segunda-feira, 8 de novembro de 2010

“Não submestimem Dilma Rousseff”

Reproduzo entrevista concedida ao jornalista Fernando Rodrigues, publicada no UOL:

Dilma Rousseff ganhou a eleição para presidente da República, a primeira de sua vida. Mas seu marqueteiro, João Santana, venceu sua terceira disputa desse gênero. Ele é o profissional latino-americano mais bem-sucedido na área de comunicação política-eleitoral em anos recentes.

Além de ser o responsável pelas propagandas de TV e de rádio de Dilma, atuou também na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, e na eleição do presidente de El Salvador, Mauricio Funes, em 2009.

Em uma de suas raras entrevistas, Santana, 57 anos, falou à Folha na última quarta-feira, em sua casa de veraneio próxima a Salvador, na Bahia. Fez uma ampla análise do processo eleitoral brasileiro e da última campanha.

Sobre as razões de a disputa ter sido remetida ao segundo turno, aponta como principal fator o escândalo de suspeita de tráfico de influência na Casa Civil, envolvendo Erenice Guerra, sucessora de Dilma naquela pasta:

“O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso a Casa Civil.”

Pesquisas mostraram, diz Santana, que a onda religiosa e o debate sobre aborto tiveram efeito limitado. Ele faz uma autocrítica: “Erramos quando, no primeiro momento embarcamos nessa onda, e erraram mais eles que insistiram nessa maré hipócrita. Isso, aliás, foi um dos maiores fatores de desgaste e inibição do crescimento de [José] Serra [PSDB, adversário de Dilma] no segundo turno”.

Contratado eventual do PT, Santana também atuou como consultor de imagem de Lula nos últimos quatro anos. Jornalista de formação, o marqueteiro baiano foi o criador de algumas das marcas e siglas mais famosas do lulismo, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Minha Casa, Minha Vida (cujo nome inicial proposto pela burocracia do governo era o anódino “Casa para Todos”).

Assim como Lula, faz algumas metáforas futebolísticas. “A substituição de Lula por Dilma foi como a troca de Pelé por Amarildo na Copa de 1962. Mas o Amarildo entrou e deu conta do recado”, diz ele, evocando o episódio em que a seleção brasileira de futebol ficou sem seu principal jogador na disputa que rendeu o segundo título mundial ao país.

Gosta de elucubrar sobre a troca de poder de Lula para Dilma. “As paixões populares são múltiplas porque o povo não é politicamente monogâmico. O povo é, por natureza, sincretista e politicamente polígamo”, diz Santana. Para ele, haverá um “vazio oceânico” com a saída de Lula. Mas haveria “na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia” que ele chama “metaforicamente de ‘cadeira da rainha’, e que poderá ser ocupada por Dilma”. E arrisca um conselho aos políticos em geral: “Não subestimem Dilma Rousseff. Este alerta vale tanto para opositores como para apoiadores da nova presidente”.

O marqueteiro lembra que “a República brasileira não produziu uma única grande figura feminina, nem mesmo conjugal” até hoje. “Dilma tem tudo para ocupar esse espaço”, apesar da sua proverbial falta de carisma.

Logo após o caso Erenice, Santana relata ter sido necessária uma reaproximação entre Lula e Dilma ‘de emergência’. Mas a superexposição do presidente, de maneira exaltada, em comícios no final do segundo turno mereceu reprovação do marqueteiro: “Alguém quando está no palanque esquece que trechos editados de sua fala podem aparecer em telejornais de grande audiência”.

Muito próximo tanto de Lula como de Dilma durante os últimos 12 meses, ele fala também com um pouco de ironia sobre a mudança estética e o treinamento da candidata neófita em disputas eleitorais: “A decisão de fazer a operação plástica, por exemplo, foi dela. Como toda mulher, quando se trata de estética, ela gosta de ela mesma tomar iniciativa. Ou, pelo menos, de pensar que foi dela a decisão”.

Na semana passada, o marqueteiro fez mais um trabalho para Lula: dirigiu o depoimento do presidente à nação que foi transmitido na sexta-feira à noite em cadeia de rádio e de TV. Agora, pretende tirar alguns dias de férias. Estudar propostas de trabalho que recebeu para atuar em eleições presidenciais em cinco países: Peru, Argentina, Guatemala, República Dominicana e México.

A seguir, trechos da entrevista de Santana à Folha:

O sr. fez o marketing das duas últimas campanhas presidenciais vitoriosas no Brasil. Quais as diferenças e semelhanças?

Foram campanhas profundamente dessemelhantes.

Destaco alguns dos pontos que tiveram em comum: o profundo desdém da oposição aos candidatos Lula e Dilma nas pré-campanhas; o susto que eles tomaram no início dos dois primeiros turnos com o crescimento rápido e vigoroso dos nossos dois candidatos; a falsa ilusão de vitória que eles criaram na passagem do primeiro para o segundo turno, e a desilusão e desfecho finais.

Entre os vários pontos de dessemelhança, eu gostaria de frisar apenas um, e que diz respeito diretamente à minha área: apesar das aparências, a campanha de 2010 foi de uma complexidade estratégica, e principalmente tática, imensamente maior do que a de 2006. Eu diria, até, que do ponto de vista do marketing, esta talvez tenha sido a campanha presidencial mais complexa dos últimos tempos no Brasil.

A percepção da oposição, então, segundo sua avaliação, foi equivocada?

Na pré-campanha de 2006, a oposição imaginou, erroneamente, que Lula estivesse destruído com o escândalo do mensalão. Imaginou que um discurso udenista, neurótico e tardio, pudesse influenciar amplas camadas da população na campanha. Não perceberam o incipiente, porém já vigoroso, movimento de ascensão social e de gratificação simbólica e material que vinha sendo produzido pelo governo Lula.

Na pré-campanha de 2010, houve um erro porque menosprezaram o valor pessoal e o potencial de crescimento de Dilma e, também, a capacidade de transferência de Lula. É o período da arrogante, equivocada e elitista ‘teoria do poste’.

O grande crescimento que Lula, em 2006, e Dilma, em 2010, tiveram no final das pré-campanhas, e especialmente no início do primeiro turno, deixou-os atordoados. Só se recuperaram um pouco quando foram favorecidos por fatores extracampanhas, o caso dos aloprados e o escândalo Erenice.

Por que Dilma não venceu no 1º turno? Lembro-me que as previsões internas eram de que ela teria de 56% a 57% dos votos…

Por vários fatores, alguns já facilmente percebidos e explicados. Outros que levarão ainda algum tempo para serem corretamente analisados. Começo indo na contramão da maioria dos analistas: o eleitorado brasileiro é, hoje, um dos mais maduros do mundo. E cada dia sabe jogar melhor.

Uma das provas desse amadurecimento é a consolidação, cada vez maior, da “cultura de segundo turno” nas eleições presidenciais. E ela atua, paradoxalmente, junto com a consolidação de um outro comportamento aparentemente antagônico: a consagração do princípio da reeleição. O de deixar um bom governo continuar, mas, ao mesmo tempo não aceitar passivamente tudo o que ele faz. Este conflito é uma forte demonstração de amadurecimento do eleitor brasileiro. No fundo é aquele maravilhoso conflito humano entre a reflexão e a decisão, entre a fé a descrença, entre a confiança e a suspeita, entre a entrega e a autodefesa.

Nas últimas eleições, parte do eleitorado tinha um fabuloso atalho, que era a candidatura Marina, para praticar o “voto de espera”, o voto reflexivo. E utilizou este ancoradouro, este auxílio luxuoso que era a candidatura Marina, para mandar alguns recados para os dois principais candidatos. Por essas e por outras razões houve segundo turno.

Que recados foram estes que os eleitores mandaram para Dilma e para Serra?

No nosso caso foi: “Olha, eu aprovo o governo de vocês, mas não concordo com tudo que acontece dentro dele; adoro o Lula mas quero conhecer melhor a Dilma”.

No caso do Serra: “Seja mais você mesmo, porque desse jeito aí você não me engana; mas afinal, qual é mesmo esse Brasil novo que você propõe?; me diga lá: você é candidato a prefeito, a pastor ou a presidente?”.

Os candidatos, no segundo turno, deram respostas eficientes a esses recados dos eleitores?

Nenhuma campanha, em nenhum lugar do mundo, responde a todas as perguntas, preenche todas dúvidas, nem atenua, completamente, os conflitos racionais e emocionais dos eleitores. Uma campanha será sempre um copo com água pela metade, meio vazio pra alguns, meio cheio pra outros.

No nosso caso, acho que respondemos algumas perguntas. A prova é que não apenas crescemos quantitativamente, como houve uma melhoria, mais que significativa, na percepção dos atributos da nossa candidata.

Em que se sustenta a tese de que essa foi a mais complexa campanha, estratégica e taticamente dos últimos tempos?

Por várias características atípicas, originais e exclusivas desta campanha. Para não me alongar muito, vou comentar apenas alguns fatores do nosso lado. Nós tínhamos um presidente, em final de mandato, com avaliação recorde, paixão popular sem limite e personalidade vulcânica.

Uma caso único não só na história brasileira como mundial. Uma espécie de titã moderno.

Do outro lado, tínhamos uma candidata, escolhida por ele, que era uma pessoa de grande valor, enorme potencial, porém muitíssimo pouco conhecida.

Tínhamos o desafio de transformar em voto direto, e apaixonado, uma pessoa que chegava à primeira cena por força de uma escolha indireta, quase imperial. Tínhamos que transformar a força vulcânica de Lula em fator equilibrado de transferência de voto, com o risco permanente da transfusão virar overdose e aniquilar o receptor.

Tínhamos a missão de fazer Dilma conhecida e ao mesmo tempo amada; uma personagem original, independente, de ideias próprias e, ao mesmo tempo, uma pessoa umbilicalmente ligada a Lula; uma pessoa capaz de continuar o governo Lula mas também capaz de inovar.

Tudo isso dentro de um curtíssimo prazo e dentro do cenário de uma das maiores, mais vibrantes e maravilhosamente mal construída democracias do mundo, que é a democracia brasileira. E que tem um dos modelos de propaganda eleitoral, ao mesmo tempo, mais permissivo e restritivo do mundo; um calendário eleitoral hipocritamente dos mais curtos, e, na prática, dos mais longos do mundo. Isso é dose. É um coquetel infernal.

O que mais facilitou e atrapalhou o trabalho?

Acho que o que mais nos ajudou foram as lendas equivocadas que a oposição, secundada por alguns setores da mídia, foi construindo sistematicamente. E se aferrando desesperadamente a elas, mesmo que os fatos fossem derrotando uma após outra.

No início, construíram quatro lendas eleitorais: que Lula não transferia voto, que Dilma ia ser péssima na TV, que Dilma ia ser um desastre nos debates e que Dilma, a qualquer momento, iria provocar uma gafe irremediável nas entrevistas. Nada disso ocorreu, muito pelo contrário.

Construíram, pelo menos, quatro lendas biográficas: que Dilma tinha um passado obscuro na luta armada, que era uma pessoa de currículo inconsistente, que teve um mau desempenho no governo Lula, e que o fato de ter tido câncer seria fatal para a candidatura. Nada disso se confirmou.

