante da pressão dos ruralistas, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou uma nota bastante elucidativa, assinada por seu presidente nacional, Dom Ladislau Biernaski. Reproduzo-a abaixo:
O anúncio pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva de atualização dos índices de produtividade da terra desencadeou uma furiosa campanha da bancada ruralista contra a medida, apoiada pela grande maioria da poderosa mídia e pelo ministro da Agricultura Reinhold Stephanes, usando da mentira e de argumentos falaciosos, destinados a enganar a opinião pública e a derrubar a iniciativa governamental. A CPT Nacional vem, pois, a público mostrar o outro lado da moeda.
Está de parabéns o senhor presidente por este gesto histórico que trará um grande e benéfico desenvolvimento para todo o nosso povo. Ao assinar esta atualização, atrasada há mais de 30 anos, Lula estará simplesmente cumprindo a Lei Agrária 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 que no artigo 11 determina o seguinte: “Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional”.
Recordes de produtividade e concentração
Ora, o estudo “Fontes e Crescimento da Agricultura Brasileira” divulgado em julho de 2009 pelo próprio Ministério da Agricultura revela que, de 1975 a 2008, a taxa de crescimento do produto agropecuário foi de 3,68 % ao ano. No período de 2000 a 2008, o crescimento foi de 5,59% como média anual. Em 1975 produziam-se 10,8 quilos de carne bovina por hectare; hoje são 38.6 quilos; a produção de leite por hectare multiplicou-se por 3,6 e a de carne e aves saltou de 372,7 mil toneladas em 1975, para 10.18 milhões em 2008, segundo o mesmo estudo.
A comparação com outros países demonstra que, no Brasil, o crescimento do PTF (Produtividade Total dos Fatores) foi o mais elevado: 4,98% entre 2000 e 2008. Na China, de 2000 a 2006 foi de 3,2%. Nos Estados Unidos, entre 1975 e 2006, foi de 1,95%. Na Argentina, de excepcionais recursos naturais, foi de 1,84%, entre 1960 a 2000. A conclusão óbvia a que se chega é que por trás desta guerra da bancada ruralista, teimando em manter os velhos índices de produtividade de 1975, está o intento de preservar o latifúndio improdutivo das empresas nacionais e estrangeiras, desconsiderando a função social da propriedade, estabelecida na nossa Constituição Federal, continuando o Brasil, assim, o campeão mundial do latifúndio depois de Serra Leoa.
Os argumentos mentirosos
Eles levantam repetidamente o número de 400 mil propriedades rurais que seriam afetadas pela medida, inviabilizando assim toda a produção agrícola no país. Na realidade este número corresponde a apenas 10 % das propriedades rurais, embora ocupem 42,6% das terras. Com efeito, das 4.238.447 propriedades cadastradas pelo Incra, 3.838.000, ou seja, 90 % não seriam afetadas pela medida. São estas propriedades as que garantem 70% do alimento que é posto na mesa dos brasileiros. Ao passo que essas outras 400 mil, com o ferrenho apoio da bancada ruralista, são as que recorrem ao governo para adiar indefinidamente o pagamento de suas dívidas com os bancos, como a imprensa tem noticiado com freqüência.
À crítica à anunciada medida juntou-se também uma raivosa criminalização dos movimentos de trabalhadores no campo, da forma mais generalizada e iníqua. Entretanto o que se vê no nosso campo é o deprimente espetáculo da multiplicação dos acampamentos de sem-terra que se sujeitam, por anos a fio, a condições inumanas de vida na fila da realização, um dia, do sonho da terra prometida de viver e trabalhar.
Os dados de ocupações de terra e de acampamentos, registrados pela CPT e divulgados anualmente mostram um quadro preocupante. Onde há maior concentração de sem-terra é onde o número de assentamentos é menor. E isso justamente ao lado de áreas improdutivas, que a atualização dos índices poderia facilmente disponibilizar para assentamento das famílias. Em 2007, no Nordeste se concentraram 38,3% das ocupações e acampamentos envolvendo 42,5% das famílias, No Centro-Sul, aconteceram 49,5% das ações envolvendo 43,5% das famílias. Porém os assentamentos promovidos pelo governo aconteceram na sua maioria na Amazônia, onde há mais disponibilidade de terras públicas, distantes dos centros habitados.
“Uma exigência de justiça social”
Fica claro, pois, que onde há mais procura por terra, no Nordeste e no Centro-Sul, há menos disponibilidade de terras. E um dos fatores que limita esta disponibilidade são os índices defasados de produtividade. Ao lado disso, no Sul, onde foram assentadas somente 2,6% das famílias, estas tiveram uma participação de 42,06% do total da produção nacional de grãos. Portanto a atualização dos índices de produtividade poderá disponibilizar muito mais áreas em regiões mais propícias ao cultivo de grãos, onde há mais busca por terra e onde a tradição agrícola é mais forte.
Diante de tudo isso, a CPT Nacional declara que a alvissareira atualização dos novos índices de produtividade da terra, tantas vezes protelada, é uma exigência de justiça social. Mas a superação da secular estrutural injustiça social no campo e do resgate da dívida social para com os excluídos da terra, vítimas da nefasta política do sistema corrupto e violento que defende a ferro e fogo a arcaica estrutura agrária alicerçada no latifúndio, só se concretizará quando se colocarem em nossa Constituição limites para a propriedade da terra. Então, a partir disso, será possível uma real democratização ao acesso a terra.
terça-feira, 8 de setembro de 2009
Mídia dá proteção ao narcoterrorista Uribe
Com denúncias de compra de votos e de outras maracutaias, o parlamento da Colômbia aprovou em agosto o projeto de lei que permite ao presidente Álvaro Uribe disputar um terceiro mandato. A mídia hegemônica, que fez tanto estardalhaço contra as sucessivas vitórias eleitorais de Hugo Chávez e que espalhou terrorismo contra a hipotética reeleição de Lula, não deu maior destaque à corrupta aprovação deste projeto. No máximo, forçou uma comparação entre Uribe e Chávez, que não corresponde aos fatos. Na prática, a mídia dá proteção ao narcoterrorista Álvaro Uribe.
Este silêncio cúmplice causou indignação em diversos setores da sociedade. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini, ironizou a omissão da mídia e dos histéricos líderes do PSDB, DEM e PPS. “Na reeleição de Chávez ou num terceiro mandato para Lula, sempre houve reação feroz destes setores, mas com Álvaro Uribe, um preposto dos EUA, há um silêncio escandaloso. Esse comportamento seria estranho se não fosse óbvio”, cutucou. “Esse é o posicionamento claro da grande mídia, que faz uma diferenciação dos governos alinhados com os EUA e aqueles que são voltados às demandas populares e às propostas de integração da América Latina”, observou o professor Laurindo Lalo Leal Filho, um atento observador crítico da mídia hegemônica.
Cobertura seletiva da “doce mídia”
O blog “Os amigos do presidente Lula” fez uma pesquisa no Google para evidenciar a distorção na cobertura. Ao usar as palavras-chave “reeleição Chávez”, encontrou aproximadamente 1.370 resultados só neste ano. No mesmo período, com as palavras-chave “reeleição Uribe”, encontrou apenas 598, menos da metade. Já o jornalista Renato Rovai ridicularizou no seu blog a cobertura seletiva da “nossa doce mídia”. Ela trata o presidente Hugo Chávez como “a personificação do demônio”; já Uribe, acusado de corrupção e fantoche do militarismo ianque, é um “good-boy”.
“A Câmara da Colômbia aprovou, com 85 votos a favor e cinco contra, a proposta que permite a Uribe iniciar o caminho para se re-candidatar à sua sucessão. Eram necessários 84 votos. O mais escroto (perdão, não tenho palavra mais precisa) desse processo é que dos 165 deputados colombianos, 92 estavam impedidos de votar devido a um processo na Suprema Corte de Justiça. Entre outras coisas, os processos são por evidências de que venderam seus votos para o governo. É incrível como a indignação da nossa doce mídia é seletiva”, ironizou Rovai.
Advogado do Cartel de Medellín
Em mais este episódio, a mídia hegemônica brasileira demonstra que é totalmente colonizada. É um filial das ambições imperiais dos EUA, que acabam de instalar novas bases militares no país vizinho, colocando em risco a segurança do continente. Ao relativizar a corrupção na votação do projeto ou ao comparar Chávez com Uribe, ela mente descaradamente. Ela sabe que o presidente colombiano é um ditador sanguinário, com sólidas ligações com o narcotráfico. Os “colunistas” bem pagos da mídia deveriam ler o livro “Amando Pablo, odiando Escobar”, escrito por Virgínia Vallejo, ex-apresentadora de TV e ex-amante do chefão do Cartel de Medellín, Pablo Escobar.
Em caso de preguiça “seletiva”, poderiam recuperar a entrevista dada por ela ao repórter César Tralli, da TV Globo. Na ocasião, Virgínia Vallejo lembrou que Álvaro Uribe, quando dirigiu o Departamento de Aviação Civil da Colômbia (1980/82), facilitou o tráfico de drogas aos EUA. “Pablo dizia que se não fosse por esse ‘rapaz bendito’ ele ainda estaria transportando cocaína em porta-malas de carros e nadando até Miami para levar a cocaína para os gringos... Os aviões do narcotráfico podiam aterrissar e levantar vôo diretamente para Bahamas de suas próprias pistas. Uribe tinha dado licença para as pistas e também para toda sua frota de aviões e helicópteros”.
A ignorância dos “serviçais da CIA”
Estes “colunistas de aluguel” também deveriam consultar o livro de Joseph Contreras, jornalista da Newsweek, intitulado “El señor de las sombras”. As 260 páginas desta valiosa obra são ricas em informações sobre a trajetória do narcoterrorista que preside a Colômbia. Ou, como muitos mantêm excelentes relações com a CIA, eles deveriam ler o relatório do serviço de inteligência do Departamento de Defesa dos EUA, datado de setembro de 1991 e liberado recentemente ao público. Ele lista os 100 principais colombianos envolvidos no tráfico de cocaína aos EUA.
Na página 82 do documento surge uma informação bombástica: “Álvaro Uribe Vélez, político e senador colombiano, dedicou-se à colaboração com o Cartel de Medellín em níveis elevados do governo... Uribe trabalhou para o cartel e é amigo próximo de Pablo Escobar Gaviria”. Seu pai, Alberto Uribe Sierra, chegou a ser preso e seu processo de extradição aos EUA foi negado graças à ação do filho. Um helicóptero do Cartel de Medellín foi usado no enterro do pai de Uribe. Será que os “colunistas” da mídia brasileira não conhecem este relatório revelador?
Já no que se refere à “democracia liberal” da Colômbia, tão alardeada como antítese da “ditadura chavista”, a mídia colonizada deveria, pelo menos, destacar os relatórios anuais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que atestam que este país é um dos mais violentos do planeta. De janeiro de 2001 a dezembro de 2006, foram assassinados 2.245 líderes sindicais e outros 138 estão desaparecidos. Os jornalistas independentes também são vítimas de censura e perseguições e boa parte dos veículos de comunicação está comprometida com o ditador Álvaro Uribe. O seu vice- presidente inclusive é um dos barões da mídia na Colômbia.
Este silêncio cúmplice causou indignação em diversos setores da sociedade. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini, ironizou a omissão da mídia e dos histéricos líderes do PSDB, DEM e PPS. “Na reeleição de Chávez ou num terceiro mandato para Lula, sempre houve reação feroz destes setores, mas com Álvaro Uribe, um preposto dos EUA, há um silêncio escandaloso. Esse comportamento seria estranho se não fosse óbvio”, cutucou. “Esse é o posicionamento claro da grande mídia, que faz uma diferenciação dos governos alinhados com os EUA e aqueles que são voltados às demandas populares e às propostas de integração da América Latina”, observou o professor Laurindo Lalo Leal Filho, um atento observador crítico da mídia hegemônica.
Cobertura seletiva da “doce mídia”
O blog “Os amigos do presidente Lula” fez uma pesquisa no Google para evidenciar a distorção na cobertura. Ao usar as palavras-chave “reeleição Chávez”, encontrou aproximadamente 1.370 resultados só neste ano. No mesmo período, com as palavras-chave “reeleição Uribe”, encontrou apenas 598, menos da metade. Já o jornalista Renato Rovai ridicularizou no seu blog a cobertura seletiva da “nossa doce mídia”. Ela trata o presidente Hugo Chávez como “a personificação do demônio”; já Uribe, acusado de corrupção e fantoche do militarismo ianque, é um “good-boy”.
“A Câmara da Colômbia aprovou, com 85 votos a favor e cinco contra, a proposta que permite a Uribe iniciar o caminho para se re-candidatar à sua sucessão. Eram necessários 84 votos. O mais escroto (perdão, não tenho palavra mais precisa) desse processo é que dos 165 deputados colombianos, 92 estavam impedidos de votar devido a um processo na Suprema Corte de Justiça. Entre outras coisas, os processos são por evidências de que venderam seus votos para o governo. É incrível como a indignação da nossa doce mídia é seletiva”, ironizou Rovai.
Advogado do Cartel de Medellín
Em mais este episódio, a mídia hegemônica brasileira demonstra que é totalmente colonizada. É um filial das ambições imperiais dos EUA, que acabam de instalar novas bases militares no país vizinho, colocando em risco a segurança do continente. Ao relativizar a corrupção na votação do projeto ou ao comparar Chávez com Uribe, ela mente descaradamente. Ela sabe que o presidente colombiano é um ditador sanguinário, com sólidas ligações com o narcotráfico. Os “colunistas” bem pagos da mídia deveriam ler o livro “Amando Pablo, odiando Escobar”, escrito por Virgínia Vallejo, ex-apresentadora de TV e ex-amante do chefão do Cartel de Medellín, Pablo Escobar.
Em caso de preguiça “seletiva”, poderiam recuperar a entrevista dada por ela ao repórter César Tralli, da TV Globo. Na ocasião, Virgínia Vallejo lembrou que Álvaro Uribe, quando dirigiu o Departamento de Aviação Civil da Colômbia (1980/82), facilitou o tráfico de drogas aos EUA. “Pablo dizia que se não fosse por esse ‘rapaz bendito’ ele ainda estaria transportando cocaína em porta-malas de carros e nadando até Miami para levar a cocaína para os gringos... Os aviões do narcotráfico podiam aterrissar e levantar vôo diretamente para Bahamas de suas próprias pistas. Uribe tinha dado licença para as pistas e também para toda sua frota de aviões e helicópteros”.
A ignorância dos “serviçais da CIA”
Estes “colunistas de aluguel” também deveriam consultar o livro de Joseph Contreras, jornalista da Newsweek, intitulado “El señor de las sombras”. As 260 páginas desta valiosa obra são ricas em informações sobre a trajetória do narcoterrorista que preside a Colômbia. Ou, como muitos mantêm excelentes relações com a CIA, eles deveriam ler o relatório do serviço de inteligência do Departamento de Defesa dos EUA, datado de setembro de 1991 e liberado recentemente ao público. Ele lista os 100 principais colombianos envolvidos no tráfico de cocaína aos EUA.
Na página 82 do documento surge uma informação bombástica: “Álvaro Uribe Vélez, político e senador colombiano, dedicou-se à colaboração com o Cartel de Medellín em níveis elevados do governo... Uribe trabalhou para o cartel e é amigo próximo de Pablo Escobar Gaviria”. Seu pai, Alberto Uribe Sierra, chegou a ser preso e seu processo de extradição aos EUA foi negado graças à ação do filho. Um helicóptero do Cartel de Medellín foi usado no enterro do pai de Uribe. Será que os “colunistas” da mídia brasileira não conhecem este relatório revelador?
Já no que se refere à “democracia liberal” da Colômbia, tão alardeada como antítese da “ditadura chavista”, a mídia colonizada deveria, pelo menos, destacar os relatórios anuais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que atestam que este país é um dos mais violentos do planeta. De janeiro de 2001 a dezembro de 2006, foram assassinados 2.245 líderes sindicais e outros 138 estão desaparecidos. Os jornalistas independentes também são vítimas de censura e perseguições e boa parte dos veículos de comunicação está comprometida com o ditador Álvaro Uribe. O seu vice- presidente inclusive é um dos barões da mídia na Colômbia.
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
MST e as ações criminosas da revista Veja
Os editores da revista Veja são de um cinismo depravado. Na edição desta semana, este panfleto da direita colonizada estampou mais uma capa com ataques ao MST. A manchete provocadora: “Abrimos o cofre do M$T”. A foto montagem: um boné da organização com dólares e reais. A chamada: “Como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desvia dinheiro público e verbas estrangeiras para cometer seus crimes”. Na “reporcagem” interna, nenhuma entrevista com lideranças dos sem-terra e nenhuma visita às escolas e assentamentos produtivos do MST.