E construíram lendas políticas. As principais eram que Dilma não uniria o PT, não teria jogo de cintura para as negociações políticas e que não saberia dialogar com a base aliada. Outra vez, tudo foi por terra.

Ora, com tantas apostas equivocadas, o resultado não podia ser outro. Se você permitir, eu gostaria adiante de comentar sobre novas lendas equivocadas que já estão começando a construir em relação ao futuro governo Dilma.

Na fase final, a oposição apostou numa guerra moral e religiosa, no mundo da ética e dos valores. Isso não atrapalhou?

De forma irreversível, não. Acho, inclusive, que no final o feitiço virou mais contra o feiticeiro. As questões do aborto e da suposta blasfêmia foram apenas vírgulas que ajudaram a nos levar para o segundo turno. Repito, apenas vírgulas.

O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso a Casa Civil.

Por motivos óbvios, vínhamos ressaltando, com grande ênfase, a importância da Casa Civil. Na cabeça das pessoas, a Casa Civil estava se transformando numa espécie de gabinete paralelo da presidência. E o escândalo Erenice abalou, justamente, esse alicerce.

Voltando à questão da moral religiosa: como a oposição abusou da dose, provocou, no final, rejeição dos setores evangélicos que interpretaram o fato como jogada eleitoral e afastou segmentos do voto independente, principalmente de setores da classe média urbana, que se chocou com o falso moralismo e direitização da campanha de Serra.

Mas essa opção às vezes à direita da oposição, em certa medida, era algo esperado. Ou não?

Eu alertei sobre isso, inclusive, em um seminário interno da Folha que participei em maio. Este é um fenômeno que infelizmente vem acontecendo, na América Latina, com alguns setores desgarrados, que antes de autointitulavam de socialdemocratas e se inclinaram perigosamente para a direita.

Passaram a utilizar, em suas campanhas, um mix de técnicas do Partido Republicano americano, mais ferramentas da direita espanhola e de operadores antichavistas da Venezuela.

Eu me defrontei com este aparato na campanha que fiz para o presidente Mauricio Funes, em El Salvador. Fomos vítimas de uma das mais insidiosas e obscuras campanhas negativas. Mas vencemos. O ideário é o mesmo, os conceitos manipulados semelhantes, as técnicas de medo iguais. O que varia é a dosagem e os instrumentos.

Aqui a direitização ficou mais circunscrita a certos tabus morais e religiosos. Mas também trafegou, principalmente na internet, no obscurantismo político de pior extração. Quem estuda este fenômeno e viu um vídeo que circulou na internet, intitulado a ‘Dama de Vermelho’, sabe do que estou falando. Por sinal, este vídeo é uma réplica de alguns que foram produzidos contra Mauricio Funes, em El Salvador, e a favor da campanha de Felipe Calderón no México.

No início da entrevista, o sr. disse que iria comentar o que considera ‘novas lendas equivocadas’ projetadas para o governo Dilma. Do que se trata?

Eu acho necessário um humilde alerta: não subestimem Dilma Rousseff. Este alerta vale tanto para opositores como para apoiadores da nova presidente.

Dentro e fora do Brasil já começam a pipocar análises apressadas de que Dilma dificilmente preencherá o grande vazio sentimental e simbólico que será deixado por Lula. E que este será um problema intransponível para ela. Bobagem.

Não há dúvida de que a ausência de Lula deixa uma espécie de vazio oceânico. Lula é uma figura única, que uma nação precisa de séculos pra construir. Mas Dilma, em lugar de ser prejudicada por este vazio, será beneficiada por ele. Basta saber aproveitar –e acho que ela saberá– a oportunidade única e rara, que tem nas mãos, de se tornar conhecida e amada ao mesmo tempo.

É preciso também estar atento para o fato de que as paixões populares são múltiplas porque o povo não é politicamente monogâmico. O povo é, por natureza, sincretista e politicamente polígamo. E há na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia, que chamo metaforicamente de “cadeira da rainha”, e que poderá ser ocupada por Dilma.

A República brasileira não produziu uma única grande figura feminina, nem mesmo conjugal. Dilma tem tudo para ocupar esse espaço. O espaço metafórico da cadeira da rainha só foi parcialmente ocupado pela princesa Isabel. Para um homem sim, seria uma tarefa hercúlea suceder a Lula. Para uma mulher, não. Em especial, uma mulher como Dilma. Lula sabia disso e este talvez seja o conteúdo mais genial da sua escolha.

Quando ficou claro que haveria 2º turno? No dia?

No dia da apuração. Havia fortes indícios de perda de substância da nossa candidata, porém, os indicadores nos davam uma relativa segurança de que ganharíamos no primeiro turno.

Ao contrário da eleição de 2006, quando eu fui o primeiro a alertar o presidente Lula de que iríamos para o 2o turno, desta vez eu fui um dos últimos a admitir isso. Acompanhando a apuração no Alvorada, ao contrário de 2006, eu era um dos poucos que ainda acreditava que ainda ganharíamos por uma margem estreita.

A receita do 2º turno deste ano se assemelha à de 2006: acusar os tucanos de serem privatistas e contra o patrimônio nacional. Mas desta vez o efeito não foi tão forte como há quatro anos. Essa fórmula está perto do esgotamento?

É reducionismo dizer que a receita do segundo turno foi a de acusar os tucanos de privatistas. Se você rever os programas e comerciais, vai constatar que discutimos modelo de política econômica, políticas sociais, modelo de desenvolvimento, entre outros temas.

Fui o responsável pela introdução do tema privatizações em 2006. Na verdade, não estava muito apaixonado pela ideia de utilizá-lo outra vez nesta campanha. Inclusive porque, ao contrário de certos homens marketing, não gosto de repetir fórmulas. Mas havia um consenso, na cúpula da campanha, de que o tema ainda estava vivo. Meu convencimento final veio quando decidimos acoplá-lo, de forma mais que justa, ao futuro do pré-sal.

Essa abordagem sobre ‘tucanos privatistas X petistas defensores do patrimônio nacional’ não seria uma exploração indevida do imaginário popular?

Já falei sobre isso e não fui muito bem interpretado. Tucanos e petistas divergem, de fato, profundamente neste tema. A sociedade brasileira sempre acompanhou com o máximo de interesse, receio e com muita cautela essa discussão.

O debate continua vivo. Por que é manipulação reacender ou esquentar esse debate? A propaganda eleitoral brasileira é um espaço bastante democrático, e mais que apropriado para este tipo de discussão. Nela, cada um pode expor seu pontos de vista e estabelecer o contraditório. Com fatos e argumentos. Sem medo e sem timidez.

Por que o Vox Populi, contratado pela campanha de Dilma, não captou a queda nas pesquisas de maneira mais precisa?

Essa é uma pergunta que o instituto pode responder melhor do que eu.

Quando as pesquisas diárias (‘trackings’) começaram as ser feitas? E os grupos de análise qualitativa? Dilma assistiu a alguns desses grupos?

Os trackings começaram uma semana antes da propaganda eleitoral. Os grupos de pesquisas qualitativas começaram também nesse período, e eram quase diários.

No segundo turno, os grupos de qualis eram diários. Eram 12 grupos, distribuídos pelas várias regiões do país. Em São Paulo, eram sempre quatro grupos, variando entre capital e interior. Duas empresas faziam esse trabalho. Em São Paulo, a Oma Pesquisas. No restante do país, a Síntese. A candidata Dilma não assistiu aos grupos por falta de tempo e de interesse direto.

Foi um erro a forma como Lula fez alguns comícios na parte final do 1º turno, falando em extirpar o DEM da política e dizendo que ‘a opinião pública somos nós’?

Como eu já disse, o presidente tem uma personalidade vulcânica. Sua intuição emocional faz com que ele acerte bastante, e às vezes cometa erros. Mas o saldo nesta e em outras campanhas sempre foi muito positivo.

Mas houve uma certa overdose de Lula no final do 1º turno, com ele aparecendo não de forma exaltada em comícios?

Na propaganda eleitoral, não. Desde o início, eu sabia que uma das coisas mais difíceis era a modulação da presença de Lula. Fiz um desenho estático que considero correto. Dividi a campanha com base nos 45 dias de TV e rádio em três fases iguais de 15 dias cada. A primeira, consistiu em colar bastante Lula a Dilma. Depois, seria preciso atenuar um pouco a presença dele no meio da campanha. E, por fim, voltar a colá-los fortemente no final.

Na primeira fase, era preciso mostrar aos eleitores que havia afinidade, respeito e confiança entre eles. Consumado isso em 15 dias, como eu esperava, com êxito, era então necessário reforçar a identidade própria de Dilma. Isso só seria possível se as pessoas conseguissem enxergá-la sem a sombra luminosa de Lula. Assim, os segundos 15 dias da campanha tiveram a troca da persona Lula pela intensificação da representação simbólica do governo Lula.

Só que no final dessa segunda fase ocorreu uma trágica coincidência: o escândalo Erenice.

E o que foi feito?

Fomos forçados a fazer uma reaproximação entre Lula e Dilma de emergência.

Mas Lula não se excedeu nos comícios?

De certa forma, sim. Mas isso é até explicável. A presença de um político no palanque permite certo tipo de arroubo que a propaganda eleitoral não comporta. Acontece que alguém quando está no palanque esquece que trechos editados de sua fala podem aparecer em telejornais de grande audiência.

Na passagem do 1º para o 2º turno, ele deu uma sumida. Por quê?

Foi por um período muito curto. Foi intencional por dois motivos. Primeiro, porque era necessário dar um certo refresco para a imagem do presidente por causa do uso excessivo em todas as campanhas em todas as unidades da Federação. Os candidatos em todos os níveis usaram e abusaram da imagem de Lula de forma excessiva e até irresponsável como nunca ocorrera antes.

Segundo, estávamos fazendo um reposicionamento estratégico, e antes que as transições conceituais ficassem claras, era importante preservar o nosso principal trunfo, que era o presidente. Foi uma operação tão delicada e corajosa que o próprio presidente Lula, na passagem do primeiro para o segundo turno, chegou a me questionar a respeito.

Muitos temeram a derrota nessa fase?

Temer a derrota é inerente a qualquer um envolvido em uma campanha. Sobretudo quando há uma quebra de expectativa, que foi o que ocorreu com a ida para o segundo turno.

De certa maneira, esse mesmo sentimento perpassou a campanha de 2006, no início daquele segundo turno.

Quando Dilma teve câncer, o que a área de marketing da pré-campanha fez?

Primeiro, foi um susto. Uma situação insólita. Iniciar uma campanha com uma candidata pouco conhecida e enfrentando um desafio dessa magnitude. Só havia então um caminho que era buscar o máximo de transparência. Todo o tratamento foi ampla e livremente noticiado pela mídia. Num caso como este não se pode, nem se deve inventar ou maquiar nada. A verdade é o melhor remédio. Até porque ela sempre prevalece.

A sua contratação ocorreu a partir de quando?

O PT me contratou para dar consultoria e fazer as propagandas partidárias em 2009.

Como Dilma reagiu à necessidade de fazer operação plástica no rosto e na região do pescoço, mudar o vestuário, treinar oratória, aceitar cabeleireiro e maquiadora sempre perto?

Variou. A decisão de fazer a operação plástica, por exemplo, foi dela. Como toda mulher, quando se trata de estética, ela gosta de ela mesma tomar iniciativa. Ou, pelo menos, de pensar que foi dela a decisão.

Por que Dilma tem dificuldade para falar em público, às vezes não completando um raciocínio?

Durante toda a sua vida, Dilma foi treinada mais para fazer do que para falar. Além disso, ela é daquelas pessoas que tem raciocínio mais rápido do que a verbalização. E algo ainda mais complexo: imagine uma pessoa que nunca foi candidata a nada inaugurando sua vida eleitoral sendo candidata a presidente de um país do tamanho do Brasil?

Tudo isso provoca um tipo de tensão e ansiedade que obviamente repercute na maneira de se comunicar. Porém, o mais surpreendente, é que Dilma superou todos esses obstáculos de maneira brilhante. O mérito maior é dela.

Como era sua equipe na campanha?

Tive a felicidade de formar um “dream team”. Cerca de 200 pessoas estiveram envolvidas. Alguns já trabalhavam comigo há muito anos como Eduardo Costa, meu braço direito e um dos grandes responsáveis pelo sucesso da campanha. Outros se reaproximaram e foram fundamentais como Marcelo Kértesz, Lô Politi e Giovani Lima, como diretores de vídeo. Sem falar da presença essencial de Mônica Moura, minha mulher e sócia.

Como presidente Lula interagiu com Dilma durante a campanha?

Em termos presenciais, o contato foi muito menor do que quando ela estava no governo.

Haveria alguma forma de o PSDB usar de maneira positiva, em nível nacional, a imagem de FHC em uma campanha presidencial?

Num período muito curto de campanha, seria muito difícil, quase impossível. Se eu estivesse no lugar de Luiz Gonzalez [publicitário da campanha de José Serra], que considero um dos melhores marqueteiros do Brasil, talvez eu fizesse o mesmo que ele fez.

O uso da imagem de FHC só seria viável eleitoralmente depois de um trabalho consistente ao longo de um período de vários anos. Seria preciso recuperar uma narrativa do governo tucano, que teve méritos, mas ficou com a imagem avariada por causa do final da administração FHC.

Creio ter havido um desleixo da parte do próprio Fernando Henrique, com uma atitude olímpica. Quem sabe, por vício acadêmico, ele esperava um resgate histórico que viesse apenas por gravidade. Mas, no seu caso, seria necessário mais do que isso. Ele e seu partido teriam de se esforçar para defender a imagem daquela administração, deixando de lado a timidez ou o medo que demonstram ter.

Teria sido possível neste ano eleger José Serra ou algum candidato de oposição? Com qual estratégia?

Muito improvável. A menos que cometêssemos alguns erros e a oposição milhões de acertos

Aécio Neves teria tido condições de vencer Dilma?

Poderia ter feito uma campanha mais bonita e mais vibrante do que Serra. Mas mesmo assim seria derrotado.

Como foi e com qual frequência se deu neste ano sua relação com o publicitário de Serra, Luiz González?

Sempre tivemos uma boa relação. Admiro o González tanto por sua competência como por seu caráter. E é sempre uma parada dura enfrentá-lo numa campanha. Nos falamos várias vezes durante esta campanha para negociarmos regras de debates e outros detalhes envolvendo participações dos nossos candidatos.

A negociação mais insólita foi quando liguei, pra ele, na véspera do Círio de Belém, sugerindo que abríssemos mão da propaganda eleitoral na TV no dia da festa, no Pará. Ele pediu pra consultar o Serra e topou. Tenho certeza que os paraenses gostaram muito desta atitude e Nossa Senhora de Nazaré, com certeza, abençoou os dois candidatos.

Esta eleição teve dez debates. Quais foram os mais úteis eleitoralmente? Os da Globo, pela alta audiência?

Todos foram importantes, mas nenhum decisivo.

Todos os debates foram engessados por regras impostas pelos candidatos e seus assessores. O que seria necessário para haver debates mais livres?

Os debates, como algumas regras da propaganda eleitoral, têm de ser revistos. O problema dos debates é que dependem da vontade dos candidatos. E vontade dos candidatos é a coisa mais difícil de administrar.

E no caso do horário eleitoral, o que pode ser feito?

Eu acho que a lei de propaganda eleitoral é uma das mais modernas do mundo. Porém, há situações anômalas que devem ser corrigidas. Por exemplo, a legislação sobre pré-campanha. Outra, a legislação do segundo turno.

No caso do segundo turno, como está concebido, é uma violência contra os candidatos, contra os partidos, contra os eleitores e contra as equipes que produzem os programas eleitorais. Deveria haver menos propaganda, mais debates obrigatórios, mais liberdade de entrevistas nos meios de comunicação eletrônicos e a eleição em si ser mais próxima da do primeiro turno.

Qual foi a importância da internet na campanha?

Ao contrário do que se fala, a internet teve um papel importante nesta eleição. Pena que tenha sido usada, muito fortemente, para veicular campanha negativa raivosa, anônima e, muitas vezes, criminosa. Isso terminou por diminuir muito a credibilidade do material que circulava na web. Mas a cada dia o papel da internet será maior nas eleições brasileiras. E isso é muito bom para a disputa eleitoral e para o avanço democrático.

Nos EUA, a web é usada na difusão de propaganda negativa, mas também na arrecadação de fundos. Quando haverá isso aqui?

Como já disse, houve um predomínio de propaganda negativa. Mas a mobilização nas redes sociais foi também intensa. Esta é a grande chave, no futuro, para aumentar o impacto da web nas eleições.

Qual foi o saldo da contratação de técnicos que trabalharam na campanha da web de Barack Obama?

A participação deles ficou praticamente restrita à transferência de tecnologia e de ferramentas. Não participaram da estratégia nem da conceituação da campanha em nenhum nível. Mas são profissionais bem competentes em sua área.

Teria sido possível eleger algum outro ministro técnico como Dilma usando a mesma estratégia?

Acho que seria muito difícil. A escolha de Dilma foi uma das maiores provas da intuição e da genialidade política do presidente Lula. Eu tive o privilégio de ser uma das primeiras pessoas a saber da decisão do presidente e a fazer estudos sobre isso, a pedido dele.

Desde o início ficou claro que a transferência de votos se daria de forma harmônica e fluídica. Está provado que a transferência, na maioria das vezes, se dá mais pelas características do receptor do que do doador. De todos os possíveis candidatos, Dilma reunia as melhores condições para isso. Era mulher, ocupava um papel-chave no governo, tinha passado e presente limpos, era competente, firme, corajosa, combativa e tinha fidelidade absoluta ao presidente.

Além disso, por causa do tipo de personalidade de Lula, era muito mais natural e com maior poder de sedução junto ao seu eleitorado, ele pedir voto para uma mulher do que para um homem.

Em 2014, os parâmetros de exigência da população estarão elevados para outro patamar e o Bolsa Família terá menos importância?

Primeiro é bom esclarecer, que no campo da psicologia do voto, o Bolsa Família é percebido pelos seus beneficiários como um detalhe importante, porém um detalhe, de uma coisa ainda maior e mais forte para eles que é o olhar social do governo Lula.

O programa, em si, tem apelo eleitoral? Tem. Porém menos do que se apregoa. E, como já disse, não funciona de forma isolada. Acho que poucos governos, como o do presidente Lula, e, tenho certeza, o da presidenta Dilma, reúnem tantas condições de poder acompanhar o que você chama de elevação de parâmetros de exigência da população.

Na verdade é mais do que isso. Quando o governo Lula retirou 28 milhões de pessoas da miséria e levou 36 milhões para a classe média estava, ao mesmo tempo, dando vida digna e cidadania a estas pessoas, elevando seu nível de vida e, simultaneamente, elevando os seus ‘parâmetros de exigência’. Ou seja, as políticas públicas de Lula e de Dilma são maiores do que qualquer tipo de pragmatismo eleitoral.

Se quiser vencer, o que deve fazer a oposição daqui até 2014?

Não me sinto apto a dar conselhos à oposição. Ela tem consultores mais competentes do que eu para isso.

O sr. foi convidado a continuar prestando assessoria de imagem e marketing para Dilma Rousseff?

A presidenta eleita não me falou nada sobre isso e eu tenho uma agenda internacional carregada, nos próximos três anos, que atrapalharia bastante um trabalho deste tipo.

Uma ala do PT, entre os quais José Dirceu e Fernando Pimentel, desejava a sua saída e a volta de Duda Mendonça. Como foi essa disputa?

É natural que na política, nos negócios e no amor as pessoas queiram se associar com quem têm afinidade. Até hoje, não sei exatamente quem participou dessa articulação. Só sei que foi um grupo muito pequeno e que não contava com o apoio da cúpula da campanha nem do PT. Lula e Dilma sempre me apoiaram integralmente. O ex-presidente do PT Ricardo Berzoini e o presidente atual da legenda, José Eduardo Dutra, sempre me deram todo apoio.

Quais são os seus planos profissionais a partir de agora?

Eu tenho muitos clientes fora do Brasil e provavelmente me dedique mais a eles, nos próximos dois anos. Estou examinando também, com carinho, uma proposta de sociedade de uma empresa americana de marketing político para atuação junto ao eleitorado latino, nos Estados Unidos.

Quero ver, também, se tenho tempo de terminar dois livros que estou escrevendo, um romance e outro sobre marketing político. Além disso, quero ver se volto a me dedicar à música.

Quanto o sr. cobrou para fazer a campanha de Dilma Rousseff?

O custo total da área de propaganda e marketing, incluindo as pesquisas qualitativas e as quantis estratégicas, foi de R$ 44 milhões.

O Brasil é o país latino-americano no qual as campanhas políticas são as mais caras?
O custo das campanhas no Brasil está diretamente relacionado ao tamanho do eleitorado, à força de sua economia e à qualidade e sofisticação do seu marketing eleitoral. Sem dúvida, um dos melhores do mundo.

Continua a existir uma imagem negativa dos marqueteiros. Esse é um problema de marketing que os principais envolvidos não conseguem solucionar?

Acho que esta suposta imagem negativa está circunscrita a determinados setores da sociedade que não entendem –ou não querem entender– o verdadeiro papel do marketing político.

Para a maioria da população ocorre exatamente o contrário: há uma profunda curiosidade e atração pelo nosso trabalho. Assim como somos um país com dezenas de milhões de técnicos de futebol, estamos também nos transformando num país com milhões de marqueteiros.

É incrível como hoje todo mundo discute e “entende” de marketing político. Chega a ser pitoresco, nos grupos de pesquisa qualitativa, como eleitores de todas as camadas sociais comentam, opinam e desvendam os segredos do marketing. É uma escola de prática de política.

Há semelhanças entre a transferência de poder do russo Vladimir Putin para Dmitri Medvedev, em 2008, e agora no caso dos brasileiros Lula e Dilma?

Li sobre isso na mídia internacional. É um equívoco absoluto, uma leitura caricata e ligeira. A democracia no Brasil é mais complexa e sofisticada. Mas isso me faz lembrar uma história curiosa.

Como a eleição brasileira chama a atenção em vários países, no início de maio, um emissário não oficial do governo russo mandou um recado para a campanha de Dilma. Essa pessoa queria oferecer o que seria uma técnica que dizia ser infalível de transferência de votos baseada na experiência exitosa de Putin para Medvedev.