Como arapongas ilegais, ela se jacta de que “teve acesso às movimentações bancárias de quatro entidades ligadas aos sem-terra. Elas revelam como o governo e organizações internacionais acabam financiando as atividades criminosas do movimento”. As quatro entidades – Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (Concrab), Centro de Formação e Pesquisas Contestado (Cepatec) e Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo (Itac) – “receberam 43 milhões de reais em convênios com o governo entre 2003 e 2007”, resmunga a revista da Editora Abril, que sempre saqueou os cofres públicos.
Uma “reporcagem” interesseira
O novo ataque ao MST não é gratuito. Ele ocorre poucos dias após a jornada nacional de luta por mais verbas para a reforma agrária e pela atualização dos índices de produtividade, usados como parâmetros legais para a desapropriação de terras. Diante da sinalização do governo Lula de que atenderia as justas reivindicações, a revista Veja resolveu sair em defesa dos latifundiários e dos barões do agronegócio. Não há nenhuma investigação jornalística sobre as premiadas iniciativas educativas e sociais do MST. Apenas opiniões preconceituosas para criminalizar o movimento. Seu objetivo é asfixiar financeiramente o MST, fragilizando a heróica luta pela reforma agrária.
Daí a “reporcagem” esbravejar, num tom fascistóide, que “o MST é movido por dinheiro, muito dinheiro, captado basicamente dos cofres públicos e junto às entidades internacionais. Ao ocupar ministérios, invadir fazendas, patrocinar um confronto com a polícia, o MST o faz com dinheiro de impostos pagos pelos brasileiros e com o auxílio de estrangeiros que não deveriam se imiscuir em assuntos do país”. A matéria também serve de palanque para o tucano José Serra. “Aliados históricos do PT, os sem-terra encontraram no governo Lula uma fonte inesgotável de recursos para subsidiar suas atividades”. E ainda estimula intrigas. “O governo Lula agora experimenta o gosto da chantagem de uma organização bandida que cresceu sob seus auspícios”.
Resposta corajosa do MST
O MST já respondeu com altivez às provocações. “Não há nenhuma novidade na postura política e ideológica desses veículos, que fazem parte da classe dominante e defendem os interesses do capital financeiro, dos bancos, do agronegócio e do latifúndio, virando de costas para os problemas estruturais da sociedade e para as dificuldades do povo brasileiro. Desesperados, tentam requentar velhas teses de que o movimento vive à custa de dinheiro público. Aliás, esses ataques vêm justamente de empresas que vivem de propaganda e de recursos públicos ou que são suspeitas de benefícios em licitações do governo de São Paulo, como a Editora Abril”.
Quanto aos ataques, a nota é elucidativa. “Em relação às entidades que atuam nos assentamentos de reforma agrária, que são centenas trabalhando em todo o país, defendemos a legitimidade dos convênios com os governos federal e estaduais e acreditamos na lisura do trabalho realizado. Essas entidades estão devidamente habilitadas nos órgãos públicos, são fiscalizadas e, inclusive, sofrem perseguições políticas do TCU (Tribunal de Contas da União), controlado atualmente por filiados do PSDB e DEM. Elas desenvolvem projetos de assistência técnica, alfabetização de adultos, capacitação, educação e saúde em assentamentos rurais, que são um direito dos assentados e um dever do Estado, de acordo com a Constituição”.
Um negócio de 719 milhões de reais
Em mais este ataque colérico, a revista Veja prova que é imoral e cínica. Tudo que publica serve a objetivos políticos precisos, mas embalados na manipulação jornalística. De fato, muita coisa precisa ser investigada no país. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a mídia tornou-se uma urgência. No caso da Editora Abril, que condena o “auxílio de estrangeiros que se imiscuem em assuntos do país”, seria útil averiguar sua própria origem, quando o empresário estadunidense Victor Civita se mudou para São Paulo, em 1949, trazendo na bagagem um sinistro acordo com a Disney. Não é para menos que muitos o acusaram de “agente do império” e de servidor da CIA.
Quanto aos recursos públicos, seria necessário apurar as compras milionárias do governo tucano de José Serra das publicações da Abril. O Ministério Público Federal inclusive já abriu processo para investigar o caso suspeito. No embalo, poderia averiguar as recentes denúncias do jornalista Carlos Lopes, editor do jornal Hora do Povo. No artigo intitulado “O assalto do grupo Abril aos cofres públicos na venda de livros do MEC”, com base em dados do Portal da Transparência, ele mostra que “nos últimos cinco anos, o Ministério da Educação repassou ao grupo Abril a quantia de R$ 719.630.139,55 para compra de livros didáticos. Foi o maior repasse de recursos públicos destinados a livros didáticos dentre todos os grupos editoriais do país”.
A urgência da CPI da mídia
“Nenhum outro recebeu, nesse período, tanto dinheiro do MEC. Desde 2004, o grupo da Veja ficou com mais de um quinto dos recursos (22,45%) do MEC para compra de livros didáticos... O espantoso é que até 2004 o grupo Civita não atuava no setor de livros didáticos. Neste ano, o grupo adquiriu duas editoras – a Ática e a Scipione. Por que essa súbita decisão de passar a explorar os cofres públicos com uma inundação de livros didáticos? Evidentemente, porque existe muito dinheiro nos cofres públicos... O MEC, infelizmente, está adotando uma política de fornecer dinheiro público para que o Civita sustente o seu panfleto – a revista Veja”.
“Exatamente essa malta, cínica e pendurada no dinheiro público, acusa o MST de ter recebido, de 2003 a 2007, R$ 47 milhões em alguns convênios com o governo federal... Já o Civita recebeu só do MEC, entre 2004 e 2008, R$ 719 milhões, isto é, 17 vezes mais do que o MST – e não foi para trabalhar, mas para empurrar livros didáticos duvidosos, e a preço de ouro”, critica Carlos Lopes. Como se observa, uma CPI da mídia é urgente.
Como arapongas ilegais, ela se jacta de que “teve acesso às movimentações bancárias de quatro entidades ligadas aos sem-terra. Elas revelam como o governo e organizações internacionais acabam financiando as atividades criminosas do movimento”. As quatro entidades – Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (Concrab), Centro de Formação e Pesquisas Contestado (Cepatec) e Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo (Itac) – “receberam 43 milhões de reais em convênios com o governo entre 2003 e 2007”, resmunga a revista da Editora Abril, que sempre saqueou os cofres públicos.
Uma “reporcagem” interesseira
O novo ataque ao MST não é gratuito. Ele ocorre poucos dias após a jornada nacional de luta por mais verbas para a reforma agrária e pela atualização dos índices de produtividade, usados como parâmetros legais para a desapropriação de terras. Diante da sinalização do governo Lula de que atenderia as justas reivindicações, a revista Veja resolveu sair em defesa dos latifundiários e dos barões do agronegócio. Não há nenhuma investigação jornalística sobre as premiadas iniciativas educativas e sociais do MST. Apenas opiniões preconceituosas para criminalizar o movimento. Seu objetivo é asfixiar financeiramente o MST, fragilizando a heróica luta pela reforma agrária.
Daí a “reporcagem” esbravejar, num tom fascistóide, que “o MST é movido por dinheiro, muito dinheiro, captado basicamente dos cofres públicos e junto às entidades internacionais. Ao ocupar ministérios, invadir fazendas, patrocinar um confronto com a polícia, o MST o faz com dinheiro de impostos pagos pelos brasileiros e com o auxílio de estrangeiros que não deveriam se imiscuir em assuntos do país”. A matéria também serve de palanque para o tucano José Serra. “Aliados históricos do PT, os sem-terra encontraram no governo Lula uma fonte inesgotável de recursos para subsidiar suas atividades”. E ainda estimula intrigas. “O governo Lula agora experimenta o gosto da chantagem de uma organização bandida que cresceu sob seus auspícios”.
Resposta corajosa do MST
O MST já respondeu com altivez às provocações. “Não há nenhuma novidade na postura política e ideológica desses veículos, que fazem parte da classe dominante e defendem os interesses do capital financeiro, dos bancos, do agronegócio e do latifúndio, virando de costas para os problemas estruturais da sociedade e para as dificuldades do povo brasileiro. Desesperados, tentam requentar velhas teses de que o movimento vive à custa de dinheiro público. Aliás, esses ataques vêm justamente de empresas que vivem de propaganda e de recursos públicos ou que são suspeitas de benefícios em licitações do governo de São Paulo, como a Editora Abril”.
Quanto aos ataques, a nota é elucidativa. “Em relação às entidades que atuam nos assentamentos de reforma agrária, que são centenas trabalhando em todo o país, defendemos a legitimidade dos convênios com os governos federal e estaduais e acreditamos na lisura do trabalho realizado. Essas entidades estão devidamente habilitadas nos órgãos públicos, são fiscalizadas e, inclusive, sofrem perseguições políticas do TCU (Tribunal de Contas da União), controlado atualmente por filiados do PSDB e DEM. Elas desenvolvem projetos de assistência técnica, alfabetização de adultos, capacitação, educação e saúde em assentamentos rurais, que são um direito dos assentados e um dever do Estado, de acordo com a Constituição”.
Um negócio de 719 milhões de reais
Em mais este ataque colérico, a revista Veja prova que é imoral e cínica. Tudo que publica serve a objetivos políticos precisos, mas embalados na manipulação jornalística. De fato, muita coisa precisa ser investigada no país. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a mídia tornou-se uma urgência. No caso da Editora Abril, que condena o “auxílio de estrangeiros que se imiscuem em assuntos do país”, seria útil averiguar sua própria origem, quando o empresário estadunidense Victor Civita se mudou para São Paulo, em 1949, trazendo na bagagem um sinistro acordo com a Disney. Não é para menos que muitos o acusaram de “agente do império” e de servidor da CIA.
Quanto aos recursos públicos, seria necessário apurar as compras milionárias do governo tucano de José Serra das publicações da Abril. O Ministério Público Federal inclusive já abriu processo para investigar o caso suspeito. No embalo, poderia averiguar as recentes denúncias do jornalista Carlos Lopes, editor do jornal Hora do Povo. No artigo intitulado “O assalto do grupo Abril aos cofres públicos na venda de livros do MEC”, com base em dados do Portal da Transparência, ele mostra que “nos últimos cinco anos, o Ministério da Educação repassou ao grupo Abril a quantia de R$ 719.630.139,55 para compra de livros didáticos. Foi o maior repasse de recursos públicos destinados a livros didáticos dentre todos os grupos editoriais do país”.
A urgência da CPI da mídia
“Nenhum outro recebeu, nesse período, tanto dinheiro do MEC. Desde 2004, o grupo da Veja ficou com mais de um quinto dos recursos (22,45%) do MEC para compra de livros didáticos... O espantoso é que até 2004 o grupo Civita não atuava no setor de livros didáticos. Neste ano, o grupo adquiriu duas editoras – a Ática e a Scipione. Por que essa súbita decisão de passar a explorar os cofres públicos com uma inundação de livros didáticos? Evidentemente, porque existe muito dinheiro nos cofres públicos... O MEC, infelizmente, está adotando uma política de fornecer dinheiro público para que o Civita sustente o seu panfleto – a revista Veja”.
“Exatamente essa malta, cínica e pendurada no dinheiro público, acusa o MST de ter recebido, de 2003 a 2007, R$ 47 milhões em alguns convênios com o governo federal... Já o Civita recebeu só do MEC, entre 2004 e 2008, R$ 719 milhões, isto é, 17 vezes mais do que o MST – e não foi para trabalhar, mas para empurrar livros didáticos duvidosos, e a preço de ouro”, critica Carlos Lopes. Como se observa, uma CPI da mídia é urgente.
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
O ataque covarde da IstoÉ à Venezuela
Na edição desta semana, a revista IstoÉ, famosa por suas capas sensacionalistas e reportagens difamatórias, aprontou mais uma das suas. No artigo “O lobista de Chávez”, ela desferiu um ataque covarde contra o jornalista Carlos Alberto de Almeida, reconhecido por sua militância internacionalista e por seu compromisso com a ética jornalística. Descaradamente marcarthista, o texto insufla a perseguição política: “Jornalista brasileiro trabalha no Senado, mas faz hora extra para defender os interesses da Venezuela”. Nela, o senador tucano Álvaro Dias aparece pregando a apuração sobre a “dupla militância do funcionário”. Só falta pedir a sua demissão!
Para a revista, que nunca escondeu o seu ódio à revolução bolivariana, Beto Almeida seria um inimigo da “liberdade de expressão” por defender as medidas de Hugo Chávez contra a ditadura midiática. A fonte principal da IstoÉ é Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), a máfia dos barões da mídia que não tolera qualquer restrição legal à “libertinagem de imprensa”. O texto também desfere duro ataque à Telesur, “a emissora criada para se contrapor à rede americana CNN na América Latina”. Beto Almeida é membro do seu conselho diretivo, “seguindo à risca a cartilha do caudilho venezuelano”, esbraveja a revista.
Temores da mídia colonizada
Na prática, o rancoroso artigo visa atingir o presidente Hugo Chávez, num momento em que o parlamento brasileiro discute a adesão da Venezuela ao Mercosul. Ele também procura evitar o fortalecimento da Telesur, que já agrega vários países do continente e realiza o contraponto à mídia colonizada pelos EUA. A IstoÉ chega a alertar os reacionários de plantão. “Até agora, a emissora funciona de forma precária, quase na informalidade. Mas, aos poucos, Beto avança no lobby pelos ideais bolivarianos. Já emplacou, por exemplo, a programação da Telesur na grade do Canal Comunitário de Brasil, a ‘TV Cidade Livre’, da qual é presidente. E está costurando um convênio entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a Telesur”.
No seu reacionarismo inconsistente e leviano, a IstoÉ joga farpas para todos os lados. Ataca o governo de Roberto Requião (PMDB), que retransmite a Telesur na TVE do Paraná, e critica a militância de Beto Almeida em defesa do “repasse das verbas públicas para emissoras públicas e comunitárias”. De forma marota, ela aproveita o episódio para se contrapor à 1ª Conferência Nacional de Comunicação. A revista não tolera a diversidade e pluralidade informativas e rejeita qualquer ação que vise enfrentar a concentração e a manipulação midiáticas. Para ela, a militância de Beto Almeida é incompatível “com os princípios da liberdade de expressão”.
“IstoÉ Daniel Dantas”
A publicação semanal da Editora Três já é bem conhecida por seu jornalismo sensacionalista e mercenário, sempre na busca insana por aumento de tiragem e de lucros. Em fevereiro passado, no texto intitulado “Stédile, o intocável”, ela procurou justificar a repressão às 270 famílias de sem-terras acampadas numa fazenda em Eldorado da Carajás (PA), adquirida ilegalmente pelo Grupo Opportunity, controlado pelo mega-especulador Daniel Dantas. A agressão ao líder do MST teve como objetivo criminalizar a luta pela reforma agrária e defender o banqueiro.
Na ocasião, o MST respondeu a altura no texto intitulado “IstoÉ Daniel Dantas”. Lembrou que a revista “atua como títere dos poderosos, ao passo que se distancia do compromisso com a sociedade e a ética jornalística”. Destacou que ela faz o papel de advogado do bandido e que evita noticiar as sujeiras de Daniel Dantas, “preso em julho passado durante a operação da Polícia Federal por prática de crimes financeiros e de desvio de verbas públicas”. E ironizou: “Resta saber se o conteúdo da reportagem é fruto de um trabalho investigativo competente ou se deve ao curioso fato de que a IstoÉ é publicada pela Editora Três, que por sua vez também é controlada pelo banqueiro Daniel Dantas. Desde 2007, ele possui 51% das ações da editora”.
Para a revista, que nunca escondeu o seu ódio à revolução bolivariana, Beto Almeida seria um inimigo da “liberdade de expressão” por defender as medidas de Hugo Chávez contra a ditadura midiática. A fonte principal da IstoÉ é Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), a máfia dos barões da mídia que não tolera qualquer restrição legal à “libertinagem de imprensa”. O texto também desfere duro ataque à Telesur, “a emissora criada para se contrapor à rede americana CNN na América Latina”. Beto Almeida é membro do seu conselho diretivo, “seguindo à risca a cartilha do caudilho venezuelano”, esbraveja a revista.
Temores da mídia colonizada
Na prática, o rancoroso artigo visa atingir o presidente Hugo Chávez, num momento em que o parlamento brasileiro discute a adesão da Venezuela ao Mercosul. Ele também procura evitar o fortalecimento da Telesur, que já agrega vários países do continente e realiza o contraponto à mídia colonizada pelos EUA. A IstoÉ chega a alertar os reacionários de plantão. “Até agora, a emissora funciona de forma precária, quase na informalidade. Mas, aos poucos, Beto avança no lobby pelos ideais bolivarianos. Já emplacou, por exemplo, a programação da Telesur na grade do Canal Comunitário de Brasil, a ‘TV Cidade Livre’, da qual é presidente. E está costurando um convênio entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a Telesur”.
No seu reacionarismo inconsistente e leviano, a IstoÉ joga farpas para todos os lados. Ataca o governo de Roberto Requião (PMDB), que retransmite a Telesur na TVE do Paraná, e critica a militância de Beto Almeida em defesa do “repasse das verbas públicas para emissoras públicas e comunitárias”. De forma marota, ela aproveita o episódio para se contrapor à 1ª Conferência Nacional de Comunicação. A revista não tolera a diversidade e pluralidade informativas e rejeita qualquer ação que vise enfrentar a concentração e a manipulação midiáticas. Para ela, a militância de Beto Almeida é incompatível “com os princípios da liberdade de expressão”.
“IstoÉ Daniel Dantas”
A publicação semanal da Editora Três já é bem conhecida por seu jornalismo sensacionalista e mercenário, sempre na busca insana por aumento de tiragem e de lucros. Em fevereiro passado, no texto intitulado “Stédile, o intocável”, ela procurou justificar a repressão às 270 famílias de sem-terras acampadas numa fazenda em Eldorado da Carajás (PA), adquirida ilegalmente pelo Grupo Opportunity, controlado pelo mega-especulador Daniel Dantas. A agressão ao líder do MST teve como objetivo criminalizar a luta pela reforma agrária e defender o banqueiro.
Na ocasião, o MST respondeu a altura no texto intitulado “IstoÉ Daniel Dantas”. Lembrou que a revista “atua como títere dos poderosos, ao passo que se distancia do compromisso com a sociedade e a ética jornalística”. Destacou que ela faz o papel de advogado do bandido e que evita noticiar as sujeiras de Daniel Dantas, “preso em julho passado durante a operação da Polícia Federal por prática de crimes financeiros e de desvio de verbas públicas”. E ironizou: “Resta saber se o conteúdo da reportagem é fruto de um trabalho investigativo competente ou se deve ao curioso fato de que a IstoÉ é publicada pela Editora Três, que por sua vez também é controlada pelo banqueiro Daniel Dantas. Desde 2007, ele possui 51% das ações da editora”.
O poder e as vulnerabilidades da mídia
Reproduzo abaixo a entrevista concedida ao Observatório do Direito à Comunicação, página do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social –, que tem como “objetivo central criar um ambiente de acompanhamento, fiscalização e reflexão sobre as políticas públicas no campo da comunicação”. O indispensável sítio, que acaba de ser reformulado, fornece às organizações da sociedade engajadas na luta contra a ditadura midiática “referências concretas que potencializem sua intervenção política, no Brasil e em fóruns internacionais”. O Intervozes é hoje reconhecido com uma das mais importantes entidades na elaboração sobre este tema estratégico. Agradeço ao editores do sítio pela divulgação do livro “A ditadura da mídia”.
No livro “A ditadura da mídia” (Editora Anita Garibaldi), Altamiro Borges descreve o que chama de paradoxo da mídia hegemônica: nunca teve tanto poder, mas nunca esteve tão desacreditada. Nesta entrevista, explora novamente este paradoxo desde a perspectiva de quem se coloca na “trincheira contra a ditadura midiática” – como aponta o subtítulo de seu Blog do Miro (altamiroborges.blogspot.com). Em suas respostas, o jornalista, membro do comitê central do PCdoB e autor de outras publicações sobre comunicação e sindicalismo, faz um resumo provocador dos dilemas da mídia hegemônica e daqueles movimentos que tentam – ou deveriam tentar – derrubá-la.
No livro “A ditadura da mídia”, você tentou usar uma linguagem mais acessível, menos especializada. Por que esta preocupação?
Um dos problemas da batalha pela democratização dos meios de comunicação no Brasil é que, como tratamos de um tema difícil, que envolve muita tecnologia nova, ela acaba se tornando um debate restrito a alguns setores. Estudiosos já há algum tempo alertaram para o tema como uma questão estratégica, mas o debate geralmente fica entre especialistas. No outro extremo, o movimento social ainda não se deu conta de que a comunicação é uma questão decisiva para as lutas do cotidiano, que é muito difícil realizar um trabalho de conscientização, organização e mobilização da classe se você não enfrenta a manipulação que a mídia desenvolve. E que a mídia é fundamental também para a defesa de direitos – pois dizem que eles são coisa de privilegiados, marajás – e que ela dificulta qualquer luta transformadora.
O movimento social é muito premido pelas urgências. No sindicalismo, por exemplo, a demanda é muito grande. É atraso de salário, pressão da chefia, retirada de direitos... O movimento sindical acaba tendo que correr atrás desse prejuízo, e esse também é o papel dele. Mas isso apenas confirma a tese de Marx: você fica na guerra de guerrilhas cotidiana contra os efeitos e não vê as causas. O movimento fica na luta imediata, econômica, corporativa, mas não vê as causas da exploração. O movimento social, no geral, não se deu conta ainda desta batalha estratégica.
E como foi esse trabalho de “tradução”?
O objetivo do livro foi exatamente tentar fazer uma ponte entre um tema que é meio árido e um público formado por quem nem sempre “caiu a ficha” sobre isso. Este foi o esforço. Participei muito tempo do movimento sindical – fui presidente de uma entidade chamada Centro de Estudos Sindicais, fui assessor de formação em algumas entidades – e conheço um pouco desta realidade. Então, fiz um livro voltado para este público, porque acho que se essa galera dos movimentos sociais – que é extremamente aguerrida e combativa e que, como todo mundo, tem também suas falhas e debilidades – não encara de frente essa batalha, ela não será ganha.
A pauta da comunicação ainda é subestimada pelos movimentos sociais?
Acho que sim, em vários sentidos. Primeiro, os movimentos e os militantes têm dificuldade de entender o que é a mídia hegemônica. Todos ficam “p da vida” com o tratamento que se dá, por exemplo, a uma greve. Sempre desvirtuam as nossas lutas, colocando a sociedade contra as nossas mobilizações, como se a sociedade não fosse formada também por trabalhadores. Sobre qualquer greve ou manifestação que se faça, o eixo da cobertura é sempre o da criminalização do movimento. O tratamento da Rede Globo para manifestações é sempre “congestionou o trânsito”. São sempre os manifestantes que são os violentos, os baderneiros. O MST, por exemplo, é duramente criminalizado, como se vê no tratamento que a Veja lhe dá.
Então, o movimento social é a principal vítima desses meios de comunicação, mas por enquanto ainda permanece apenas reclamando. Ainda não percebeu que a questão da comunicação é decisiva e deveria ser pauta obrigatória de todos os congressos de trabalhadores. Afinal, são os trabalhadores as vítimas desta mídia hegemônica, pois eles ficam no cotidiano do trabalho e, quando chegam em casa, se sentam na frente da TV e lhes é despejada uma carga imensa de material manipulado, publicidade, individualismo, consumismo e rejeição à ação coletiva. A questão é que não adianta só reclamar: o movimento social precisa encarar essa luta de maneira estratégica, e acho que ainda não encara. No próprio processo de construção da Conferência Nacional de Comunicação, os relatos que chegam são sempre os mesmos: baixa participação dos movimentos sociais mais tradicionais. Além disso, também falta investir em instrumentos próprios de comunicação, fazer a luta de idéias na sua base.
Qual o problema com a comunicação dos movimentos sociais?
Muitas entidades ainda encaram a comunicação como um gasto, não como um investimento da luta de idéias. Veja o caso do movimento sindical: existe até uma tiragem razoável de boletins sindicais no Brasil, mas muito fragmentada, muita voltada para as questões do cotidiano e também com muitos problemas de linguagem. O mundo do trabalho sofreu profundas transformações em razão das mudanças tecnológicas e de técnicas de gerenciamento. Existe uma juventude sem cultura sindical e que está presente nas empresas, e como você se comunica com eles? Os boletins sindicais são, geralmente, aqueles “tijolaços”, aquela coisa mal feita. E quando se discute isso, alega-se que o gasto é muito grande. Ou você investe em materiais de qualidade, em novas linguagens, em novas plataformas, ou você vai perder a batalha de idéias. Hoje, a cabeça do trabalhador é disputada no “macro” e no “micro”, pela mídia e também com as técnicas de gerenciamento, pois o patrão está disputando a cabeça do trabalhador com círculos de controle de qualidade.
O quanto as organizações do movimento social tem conseguido usar as novas plataformas de comunicação e se desapegar dos métodos mais “tradicionais”?
Há uma grande mudança de paradigma e acho que às vezes não nos damos conta destas mudanças. Percebo que ainda há muita resistência. É difícil convencer um sujeito acostumado com a máquina de escrever da potência da internet. Eu mesmo sinto essa dificuldade, pois ainda dou muito valor ao conteúdo e pouco à forma, ao visual. Eu acho que existem algumas organizações que começam a perceber isso, investindo mais em internet, produzindo sites mais vivos, atraentes, sem dogmatismo ou doutrinarismo.
Acho que há um esforço. Eu vejo algumas organizações dos movimentos sociais investindo em outros instrumentos. A experiência do MST com rádio é muito interessante, atingindo 600, 700 rádios. Esta é uma das coisas bonitas que o MST está fazendo, porque é uma comunicação para o interior de São Paulo, onde o rádio tem um papel fundamental. Alguns sindicatos têm investido hoje em TV. O Sinpro [Sindicato dos Professores] de Minas Gerais, por exemplo, investiu em um baita estúdio, fazendo um programa de televisão muito bem feito, que procura ter dinamismo. Ou seja, eles estão fazendo a disputa na sociedade. Existem outros casos, como a Apeoesp [Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo], os metalúrgicos de Caxias do Sul. Mesmo na internet, recebi um relato de que os bancários de Sergipe organizaram uma greve através do Orkut em função das dificuldades de mobilização. Ou seja, já existe na esquerda gente se alertando para isso, mesmo que cometendo erros. Às vezes.
No livro, você fala do “paradoxo da mídia hegemônica”. Qual é o paradoxo?
Nunca a mídia teve tanto poder. Em certo momento, até em uma visão progressista, chegou-se a sugerir que a mídia fosse um quarto poder, como um poder fiscalizador do executivo, legislativo e judiciário, que seria a voz dos sem vozes. Isso acabou. A mídia não é mais hoje um poder de fiscalização da sociedade, se é que algum dia foi, e eu questiono isso. Mas antes ela não era tão forte. Hoje ela é um grande poder. Ela é altamente concentrada. Na França, os dois principais grupos de comunicação estão ligados à indústria de armamentos. Como diz o Ignacio Ramonet, é comunicação e canhão. Você pega nos Estados Unidos, grandes grupos... é um poder econômico violentíssimo, que tem como objetivo o lucro, que faz de tudo um espetáculo, sensacionalismo para ser rentável, no mundo e no Brasil. No nosso caso, ainda há o agravante do tipo de formação dos complexos midiáticos, que é um negócio familiar, propriedade cruzada. A situação do Brasil é dramática, pois o processo de concentração foi pior do que em outros países, já que não existe regra nenhuma. Uma mesma família é dona de rádio, jornal, revista, TV, internet, o diabo! Então, é um grande poder com uma grande capacidade de manipulação.
Quão grande é esta capacidade de manipulação?
Ela consegue convencer que o Saddam Hussein tem armas químicas e bacteriológicas. Se bobear, consegue convencer que o Saddam Hussein estava num daqueles aviões do 11 de setembro. Você vê a manipulação que está se dando agora com o golpe de Honduras. A mídia está relativizando o golpe, está escondendo as manifestações. Ou senão, apresenta as manifestações a favor dos golpistas e as manifestações a favor do presidente deposto como se houvesse esta disputa entre os hondurenhos, tentando negar o golpe.
Tem um episódio recente que achei um absurdo... Sem entrar nos méritos do que representa o governo iraniano – um governo sobre o qual tenho muitas ressalvas, um governo teocrático, conservador, mas é um governo eleito, a mídia fez uma “baita onda” quando o presidente iraniano viria ao Brasil para assinar alguns acordos. Até umas manifestações merrecas foram pra TV Globo. Agora, acabou de sair do país um ministro de Israel [Avigdor Lieberman, ministro das Relações Exteriores israelense] – e sobre este não precisa ter dúvida: o cara fala que tem que jogar bomba, que tem que matar, é um racista assumido, alguém que emporcalha a história dos judeus perseguidos pelo holocausto porque ele propõe um holocausto sionista. E a mídia não fala nada! A Veja ainda publica uma entrevista como se o cara fosse um santo.
Então, essa capacidade de manipulação da opinião pública é muito violenta. É só a gente pegar o que foi a eleição de 2006 no Brasil, a eleição de 2005 na Bolívia, a tentativa de golpe na Venezuela... O Dênis de Moraes, que é um brilhante estudioso da mídia, chega a dizer que ela tem um duplo poder: ela é um poder econômico, no sentido de reprodução capitalista, está atrás de lucro, e é ao mesmo tempo – e ele retém o pensamento deste revolucionário italiano Antonio Gramsci – um aparelho privado de hegemonia. Este é o lado do poder, o lado da ditadura midiática.
Uma ditadura poderosa, pelo visto...
E este poder se agravou muito, a meu ver, por três fatores. Um: as mudanças tecnológicas, muito profundas. Dois: a desregulamentação neoliberal. O desmonte do Estado e o fim de leis deram à mídia este poder. Ela se coloca acima da Constituição, acima do Estado, acima das leis. E um terceiro fator, este totalmente endógeno: o capitalismo tende à concentração. A lógica do sistema é ser concentrador. Então, a monopolização, o desmanche neoliberal e as novas tecnologias aumentaram este poder.
E onde está o paradoxo?
Pois é! Se estamos falando de um poder que vem crescendo nos últimos tempos, onde está o paradoxo? É que este poder também está sendo questionado. E onde ele está sendo questionado? No meu entender, pelas próprias mudanças tecnológicas. Elas abriram determinadas brechas – que eu acho que não duram muito, mas são brechas importantes. A internet, hoje, é uma coisa aberta. Isso fragiliza a mídia. Essa mudança de paradigma sobre o qual a gente falava que o movimento social tem dificuldade de compreender, eles [a mídia hegemônica] também estão com dificuldade. É falência de jornalões, é queda de audiência de TV... Acho que estas mudanças tecnológicas criam o paradoxo: é um grande poder, mas que está mais vulnerável.
A outra coisa que eu acho que afeta muito é que a mídia, esta mídia hegemônica, vem perdendo credibilidade. Porque como a manipulação fica muito agressiva, tem hora que a sociedade vai despertando. Os estadunidenses, por exemplo, foram intoxicados e entorpecidos com toda aquela mensagem do Bush. Mas depois eles perceberam que aquela mensagem do Bush, da guerra, da desregulamentação da economia conduziu os Estados Unidos a uma crise enorme, tanto é que se produziu um fenômeno: a eleição de um negro para a Presidência em uma sociedade que tem características racistas muito fortes. Tal foi o descontentamento que se teve com o Bush. Com o Bush e também com a mídia.
No livro, você cita alguns exemplos na América Latina.
Acho que no nosso continente a mídia sofre um forte questionamento da sua credibilidade. O golpe de 2002 na Venezuela foi um golpe todinho organizado pela mídia. Inclusive as reuniões dos golpistas eram feitas na sede da RCTV e na sede do Cisneros. E o povo não aceitou. O povo desligou as televisões, se comunicou através de rádios comunitárias, internet e motoboy, desceu o morro, ocupou o [Palácio] Miraflores e obrigou o retorno do Chávez. Isso é uma derrota da mídia. Você pega a eleição na Bolívia. O Emir Sader fez uma pesquisa interessante: 87% das matérias de rádios, jornais e TVs na Bolívia foram contra o Evo Morales, inclusive com conteúdo racista. E o povo vai lá e elege o Evo Morales. Pega aqui mesmo no Brasil, com todas as limitações do governo Lula, a onda que se fez contra o governo Lula... e o povo reelege.
A gente percebe quando a mídia passa do ponto...
A mídia passou do ponto, sim. E o povo percebe... Mas acho que não tem jeito: a mídia vai exagerar na dose. Voltando ao Gramsci, ele fala o seguinte: quando os partidos das classes dominantes entram em crise, a imprensa assume o papel do partido do capital. Isso que o Gramsci falava na década de 1920 está se confirmando hoje: como as instituições burguesas estão em crise – até porque todas elas apostaram no receituário neoliberal de desmonte do Estado, da nação e do trabalho, e afundaram na crise que elas próprias ajudaram a criar –, cada vez mais a mídia vai ocupar este papel e ser mais agressiva. E com isso ela vai perder credibilidade. Esse menino que organizou o Rebelión, que é um dos grandes portais da internet hoje no mundo – é o Pascoal Serrano –, tem um livro que ele fala: a mídia vai perdendo credibilidade. Ela perde credibilidade porque surgem fontes alternativas, porque exagera na sua autoridade e isso vai corroendo a mídia. E quando ela exagera demais ela se estrepa.