Demos muita risada e é claro que recusamos. Mas tenho a impressão que um ou outro integrante da nossa campanha chegou a ficar tentado em pelo menos ouvir o que os russos tinham a dizer. Mas é óbvio que nenhum contato foi feito, embora o episódio demonstre como era imprevisível para alguns a capacidade de Lula de transferir votos para a Dilma.

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Eleição rejeitou udenismo moralista

Reproduzo artigo de Luiz Carlos Bresser-Perreira, intitulado "Dois males afinal evitados", publicado na Folha. Ex-ministro de FHC, o economista faz uma dura crítica às baixarias da campanha de José Serra. Um raro caso de lucidez de origem tucana:

As eleições do último domingo foram livres e democráticas. Foram próprias de uma democracia consolidada, porque o Brasil conta com uma grande classe média de empresários e de profissionais e com uma classe trabalhadora que participa dos ganhos de produtividade.

Porque conta com um sistema constitucional-legal dotado de legitimidade e garantido por um Estado moderno, que é efetivo em garantir a lei e crescentemente eficiente em gerir os serviços sociais e científicos que permitem reduzir a sua desigualdade.

É verdade que os dois principais candidatos não conseguiram desenvolver um debate que oferecesse alternativas programáticas e ideológicas claras aos eleitores. Por isso, a grande maioria dos analistas os criticou. Creio que se equivocaram.

O debate não ocorreu porque a sociedade brasileira é hoje uma sociedade antes coesa do que dividida. Sem dúvida, a fratura entre os ricos e os pobres continua forte, como as pesquisas eleitorais demonstraram. Mas hoje a sociedade brasileira é suficientemente coesa para não permitir que candidatos com programas muito diferentes tenham possibilidades iguais de serem eleitos - o que é uma coisa boa.

Os dois males que de fato rondaram as eleições de 31 de outubro foram os males do udenismo moralista e potencialmente golpista e o da americanização do debate político.

Quando setores da sociedade e militantes partidários afirmaram que a candidata eleita representava uma ameaça para a democracia, para a Constituição e para a moralidade pública, estavam retomando uma prática política que caracterizou a UDN (União Democrática Nacional), o partido político moralista e golpista que derrubou Getulio Vargas em 1954.

Não há nada mais antipolítico ou antidemocrático do que esse tipo de argumento e de prática. As três acusações são gravíssimas; se fossem verdadeiras - e seus proponentes sempre acham que são - justificam o golpe de Estado preventivo. Felizmente a sociedade brasileira teve maturidade e rejeitou esse tipo de argumento.

Quanto ao mal da americanização da política, entendo por isso a mistura de religião com política em um país moderno.

Os Estados Unidos, que no final da Segunda Guerra Mundial eram o exemplo de democracia para todo mundo, experimentaram desde então decadência política e social que teve como uma de suas características a invasão da política por temas de base religiosa como a condenação do aborto.

De repente um candidato passa a ser amigo de Deus ou do diabo, dependendo de ser ele “a favor da vida” ou não. A separação entre a política e a religião - a secularização da política - foi um grande avanço democrático do século 19. Voltarmos a uni-las, um grande atraso, a volta à intolerância.

A sociedade brasileira resistiu bem às duas ameaças. E a democracia saiu incólume e reforçada das eleições.

Em seu discurso após a eleição, Dilma Rousseff reafirmou seu compromisso com os pobres, ao mesmo tempo em que se dispôs a realizar uma política de conciliação, não fazendo distinção entre vitoriosos e vencidos.

Estou seguro que será fiel a esse compromisso, como o foram os últimos presidentes. Nossa democracia o exige e permite

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domingo, 7 de novembro de 2010

O Réquiem para Zé Bolinha

Reproduzo artigo de Maurício Thuswohl, publicado no sítio Carta Maior:

Com o resultado das eleições presidenciais, José Serra está morto politicamente e já pode repousar ao lado de Fernando Henrique Cardoso no jazigo político do PSDB. Assim como FHC, o ex-governador de São Paulo passa a ser uma figura irrelevante no front da política nacional. A eleição de Dilma Rousseff, mesmo tendo fortalecido o projeto da esquerda brasileira, não foi suficiente para prostrar o PSDB definitivamente e tampouco foi ampla a ponto de fazer recuar as forças conservadoras da sociedade. Serra, no entanto, está acabado.

A constatação pode ser dura e difícil para aqueles que admiram o tucano (não são poucos, a julgar pelos 43,6 milhões de votos recebidos) e para a mídia conservadora que tenta dar ares de vitória a uma derrota histórica. Mas, a verdade das urnas é clara e cristalina. Como escreveu o sempre espirituoso Flávio Aguiar em artigo publicado aqui na Carta Maior, a morte política de Serra é um fato inequívoco e teve direito até mesmo à extrema-unção consagrada pelo Papa Bento XVI em pessoa.

Não se trata mera e simplesmente de uma derrota eleitoral. Ao repetir diversas vezes nos últimos anos - e todos os dias durante a campanha - que se preparou a vida inteira para ser presidente, Serra revelou um sonho, mas também uma obsessão tão forte a ponto de alguns críticos terem inventado para ele o apelido de “presidente nato”. Após abandonar a militância na AP nos anos 60, Serra deixou de ser de esquerda, apesar das teses em contrário. Sua conversão definitiva aos encantos do capital (financeiro, não o livro de Marx) aconteceu em sua passagem pelos Estados Unidos. Quando retornou ao Brasil, já estava pronto para ser um expoente da elite política neoliberal que comandou o país no período pós-ditadura.

Em sua moderna e definitiva encarnação, Serra não precisou pedir, como fez FHC, que esquecessem o que escreveu. Ao contrário, na falta de coisa melhor, registrou um livro como programa de governo. Mas, nestas eleições o tucano associou-se às forças mais tenebrosas da direita de tal forma que transformou sua figura política em uma face disforme.

A campanha difamatória contra Dilma, feita à sombra das catedrais católicas e templos evangélicos, já revelava um Serra disposto a tudo para “cumprir seu destino” e chegar à Presidência. A sórdida e orquestrada repercussão midiática dada à discussão sobre o aborto, no entanto, jogou o Brasil à beira de uma cisão religiosa que nunca antes na história desse país havia acontecido. Para quem se diz “defensor das liberdades democráticas” foi uma irresponsabilidade chocante, mas útil para revelar aos eleitores que o candidato do agronegócio destruidor da Amazônia, o candidato da grande mídia monopolizadora, o candidato dos privatistas entreguistas da riqueza nacional era também o candidato da TFP e de outros segmentos fundamentalistas de nossa sociedade.

No discurso proferido logo após a confirmação da vitória de Dilma, Serra recorreu a bravatas consideradas ingênuas até mesmo na UNE, da qual foi presidente, e alertou aos “que nos imaginam derrotados” que estava “apenas começando uma luta de verdade”. Disse que “o momento não era de adeus”, e sim um “até logo”, mas a verdade é que a luta dos tucanos vai continuar sem ele. Aos 68 anos, a saída mais honrosa para Serra seria assumir a presidência do PSDB nas eleições internas programadas para o ano que vem e se candidatar ao Senado em 2014, quando terá 72 anos. Seu discurso após a derrota, entretanto, revela que a obsessiva procura pela Presidência da República permanece em seus planos. Mas, não será fácil encontrar espaço.

Tucanos divididos

No PSDB, as coisas caminham para a divisão em dois grandes blocos, aglutinados em torno do governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do senador eleito Aécio Neves (MG). Ambos almejam disputar a Presidência em 2014, e os efeitos dessa divisão já começam a se fazer sentir na troca de críticas pela imprensa feita entre tucanos mineiros e paulistas. Nessa briga, o fiel da balança pode ser a posição de outras lideranças do PSDB, representadas pelos oito governadores eleitos pelo partido. Se Aécio vencer a queda-de-braço interna e permanecer no PSDB, é o candidato natural do partido. Se não tiver espaço, vai sair, mas, nesse caso, parece impossível imaginar que Alckmin, o “querido amigo”, abrirá mão da disputa em favor de Serra.

Restaria ao “presidente nato” a opção de perseguir seu sonho de poder em outra legenda. Isso, entretanto, só é imaginável se Serra abraçar de vez o perfil mais sombrio que demonstrou durante a última campanha e tentar aglutinar fundamentalistas religiosos, ex-torturadores e barões decadentes da mídia numa espécie de “Tea Party” brasileiro.

Convenhamos que seria um fim de carreira política para lá de melancólico até mesmo para quem é capaz de se submeter a uma tomografia após ter sido atingido por uma bolinha de papel. Isso sem falar nas parcas possibilidades eleitorais que Serra teria em um quadro com candidatáveis do porte de Marina Silva e Eduardo Campos, além dos próprios Aécio e Alckmin e da presidente Dilma, entre outros.

Em conversa com o ex-marido, relatada pelo jornal O Globo, Dilma afirmou: “Eu nunca quis, nunca pensei em ser presidente do Brasil. Nunca tive de fazer arranjos constrangedores para chegar onde cheguei. E o Serra só fez isso (almejar a Presidência) a vida inteira: foi o primeiro aluno da classe, liderou o grêmio estudantil, foi parlamentar e governou sempre de olho na Presidência. Como é surpreendente o processo político brasileiro! Ao contrário do Serra, para mim ser presidente não era uma coisa de vida ou morte. Aconteceu naturalmente”. Como se vê pelas palavras da presidente eleita, não basta ter se preparado a vida inteira. Como diziam os velhos políticos, “Presidência é destino”. Ou, felizmente para o Brasil, Presidência é vontade popular.

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Carta aberta à Soninha Francine

Reproduzo artigo do jornalista Ivan Trindade, publicado no blog "Falando sozinho":

Cara Soninha,

Não nos conhecemos. Acompanhei sua carreira pela televisão, desde os tempos de MTV.

Sempre gostei de você, da sua imagem pública, do jeito como você se meteu no futebol, sem medo de entrar em um campo quase que totalmente dos homens.

Fiquei do seu lado quando você foi crucificada pela mídia retrógrada ao assumir que fumava maconha e que já tinha feito um aborto. Solidarizei-me quando você foi demitida da TV Cultura tucana por esses mesmos “crimes”.

Mesmo longe, morando em Porto Alegre e depois no Rio, fiquei sabendo do início da sua carreira política, das suas idéias progressistas quanto ao meio ambiente, e sua luta por um trânsito mais civilizado e humano em São Paulo.

Quando você saiu do PT, achei normal, afinal a luta progressista pode ser feita em ouros espaços e ninguém é obrigado a ser petista, mas não esperava o que estava por vir.

Quando me mudei para São Paulo, em janeiro de 2008, pensei que agora poderia votar em você, mas um descuido me fez perder a data para mudar o domicílio eleitoral, mas te apoiei no primeiro turno da eleição para prefeita.

O primeiro estranhamento veio logo no segundo turno, quando vi você apoiar Gilberto Kassab. Sei que recém saída do PT seria difícil apoiar Marta, mas porque não ficar neutra?

O segundo estranhamento veio quando você aceitou ser sub-prefeita da Lapa na administração do mesmo Kassab. Fiquei pensando se o apoio não tinha sido na verdade a sua parte no trato com o Demo? Será que foi?

Mesmo assim, continuei seu fã. Continuei achando que você representava um conjunto de idéias interessantes para a discussão política no país.