Pega o episódio da Folha de S. Paulo quando qualificou a ditadura militar de ditabranda... ela perdeu assinantes! Por isso está fazendo estas campanhas falsárias, dizendo que é plural, que ouve todo mundo, pela democracia... Quem apoiou o regime militar, deu carro pra levar preso político pra tortura e quer falar de democracia tem que começar fazendo autocrítica do que fez no passado. Então, é por tudo isso que se dá o paradoxo: a mídia nunca teve tanto poder assim, mas as coisas estão se corroendo. E há ainda um terceiro fator que leva a este paradoxo: a mídia reflete a luta de classes no seu país e no mundo e, no caso do nosso continente, esta luta se radicalizou. De laboratório das políticas neoliberais, virou a liderança de oposição. Isso produziu uma radicalização da luta política na América Latina e a eleição de governos anti-neoliberais – uns mais avançados, uns mais recuados, uns mais radicais no sentido pleno da palavra, de ir na raiz dos problemas, outros mais moderados e conciliadores, mas isso começou a produzir mudanças. Mais cedo ou mais tarde estes governos iam ter de enfrentar o problema da mídia. E eles começaram a enfrentar.
Como tem sido este enfrentamento?
Alguns países estão enfrentando de forma ousada. Na Venezuela, o governo bate duro, não brinca com a mídia. A mídia não está acima do Estado, acima da sociedade. Bate duro. Se a RCTV é golpista, se a RCTV não paga os funcionários, se a RCTV transmite programa fora do horário que afeta crianças e adolescentes, programas de prostituição inclusive, se a RCTV pratica evasão de divisa, acabou a concessão pública. Acabou. Pode chorar, mas vocês não têm mais a concessão pública. É bandido! Não tem mais concessão pública, vocês não têm esse direito. O governo venezuelano vai tomando medidas. Agora mesmo fechou um bocado de rádio com concessões irregulares.
O governo boliviano também vem tomando medidas. A Constituição do Equador é impressionante neste sentido. A auditoria das concessões que foi feita no Equador... impressionante. Esses governos vão tomando estas medidas e a mídia vai ficando cada vez mais como bicho acuado... Eu acho que isso tudo vai vulnerabilizar a mídia hegemônica. Por isso o paradoxo: nunca teve tanto poder, mas nunca esteve tão vulnerável.
O senhor vê alguma especificidade no caso brasileiro? Por exemplo, no Brasil não tem definições como: tal jornal é conservador, tal colunista é progressista. A Folha, por exemplo, diz em relação à imprensa norte-americana: o jornal The New York Times é progressista, o colunista tal é conservador, mas não usa essas coisas para si mesma. Por quê? Por que essa especificidade brasileira, onde não é possível nem fazer este tipo de questionamento acerca da filiação dos diferentes veículos a determinadas posições políticas?
Eu acho que isso tem a ver com a própria formação dos monopólios no Brasil. O processo de concentração no Brasil se deu totalmente desregrado. Nos Estados Unidos, com todos os problemas dos Estados Unidos – uma potência imperialista agressiva -, mas lá você teve, até mesmo como fruto da luta contra o nazifascismo, a elaboração de leis que controlavam um pouco a mídia, que proibiam a propriedade cruzada. Você tem uma agência reguladora, tem lei anti-truste – é verdade que o Bush tentou acabar com todas elas ... –, você tem duas redes públicas razoáveis. Na Europa, tem ainda mais cuidado com isso, porque, no processo de derrota do nazifascismo, você teve toda uma construção de redes públicas fortes, com capacidade de audiência. Você pode até ter críticas à BBC, mas ela é uma televisão de alta qualidade pública. Então, houve a experiência da televisão portuguesa no final do salazarismo, teve a Itália no final do fascismo.
No Brasil, não teve nada disso, nunca teve uma rede pública forte. Getúlio Vargas até tentou criar com a Rádio Nacional - que chegou a ser a 4ª maior do mundo – , investiu também em um jornal alternativo que foi o Última Hora, mas exatamente por isso ele é tão detestado pela elite brasileira e principalmente pela elite paulista. Aliás, São Paulo é o único estado do país onde não tem uma rua Getúlio Vargas. É o único lugar onde tem um feriado para comemorar a tentativa de uma revolução oligárquica, dia 9 de julho.
Qual o problema criado pela falta de uma rede pública de comunicação?
Sem uma rede pública forte, o que sempre se teve foi um setor privado que nunca teve regras de controle. Nunca houve regulamentação para essa área. Então, nós não pegamos a experiência européia de público e ainda pioramos o que pegamos dos Estados Unidos, que minimamente tem lei que controla a concentração e o trabalho da mídia. Então, esses caras aqui se sentem os donos da cocada preta, sempre com muita capacidade de interferir. Com exceção do Última Hora e jornais de esquerda, todas essas grandes empresas de comunicação apoiaram o golpe de 64. Todas entraram na campanha do Collor. Até os colunistas progressistas estas empresas foram limpando. Para vozes que destoem, que problematizem, que polemizem, o espaço é reduzidíssimo nestes meios. Eu acho que estes fatores é que geram esta degeneração.
Qual é a correlação de forças no Brasil, hoje, entre os movimentos progressistas que questionam o modelo midiático e estes grandes grupos de mídia? Como você acha que vai ser a Conferência Nacional de Comunicação?
Primeiro, a Conferência é uma grande conquista dos movimentos sociais brasileiros, destas entidades que há muito tempo levantam a importância de se lutar pela democratização dos meios de comunicação: Intervozes [- Coletivo Brasil de Comunicação Social], FNDC [Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação], Abraço [Associação Brasileira de Rádios Comunitárias], entidades que levantam este tema. Uma vitória que foi difícil, pois há sete anos estamos tentando esta Conferência. Ela estava implícita no programa do Lula de 2003, estava explícita no de 2006 e só saiu agora, no final de 2009. E isso tem a ver com correlação de força e com vacilações do governo Lula.
Por que “vacilações”?
O governo Lula fez pacto com o capital financeiro, pacto com o agronegócio e pacto com os barões da mídia. Apanhou muito em 2006, e no segundo mandato começou a romper com esse pacto com os barões, mas foi muito cauteloso. Dos governos progressistas da América Latina, talvez tenha sido o que menos avançou neste processo de democratização dos meios de comunicação. Isso tem a ver com a correlação de forças no Brasil e com a complexidade do Brasil e o próprio problema de convicção do governo. Então, já foi tão duro conquistar a Conferência, não ia ser fácil realizá-la.
Você se refere aos impasses criados pelos empresários...
A conquista da Conferência teve a ver também com um racha no setor empresarial, um racha nas classes dominantes, que, por sua vez, teve a ver com essas mudanças tecnológicas, com essa digitalização e com a entrada dos operadores de telefonia na produção de conteúdos. Então, os radiodifusores brasileiros estão muito preocupados com isso. Inclusive são muito manhosos. Eles que pregaram a desnacionalização da economia, entrega tudo, privatiza tudo e agora estão falando em defesa da cultura nacional. É uma hipocrisia razoável, apesar de que parte de um problema real, porque se as operadoras de telefonia entram, elas têm um poder financeiro... A Telefônica é 60 bi [R$ 60 bilhões] e a Globo que é a Globo é 5 bi. Então se não tiver nenhum mecanismo de controle, daqui a pouco você não tem nenhuma produção de conteúdo nacional, só vai ver porcaria estrangeira. Vai ter que agüentar Bob Esponja de manhã, à tarde e à noite. Enfim: este racha empresarial também facilitou a Conferência. É uma vitória do povo, dos movimentos sociais brasileiros e principalmente destas entidades que entenderam a importância estratégica deste tema. Mas nada vem fácil. Eles perderam por conta do racha deles, mas eles vão tentar interferir no processo da Conferência. Eu acho que se eles sentirem que eles vão levar uma surra na Conferência a tendência é eles não irem para Conferência.
Eles já tem sinalizado esta saída...
É uma postura truculenta, arrogante. O Evandro [Guimarães] representante da Abert [Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV] vem com exigências. E eu pergunto: quem é você para falar pela sociedade? Eles dizem: não pode discutir o passado, só pode discutir o futuro. Discutir “o passado” é discutir o que está na Constituição, nos artigos 220, 221, 222 e 223? Eles dizem: não pode discutir conteúdo. E vem com uma imposição de que tem que reduzir a interferência estatal.. Não existe rede pública no Brasil e está querendo reduzir ainda mais? Vem com imposição de critérios: “temos que ter 40% de cadeira cativa para os empresários”. Mas quem são vocês para ter 40% de cadeira cativa? Se os empresários dos meios de comunicação representassem 40% da sociedade brasileira, nós não teríamos o problema de concentração da mídia no Brasil. Eu acho que eles estão medindo, estão tentando enquadrar a Conferência, chantagear o governo e ameaçar sair para tentar enquadrar a Conferência na questão de conteúdo, de critérios para participação. Então é uma batalha difícil, não é fácil. O governo tem manifestado que faz a Conferência com ou sem empresários, vamos ver se peita este tipo de atitude. [O anúncio da saída dos empresários foi feito duas semanas após a entrevista.]
Ocorrendo a Conferência, o que pode acontecer? Qual pode ser o saldo da Conferência?
A realização da Conferência, o seu processo com as etapas estaduais, municipais e a nacional é um processo muito interessante, porque ela se volta para aquela pergunta inicial sobre quem entendeu a importância da comunicação, da luta nesta área estar restrita a um setor ainda pequeno, formado de “especialistas”. Não caiu a ficha para os movimentos sociais e ampla parcela da sociedade acha que a televisão que está aí é ótima. O processo de Conferência eu acho que permite duas coisas: primeira e grande coisa, ela é um esforço pedagógico porque permite envolver mais gente nesse debate, sair da coisa de especialistas, cutucar o movimento social para que ele entre com força e fazer o debate com o amplo setor da sociedade. Se este debate, hoje, está reduzido a mil, dois mil ativistas, no processo da Conferência você pode envolver, sei lá, cem mil pessoas debatendo mídia enquanto direito humano, enquanto requisito da democracia, debatendo mídia enquanto respeito à diversidade. Por si só, mesmo que não tivesse conquista nenhuma na Conferência só isso já seria extremamente positivo. Além disso, eu acho que é possível ter algumas vitórias na Conferência.
Quais seriam estas possíveis vitórias?
Eu acho que se o movimento social brasileiro conseguir elencar propostas concretas, centrar em algumas – não tentar abarcar tudo -, não achar que a Conferência vai acabar com a ditadura midiática, porque não vai acabar... Nem o Chávez que é o Chávez, em um processo mais radicalizado, acabou com o latifúndio midiático na Venezuela! Nós ainda vamos ter que acumular muita força. Mas eu acho que se a gente consegue eleger alguns temas e propostas concretas, não ficar só no diagnóstico, mas ir para a proposição, eu acho que a gente pode conseguir algumas vitórias como: medidas para inclusão digital, medidas para não criminalizar a radiodifusão comunitária, medidas para rediscutir critérios de publicidade oficial, medidas para redefinir atualizar e garantir a discussão dos critérios de concessão publica, medidas de fortalecimento da rede pública – e a gente não está falando só sobre a EBC [Empresa Brasil de Comunicação], mas também os canais comunitários, canais educativos, universitários. Então, eu acho que a Conferência é vitória, os patrões estão fazendo chantagem, mas se ela se realiza, só o processo já é pedagógico. E mais do que isso: acho que conseguimos obter vitórias pontuais, parciais, mas vitórias. Não vai ser uma revolução, mas é um processo acumulativo de ganhar forças.
No livro “A ditadura da mídia” (Editora Anita Garibaldi), Altamiro Borges descreve o que chama de paradoxo da mídia hegemônica: nunca teve tanto poder, mas nunca esteve tão desacreditada. Nesta entrevista, explora novamente este paradoxo desde a perspectiva de quem se coloca na “trincheira contra a ditadura midiática” – como aponta o subtítulo de seu Blog do Miro (altamiroborges.blogspot.com). Em suas respostas, o jornalista, membro do comitê central do PCdoB e autor de outras publicações sobre comunicação e sindicalismo, faz um resumo provocador dos dilemas da mídia hegemônica e daqueles movimentos que tentam – ou deveriam tentar – derrubá-la.
No livro “A ditadura da mídia”, você tentou usar uma linguagem mais acessível, menos especializada. Por que esta preocupação?
Um dos problemas da batalha pela democratização dos meios de comunicação no Brasil é que, como tratamos de um tema difícil, que envolve muita tecnologia nova, ela acaba se tornando um debate restrito a alguns setores. Estudiosos já há algum tempo alertaram para o tema como uma questão estratégica, mas o debate geralmente fica entre especialistas. No outro extremo, o movimento social ainda não se deu conta de que a comunicação é uma questão decisiva para as lutas do cotidiano, que é muito difícil realizar um trabalho de conscientização, organização e mobilização da classe se você não enfrenta a manipulação que a mídia desenvolve. E que a mídia é fundamental também para a defesa de direitos – pois dizem que eles são coisa de privilegiados, marajás – e que ela dificulta qualquer luta transformadora.
O movimento social é muito premido pelas urgências. No sindicalismo, por exemplo, a demanda é muito grande. É atraso de salário, pressão da chefia, retirada de direitos... O movimento sindical acaba tendo que correr atrás desse prejuízo, e esse também é o papel dele. Mas isso apenas confirma a tese de Marx: você fica na guerra de guerrilhas cotidiana contra os efeitos e não vê as causas. O movimento fica na luta imediata, econômica, corporativa, mas não vê as causas da exploração. O movimento social, no geral, não se deu conta ainda desta batalha estratégica.
E como foi esse trabalho de “tradução”?
O objetivo do livro foi exatamente tentar fazer uma ponte entre um tema que é meio árido e um público formado por quem nem sempre “caiu a ficha” sobre isso. Este foi o esforço. Participei muito tempo do movimento sindical – fui presidente de uma entidade chamada Centro de Estudos Sindicais, fui assessor de formação em algumas entidades – e conheço um pouco desta realidade. Então, fiz um livro voltado para este público, porque acho que se essa galera dos movimentos sociais – que é extremamente aguerrida e combativa e que, como todo mundo, tem também suas falhas e debilidades – não encara de frente essa batalha, ela não será ganha.
A pauta da comunicação ainda é subestimada pelos movimentos sociais?
Acho que sim, em vários sentidos. Primeiro, os movimentos e os militantes têm dificuldade de entender o que é a mídia hegemônica. Todos ficam “p da vida” com o tratamento que se dá, por exemplo, a uma greve. Sempre desvirtuam as nossas lutas, colocando a sociedade contra as nossas mobilizações, como se a sociedade não fosse formada também por trabalhadores. Sobre qualquer greve ou manifestação que se faça, o eixo da cobertura é sempre o da criminalização do movimento. O tratamento da Rede Globo para manifestações é sempre “congestionou o trânsito”. São sempre os manifestantes que são os violentos, os baderneiros. O MST, por exemplo, é duramente criminalizado, como se vê no tratamento que a Veja lhe dá.
Então, o movimento social é a principal vítima desses meios de comunicação, mas por enquanto ainda permanece apenas reclamando. Ainda não percebeu que a questão da comunicação é decisiva e deveria ser pauta obrigatória de todos os congressos de trabalhadores. Afinal, são os trabalhadores as vítimas desta mídia hegemônica, pois eles ficam no cotidiano do trabalho e, quando chegam em casa, se sentam na frente da TV e lhes é despejada uma carga imensa de material manipulado, publicidade, individualismo, consumismo e rejeição à ação coletiva. A questão é que não adianta só reclamar: o movimento social precisa encarar essa luta de maneira estratégica, e acho que ainda não encara. No próprio processo de construção da Conferência Nacional de Comunicação, os relatos que chegam são sempre os mesmos: baixa participação dos movimentos sociais mais tradicionais. Além disso, também falta investir em instrumentos próprios de comunicação, fazer a luta de idéias na sua base.
Qual o problema com a comunicação dos movimentos sociais?
Muitas entidades ainda encaram a comunicação como um gasto, não como um investimento da luta de idéias. Veja o caso do movimento sindical: existe até uma tiragem razoável de boletins sindicais no Brasil, mas muito fragmentada, muita voltada para as questões do cotidiano e também com muitos problemas de linguagem. O mundo do trabalho sofreu profundas transformações em razão das mudanças tecnológicas e de técnicas de gerenciamento. Existe uma juventude sem cultura sindical e que está presente nas empresas, e como você se comunica com eles? Os boletins sindicais são, geralmente, aqueles “tijolaços”, aquela coisa mal feita. E quando se discute isso, alega-se que o gasto é muito grande. Ou você investe em materiais de qualidade, em novas linguagens, em novas plataformas, ou você vai perder a batalha de idéias. Hoje, a cabeça do trabalhador é disputada no “macro” e no “micro”, pela mídia e também com as técnicas de gerenciamento, pois o patrão está disputando a cabeça do trabalhador com círculos de controle de qualidade.
O quanto as organizações do movimento social tem conseguido usar as novas plataformas de comunicação e se desapegar dos métodos mais “tradicionais”?
Há uma grande mudança de paradigma e acho que às vezes não nos damos conta destas mudanças. Percebo que ainda há muita resistência. É difícil convencer um sujeito acostumado com a máquina de escrever da potência da internet. Eu mesmo sinto essa dificuldade, pois ainda dou muito valor ao conteúdo e pouco à forma, ao visual. Eu acho que existem algumas organizações que começam a perceber isso, investindo mais em internet, produzindo sites mais vivos, atraentes, sem dogmatismo ou doutrinarismo.
Acho que há um esforço. Eu vejo algumas organizações dos movimentos sociais investindo em outros instrumentos. A experiência do MST com rádio é muito interessante, atingindo 600, 700 rádios. Esta é uma das coisas bonitas que o MST está fazendo, porque é uma comunicação para o interior de São Paulo, onde o rádio tem um papel fundamental. Alguns sindicatos têm investido hoje em TV. O Sinpro [Sindicato dos Professores] de Minas Gerais, por exemplo, investiu em um baita estúdio, fazendo um programa de televisão muito bem feito, que procura ter dinamismo. Ou seja, eles estão fazendo a disputa na sociedade. Existem outros casos, como a Apeoesp [Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo], os metalúrgicos de Caxias do Sul. Mesmo na internet, recebi um relato de que os bancários de Sergipe organizaram uma greve através do Orkut em função das dificuldades de mobilização. Ou seja, já existe na esquerda gente se alertando para isso, mesmo que cometendo erros. Às vezes.
No livro, você fala do “paradoxo da mídia hegemônica”. Qual é o paradoxo?
Nunca a mídia teve tanto poder. Em certo momento, até em uma visão progressista, chegou-se a sugerir que a mídia fosse um quarto poder, como um poder fiscalizador do executivo, legislativo e judiciário, que seria a voz dos sem vozes. Isso acabou. A mídia não é mais hoje um poder de fiscalização da sociedade, se é que algum dia foi, e eu questiono isso. Mas antes ela não era tão forte. Hoje ela é um grande poder. Ela é altamente concentrada. Na França, os dois principais grupos de comunicação estão ligados à indústria de armamentos. Como diz o Ignacio Ramonet, é comunicação e canhão. Você pega nos Estados Unidos, grandes grupos... é um poder econômico violentíssimo, que tem como objetivo o lucro, que faz de tudo um espetáculo, sensacionalismo para ser rentável, no mundo e no Brasil. No nosso caso, ainda há o agravante do tipo de formação dos complexos midiáticos, que é um negócio familiar, propriedade cruzada. A situação do Brasil é dramática, pois o processo de concentração foi pior do que em outros países, já que não existe regra nenhuma. Uma mesma família é dona de rádio, jornal, revista, TV, internet, o diabo! Então, é um grande poder com uma grande capacidade de manipulação.
Quão grande é esta capacidade de manipulação?
Ela consegue convencer que o Saddam Hussein tem armas químicas e bacteriológicas. Se bobear, consegue convencer que o Saddam Hussein estava num daqueles aviões do 11 de setembro. Você vê a manipulação que está se dando agora com o golpe de Honduras. A mídia está relativizando o golpe, está escondendo as manifestações. Ou senão, apresenta as manifestações a favor dos golpistas e as manifestações a favor do presidente deposto como se houvesse esta disputa entre os hondurenhos, tentando negar o golpe.
Tem um episódio recente que achei um absurdo... Sem entrar nos méritos do que representa o governo iraniano – um governo sobre o qual tenho muitas ressalvas, um governo teocrático, conservador, mas é um governo eleito, a mídia fez uma “baita onda” quando o presidente iraniano viria ao Brasil para assinar alguns acordos. Até umas manifestações merrecas foram pra TV Globo. Agora, acabou de sair do país um ministro de Israel [Avigdor Lieberman, ministro das Relações Exteriores israelense] – e sobre este não precisa ter dúvida: o cara fala que tem que jogar bomba, que tem que matar, é um racista assumido, alguém que emporcalha a história dos judeus perseguidos pelo holocausto porque ele propõe um holocausto sionista. E a mídia não fala nada! A Veja ainda publica uma entrevista como se o cara fosse um santo.
Então, essa capacidade de manipulação da opinião pública é muito violenta. É só a gente pegar o que foi a eleição de 2006 no Brasil, a eleição de 2005 na Bolívia, a tentativa de golpe na Venezuela... O Dênis de Moraes, que é um brilhante estudioso da mídia, chega a dizer que ela tem um duplo poder: ela é um poder econômico, no sentido de reprodução capitalista, está atrás de lucro, e é ao mesmo tempo – e ele retém o pensamento deste revolucionário italiano Antonio Gramsci – um aparelho privado de hegemonia. Este é o lado do poder, o lado da ditadura midiática.
Uma ditadura poderosa, pelo visto...
E este poder se agravou muito, a meu ver, por três fatores. Um: as mudanças tecnológicas, muito profundas. Dois: a desregulamentação neoliberal. O desmonte do Estado e o fim de leis deram à mídia este poder. Ela se coloca acima da Constituição, acima do Estado, acima das leis. E um terceiro fator, este totalmente endógeno: o capitalismo tende à concentração. A lógica do sistema é ser concentrador. Então, a monopolização, o desmanche neoliberal e as novas tecnologias aumentaram este poder.
E onde está o paradoxo?
Pois é! Se estamos falando de um poder que vem crescendo nos últimos tempos, onde está o paradoxo? É que este poder também está sendo questionado. E onde ele está sendo questionado? No meu entender, pelas próprias mudanças tecnológicas. Elas abriram determinadas brechas – que eu acho que não duram muito, mas são brechas importantes. A internet, hoje, é uma coisa aberta. Isso fragiliza a mídia. Essa mudança de paradigma sobre o qual a gente falava que o movimento social tem dificuldade de compreender, eles [a mídia hegemônica] também estão com dificuldade. É falência de jornalões, é queda de audiência de TV... Acho que estas mudanças tecnológicas criam o paradoxo: é um grande poder, mas que está mais vulnerável.
A outra coisa que eu acho que afeta muito é que a mídia, esta mídia hegemônica, vem perdendo credibilidade. Porque como a manipulação fica muito agressiva, tem hora que a sociedade vai despertando. Os estadunidenses, por exemplo, foram intoxicados e entorpecidos com toda aquela mensagem do Bush. Mas depois eles perceberam que aquela mensagem do Bush, da guerra, da desregulamentação da economia conduziu os Estados Unidos a uma crise enorme, tanto é que se produziu um fenômeno: a eleição de um negro para a Presidência em uma sociedade que tem características racistas muito fortes. Tal foi o descontentamento que se teve com o Bush. Com o Bush e também com a mídia.
No livro, você cita alguns exemplos na América Latina.
Acho que no nosso continente a mídia sofre um forte questionamento da sua credibilidade. O golpe de 2002 na Venezuela foi um golpe todinho organizado pela mídia. Inclusive as reuniões dos golpistas eram feitas na sede da RCTV e na sede do Cisneros. E o povo não aceitou. O povo desligou as televisões, se comunicou através de rádios comunitárias, internet e motoboy, desceu o morro, ocupou o [Palácio] Miraflores e obrigou o retorno do Chávez. Isso é uma derrota da mídia. Você pega a eleição na Bolívia. O Emir Sader fez uma pesquisa interessante: 87% das matérias de rádios, jornais e TVs na Bolívia foram contra o Evo Morales, inclusive com conteúdo racista. E o povo vai lá e elege o Evo Morales. Pega aqui mesmo no Brasil, com todas as limitações do governo Lula, a onda que se fez contra o governo Lula... e o povo reelege.
A gente percebe quando a mídia passa do ponto...
A mídia passou do ponto, sim. E o povo percebe... Mas acho que não tem jeito: a mídia vai exagerar na dose. Voltando ao Gramsci, ele fala o seguinte: quando os partidos das classes dominantes entram em crise, a imprensa assume o papel do partido do capital. Isso que o Gramsci falava na década de 1920 está se confirmando hoje: como as instituições burguesas estão em crise – até porque todas elas apostaram no receituário neoliberal de desmonte do Estado, da nação e do trabalho, e afundaram na crise que elas próprias ajudaram a criar –, cada vez mais a mídia vai ocupar este papel e ser mais agressiva. E com isso ela vai perder credibilidade. Esse menino que organizou o Rebelión, que é um dos grandes portais da internet hoje no mundo – é o Pascoal Serrano –, tem um livro que ele fala: a mídia vai perdendo credibilidade. Ela perde credibilidade porque surgem fontes alternativas, porque exagera na sua autoridade e isso vai corroendo a mídia. E quando ela exagera demais ela se estrepa.
Pega o episódio da Folha de S. Paulo quando qualificou a ditadura militar de ditabranda... ela perdeu assinantes! Por isso está fazendo estas campanhas falsárias, dizendo que é plural, que ouve todo mundo, pela democracia... Quem apoiou o regime militar, deu carro pra levar preso político pra tortura e quer falar de democracia tem que começar fazendo autocrítica do que fez no passado. Então, é por tudo isso que se dá o paradoxo: a mídia nunca teve tanto poder assim, mas as coisas estão se corroendo. E há ainda um terceiro fator que leva a este paradoxo: a mídia reflete a luta de classes no seu país e no mundo e, no caso do nosso continente, esta luta se radicalizou. De laboratório das políticas neoliberais, virou a liderança de oposição. Isso produziu uma radicalização da luta política na América Latina e a eleição de governos anti-neoliberais – uns mais avançados, uns mais recuados, uns mais radicais no sentido pleno da palavra, de ir na raiz dos problemas, outros mais moderados e conciliadores, mas isso começou a produzir mudanças. Mais cedo ou mais tarde estes governos iam ter de enfrentar o problema da mídia. E eles começaram a enfrentar.
Como tem sido este enfrentamento?
Alguns países estão enfrentando de forma ousada. Na Venezuela, o governo bate duro, não brinca com a mídia. A mídia não está acima do Estado, acima da sociedade. Bate duro. Se a RCTV é golpista, se a RCTV não paga os funcionários, se a RCTV transmite programa fora do horário que afeta crianças e adolescentes, programas de prostituição inclusive, se a RCTV pratica evasão de divisa, acabou a concessão pública. Acabou. Pode chorar, mas vocês não têm mais a concessão pública. É bandido! Não tem mais concessão pública, vocês não têm esse direito. O governo venezuelano vai tomando medidas. Agora mesmo fechou um bocado de rádio com concessões irregulares.
O governo boliviano também vem tomando medidas. A Constituição do Equador é impressionante neste sentido. A auditoria das concessões que foi feita no Equador... impressionante. Esses governos vão tomando estas medidas e a mídia vai ficando cada vez mais como bicho acuado... Eu acho que isso tudo vai vulnerabilizar a mídia hegemônica. Por isso o paradoxo: nunca teve tanto poder, mas nunca esteve tão vulnerável.
O senhor vê alguma especificidade no caso brasileiro? Por exemplo, no Brasil não tem definições como: tal jornal é conservador, tal colunista é progressista. A Folha, por exemplo, diz em relação à imprensa norte-americana: o jornal The New York Times é progressista, o colunista tal é conservador, mas não usa essas coisas para si mesma. Por quê? Por que essa especificidade brasileira, onde não é possível nem fazer este tipo de questionamento acerca da filiação dos diferentes veículos a determinadas posições políticas?
Eu acho que isso tem a ver com a própria formação dos monopólios no Brasil. O processo de concentração no Brasil se deu totalmente desregrado. Nos Estados Unidos, com todos os problemas dos Estados Unidos – uma potência imperialista agressiva -, mas lá você teve, até mesmo como fruto da luta contra o nazifascismo, a elaboração de leis que controlavam um pouco a mídia, que proibiam a propriedade cruzada. Você tem uma agência reguladora, tem lei anti-truste – é verdade que o Bush tentou acabar com todas elas ... –, você tem duas redes públicas razoáveis. Na Europa, tem ainda mais cuidado com isso, porque, no processo de derrota do nazifascismo, você teve toda uma construção de redes públicas fortes, com capacidade de audiência. Você pode até ter críticas à BBC, mas ela é uma televisão de alta qualidade pública. Então, houve a experiência da televisão portuguesa no final do salazarismo, teve a Itália no final do fascismo.
No Brasil, não teve nada disso, nunca teve uma rede pública forte. Getúlio Vargas até tentou criar com a Rádio Nacional - que chegou a ser a 4ª maior do mundo – , investiu também em um jornal alternativo que foi o Última Hora, mas exatamente por isso ele é tão detestado pela elite brasileira e principalmente pela elite paulista. Aliás, São Paulo é o único estado do país onde não tem uma rua Getúlio Vargas. É o único lugar onde tem um feriado para comemorar a tentativa de uma revolução oligárquica, dia 9 de julho.
Qual o problema criado pela falta de uma rede pública de comunicação?
Sem uma rede pública forte, o que sempre se teve foi um setor privado que nunca teve regras de controle. Nunca houve regulamentação para essa área. Então, nós não pegamos a experiência européia de público e ainda pioramos o que pegamos dos Estados Unidos, que minimamente tem lei que controla a concentração e o trabalho da mídia. Então, esses caras aqui se sentem os donos da cocada preta, sempre com muita capacidade de interferir. Com exceção do Última Hora e jornais de esquerda, todas essas grandes empresas de comunicação apoiaram o golpe de 64. Todas entraram na campanha do Collor. Até os colunistas progressistas estas empresas foram limpando. Para vozes que destoem, que problematizem, que polemizem, o espaço é reduzidíssimo nestes meios. Eu acho que estes fatores é que geram esta degeneração.
Qual é a correlação de forças no Brasil, hoje, entre os movimentos progressistas que questionam o modelo midiático e estes grandes grupos de mídia? Como você acha que vai ser a Conferência Nacional de Comunicação?
Primeiro, a Conferência é uma grande conquista dos movimentos sociais brasileiros, destas entidades que há muito tempo levantam a importância de se lutar pela democratização dos meios de comunicação: Intervozes [- Coletivo Brasil de Comunicação Social], FNDC [Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação], Abraço [Associação Brasileira de Rádios Comunitárias], entidades que levantam este tema. Uma vitória que foi difícil, pois há sete anos estamos tentando esta Conferência. Ela estava implícita no programa do Lula de 2003, estava explícita no de 2006 e só saiu agora, no final de 2009. E isso tem a ver com correlação de força e com vacilações do governo Lula.
Por que “vacilações”?
O governo Lula fez pacto com o capital financeiro, pacto com o agronegócio e pacto com os barões da mídia. Apanhou muito em 2006, e no segundo mandato começou a romper com esse pacto com os barões, mas foi muito cauteloso. Dos governos progressistas da América Latina, talvez tenha sido o que menos avançou neste processo de democratização dos meios de comunicação. Isso tem a ver com a correlação de forças no Brasil e com a complexidade do Brasil e o próprio problema de convicção do governo. Então, já foi tão duro conquistar a Conferência, não ia ser fácil realizá-la.
Você se refere aos impasses criados pelos empresários...
A conquista da Conferência teve a ver também com um racha no setor empresarial, um racha nas classes dominantes, que, por sua vez, teve a ver com essas mudanças tecnológicas, com essa digitalização e com a entrada dos operadores de telefonia na produção de conteúdos. Então, os radiodifusores brasileiros estão muito preocupados com isso. Inclusive são muito manhosos. Eles que pregaram a desnacionalização da economia, entrega tudo, privatiza tudo e agora estão falando em defesa da cultura nacional. É uma hipocrisia razoável, apesar de que parte de um problema real, porque se as operadoras de telefonia entram, elas têm um poder financeiro... A Telefônica é 60 bi [R$ 60 bilhões] e a Globo que é a Globo é 5 bi. Então se não tiver nenhum mecanismo de controle, daqui a pouco você não tem nenhuma produção de conteúdo nacional, só vai ver porcaria estrangeira. Vai ter que agüentar Bob Esponja de manhã, à tarde e à noite. Enfim: este racha empresarial também facilitou a Conferência. É uma vitória do povo, dos movimentos sociais brasileiros e principalmente destas entidades que entenderam a importância estratégica deste tema. Mas nada vem fácil. Eles perderam por conta do racha deles, mas eles vão tentar interferir no processo da Conferência. Eu acho que se eles sentirem que eles vão levar uma surra na Conferência a tendência é eles não irem para Conferência.
Eles já tem sinalizado esta saída...