Mas aí, veio 2010, e não tive mais como te apoiar.

Não lembro o dia exato em que aconteceu, mas lembro muito bem da reação que tive ao ler a notícia de que você apoiaria José Serra para presidente. E não apenas isso, faria parte da campanha.

Ok, José Serra não é o demônio e apesar de não votar nele de forma alguma, reconheço que é um nome importante na política nacional. Nada demais em apoiar José Serra, claro.

Porém, você mesmo sentiu que o apoio era difícil de digerir e foi obrigada a publicar uma justificativa no seu blog.

Mas aí veio a campanha e o José Serra que conhecíamos sumiu. No seu lugar, apareceu um beato raivoso, um mentiroso patológico e uma aproveitador baixo.

Serra jogou sua biografia no lixo e você aproveitou para jogar a sua também.

Desde o início, os panfletos apócrifos, a aliança com o que há de pior na igreja católica, nas igrejas evangélicas e na grande mídia.

O que já começou mal, só piorou, com boatos diários atacando a imagem da adversária. Se negavam autoria do jogo sujo, a campanha oficial e o próprio candidato em momento algum desautorizaram a campanha subterrânea mais suja da história da democracia brasileira. E você no centro disso tudo.

Lembra do episódio do metrô, quando sem prova alguma você insinuou uma sabotagem petista?

Teve também a propaganda em que aparecia o Zé Dirceu chamando a Dilma de “Minha companheira de armas”. Que feio tentarem criminalizar os bravos brasileiros que lutaram contra a ditadura, um deles o próprio José Serra.

Mas vocês acharam que isso daria votos. No final, conseguiram dividir o país e criar um clima de ódio como nunca antes se havia visto.

Exploraram também a questão do aborto com a própria esposa do candidato Serra chamando a adversária de “matadora de criancinhas”. Então, como milagre, os apoiadores de Serra colocaram fotos de bebês como avatar no Twitter e no Facebook. A quem serve isso? É com esse debate político que vocês queriam propor uma alternativa para o país? O que dizer então da hipocrisia quando foi revelado que a própria Mônica Serra havia feito um aborto?

É claro que houve erros do lado da campanha da Dilma e dos seus apoiadores, inclusive dos “blogs sujos”, assim apelidados pelo Serra. Não serve a ninguém chamar Serra de vampiro (o que eu fiz também e peço desculpas), de fujão e de qualquer outra coisa, mas você há de convir que há uma grande diferença entre usar apelidos maldosos e distribuir milhões de panfletos chamando Dilma de terrorista assassina. Muitos desses panfletos produzidos em uma gráfica de propriedade da esposa de um tucano envolvido na campanha.

Outro bom fator de comparação entre as duas campanhas foi o programa de TV. No de Serra, ataques, disseminação de preconceitos e tentativa de desclassificação da Dilma, além de propostas vazias e eleitoreiras. No programa de Dilma, prestação de contas dos feitos do governo Lula e compromissos concretos baseados na experiência de quem governa o país com sucesso há oito anos, com 83% de aprovação. Até acho que você pode não ter tido nada a ver com os programas de TV, mas concordou com a exploração do tema do aborto, por exemplo.

Já no primeiro turno, ficou claro que o povo não aprovava tal estratégia e se não fosse o fator Marina, vocês já teriam sido derrotados. A campanha do Serra, porém, não fez essa leitura e resolveu insistir no debate político mais baixo possível.

Não só mantiveram, como aprofundaram a tentativa de enganar a população. Com a ajuda da Rede Globo, forjaram um ataque ao candidato por petistas raivosos em Campo Grande. Uma bolinha de papel virou um objeto de dois quilos, mas que milagrosamente não deixou nenhuma marca ao atingir em cheio a cabeça do candidato. Logo o ridículo foi exposto e Serra virou hit no Twitter. Nesse dia fui ver o que você estava escrevendo no microblog e descobri que o humor tinha sumido da sua vida. Você bradava que o PT sempre fazia isso. Tinha comprado a tese do ataque fajuto.

Veio a eleição e o povo deu o seu recado. Mais 4 anos para o projeto que vem transformando o Brasil desde 2003. Terceira derrota seguida para o partido que quase jogou o Brasil na bancarrota, mesmo vendendo várias partes do patrimônio nacional. E principalmente derrota para o candidato que escolheu o ódio, a divisão, a mentira, a raiva.

Na segunda-feira, dia 1o de novembro, assisti a um vídeo na internet. Era um debate entre você e o prefeito petista de Osasco (obrigado pelas correções). Tenho que te dizer que me assustei. A Soninha que eu estava acostumado a ver na ESPN BR e antes disso na MTV, sempre leve e com um cacoete de rir enquanto falava havia sumido. No lugar, vi uma mulher raivosa, exasperada, desesperada mesmo com a derrota acachapante que havia sofrido (digamos que 12 milhões de votos de diferença é uma derrota acachapante). Vi uma mulher tentando transferir para os adversários tudo aquilo que ela mesma fez durante a campanha. Todas as mentiras, as agressões e as estratégias subterrâneas que mancharam a democracia brasileira.

Hoje me pergunto se vou voltar a ver a Soninha que estava acostumado a ver na TV ou se aquela jornalista séria e progressista deu lugar definitivamente a uma agente política raivosa que usa o que há de pior no mundo da comunicação para tentar eleger seu candidato? Fica a pergunta.

Abraços, Ivan Trindade

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A falsa tese do “país dividido”

Reproduzo artigo de Idelber Avelar, publicado no excelente blog "O biscoito fino e a massa":

Nem bem contada estava a maior parte dos 55.752.529 votos recebidos por Dilma Rousseff e um insidioso meme começava a circular pelos meios de comunicação brasileiros, especialmente pela Rede Globo de Televisão. Parece que não entendiam, ou se recusavam a entender, o momento histórico que vivíamos. Trata-se da cantilena do “país dividido”, reforçada por um enganoso mapa em que o Brasil aparecia separado entre estados azuis e vermelhos.

Acompanhado por uma série de bizarras declarações de figuras como W. Waack (“a imprensa criou o mito de Lula e ele se voltou contra ela, ingrato”) ou do inacreditável Merval Pereira (“Dilma deve saber que a oposição teve uma votação muito alta”), o mapa cumpriu o papel de sugerir uma divisão que absolutamente não existe: Dilma venceu com larga margem (12%), que em qualquer democracia presidencialista qualificaria como um sacode-Iaiá. Basta lembrar que na categórica vitória de Obama sobre McCain a diferença foi 52,9% a 45,7%, pouco mais da metade, portanto, da diferença imposta por Dilma a Serra.

Como apontou Alexandre Nodari no seu Twitter, a divisão por estados peca por impor ao Brasil um modelo que é essencialmente estadunidense, baseado no princípio de que o candidato vencedor num determinado estado leva todos os seus votos a um Colégio Eleitoral, numa eleição que é, para todos os efeitos, indireta. No Brasil, como se sabe, o presidente é eleito por sufrágio universal, e nele a ideia de estados “vermelhos” e “azuis” não faz o menor sentido. O mapa do Estadão, colorido por municípios e com várias gradações de azul e vermelho, esse sim, serve a um estudo sério, já iniciado pelo Fabricio Vasselai.

A ideia dos estados azuis e vermelhos faz menos sentido ainda depois de estudado o mapa eleitoral do pleito de 2010. A grande maioria dos estados que aparecem em azul no “país dividido” da TV Globo são unidades da federação em que Serra venceu por mínima diferença: Goiás (50,7%), Rio Grande do Sul (50,9%), Espírito Santo (50,8%), Mato Grosso (51,1%). Não se encontra, na coluna azul, nem rastro de um estado em que a vantagem se compare com a conquistada por Dilma em lugares como Amazonas (80%), Maranhão (79%), Ceará (77%), Pernambuco (75%), Bahia (70%), Piauí (69%) e vários outros. Num país com eleição por sufrágio universal e uma diferença tão acachapante entre os estados “dilmistas” e os “serristas”, só com muita desonestidade intelectual você colore alguns estados de azul e outros de vermelho, sem variação no tom das cores, para apresentar um país “dividido”.

Se a tese do país dividido não tem fundamento, menos ainda o tem a tese do país dividido entre Sul/Sudeste, por um lado, e o Norte/Nordeste, por outro. Não custa lembrar, mas essa divisão grita em desacordo com os fatos: Dilma enfiou goleadas acachapantes em Serra no Rio de Janeiro (60,5% x 39,5%) e Minas Gerais (58,5 x 41,5), além conquistar um empate no Rio Grande do Sul. Não custa lembrar aos jornalistas da Globo: Dilma Rousseff venceu as eleições no Sudeste, caso o fato tenha passado despercebido no Jardim Botânico.

Já na segunda-feira, a mídia brasileira havia conseguido insuflar uma onda divisionista que não demorou em encontrar solo fértil no nosso bom e velho racismo latente. No Twitter, proliferava o discurso do ódio aos nordestinos, desinformado até do básico dado de que Dilma teria ganho eleição mesmo se o Brasil não incluísse o Nordeste. Aludindo de forma desonesta ao “fato” que ela mesma havia ajudado a criar, a Globo relatava que havia um “embate” entre regiões do Brasil nas redes sociais, quando na verdade o único embate se deu entre a sanidade e uma minoria racista e ressentida. Começa mal, muito mal a Vênus Platinada, talvez como consequência do que aconteceu nesta eleição histórica: Dilma venceu o pleito com o debate da Band, desmontou a última armação com um vídeo do SBT e concedeu sua primeira entrevista à Record.

Sinais dos tempos.

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Veja apela para reconquistar assinantes



Vídeo publicado no blog do Luis Nassif.

Serra vai à guerra

Reproduzo artigo de Mauricio Dias, publicado na revista CartaCapital:

Na noite de domingo 31 de outubro, se o rosto tenso de José Serra, emoldurado pelo ar da tristeza, era um retrato natural após o resultado oficial da vitória de Dilma Rousseff, as palavras que disparou surpreenderam e quebraram a cordialidade protocolar normalmente seguida pelo candidato derrotado.

É um caso raro, único talvez, em que o perdedor de uma eleição democrática declarou guerra ao vencedor. Oposição é oposição. Guerra é guerra.

“E para os que nos imaginam derrotados, eu quero dizer: nós apenas estamos começando uma luta de verdade (…) em defesa da pátria, da liberdade, da democracia”, disse com voz amargurada incapaz de sustentar a confiança das palavras.

Nós quem? Ele fez uma lista de agradecimentos da qual excluiu o ex-governador de Minas Aécio Neves, senador eleito, esperança de uma oposição capaz de vencer e não de derrubar o governo antes da eleição presidencial de 2014.

Embora tenha agradecido a Aloysio Nunes Ferreira, senador eleito, não fez referência a Paulo Preto, braço direito de Aloysio na Casa Civil do governo paulista. Deu um abraço comovido em Geraldo Alckmin, governador eleito por São Paulo que, posteriormente, em gesto político moderado e republicano, telefonou para a presidente eleita, Dilma Rousseff, para parabenizá-la pela vitória.

Alckmin ainda é uma incógnita nesse processo. Mas Serra invocou a eleição de governadores tucanos e, mais ainda, os 43 milhões de votos que obteve, com a certeza de que ao grito de avante ele seria seguido por todos.