É uma postura truculenta, arrogante. O Evandro [Guimarães] representante da Abert [Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV] vem com exigências. E eu pergunto: quem é você para falar pela sociedade? Eles dizem: não pode discutir o passado, só pode discutir o futuro. Discutir “o passado” é discutir o que está na Constituição, nos artigos 220, 221, 222 e 223? Eles dizem: não pode discutir conteúdo. E vem com uma imposição de que tem que reduzir a interferência estatal.. Não existe rede pública no Brasil e está querendo reduzir ainda mais? Vem com imposição de critérios: “temos que ter 40% de cadeira cativa para os empresários”. Mas quem são vocês para ter 40% de cadeira cativa? Se os empresários dos meios de comunicação representassem 40% da sociedade brasileira, nós não teríamos o problema de concentração da mídia no Brasil. Eu acho que eles estão medindo, estão tentando enquadrar a Conferência, chantagear o governo e ameaçar sair para tentar enquadrar a Conferência na questão de conteúdo, de critérios para participação. Então é uma batalha difícil, não é fácil. O governo tem manifestado que faz a Conferência com ou sem empresários, vamos ver se peita este tipo de atitude. [O anúncio da saída dos empresários foi feito duas semanas após a entrevista.]
Ocorrendo a Conferência, o que pode acontecer? Qual pode ser o saldo da Conferência?
A realização da Conferência, o seu processo com as etapas estaduais, municipais e a nacional é um processo muito interessante, porque ela se volta para aquela pergunta inicial sobre quem entendeu a importância da comunicação, da luta nesta área estar restrita a um setor ainda pequeno, formado de “especialistas”. Não caiu a ficha para os movimentos sociais e ampla parcela da sociedade acha que a televisão que está aí é ótima. O processo de Conferência eu acho que permite duas coisas: primeira e grande coisa, ela é um esforço pedagógico porque permite envolver mais gente nesse debate, sair da coisa de especialistas, cutucar o movimento social para que ele entre com força e fazer o debate com o amplo setor da sociedade. Se este debate, hoje, está reduzido a mil, dois mil ativistas, no processo da Conferência você pode envolver, sei lá, cem mil pessoas debatendo mídia enquanto direito humano, enquanto requisito da democracia, debatendo mídia enquanto respeito à diversidade. Por si só, mesmo que não tivesse conquista nenhuma na Conferência só isso já seria extremamente positivo. Além disso, eu acho que é possível ter algumas vitórias na Conferência.
Quais seriam estas possíveis vitórias?
Eu acho que se o movimento social brasileiro conseguir elencar propostas concretas, centrar em algumas – não tentar abarcar tudo -, não achar que a Conferência vai acabar com a ditadura midiática, porque não vai acabar... Nem o Chávez que é o Chávez, em um processo mais radicalizado, acabou com o latifúndio midiático na Venezuela! Nós ainda vamos ter que acumular muita força. Mas eu acho que se a gente consegue eleger alguns temas e propostas concretas, não ficar só no diagnóstico, mas ir para a proposição, eu acho que a gente pode conseguir algumas vitórias como: medidas para inclusão digital, medidas para não criminalizar a radiodifusão comunitária, medidas para rediscutir critérios de publicidade oficial, medidas para redefinir atualizar e garantir a discussão dos critérios de concessão publica, medidas de fortalecimento da rede pública – e a gente não está falando só sobre a EBC [Empresa Brasil de Comunicação], mas também os canais comunitários, canais educativos, universitários. Então, eu acho que a Conferência é vitória, os patrões estão fazendo chantagem, mas se ela se realiza, só o processo já é pedagógico. E mais do que isso: acho que conseguimos obter vitórias pontuais, parciais, mas vitórias. Não vai ser uma revolução, mas é um processo acumulativo de ganhar forças.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
“Chega de ingenuidade diante da mídia”
A Revista do Brasil é uma importante iniciativa do sindicalismo vinculado à CUT. O projeto teve início em 2006 com a participação de 19 entidades e hoje conta com cerca de 50 sindicatos de vários estados. Ela é distribuída mensalmente para 360 mil trabalhadores, chegando à residência dos sindicalizados, e também é vendida nas bancas das capitais brasileiras. Na edição de agosto, número 38, o jornalista Osvaldo Colibri Vitta fez uma longa entrevista sobre o livro “A ditadura da mídia”. Reproduzo abaixo a matéria e agradeço o apoio dos editores da Revista do Brasil.
“Uma referência de consulta”
O jornalista Altamiro Borges, o Miro, acaba de lançar o livro “A ditadura da mídia” (Editora Anita Garibaldi). O trabalho explica a origem da concentração da mídia brasileira nas mãos de poucas famílias e sua relação umbilical com o poder econômico dominante. E torna-se referência de consulta em perfeita sintonia com o ambiente de preparação para a Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro – na qual os movimentos preocupados com a construção de uma comunicação de massas mais decente e democrática esperam emplacar propostas que pautem ações futuras do poder público.
O autor começou a vida de jornalista cobrindo as greves do ABC, no final dos anos 1970, quando morava na Vila Califórnia, divisa de São Paulo com Santo André. Trabalhou no jornal da Arquidiocese de São Paulo, com dom Paulo Evaristo Arns – “uma experiência riquíssima” – e participou do jornal Tribuna da Luta Operária (1980-1988). Entre 1988 e 1994 foi assessor de imprensa e de formação no Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de SP (Sintaema). Depois assumiu a área de formação do PCdoB. Há três anos tem um blog (altamiroborges.blogspot.com) e dirige o Portal Vermelho. No último dia 16 de julho, Miro conversou longamente com o apresentador do Jornal Brasil Atual, Osvaldo Colibri Vitta, no programa que vai ao ar diariamente das 7h às 8h (98,1 FM), na Grande São Paulo. Leia a seguir os principais trechos:
De onde vem essa ditadura da mídia no Brasil?
O pensador italiano Antonio Gramsci escreveu que, quando os partidos das classes dominantes estivessem em crise, quem ocuparia o papel desses partidos seria a imprensa. Isso ele escreveu na década de 1920 e hoje está mais atual do que nunca. Existem 40 grupos, no máximo, que dominam a mídia mundial. É grande a capacidade de manipulação: 80% do que a gente recebe de informações provém dos Estados Unidos, com CNN, Fox, agências, os grandes jornais. Deu no NYT virou verdade! E há mentiras grossas. No episódio da invasão do Iraque, por exemplo, foram várias as mentiras – do governo Bush – reproduzidas sem nenhum senso crítico pela imprensa nos EUA, e também aqui no Brasil.
Mas isso acontece também com as notícias de economia, não?
As grandes empresas de comunicação do mundo têm relação umbilical com o capital financeiro. Nos EUA grandes órgãos de imprensa estão vinculados a esse capital, disputam ações, na Europa idem, há um casamento. E no Brasil com um agravante. Vários países no mundo proíbem o que se chama de propriedade cruzada – que é uma mesma empresa ter vários veículos em diferentes áreas. No Brasil isso não é proibido. Então, se no mundo são 40 grupos, aqui são nove famílias que dominam 80% dos meios de comunicação, embora dessas nove algumas já estejam meio capengas.
E na história tem o caso do Assis Chateaubriand, que foi pioneiro – antes da chegada da televisão já tinha jornais e rádios.
É. Começou com jornais, depois monopolizou nas rádios e na TV e já vai ser substituído pelo (Roberto) Marinho. A Globo é – sem nenhum demérito para a qualidade de suas produções – uma rede que cresceu no regime militar, porque interessava ao regime ter uma rede nacional com muita influência. Ela nasce com a ditadura, em 1964, e cresce, nesse sentido de propriedade cruzada, jornal, rádio e TV, até dominar toda a produção de comunicação.
É evidente que há exceções, jornalistas que se portam muito bem, com dignidade, mas esses nove grupos, no geral, difundem as idéias das classes que pagam, que dominam. A manipulação é antiga. A atuação da mídia é um dos fatores de desestabilização do governo Vargas, que levam àquela crise e ao seu suicídio.
Já existia o Partido da Mídia?
Pois é, já existia. Essa mesma mídia vai ter um papel ativo em 1964. E é interessante como hoje o Estadão está repetindo essa história de que o governo Lula é uma “república sindical”. Isso é um bordão de 1964, da Folha de S.Paulo, do Estadão, que colocavam que o João Goulart queria instaurar a república sindicalista no Brasil, e essa foi uma das razões de terem defendido o golpe contra o Estado de Direito. Durante a ditadura, a Globo teve um papel muito ativo, de dourar aquela pílula, falar que o regime militar era uma beleza. O regime militar vai bancar todo esse sistema de telecomunicações, investir em rede de satélites, que é o que permite a expansão da Globo.
Às vezes me dói ouvir umas figuras falando em democracia no Brasil... Com todo o respeito ao Otávio Frias, como empresário; como jornalista, a família Frias apoiou o golpe. Mino Carta diz que algumas Kombis que transportavam jornais da empresa foram cedidas para levar presos políticos para tortura no DOI-Codi. Nos anos 1970 a Folha da Tarde, jornal do grupo, era porta-voz dos militares. Como diz outro grande jornalista, o Mauro Santayana, era o jornal com a maior “tiragem” do Brasil: o que tinha de “tiras” lá dentro... (risos).
Depois, na época das Diretas Já, teve o caso da TV Globo?
Eles tiveram a capacidade de transmitir o comício da Praça da Sé, aquele que teve mais de 200 mil pessoas, como se fosse um ato pelo aniversário da cidade de São Paulo.
É. Tiravam o som.
Foi vergonhoso. Lembro uma ocasião na greve (dos metalúrgicos do ABC) de 41 dias, em 1980. A Globo teve a capacidade de filmar a Volkswagen, na época com 42 mil operários, antes da greve, com a linha de montagem funcionando, e filmar uma assembléia em Vila Euclides antes de começar. Aí não precisava falar nada, mostrou só as imagens: a assembléia vazia, só não explicaram que ainda não tinha começado, e a Volks funcionando. Para o trabalhador, o que era aquela mensagem? Que a greve tinha furado. No dia seguinte, me lembro, os operários, bravos em função da manipulação, porque eram imagens falsas, foram para cima das peruas da Rede Globo lá em Vila Euclides. Eu estava lá, eu vi. Foi o Lula que teve de dizer para o pessoal não quebrar as máquinas, não bater em ninguém, porque a culpa não era dos jornalistas, e sim da empresa. Depois, na Constituinte de 1988, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostra que a mídia foi contra todas as bandeiras de interesse dos trabalhadores. Todas: redução de jornada de 48 horas para 44 horas, direito de sindicalização do funcionalismo público...
Direito de greve.
O funcionalismo público não tinha direito a ter sindicato. A Constituinte de 1988 garante. As grandes questões nacionais de defesa das empresas estatais, o papel mais ativo do Estado. Esse estudo da FGV é impressionante. Tudo o que interessa ao povo, à nação brasileira, a mídia foi contra.
O que foi feito no atual governo para que esse panorama mudasse? Porque a democratização dos meios de comunicação não acontece. As rádios comunitárias ainda não têm espaço. Não há lei que coíba o monopólio.
O primeiro mandato do governo Lula foi muito tímido em relação ao monopólio, esse latifúndio da mídia. Teve até uma certa ingenuidade e uma ilusão. Achava-se que, se não se comprasse briga com a mídia, essas nove famílias não bateriam no governo. Vou falar o crime sem falar o criminoso: lembro de um ministro muito poderoso do governo Lula que chegou a dizer em uma reunião que tinha a Globo na mão, que dominava a Globo em função dos anúncios publicitários. Ali foi pura ingenuidade.
No primeiro mandato eu acho que foi uma postura muito ruim do governo Lula. Refletiu-se, por exemplo, no padrão de TV digital escolhido pelo Brasil, o japonês, que serve à Globo, sendo que nós já estávamos fazendo todo o desenvolvimento do padrão digital brasileiro. Não é para menos que o ministro das Comunicações é um funcionário importante da Globo, com todo o respeito ao Hélio Costa, mas é isso que ele é. O primeiro mandato foi de ceder. Até na questão das rádios comunitárias.
Você acha que Lula pensa muito na conciliação, para poder governar melhor?
Na governabilidade. Tentava neutralizar a mídia, alguns até tinham a ingenuidade, na minha avaliação, de querer ganhar a simpatia da mídia. Fechou mais rádio comunitária que o Fernando Henrique Cardoso. É horrível isso.
E agora?
A impressão que me dá é que no segundo mandato (o governo) acordou um pouco. A vida demonstrou que era ingenuidade. Achava-se que a Globo ia ter uma postura de, no mínimo, neutralidade, e o que a Globo teve na eleição não foi neutralidade – ela é que garantiu o segundo turno. O Marcos Coimbra, do Vox Populi, chega a dizer: “Eu nunca vi uma cobertura da mídia tão envenenada na história do Brasil”. Teve o papel da Veja, isso não é uma revista, é uma plataforma da direita reacionária, diz as coisas e não comprova: “dinheiro de Cuba”, “dinheiro das Farc” e “filho de presidente”, vai falando.
Como o governo Lula não conseguiu neutralizar a mídia, creio que no segundo mandato acordou um pouco, no meu entender ainda tímido. Mas acho que tem manifestações positivas. A primeira – e aí vale um grande mérito ao ex-ministro da Cultura Gilberto Gil – foi a idéia da constituição de uma TV pública no Brasil. Porque o que nós temos aqui é o modelo estadunidense, em que só vale TV comercial, privada, e não vale a pública. É diferente da Europa, por exemplo, onde você tem TVs públicas de peso, caso da BBC, de Londres, dos canais de Portugal, da França.
Mas encontra uma resistência violenta.
Sim, violenta. Para essa mídia hegemônica, ter uma mídia pública de qualidade, que mostre o outro lado, que estimule mais a diversidade cultural, que pegue mais a questão regional, que não tenha uma visão só a partir de São Paulo e Rio, é um perigo. Como diz o professor Laurindo Leal Filho, da USP, “o povo vai comer um biscoito bom”. Porque até hoje está comendo um biscoito ruim. Daí pode tomar gosto pelo bom.
Com a reeleição de Lula, o povo, nas urnas, mostrou...
Que a mídia hegemônica não faz a cabeça. O povo não quer retrocesso e sentiu que, apesar dos problemas no governo Lula, mudanças importantes estão sendo feitas. Acho que o governo Lula percebeu também e começa a operar novas mudanças. A TV pública é a principal delas, mesmo assim ainda tímida.
Você participa do Fórum de Mídia Livre, que começou aqui em São Paulo e tem reuniões pelo Brasil todo. O que deve ser feito e o que está sendo feito?
Eu acho que tem algumas bandeiras, algumas reivindicações fundamentais. Precisamos fortalecer uma empresa pública (de comunicação). Precisamos discutir todas as concessões (de canais de TV e de rádio), não tem controle social nenhum, não se respeita a Constituição, no que diz o artigo referente à comunicação, não se respeita a diversidade regional, a produção independente. Acabam servindo a interesses muito mesquinhos. Então, a gente deveria rediscutir as concessões públicas, porque são públicas, é ar, é do povo brasileiro.
Outra questão fundamental é discutir publicidade, porque hoje o grosso da publicidade oficial vai para essas empresas. Na verdade, vai para alimentar cobra, vamos dizer assim (risos). Vai para a Globo, Veja, Folha, Estadão, O Globo. Por que essa publicidade não vem para as entidades do movimento social? Por que não para uma rádio que tenha pluralidade de opinião? Outra coisa é que precisamos discutir o marco regulatório das comunicações, tanto pelas aberrações que temos no passado, como as propriedades cruzadas de que falamos aqui, como pelo que vem no futuro, que é a convergência digital. Ou a gente estabelece um novo marco, ou a invasão estrangeira vai ser violentíssima e o processo de monopolização vai crescer.
Está prevista para dezembro a Conferência Nacional de Comunicação.
Se não tiver pressão, não sai, por causa do poder da mídia hegemônica. A pressão desses grupos é tão violenta que, se bobear, não sai. E a Conferência seria um momento de discutir esses e outros temas. Ou seja, é preciso aumentar a participação da sociedade no debate sobre a comunicação. Em minha opinião, não há democracia no Brasil se não houver democratização da mídia.
“Uma referência de consulta”
O jornalista Altamiro Borges, o Miro, acaba de lançar o livro “A ditadura da mídia” (Editora Anita Garibaldi). O trabalho explica a origem da concentração da mídia brasileira nas mãos de poucas famílias e sua relação umbilical com o poder econômico dominante. E torna-se referência de consulta em perfeita sintonia com o ambiente de preparação para a Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro – na qual os movimentos preocupados com a construção de uma comunicação de massas mais decente e democrática esperam emplacar propostas que pautem ações futuras do poder público.
O autor começou a vida de jornalista cobrindo as greves do ABC, no final dos anos 1970, quando morava na Vila Califórnia, divisa de São Paulo com Santo André. Trabalhou no jornal da Arquidiocese de São Paulo, com dom Paulo Evaristo Arns – “uma experiência riquíssima” – e participou do jornal Tribuna da Luta Operária (1980-1988). Entre 1988 e 1994 foi assessor de imprensa e de formação no Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de SP (Sintaema). Depois assumiu a área de formação do PCdoB. Há três anos tem um blog (altamiroborges.blogspot.com) e dirige o Portal Vermelho. No último dia 16 de julho, Miro conversou longamente com o apresentador do Jornal Brasil Atual, Osvaldo Colibri Vitta, no programa que vai ao ar diariamente das 7h às 8h (98,1 FM), na Grande São Paulo. Leia a seguir os principais trechos:
De onde vem essa ditadura da mídia no Brasil?