Respeito e humildade, palavras usadas por Serra, se diluem diante da exegese do discurso da derrota, com duração de dez minutos, proferido por ele no QG da oposição montado no Edifício Joelma, no centro de São Paulo.

Serra deixou claro que a campanha eleitoral foi calculadamente transformada em batalha pela oposição, na qual, como se sabe, o candidato tucano foi atingido na cabeça por uma bolinha de papel. Um petardo disparado pelos adversários, as “forças terríveis” às quais se referiu, repetindo frase extraída do discurso de renúncia do ex-presidente Jânio Quadros. Uma referência de mau augúrio.

Há suspeita, porém, de que pode ter sido uma “bolinha perdida”, uma ocorrência comum, como se sabe, na violenta cidade do Rio de Janeiro. O ferimento deixou sequelas profundas que não foram percebidas pela tomografia feita após o conflito, mas que estão visíveis na mensagem de Serra a seguidores e aliados.

“Vocês alcançaram uma vitória estratégica no Brasil. Cavaram uma grande trincheira, construíram um campo político de defesa da liberdade e da democracia no Brasil”, afirmou Serra terçando armas contra moinhos de vento.

Serra fez um discurso ao mesmo tempo tão próximo e tão distante daqueles que compõem a figura imortal de Dom Quixote, nascido do talento imenso de Cervantes.

Próximo porque tresloucado. Distante porque o “cavaleiro da triste figura” era uma alma ensandecida pela esperança e Serra, ao contrário, é apenas um político ambicioso atordoado pela mágoa e pela frustração pessoal. Perdeu sem grandeza.

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sábado, 6 de novembro de 2010

Os lucros da mídia na eleição dos EUA

Reproduzo artigo de Amy Goodman, apresentador do programa de TV Democracy Now!, publicado no sítio da Adital:

Ao encerrar as eleições na metade do mandato nos Estados Unidos, o maior ganhador ainda não foi declarado, a saber: os grandes meios de comunicação. Enquanto isso, o maior perdedor tem sido a democracia. Essas foram as eleições legislativas de metade do mandato mais caras na história dos Estados Unidos: custaram quase quatro bilhões de dólares, dos quais três bilhões foram gastos em publicidade.

Pergunto-me o que aconteceria se o tempo publicitário para as campanhas fosse gratuito. Não se escuta debates sobre isso porque as corporações que manejam os meios massivos de comunicação obtêm imensos lucros com os avisos publicitários das campanhas políticas. No entanto, as ondas radioelétricas que os meios utilizam para emitir seus sinais são públicas.

Isso me recorda o livro escrito em 1999 pelo especialista em meios de comunicação Robert McChesney: "Rich Media, Poor Democracy" (Meios ricos, democracia pobre). Em seu livro, McChesney escreve: "Os meios têm pouco incentivo para oferecer cobertura aos candidatos já que é de seu interesse forçá-los a publicizar suas campanhas".

O grupo de investigação Wesleyan Media Project, da Universidade Wesleyana, faz um acompanhamento da publicidade política. Após a recente sentença da Corte Suprema no caso "Citizens United contra a Comissão Federal Eleitoral", através do qual as grandes corporações estão autorizadas a destinar somas ilimitadas de dinheiro à campanha publicitária dos candidatos, o projeto chama a atenção para "que o tempo nos meios destinado à publicidade está cheio de anúncios relacionados à Câmara de Representantes e ao Senado, ocupando de 20 até 79%, respectivamente, do total do tempo no ar".

Evan Tracey, fundador e presidente do grupo de análises de campanhas publicitárias Campaign Media Analysis Group, predisse, no passado mês de julho, ao jornal USA Today que: "haverá mais dinheiro do que espaço publicitário para comprar". Por outro lado, John Nichols, do semanário The Nation, comentou que nos amáveis primeiros tempos da publicidade política televisiva, os canais de TV nunca teriam emitido o aviso a favor de um candidato a continuação de um aviso publicitário contra esse mesmo candidato. Porém, não estão levando em consideração o patrimônio ligado aos grandes meios. Bem vindos ao "mundo feliz" das campanhas de bilhões de dólares.

No passado, houve tentativas de regular o uso das ondas radioelétricas para que estejam a serviço da população durante as eleições. Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa foi o que se conhece como "Reforma do financiamento das campanhas eleitorais, de McCain Feingold". Durante o debate sobre essa histórica legislação, tanto os democratas quanto os republicanos fizeram referência ao problema das exorbitantes taxas de publicidade televisiva. O Senador republicano por Nevada, John Ensign, se lamentava: "As emissoras não queriam nem pensar nas campanhas eleitorais porque era o momento do ano em que ganhavam menos dinheiro devido à baixa taxa unitária paga durante esse período. Agora, é um de seus momentos preferidos, já que, de fato, é um dos momentos do ano com mais ampla margem de lucro".

Finalmente, para que o projeto de lei fosse aprovado, omitiram-se as cláusulas referentes ao "tempo público de ar".

A sentença no caso de Citizens United neutraliza eficazmente a reforma do financiamento das campanhas, de McCain-Feingold. Nem podemos imaginar o que será gasto nas eleições presidenciais de 2012. O Senador por Wisconsin, Russ Feingold, perdeu a oportunidade de ser reeleito em sua disputa contra o praticamente autofinanciado multimilionário Ron Johnson. O editorial do Wall Street Journal celebrou a esperada derrota de Feingold. O jornal pertence à corporação News Corp, de Rupert Murdoch, que também é proprietária da cadeia de TV Fox e que doou quase dois milhões de dólares à campanha dos republicanos.

"As eleições converteram-se em um bem comercial, um centro de lucros para essas rádios e canais de TV", me disse no dia das eleições Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato a presidente. Disse-me também: "As ondas públicas, como sabemos, pertencem ao povo. O povo é o proprietário e as cadeias de rádio e TV são as titulares das licenças para usar essas ondas, digamos que são como inquilinos. No entanto, para obter sua habilitação anual, não pagam nada à Comissão Federal de Comunicações. Assim, seria bastante persuasivo, se tivéssemos políticas públicas que impusessem módicas condições para obter a habilitação que permite a essas cadeias de rádio e TV aceder ao imensamente lucrativo controle das ondas públicas 24 horas por dia, poderíamos dizer-lhes que, como parte do intercâmbio por controlar esses bens comuns, de alguma maneira deveriam destinar certa quantidade de tempo, tempo gratuito, na rádio e na TV aos candidatos eleitorais".

Esse tema deveria ser debatido nos grandes meios de comunicação, dado que, através deles, a maioria da população estadunidense obtém informação. Porém, as emissoras de rádio e TV têm um profundo conflito de interesses. Em sua ordem de prioridades, seus lucros vêm antes que nosso processo democrático. Certamente, não ouviremos falar desse tema nos programas de entrevistas políticas dos domingos pela manhã.

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A mídia e a agenda do novo governo

Reproduzo artigo de Gilberto Maringoni, publicado no sítio Carta Maior:

Muito mais do que a candidatura José Serra e sua coalizão demotucana, a derrotada destas eleições foi a grande mídia. Ou o verdadeiro partido de oposição no Brasil. Não falamos aqui de intrincados conceitos gramscianos, mas das reflexões de Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Segundo ela, à falta de uma oposição estruturada no país, a imprensa deve cumprir tal papel. Não é à toa que sustentou José Serra desde o primeiro momento.

Pois a mídia brasileira, mesmo derrotada, não passa recibo. Já está de armas e bagagens empenhada no terceiro turno: a definição da agenda do governo Dilma.

Logo no domingo à noite, mal anunciados os resultados eleitorais, comentaristas revezavam-se diante de câmeras e microfones para alertar o país sobre a necessidade de um duro ajuste fiscal, de uma reforma da Previdência, de restrições a reajustes salariais e de redução da “gastança” governamental. Um saco de maldades estaria à caminho.

Iniciativa perdida

A imprensa brasileira tenta retomar a iniciativa política, perdida nos últimos anos. Apostou contra os interesses nacionais nos enfrentamentos que o Brasil teve na política externa, tentou desmoralizar o presidente da República e demonizar demandas populares. Ela está no seu direito. A novidade é que agora a mídia enfrenta não apenas uma disseminação infindável de pequenos concorrentes pela internet, mas uma repulsa nacional às diretrizes liberais e privatistas que apoiou em tempos recentes.

A imprensa é personagem das disputas políticas. Mais importante do que “fazer a cabeça das pessoas”, ela busca apontar os assuntos sobre os quais as pessoas devem pensar. Essa é a base da Teoria do Agendamento – ou “Agenda setting”, em bom português – formulada nos anos 1970 por dois pesquisadores norteamericanos, Maxwell Mc Combs e Donald Shaw. Funciona mais ou menos assim: uma hora é o mensalão, outra é o suposto caso do vazamento de dados, mais adiante são as polêmicas religiosas e por aí vai. São firulas do varejo político pré eleitoral. O que faziam anteriormente era estabelecer as normas do grande debate de rumos para o país.

O mecanismo funcionou bem até 2006. No primeiro mandato de Lula, com a inestimável colaboração de setores ultraliberais do governo, representados pelos ministros Antonio Palocci, Paulo Bernardo e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a mídia e os setores por ela articulados impuseram uma grande pauta continuísta. Com a situação de desarranjo geral na economia, legado pelo governo FHC, os meios de comunicação viram suas diretrizes vencerem ao longo de quase todo o primeiro quadriênio petista, a ponto de o ajuste fiscal realizado em 2003 ter sido o mais duro desde 1990.

Após a crise política de 2005 e com uma evidente melhoria no quadro internacional, dois postos-chave da administração pública foram mudados, a Fazenda e a Casa Civil. Assumiram suas cadeiras Guido Mantega e Dilma Rousseff. Aos poucos saiu de cena a pauta liberal e tomou corpo uma orientação desenvolvimentista, cujo primeiro esboço foram os maciços investimentos estatais sintetizados na primeira versão do PAC. Uma nova agenda então se consolidou, a do desenvolvimento.

Quem dá o tom

Agendas políticas não são estipuladas apenas pelos governos, mas fazem parte da disputa pela hegemonia na sociedade. Impõe agenda quem tem força e iniciativa política.

Assim, a pauta do início dos anos 1980 não foi obra da ditadura, que vivia seus estertores. A orientação democrática tomou corpo de fora para dentro do governo, pelos partidos de oposição e pelos movimentos sociais, que exigiam o fim do regime de exceção. Da mesma forma, na segunda metade daquela década, a discussão central tinha como eixo norteador a questão do Estado.

Os embates oriundos da sociedade se cristalizaram na Assembleia Constituinte, em 1988, após acirradas contendas realizadas na fase terminal dos governos militares e no epílogo do longo ciclo desenvolvimentista, observado entre 1930 e 1980.

A partir de 1990, com as vitórias de Fernando Collor e de Fernando Henrique, a agenda foi imposta a partir de cima. Com um país traumatizado por quase uma década de inflação descontrolada, a estabilidade ganhou o centro do palco, tendo como decorrência uma redefinição do papel do Estado, via privatizações e financeirização da economia.

A história posterior é conhecida. O modelo liberal se esgotou em 2005.

O desenvolvimentismo destes últimos cinco anos foi marcado por uma forte característica social. Na maior parte da América do Sul se deu algo semelhante. A erradicação da pobreza ganhou relevância.

Nova década

Qual seria uma agenda viável para esta nova década, que fortaleceria a organização da sociedade e suplantaria os interesses das elites, vocalizadas pela mídia?

Há várias. Um ponto parece ter maioria na coalizão da presidenta Dilma Rousseff: o desenvolvimento continua. Mas há um fator que precisa também estar no centro dos debates: o papel das comunicações em nossa sociedade.

A pergunta é: há possibilidade de o Brasil construir um projeto nacional e democrático de desenvolvimento com uma indústria midiática antidemocrática, elitista, excludente e monopolizada, que tenta se legitimar como esfera pública e lócus essencial da definição de rumos para o país?

As entidades populares, os partidos democráticos e incontáveis ativistas sociais já têm um ponto de partida para entrarem nessa conversa. Trata-se das resoluções da I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009. Um tento histórico! Algumas das bandeiras lá definidas começam a se tornar realidade. Assembleias Legislativas de vários estados começam a construir Conselhos Estaduais de Comunicação. O governo Lula deu início ao Plano Nacional de Banda Larga para fazer frente à falta de investimentos das empresas privadas do setor. O IPEA realizará, no final de novembro, em Brasília, a Conferência do Desenvolvimento, na qual o tema comunicação terá espaço destacado (ver em www.ipea.gov.br).

Ninguém quer tolher a livre circulação de informações e impor a censura. A não ser a grande mídia brasileira, que tenta a todo custo, sufocar e colocar uma mordaça esse saudável debate que não tem como ser interrompido.

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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

As perspectivas políticas no pós-Lula

Por Altamiro Borges

A eleição de Dilma Rousseff abre novos horizontes para o enfrentamento dos graves problemas brasileiros. Permite uma pauta positiva, com a intensificação das lutas por mudanças profundas no país. Caso José Serra fosse vitorioso, o Brasil retrocederia e forçaria uma agenda defensiva e reativa dos trabalhadores, contra a retomada das privatizações, a destruição dos programas sociais, a criminalização dos movimentos populares e o realinhamento colonizado aos EUA.

A vitória de Dilma garante um cenário mais favorável à luta por reformas estruturais no país. Ela mantém o ciclo político aberto pelo presidente Lula, garantindo a sua continuidade, mas sinaliza com novos avanços. Além disso, ela fortalece o pólo progressista na América Latina e dá novo impulso à integração regional soberana. Não é para menos que todos os governantes de esquerda do continente saudaram a nova presidenta. A sua vitória permite avançar na construção de uma América Latina liberta das garras do império, com soberania, desenvolvimento e justiça social.

Enterrar o tripé neoliberal

De imediato, a presidenta Dilma Rousseff terá de enfrentar os gargalos impostos pela política macroeconômica de viés neoliberal. Em função da correlação de forças e de convicções pessoais, ela não foi totalmente superada pelo governo Lula, que manteve o seu tripé da política monetária de juros elevados; da política fiscal de contração dos investimentos; e da política cambial de total libertinagem financeira. Este último aspecto já dá sinais de alerta.

Os EUA tentam escapar do seu colapso através da guerra cambial. Ao desvalorizar o dólar, eles jogam o ônus da crise para os países da periferia que ficam com as suas moedas artificialmente valorizadas. No caso do real, isto diminui as exportações, gerando quebradeira nas indústrias e desemprego, e aumenta as importações, causando o perigoso déficit na balança comercial. Nas primeiras entrevistas como presidenta eleita, Dilma Rousseff já manifestou temor diante deste cenário. Mas o governo insiste em manter a atual política cambial.

Da mesma forma, a equipe de transição não dá sinais de que irá alterar a política monetária, que faz o país continuar no vergonhoso topo das maiores taxas de juros do planeta, nem a política fiscal, que trava novos investimentos em infraestrutura e nos programas sociais. A luta contra este tripé neoliberal ainda está na ordem-do-dia. O corte drástico dos juros, a redução do superávit e a mudança na política cambial permitiriam um crescimento econômico mais robusto, com o aumento da produção e do consumo e, conseqüentemente, do emprego e da renda salarial.

O que fez o Brasil se safar mais rapidamente da crise mundial do ano passado foi exatamente a queda gradual dos juros e do superávit. Não há mais porque manter este tripé perverso, que serve somente aos banqueiros e rentistas em detrimento da produção e da geração de emprego e renda.

Urgência das reformas estruturais

Do ponto de vista mais estratégico, a presidenta Dilma Rousseff precisará enfrentar os graves problemas estruturais que travam o país. Urge promover profundas reformas no Brasil. Seis delas se destacam na atualidade e as urnas inclusive ajudaram a desvendá-las. No campo social, o país necessita das reformas agrária, urbana e educacional.

A eleição mostrou que a concentração das terras nas mãos dos latifundiários, muitos travestidos de modernos barões do agronegócio, não combina com democracia. Apesar de o governo Lula ter cedido aos ruralistas, com anistia das dívidas e fartos subsídios, eles votaram em peso nos demotucanos. A reforma agrária permitiria assentar mais de 100 mil famílias hoje acampadas em condições desumanas, elevaria a produção de alimentos para a mesa dos brasileiros e geraria mais empregos no campo.

Já a reforma urbana é indispensável para enfrentar os caos nas cidades. Apesar dos avanços da fase recente, são graves os problemas nos centros urbanos: falta de saneamento básico, péssima qualidade da saúde pública, favelas e habitações precárias, colapso no transporte urbano e crise na segurança pública. A reforma urbana significa novas prioridades, com maiores investimentos públicos em áreas que afligem os milhões que vivem nas cidades. Já a reforma educacional é uma exigência do futuro. O Brasil está crescendo e deve despontar com quinta maior economia do planeta. Isto exige cidadãos mais bem formados e capacitados, com o fim do analfabetismo real e funcional, aumento dos anos de escolaridade, multiplicação de universidades.

Aprofundar a democracia no Brasil

Além destas, o país necessita das reformas política, tributária e da mídia. As eleições mostraram que o sistema político brasileiro é viciado, beneficiando os ricaços e estimulando a corrupção. É preciso garantir mais transparência e democracia nos processos eleitorais, coibindo o poder dos milionários. O financiamento público de campanha e o voto em lista, que fortalece os partidos, são duas medidas urgentes para aperfeiçoar a democracia brasileira.

Também é urgente coibir o poder da ditadura midiática. Sete famílias hoje dominam os meios de comunicação, manipulando corações e mentes de milhões de brasileiros. Lula e Dilma sentiram o peso deformador da mídia, que hoje é o principal partido político da direita. A reforma da mídia, a exemplo que já foi feito em vários países – inclusive nos EUA e Europa –, permitiria estimular a pluralidade informativa, multiplicar os meios alternativos e comunitários de comunicação e fortalecer o senso crítico da sociedade.

Por último, até como medida indispensável para garantir novos investimentos, urge realizar uma profunda reforma tributária. Quem paga impostos no Brasil são os trabalhadores. Os ricos são beneficiados pela tributação regressiva e indireta e ainda sonegam. O sistema tributário não é alto; é injusto. Ele penaliza a produção e beneficia especuladores e ricaços. Até nos EUA, país tão paparicado pela elite colonizada, a tributação é menos injusta. A reforma tributária deve taxar grandes fortunas, penalizar sonegadores e aliviar a carga sobre a produção e o trabalho.

Apostar na politização da sociedade

Como se observa, a presidenta Dilma terá enormes desafios pela frente. Estas e outras mudanças exigirão muita convicção e habilidade política. Elas mexem com interesses poderosos. A direita se reagrupou em torno do demotucano Serra e fez campanha contra qualquer reforma no país. A elite não aceita democratizar a terra, rejeita a “gastança” na reforma urbana, prega uma educação elitista; deseja manter o poder concentrado e manipulador da mídia, quer barrar as mudanças democráticas no sistema político; e pretende reduzir ainda mais os impostos dos ricaços.

Na campanha eleitoral, a elite esbanjou ódio. Mostrou que está disposta a acirrar o confronto no país, a radicalizar a disputa de projetos para a sociedade. Apesar do jogo sujo, Dilma venceu o pleito presidencial e ainda conquistou maioria no parlamento. Mas não terá uma vida fácil. Até o preconceito machista será usado para enquadrá-la ou, num cenário de maior radicalização, para desestabilizá-la e mesmo derrubá-la. A luta de classes tende a se acirrar no Brasil.

Mais do que nunca será preciso investir na conscientização, politização e organização do povo brasileiro. Num quadro de acirramento da luta de classes, programas como o Bolsa Família não serão suficientes para manter a rota de mudanças no país. Diante dos riscos, o governo Dilma Rousseff precisará ser mais ousado do que o anterior na politização do povo.

Mas não dá para esperar passivamente. Os movimentos sociais é que terão o desafio de politizar mais as suas bases e interferir com mais força na luta política no país. Do contrário, a direita neoliberal voltará a ranger os seus dentes – seja nos futuros processos eleitorais ou nas práticas golpistas. O Brasil está numa encruzilhada histórica. Tem tudo para avançar com mais firmeza nas mudanças exigidas pelo sofrido povo brasileiro. Não pode perder esta oportunidade histórica.

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Dilma e a agenda dos trabalhadores

Reproduzo entrevista concedida à jornalista Luana Bonone, publicada no sítio Vermelho:

O presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes, em entrevista exclusiva, falou ao Vermelho sobre as expectativas relacionadas à eleição da presidente Dilma Rousseff, comentou a polêmica sobre o valor do salário mínimo para 2011 e pautou as principais bandeiras do movimento sindical que serão priorizadas desde o início do próximo governo.

Para Wagner Gomes, banqueiros já ganharam demais, é hora da Dilma "pôr o guizo no gato". Perguntado sobre as tarefas e os desafios dos movimentos sociais no próximo período, Wagner Gomes foi claro: "Nós já temos a condição de fazer o Brasil avançar mais. Nós ajudamos a eleger e vamos esperar, evidentemente, a presidente começar a governar, mas nós temos que batalhar por esse documento que nós produzimos, que foi aprovado no Pacaembu, que é o crescimento com valorização do trabalho e distribuição de renda".

Leia a íntegra da entrevista, em que o presidente da CTB elege a mudança da política macroeconômica como uma prioridade das centrais.

Como a CTB vê a eleição de Dilma Rousseff?

Desde o começo do ano as centrais sindicais se reuniram para ver de que modo participariam da eleição para presidente neste ano. A resolução que nós tomamos foi de que deveríamos ter uma participação ativa nas eleições, e não apenas indicar o voto em um candidato ou candidata. Então surgiu a ideia de fazer a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), que foi o encontro das centrais onde nós preparamos uma plataforma. No nosso documento tem a opinião do movimento sindical sobre todas as questões centrais do Brasil, que é a agenda da Classe Trabalhadora, que foi debatida nos estados e aprovada no dia 1º de junho no estádio do Pacaembu aqui em São Paulo. Com esse documento nas mãos, nós tiramos a diretiva de apoiar a candidata que nós considerávamos a única que atenderia ao perfil desse documento.

Desde o primeiro turno...