O pensador italiano Antonio Gramsci escreveu que, quando os partidos das classes dominantes estivessem em crise, quem ocuparia o papel desses partidos seria a imprensa. Isso ele escreveu na década de 1920 e hoje está mais atual do que nunca. Existem 40 grupos, no máximo, que dominam a mídia mundial. É grande a capacidade de manipulação: 80% do que a gente recebe de informações provém dos Estados Unidos, com CNN, Fox, agências, os grandes jornais. Deu no NYT virou verdade! E há mentiras grossas. No episódio da invasão do Iraque, por exemplo, foram várias as mentiras – do governo Bush – reproduzidas sem nenhum senso crítico pela imprensa nos EUA, e também aqui no Brasil.
Mas isso acontece também com as notícias de economia, não?
As grandes empresas de comunicação do mundo têm relação umbilical com o capital financeiro. Nos EUA grandes órgãos de imprensa estão vinculados a esse capital, disputam ações, na Europa idem, há um casamento. E no Brasil com um agravante. Vários países no mundo proíbem o que se chama de propriedade cruzada – que é uma mesma empresa ter vários veículos em diferentes áreas. No Brasil isso não é proibido. Então, se no mundo são 40 grupos, aqui são nove famílias que dominam 80% dos meios de comunicação, embora dessas nove algumas já estejam meio capengas.
E na história tem o caso do Assis Chateaubriand, que foi pioneiro – antes da chegada da televisão já tinha jornais e rádios.
É. Começou com jornais, depois monopolizou nas rádios e na TV e já vai ser substituído pelo (Roberto) Marinho. A Globo é – sem nenhum demérito para a qualidade de suas produções – uma rede que cresceu no regime militar, porque interessava ao regime ter uma rede nacional com muita influência. Ela nasce com a ditadura, em 1964, e cresce, nesse sentido de propriedade cruzada, jornal, rádio e TV, até dominar toda a produção de comunicação.
É evidente que há exceções, jornalistas que se portam muito bem, com dignidade, mas esses nove grupos, no geral, difundem as idéias das classes que pagam, que dominam. A manipulação é antiga. A atuação da mídia é um dos fatores de desestabilização do governo Vargas, que levam àquela crise e ao seu suicídio.
Já existia o Partido da Mídia?
Pois é, já existia. Essa mesma mídia vai ter um papel ativo em 1964. E é interessante como hoje o Estadão está repetindo essa história de que o governo Lula é uma “república sindical”. Isso é um bordão de 1964, da Folha de S.Paulo, do Estadão, que colocavam que o João Goulart queria instaurar a república sindicalista no Brasil, e essa foi uma das razões de terem defendido o golpe contra o Estado de Direito. Durante a ditadura, a Globo teve um papel muito ativo, de dourar aquela pílula, falar que o regime militar era uma beleza. O regime militar vai bancar todo esse sistema de telecomunicações, investir em rede de satélites, que é o que permite a expansão da Globo.
Às vezes me dói ouvir umas figuras falando em democracia no Brasil... Com todo o respeito ao Otávio Frias, como empresário; como jornalista, a família Frias apoiou o golpe. Mino Carta diz que algumas Kombis que transportavam jornais da empresa foram cedidas para levar presos políticos para tortura no DOI-Codi. Nos anos 1970 a Folha da Tarde, jornal do grupo, era porta-voz dos militares. Como diz outro grande jornalista, o Mauro Santayana, era o jornal com a maior “tiragem” do Brasil: o que tinha de “tiras” lá dentro... (risos).
Depois, na época das Diretas Já, teve o caso da TV Globo?
Eles tiveram a capacidade de transmitir o comício da Praça da Sé, aquele que teve mais de 200 mil pessoas, como se fosse um ato pelo aniversário da cidade de São Paulo.
É. Tiravam o som.
Foi vergonhoso. Lembro uma ocasião na greve (dos metalúrgicos do ABC) de 41 dias, em 1980. A Globo teve a capacidade de filmar a Volkswagen, na época com 42 mil operários, antes da greve, com a linha de montagem funcionando, e filmar uma assembléia em Vila Euclides antes de começar. Aí não precisava falar nada, mostrou só as imagens: a assembléia vazia, só não explicaram que ainda não tinha começado, e a Volks funcionando. Para o trabalhador, o que era aquela mensagem? Que a greve tinha furado. No dia seguinte, me lembro, os operários, bravos em função da manipulação, porque eram imagens falsas, foram para cima das peruas da Rede Globo lá em Vila Euclides. Eu estava lá, eu vi. Foi o Lula que teve de dizer para o pessoal não quebrar as máquinas, não bater em ninguém, porque a culpa não era dos jornalistas, e sim da empresa. Depois, na Constituinte de 1988, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostra que a mídia foi contra todas as bandeiras de interesse dos trabalhadores. Todas: redução de jornada de 48 horas para 44 horas, direito de sindicalização do funcionalismo público...
Direito de greve.
O funcionalismo público não tinha direito a ter sindicato. A Constituinte de 1988 garante. As grandes questões nacionais de defesa das empresas estatais, o papel mais ativo do Estado. Esse estudo da FGV é impressionante. Tudo o que interessa ao povo, à nação brasileira, a mídia foi contra.
O que foi feito no atual governo para que esse panorama mudasse? Porque a democratização dos meios de comunicação não acontece. As rádios comunitárias ainda não têm espaço. Não há lei que coíba o monopólio.
O primeiro mandato do governo Lula foi muito tímido em relação ao monopólio, esse latifúndio da mídia. Teve até uma certa ingenuidade e uma ilusão. Achava-se que, se não se comprasse briga com a mídia, essas nove famílias não bateriam no governo. Vou falar o crime sem falar o criminoso: lembro de um ministro muito poderoso do governo Lula que chegou a dizer em uma reunião que tinha a Globo na mão, que dominava a Globo em função dos anúncios publicitários. Ali foi pura ingenuidade.
No primeiro mandato eu acho que foi uma postura muito ruim do governo Lula. Refletiu-se, por exemplo, no padrão de TV digital escolhido pelo Brasil, o japonês, que serve à Globo, sendo que nós já estávamos fazendo todo o desenvolvimento do padrão digital brasileiro. Não é para menos que o ministro das Comunicações é um funcionário importante da Globo, com todo o respeito ao Hélio Costa, mas é isso que ele é. O primeiro mandato foi de ceder. Até na questão das rádios comunitárias.
Você acha que Lula pensa muito na conciliação, para poder governar melhor?
Na governabilidade. Tentava neutralizar a mídia, alguns até tinham a ingenuidade, na minha avaliação, de querer ganhar a simpatia da mídia. Fechou mais rádio comunitária que o Fernando Henrique Cardoso. É horrível isso.
E agora?
A impressão que me dá é que no segundo mandato (o governo) acordou um pouco. A vida demonstrou que era ingenuidade. Achava-se que a Globo ia ter uma postura de, no mínimo, neutralidade, e o que a Globo teve na eleição não foi neutralidade – ela é que garantiu o segundo turno. O Marcos Coimbra, do Vox Populi, chega a dizer: “Eu nunca vi uma cobertura da mídia tão envenenada na história do Brasil”. Teve o papel da Veja, isso não é uma revista, é uma plataforma da direita reacionária, diz as coisas e não comprova: “dinheiro de Cuba”, “dinheiro das Farc” e “filho de presidente”, vai falando.
Como o governo Lula não conseguiu neutralizar a mídia, creio que no segundo mandato acordou um pouco, no meu entender ainda tímido. Mas acho que tem manifestações positivas. A primeira – e aí vale um grande mérito ao ex-ministro da Cultura Gilberto Gil – foi a idéia da constituição de uma TV pública no Brasil. Porque o que nós temos aqui é o modelo estadunidense, em que só vale TV comercial, privada, e não vale a pública. É diferente da Europa, por exemplo, onde você tem TVs públicas de peso, caso da BBC, de Londres, dos canais de Portugal, da França.
Mas encontra uma resistência violenta.
Sim, violenta. Para essa mídia hegemônica, ter uma mídia pública de qualidade, que mostre o outro lado, que estimule mais a diversidade cultural, que pegue mais a questão regional, que não tenha uma visão só a partir de São Paulo e Rio, é um perigo. Como diz o professor Laurindo Leal Filho, da USP, “o povo vai comer um biscoito bom”. Porque até hoje está comendo um biscoito ruim. Daí pode tomar gosto pelo bom.
Com a reeleição de Lula, o povo, nas urnas, mostrou...
Que a mídia hegemônica não faz a cabeça. O povo não quer retrocesso e sentiu que, apesar dos problemas no governo Lula, mudanças importantes estão sendo feitas. Acho que o governo Lula percebeu também e começa a operar novas mudanças. A TV pública é a principal delas, mesmo assim ainda tímida.
Você participa do Fórum de Mídia Livre, que começou aqui em São Paulo e tem reuniões pelo Brasil todo. O que deve ser feito e o que está sendo feito?
Eu acho que tem algumas bandeiras, algumas reivindicações fundamentais. Precisamos fortalecer uma empresa pública (de comunicação). Precisamos discutir todas as concessões (de canais de TV e de rádio), não tem controle social nenhum, não se respeita a Constituição, no que diz o artigo referente à comunicação, não se respeita a diversidade regional, a produção independente. Acabam servindo a interesses muito mesquinhos. Então, a gente deveria rediscutir as concessões públicas, porque são públicas, é ar, é do povo brasileiro.
Outra questão fundamental é discutir publicidade, porque hoje o grosso da publicidade oficial vai para essas empresas. Na verdade, vai para alimentar cobra, vamos dizer assim (risos). Vai para a Globo, Veja, Folha, Estadão, O Globo. Por que essa publicidade não vem para as entidades do movimento social? Por que não para uma rádio que tenha pluralidade de opinião? Outra coisa é que precisamos discutir o marco regulatório das comunicações, tanto pelas aberrações que temos no passado, como as propriedades cruzadas de que falamos aqui, como pelo que vem no futuro, que é a convergência digital. Ou a gente estabelece um novo marco, ou a invasão estrangeira vai ser violentíssima e o processo de monopolização vai crescer.
Está prevista para dezembro a Conferência Nacional de Comunicação.
Se não tiver pressão, não sai, por causa do poder da mídia hegemônica. A pressão desses grupos é tão violenta que, se bobear, não sai. E a Conferência seria um momento de discutir esses e outros temas. Ou seja, é preciso aumentar a participação da sociedade no debate sobre a comunicação. Em minha opinião, não há democracia no Brasil se não houver democratização da mídia.
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Jornalões decadentes nos 30 anos da ANJ
Na semana passada, os jornalões tradicionais e as emissoras de televisão deram enorme destaque para a festança de aniversário dos 30 anos da Associação Nacional de Jornais (ANJ). A “babação de ovo” foi deprimente. Parecia que a entidade patronal, fundada em 17 de agosto de 1979, fora a responsável pela redemocratização do país. Ela foi exibida como baluarte na defesa da “liberdade de expressão”, contra o Estado opressor. É certo que a ANJ é poderosa. Ela reúne 140 veículos e quase 90% da circulação dos diários no país. Mas a sua história não justifica tanta badalação. A mídia novamente tentou manipular a sociedade ao festejar o aniversário da associação patronal.
Entidade criada contra as greves
As mentiras sobre a história da ANJ incomodaram até o editor Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, que sempre defendeu a “convivência harmoniosa” entre jornalistas e barões da mídia. No artigo “Para celebrar é preciso contar a verdade”, ele desmontou os “erros” difundidos sobre a entidade. “O principal deles: a ANJ não foi criada em 17 de agosto de 1979 para defender a liberdade de imprensa, como informa o título da matéria do Estadão. A associação foi criada como resposta direta à greve dos jornalistas de São Paulo, decidida pouco antes (17 de maio de 1979), efetivada dias depois (23/5) e, finalmente, encerrada após um rotundo fracasso (29/5)”.
Até então, os donos da mídia impressa eram “ferrenhos concorrentes” e não contavam com uma entidade para unificá-los. “A greve dos jornalistas assustou o empresariado” e acelerou a criação da associação, que já nasceu marcada pelo viés autoritário. “A ANJ foi criada para evitar novas greves de jornalistas, esta é a verdade. As suas primeiras ações não visaram a preservação da liberdade de expressão, que naquela época era uma remota aspiração. Sua iniciativa política mais consistente e estridente foi o início da cruzada contra obrigatoriedade do diploma específico, em 1985” – que só teve êxito com a recente decisão do STF, a partir do parecer do ministro Gilmar “Mentes”.
Liberdade de imprensa para quem?
Além das mentiras divulgadas na mídia sobre a história da ANJ, a entidade também anunciou a veiculação de uma campanha publicitária “chamando a atenção da sociedade para a importância dos jornais na construção da liberdade de imprensa e da cidadania”, informou a presidente da entidade, Judith Brito. O livro “A força dos jornais” também faz parte das comemorações dos 30 anos. Num suntuoso jantar no Brasília Palace Hotel, o deputado Miro Teixeira recebeu o Prêmio ANJ, por ser autor da ação no Supremo Tribunal Federal que resultou no fim da Lei de Imprensa – e beneficiou e alegrou os barões da mídia com a total “libertinagem das empresas”.
Como aponta o professor Venício de Lima, as festanças de aniversário da ANJ revelam bem o caráter desta entidade. Ela reúne os jornalões que apoiaram em uníssono o golpe militar e que hoje berram contra pretensas violações à liberdade de expressão. “Apesar de dizer que defende o Estado de Direito, a ANJ não aceita que cidadãos ou entidades que se considerem prejudicados pela ação dos jornais recorram à Justiça; também não aceita que ‘projetos de lei’ que considera contra os seus interesses tramitem no Congresso Nacional... Diante de tudo isso, talvez, na comemoração dos 30 anos da ANJ, o cidadão comum devesse questionar: quando a ANJ defende a ‘liberdade’, de quem é a liberdade que está sendo defendia? Contra que tipo de restrições? E a favor de quem?”.
Entidade criada contra as greves
As mentiras sobre a história da ANJ incomodaram até o editor Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, que sempre defendeu a “convivência harmoniosa” entre jornalistas e barões da mídia. No artigo “Para celebrar é preciso contar a verdade”, ele desmontou os “erros” difundidos sobre a entidade. “O principal deles: a ANJ não foi criada em 17 de agosto de 1979 para defender a liberdade de imprensa, como informa o título da matéria do Estadão. A associação foi criada como resposta direta à greve dos jornalistas de São Paulo, decidida pouco antes (17 de maio de 1979), efetivada dias depois (23/5) e, finalmente, encerrada após um rotundo fracasso (29/5)”.
Até então, os donos da mídia impressa eram “ferrenhos concorrentes” e não contavam com uma entidade para unificá-los. “A greve dos jornalistas assustou o empresariado” e acelerou a criação da associação, que já nasceu marcada pelo viés autoritário. “A ANJ foi criada para evitar novas greves de jornalistas, esta é a verdade. As suas primeiras ações não visaram a preservação da liberdade de expressão, que naquela época era uma remota aspiração. Sua iniciativa política mais consistente e estridente foi o início da cruzada contra obrigatoriedade do diploma específico, em 1985” – que só teve êxito com a recente decisão do STF, a partir do parecer do ministro Gilmar “Mentes”.
Liberdade de imprensa para quem?
Além das mentiras divulgadas na mídia sobre a história da ANJ, a entidade também anunciou a veiculação de uma campanha publicitária “chamando a atenção da sociedade para a importância dos jornais na construção da liberdade de imprensa e da cidadania”, informou a presidente da entidade, Judith Brito. O livro “A força dos jornais” também faz parte das comemorações dos 30 anos. Num suntuoso jantar no Brasília Palace Hotel, o deputado Miro Teixeira recebeu o Prêmio ANJ, por ser autor da ação no Supremo Tribunal Federal que resultou no fim da Lei de Imprensa – e beneficiou e alegrou os barões da mídia com a total “libertinagem das empresas”.
Como aponta o professor Venício de Lima, as festanças de aniversário da ANJ revelam bem o caráter desta entidade. Ela reúne os jornalões que apoiaram em uníssono o golpe militar e que hoje berram contra pretensas violações à liberdade de expressão. “Apesar de dizer que defende o Estado de Direito, a ANJ não aceita que cidadãos ou entidades que se considerem prejudicados pela ação dos jornais recorram à Justiça; também não aceita que ‘projetos de lei’ que considera contra os seus interesses tramitem no Congresso Nacional... Diante de tudo isso, talvez, na comemoração dos 30 anos da ANJ, o cidadão comum devesse questionar: quando a ANJ defende a ‘liberdade’, de quem é a liberdade que está sendo defendia? Contra que tipo de restrições? E a favor de quem?”.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Confecom exige muita pressão e negociação
No início desta semana, a comissão organizadora da 1ª Conferência Nacional de Comunicação se reúne novamente em Brasília para tentar um acordo sobre o regimento interno da Confecom. A reunião é aguardada com muita expectativa. Afinal, as etapas municipais e estaduais da conferência estão travadas há quase dois meses devido à intransigência dos barões da mídia. Seis das oito entidades representativas dos empresários não participarão desta reunião, já que abandonaram a comissão. Mas elas deixaram um bode na sala. Sinalizam que podem participar da Confecom caso sejam adotados os seus critérios antidemocráticos de tirada de delegados e de quórum para as votações.
Diante desta visível chantagem, o governo recuou e passou a defender a proposta draconiana de 40% dos delegados para os empresários do setor e de 60% dos votos para a aprovação de “temas sensíveis”. O governo só não esperava a dura reação dos movimentos sociais e das entidades que historicamente lutam pela democratização dos meios de comunicação. Em agitadas plenárias na semana passada, várias comissões estaduais aprovaram notas de repúdio à postura autoritária dos barões da mídia e de críticas às tibiezas do governo Lula. Todas destacam a importância histórica da Confecom, mas não topam negociar com a faca no pescoço. Negociação sim, imposição não!
A resistência das comissões estaduais
Segundo balanço feito por Heitor Reis, ativista da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), até sexta-feira passada (21) seis comissões estaduais já tinham aprovado notas visando reforçar a pressão por uma conferência democrática (SP, RJ, RS, BA, ES, PI). Outras deverão seguir o mesmo caminho. O objetivo é interferir na reunião da comissão organizadora marcada para 25 de agosto. A reação é forte e representativa e espera-se que o governo seja mais sensível às demandas dos movimentos sociais. Reproduzo abaixo a nota de São Paulo:
A Comissão Paulista Pró-Conferência de Comunicação, articulação que reúne mais de 90 entidades e movimentos de todo o estado de São Paulo, reunida em 19 de agosto, debateu os últimos acontecimentos envolvendo a realização da 1ª Confecom. Diante da proposta do governo de distribuição da delegação à conferência na proporção de 40% para o segmento empresarial, 40% para a sociedade civil e 20% para o poder público e do estabelecimento de um quórum qualificado de 60% para a aprovação de propostas, as entidades reunidas na Comissão Paulista afirmam:
- Mantemos nosso posicionamento, já manifestado em nota divulgada anteriormente, de que a proporção 40/40/20 para a distribuição de delegados não corresponde a real representação desses segmentos na sociedade brasileira, conferindo um peso desproporcional ao setor empresarial;
- Esse formato de representação somado ao quórum qualificado de 60% para aprovação de propostas fere o caráter democrático da Conferência, uma vez que confere poder de veto a qualquer setor, criando um ambiente avesso ao que se espera de espaços institucionais de debate como o que está em questão;
- A atitude do setor empresarial de se retirar da Comissão Organizadora Nacional não pode ter força de pressão sobre o governo federal a ponto de suas exigências serem acatadas de imediato. Muito menos deve ter esse impacto sobre as entidades da sociedade civil, que devem seguir defendendo critérios democráticos para a realização da 1ª Confecom;
- Defendemos que a Conferência Nacional de Comunicação seja um espaço democrático para aprofundar os temas relativos ao setor em nosso país, onde todos os segmentos sociais possam colocar suas posições livremente, sem privilégio para nenhuma das partes envolvidas no processo. Para nós, a 1ª Confecom é uma oportunidade para a realização desse debate a partir do reequilíbrio de forças desses atores, e não para reproduzir o desequilibro já existente na sociedade.
“É possível fazer valer nossas posições”
Por tudo isso, reivindicamos o fim do quórum de 60% para a aprovação das propostas e que a representação de delegados na Conferência não reserve vagas de antemão para nenhum setor da sociedade civil – conforme proposta já apresentada pelas organizações que integram a Comissão Nacional Pró-Conferência, na qual o poder público teria direito a 20% dos delegados e a sociedade civil (incluindo todos os seus segmentos), 80% e a aprovação dos temas na conferência observasse o critério já consagrado pelas outras conferências institucionais, o quórum de 50% +1 dos votos.
Conclamamos então todas as entidades que participam da Comissão Organizadora Nacional a seguirem lutando por melhores condições de representação da sociedade civil não empresarial na Confecom. Não podemos aceitar como imposição a proposta dos empresários, defendida equivocadamente pelo governo, e que representa uma afronta ao caráter democrático que deve alicerçar a Confecom. A Comissão Paulista Pró-Conferência entende que este é um momento de negociação e que ainda é possível fazer valer nossas posições. É em torno delas que permanecemos unidos e mobilizados.
Diante desta visível chantagem, o governo recuou e passou a defender a proposta draconiana de 40% dos delegados para os empresários do setor e de 60% dos votos para a aprovação de “temas sensíveis”. O governo só não esperava a dura reação dos movimentos sociais e das entidades que historicamente lutam pela democratização dos meios de comunicação. Em agitadas plenárias na semana passada, várias comissões estaduais aprovaram notas de repúdio à postura autoritária dos barões da mídia e de críticas às tibiezas do governo Lula. Todas destacam a importância histórica da Confecom, mas não topam negociar com a faca no pescoço. Negociação sim, imposição não!
A resistência das comissões estaduais
Segundo balanço feito por Heitor Reis, ativista da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), até sexta-feira passada (21) seis comissões estaduais já tinham aprovado notas visando reforçar a pressão por uma conferência democrática (SP, RJ, RS, BA, ES, PI). Outras deverão seguir o mesmo caminho. O objetivo é interferir na reunião da comissão organizadora marcada para 25 de agosto. A reação é forte e representativa e espera-se que o governo seja mais sensível às demandas dos movimentos sociais. Reproduzo abaixo a nota de São Paulo:
A Comissão Paulista Pró-Conferência de Comunicação, articulação que reúne mais de 90 entidades e movimentos de todo o estado de São Paulo, reunida em 19 de agosto, debateu os últimos acontecimentos envolvendo a realização da 1ª Confecom. Diante da proposta do governo de distribuição da delegação à conferência na proporção de 40% para o segmento empresarial, 40% para a sociedade civil e 20% para o poder público e do estabelecimento de um quórum qualificado de 60% para a aprovação de propostas, as entidades reunidas na Comissão Paulista afirmam:
- Mantemos nosso posicionamento, já manifestado em nota divulgada anteriormente, de que a proporção 40/40/20 para a distribuição de delegados não corresponde a real representação desses segmentos na sociedade brasileira, conferindo um peso desproporcional ao setor empresarial;
- Esse formato de representação somado ao quórum qualificado de 60% para aprovação de propostas fere o caráter democrático da Conferência, uma vez que confere poder de veto a qualquer setor, criando um ambiente avesso ao que se espera de espaços institucionais de debate como o que está em questão;
- A atitude do setor empresarial de se retirar da Comissão Organizadora Nacional não pode ter força de pressão sobre o governo federal a ponto de suas exigências serem acatadas de imediato. Muito menos deve ter esse impacto sobre as entidades da sociedade civil, que devem seguir defendendo critérios democráticos para a realização da 1ª Confecom;
- Defendemos que a Conferência Nacional de Comunicação seja um espaço democrático para aprofundar os temas relativos ao setor em nosso país, onde todos os segmentos sociais possam colocar suas posições livremente, sem privilégio para nenhuma das partes envolvidas no processo. Para nós, a 1ª Confecom é uma oportunidade para a realização desse debate a partir do reequilíbrio de forças desses atores, e não para reproduzir o desequilibro já existente na sociedade.
“É possível fazer valer nossas posições”
Por tudo isso, reivindicamos o fim do quórum de 60% para a aprovação das propostas e que a representação de delegados na Conferência não reserve vagas de antemão para nenhum setor da sociedade civil – conforme proposta já apresentada pelas organizações que integram a Comissão Nacional Pró-Conferência, na qual o poder público teria direito a 20% dos delegados e a sociedade civil (incluindo todos os seus segmentos), 80% e a aprovação dos temas na conferência observasse o critério já consagrado pelas outras conferências institucionais, o quórum de 50% +1 dos votos.
Conclamamos então todas as entidades que participam da Comissão Organizadora Nacional a seguirem lutando por melhores condições de representação da sociedade civil não empresarial na Confecom. Não podemos aceitar como imposição a proposta dos empresários, defendida equivocadamente pelo governo, e que representa uma afronta ao caráter democrático que deve alicerçar a Confecom. A Comissão Paulista Pró-Conferência entende que este é um momento de negociação e que ainda é possível fazer valer nossas posições. É em torno delas que permanecemos unidos e mobilizados.
sábado, 22 de agosto de 2009
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Nem recuos nem precipitações na Confecom
Chegou a hora da onça beber água no tenso processo de preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), prevista inicialmente para ocorrer em dezembro. Já se sabia que esta batalha seria dura, truncada e cheia de armadilhas. Afinal, “pela primeira vez na história do país”, como sempre repete o presidente Lula, a sociedade é chamada a discutir o papel dos meios de comunicação, um tema que adquiriu caráter estratégico na atualidade. O vespeiro é grande. É como tratar da reforma agrária, do fim do latifúndio da terra; neste caso, ainda mais complexo e grave, é a luta contra os latifundiários da mídia que está em jogo.
Os barões da mídia, que tanto falam em “liberdade de expressão”, fizeram de tudo para sabotar a convocação da Confecom. Na seqüência, diante do fato consumado do decreto presidencial e das disputas entre as teles e os radiodifusores, eles resolveram se apoderar da comissão organizadora nacional da Confecom – composta por dez representantes do poder público, oito das entidades empresariais e oito da “sociedade civil”. Eles tentaram restringir a pauta do evento, evitando os “temas sensíveis” que emparedam o monopólio midiático, e impor critérios antidemocráticos de representação e de votação (40% dos delegados e 60% de “quórum qualificado”).
Governo se acovarda novamente
Frente à resistência dos movimentos sociais e de setores do próprio governo Lula, os barões da mídia arriscaram um lance ousado e habilidoso. Seis das oito entidades patronais, lideradas pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), teleguiada pela Rede Globo, anunciaram sua retirada da comissão organizadora, mas não obrigatoriamente da Confecom. A jogada serviu para acovardar o governo, que passou a defender os critérios antidemocráticos de representação e de votação da Abert para viabilizar a presença empresarial. O clima esquentou. A última reunião da comissão organizadora não chegou a qualquer consenso e o regimento da conferência sequer foi publicado. Nova reunião ocorrerá na próxima semana.
Diante deste quadro embaçado, os movimentos sociais e as entidades que historicamente lutam pela democratização dos meios de comunicação estão diante de uma disjuntiva. Alguns setores se precipitam em afirmar que já aceitam a imposição draconiana, sem espernear nas negociações. Outros setores se apressam em anunciar que não participarão mais da Confecom, que tudo está perdido. Esta não é a melhor hora nem para recuos nem para bravatas. O momento exige firmeza de propósitos e flexibilidade tática para viabilizar uma conferência democrática e massiva. A Confecom é uma vitória histórica dos movimentos sociais, que não pode ser desperdiçada.
Forte pressão e nitidez de objetivos
É preciso colocar o governo na parede, fazendo com que assuma o ônus pelo recuo vergonhoso e desmascarando a postura autoritária e chantagista dos barões da mídia. Nenhuma entidade possui legitimidade para abdicar das exigências das bases, que rejeitaram os critérios antidemocráticos de representação dos empresários e suas tentativas de castrar o temário. Agora é necessária muita pressão para derrotar as manobras patronais e reverter a posição do governo. Toda negociação pressupõe pressão. Mesmo quem deseja a paz deve se preparar para a guerra. Qualquer recuo neste momento seria prejudicial e incompreensível. Ainda é possível obter alguns avanços.
Concluída a negociação, porém, os movimentos sociais deverão reavaliar sua postura. Qualquer bravata agora pode atrapalhar a reflexão madura no futuro, pode fomentar sectarismos estéreis que apenas servem para dividir o campo popular. Não se pode perder a referência do objetivo principal, que é o de garantir um processo amplo e pedagógico de debate na sociedade sobre o tema estratégico da democratização dos meios de comunicação. A Confecom não permite nem ilusões nem omissões. Ela não superará, de uma só vez, a ditadura da mídia – nem na Venezuela, Bolívia e Equador, que vivem processos mais radicalizados de lutas, esta façanha foi alcançada.
A Confecom é apenas o primeiro passo, de muitas batalhas que serão necessárias para se derrotar o monopólio e as manipulações da mídia. Neste sentido, ela cumpre principalmente um papel pedagógico, de envolvimento de amplos setores da sociedade neste debate estratégico – até então restrito a um reduzido e combativo núcleo de “especialistas”. O resultado das negociações com o governo não deve ofuscar este objetivo maior. O momento agora é de pressão, não de recuos, no processo de negociação. Na sequência, os movimentos sociais avaliarão qual a forma unitária de avançar no processo de debate na sociedade contra a poderosa e chantagista ditadura midiática.
Os barões da mídia, que tanto falam em “liberdade de expressão”, fizeram de tudo para sabotar a convocação da Confecom. Na seqüência, diante do fato consumado do decreto presidencial e das disputas entre as teles e os radiodifusores, eles resolveram se apoderar da comissão organizadora nacional da Confecom – composta por dez representantes do poder público, oito das entidades empresariais e oito da “sociedade civil”. Eles tentaram restringir a pauta do evento, evitando os “temas sensíveis” que emparedam o monopólio midiático, e impor critérios antidemocráticos de representação e de votação (40% dos delegados e 60% de “quórum qualificado”).
Governo se acovarda novamente
Frente à resistência dos movimentos sociais e de setores do próprio governo Lula, os barões da mídia arriscaram um lance ousado e habilidoso. Seis das oito entidades patronais, lideradas pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), teleguiada pela Rede Globo, anunciaram sua retirada da comissão organizadora, mas não obrigatoriamente da Confecom. A jogada serviu para acovardar o governo, que passou a defender os critérios antidemocráticos de representação e de votação da Abert para viabilizar a presença empresarial. O clima esquentou. A última reunião da comissão organizadora não chegou a qualquer consenso e o regimento da conferência sequer foi publicado. Nova reunião ocorrerá na próxima semana.
Diante deste quadro embaçado, os movimentos sociais e as entidades que historicamente lutam pela democratização dos meios de comunicação estão diante de uma disjuntiva. Alguns setores se precipitam em afirmar que já aceitam a imposição draconiana, sem espernear nas negociações. Outros setores se apressam em anunciar que não participarão mais da Confecom, que tudo está perdido. Esta não é a melhor hora nem para recuos nem para bravatas. O momento exige firmeza de propósitos e flexibilidade tática para viabilizar uma conferência democrática e massiva. A Confecom é uma vitória histórica dos movimentos sociais, que não pode ser desperdiçada.
Forte pressão e nitidez de objetivos
É preciso colocar o governo na parede, fazendo com que assuma o ônus pelo recuo vergonhoso e desmascarando a postura autoritária e chantagista dos barões da mídia. Nenhuma entidade possui legitimidade para abdicar das exigências das bases, que rejeitaram os critérios antidemocráticos de representação dos empresários e suas tentativas de castrar o temário. Agora é necessária muita pressão para derrotar as manobras patronais e reverter a posição do governo. Toda negociação pressupõe pressão. Mesmo quem deseja a paz deve se preparar para a guerra. Qualquer recuo neste momento seria prejudicial e incompreensível. Ainda é possível obter alguns avanços.
Concluída a negociação, porém, os movimentos sociais deverão reavaliar sua postura. Qualquer bravata agora pode atrapalhar a reflexão madura no futuro, pode fomentar sectarismos estéreis que apenas servem para dividir o campo popular. Não se pode perder a referência do objetivo principal, que é o de garantir um processo amplo e pedagógico de debate na sociedade sobre o tema estratégico da democratização dos meios de comunicação. A Confecom não permite nem ilusões nem omissões. Ela não superará, de uma só vez, a ditadura da mídia – nem na Venezuela, Bolívia e Equador, que vivem processos mais radicalizados de lutas, esta façanha foi alcançada.
A Confecom é apenas o primeiro passo, de muitas batalhas que serão necessárias para se derrotar o monopólio e as manipulações da mídia. Neste sentido, ela cumpre principalmente um papel pedagógico, de envolvimento de amplos setores da sociedade neste debate estratégico – até então restrito a um reduzido e combativo núcleo de “especialistas”. O resultado das negociações com o governo não deve ofuscar este objetivo maior. O momento agora é de pressão, não de recuos, no processo de negociação. Na sequência, os movimentos sociais avaliarão qual a forma unitária de avançar no processo de debate na sociedade contra a poderosa e chantagista ditadura midiática.
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