Desde o primeiro turno. E chegamos à conclusão que nós precisaríamos continuar o processo de mudanças que o país vem adotando. Não só continuar, como aprofundar essas mudanças. Nós achamos que o presidente Lula, em oito anos, fez um governo de avanço, mas que o próximo governo tinha que aprofundar essas mudanças. Em cima desse raciocínio e com esse documento nós tiramos apoio à candidata Dilma já no primeiro turno e saímos à caça de votos para que a presidente Dilma fosse eleita.

Qual o significado da eleição da Dilma para os trabalhadores?

São dois. O primeiro é a perspectiva de continuar esse processo de mudança do nosso país. O Brasil precisa avançar e aprofundar as mudanças, isso inclusive nós discutimos com a candidata. Houve realizações necessárias nesse primeiro período, mas tem coisas que precisam melhorar, precisam avançar. Não dá para fazer um governo igual ao do Lula, ela tem que fazer um governo mais avançado. Quer dizer, as transformações têm que ser mais profundas do que foi feito no governo Lula. Essa é a nossa expectativa.

O segundo, que vem colado, é a valorização do papel da mulher na política. Queiramos ou não, a eleição de uma mulher para presidente traz uma luta contra um preconceito antigo em relação ao papel da mulher na sociedade. Quer dizer, no ano que vem nós vamos ter uma mulher no mais alto posto da política brasileira.

Eu acho que o segundo turno começou com um debate que não era o central, esse debate do aborto, da questão da religião, não era o problema central, mas depois, quando entrou no debate sobre o Estado, sobre que tipo de Estado cada candidatura defendia, esse problema das privatizações... foi aí que a candidatura da Dilma de fato decolou de vez e ganhou a eleição, com uma margem de votos grande. Quando politizou a campanha, aí sim a nossa candidata, a Dilma, cresceu. Ela tem uma responsabilidade grande, né? Vai entrar no lugar de um presidente que tem muita aprovação popular, de 83%... agora, se ela fizer um governo voltado para o desenvolvimento do país, eu tenho a impressão de que ela também, no final dos quatro anos, vai ter seguramente uma aprovação muito grande por parte do povo.

Vamos falar das bandeiras para esse desenvolvimento do país... Nos últimos oito anos as centrais foram legalizadas, o que significou um avanço para a organização dos trabalhadores no país, houve política de valorização do salário mínimo, então houve alguns avanços importante do ponto de vista do movimento sindical, da organização dos trabalhadores e da conquista de direitos. Que bandeiras são as mais centrais, as mais estruturais neste momento, para que esse avanço seja mais ousado, para que haja conquistas para além do governo Lula, como você acabou de mencionar?

O Brasil tem que fazer algumas reformas em profundidade. A reforma política é uma delas, que tem que ser uma reforma baseada no aspecto democrático. O Brasil tem que fazer uma reforma fiscal para pôr o dedo nessa sangria que é a economia brasileira e os juros que o Brasil ainda paga, juros internos muito altos. E a outra questão é desenvolvimento. O Brasil precisa criar as condições para se desenvolver com soberania. Nós temos aí esse problema do Pré-Sal que há uma disputa grande sobre para que lado vai, e o Pré-Sal é uma riqueza que o país tem que ter como do povo mesmo. A gente que está aqui de fora não percebe, mas a luta no Congresso, a luta entre os privatistas e os que defendem o Estado brasileiro é grande. Então nós temos que atentar para isso.

Nós temos que ver também esse problema do emprego. O Brasil precisa gerar mais empregos. Banqueiros já ganharam demais no Brasil, está na hora de eles também darem a parte deles para o desenvolvimento da nossa nação. Neste momento vivemos o problema da guerra fiscal. Os EUA jogaram 600 bilhões de dólares para poder competir com as outras moedas, para eles poderem exportar mais. Se a gente continuar do jeito que está, com o real supervalorizado, nós vamos ter dificuldades de exportar produtos e nós podemos ter problemas. Então a presidente Dilma tem uma tarefa grande para fazer. E isso tem que ter uma equipe que queira fazer. Nós sabemos que o governo é uma composição de forças. Tem gente lá de centro, tem gente de centro-direita e tem gente de esquerda. Eu acho que a presidente tem que ouvir igualmente todos os setores da sociedade. Eu espero que o setor de esquerda possa opinar no destino do Brasil nos próximos quatro anos. Porque é a única forma de a gente ter certeza de que as mudanças serão aprofundadas.

Sobre o Salário Mínimo. Não existe ainda uma política de Estado. Na entrevista coletiva que a presidente eleita Dilma deu no Planalto ela disse que o Salário Mínimo pode chegar a 600 reais em 2011, chegou a falar em aumento maior para 2012, apostando muito no crescimento do Brasil. Essa não parecer ser, entretanto, a postura dos atuais Ministérios da Fazenda e do Planejamento. O Executivo propõe para o Orçamento 2011 R$ 538,15, tanto que é o debate que as centrais estão tendo com o governo... aí o relator Gim Argello (PTB) propõe R$ 540,00, que é um arredondamento desta proposta. Como é o acordo das centrais com o governo Lula e qual é a proposta das centrais para o Salário Mínimo?

Nós fizemos um acordo com o governo que vigora até 2023. Tem uma lei no Congresso; não tramitou, mas está lá com esse acordo. Então a primeira coisa que nós temos que fazer, e vamos já conversar na semana que vem, é ver como aprovar essa lei do Salário Mínimo, que diz o seguinte: o Salário Mínimo será corrigido; terá a correção da inflação e o PIB de 2 anos atrás. Todo ano você tem a correção da inflação e do PIB de dois anos atrás. Qual o problema que ocorreu em 2011? Você vai pegar a inflação de 2010 mais o PIB de 2009. Só que o PIB de 2009 foi zero. Portanto, o Salário Mínimo para 2011 teria só o reajuste da inflação, sem nada do PIB. O que nós negociamos para 2011 e a presidente Dilma aceitou? Que era preciso arrumar alguma compensação para esse PIB de 2009 que foi zero. Então essa é a discussão, de qual a porcentagem que será utilizada para, junto com a inflação, compor o salário de 2011. Se fosse aplicar só o que está no acordo, o salário seria 538 reais. Nós achamos, e vamos discutir com a equipe de transição, que é preciso colocar algum índice em 2009, para poder não ficar defasado. A presidente concorda com isso. Agora, qual é a discussão: a inflação e mais quanto? Esse é o problema. Nós achamos que mais 4% seria um número razoável. Botaria 4% do PIB de 2009, apesar de ter dado zero, mais a inflação de 2010, para poder dar o salário de 2011. O debate é esse.

Agora, em 2012, que é calculado um ano antes, o salário seguramente vai ser maior que 600 reais, porque ele vai pegar a inflação de 2011 mais o PIB de 2010, que foi 7%. Então vai ser um reajuste que vai passar dos 600 reais. Na imprensa acabou saindo um pouco confuso, mas vai passar de 600 reais em 2012. Para 2011 não. Então esse é o debate em relação ao Salário Mínimo.

Mas qual critério vocês estão propondo? Por que, por exemplo, 4%?

A ideia é tirar uma média do aumento do PIB dos últimos 5 anos e aplicar em cima de 2009. Eu não sei qual é a proposta que o governo vai fazer. Porque a discussão que as centrais vão fazer sobre o Salário Mínimo é com o governo, e não com o Congresso. Ainda não houve a primeira conversa. A Dilma sinalizou que quer dar alguma coisa além de zero, ela diz que já tem compromisso com isso, já tem opinião formada. Agora, quanto vai ser? Essa é a discussão que nós faremos com ela assim que voltar da viagem com o presidente Lula. Aí serão abertas as discussões para ver quanto porcento a gente joga para 2009, que, somado à inflação de 2010, dá o Salário Mínimo de 2011.

Uma coisa já foi dita pela Dilma: ela acha que aplicar o zero porcento, que foi o PIB de 2009, defasa o Salário Mínimo. Ela acha que tem que ter alguma porcentagem. Mas também não falou quanto. Então vai se estabelecer uma negociação das centrais com o governo para saber quanto consideramos para 2009.

Por enquanto não há mobilizações marcadas das centrais?

Não, porque a mobilização depende da resposta do governo. Evidente que se o governo fizer uma proposta que não atenda às centrais sindicais, aí sim... As centrais inclusive estão fazendo hoje uma reunião com o deputado Gim Argello, que é o relator do Orçamento, pedindo para que ele considere, na peça que ele vai apresentar no Senado hoje, 4% de reajuste a mais no Salário Mínimo. As centrais estão conversando com ele, não sabemos o resultado ainda, mas na verdade essa negociação vai acabar sendo feita mesmo com a presidente e com a equipe econômica que ela deve nomear logo.

4% levaria o salário para um pouco mais de 560 reais...

É, a idéia é que ele chegue por volta de 560, 570 reais. Os 600 reais que o Serra usou para tentar jogar fumaça nos olhos dos eleitores... ele prometeu uma coisa que ele não poderia nem cumprir... porque quem determina o salário de 2011 é o governo anterior, então mesmo que ele tivesse ganho a eleição, ele não teria como pagar um salário de 600 reais, porque o Orçamento já estaria definido antes dele entrar na presidência. Então ele tentou fazer um jogo de fumaça, mas ninguém caiu e felizmente ele perdeu a eleição. Então esse problema do Salário Mínimo... essa política que já vem desde 2002, ela foi um dos fatores para o Brasil sofrer menos por conta da crise mundial.

O então candidato Serra propunha um valor para o Salário, não propunha uma política... os 600 reais poderiam até servir para 2011, mas e para os próximos anos?

Eu acho que ele faria o que fez o Fernando Henrique. O Fernando Henrique, quando assumiu, deu um reajuste muito bom para o Salário Mínimo. Mas depois passou sete anos sem reajuste... deve ser a mesma receita. Eu acho que o Serra daria um reajuste até bom, mas depois não daria mais reajuste nenhum, o que para nós não resolve. O que resolve para nós é esta política que garante a inflação mais o PIB até 2023. Se essa lei for aprovada - porque não foi aprovada ainda e isso é importante... para aprovar vai ser uma batalha grande – nós vamos chegar em 2023 com um Salário Mínimo bem razoável para que a população de baixa renda possa ter uma vida pelo menos com um mínimo de decência, que possa ter um lugar decente para morar, possa se alimentar com alguma consistência. Então nós estamos interessados em aprovar essa política.

Além do salário mínimo, que outras políticas centrais deveriam ser priorizadas pelo governo, ou que os movimentos sociais deveriam priorizar na batalha logo no início do novo governo?

O problema da política macro-econômica é um problema grande. Esse problema dos juros, que nós já conversamos, esse problema da supervalorização da moeda brasileira, que derruba as nossas importações, porque a nossa moeda fica com um valor artificial, muito valorizada, então ninguém compra do Brasil... ao contrário, você só importa, não vende nada. Eu acho que isso é uma questão importante. Eu acho que a montagem do governo vai determinar para que lado vai... se a presidente Dilma vai continuar com a mesma política ou se pretende aprofundar as mudanças. Então, estamos aguardando o ministério. Eu acho que no Brasil essas reformas de base precisam ser feitas na área da educação... precisamos de uma política radical de modernização dos portos, dos aeroportos, o Brasil precisa se preparar para poder ser um país que importe, mas que possa exportar muito. E isso é decisivo. Mas com essa política, com essa guerra cambial, o Brasil corre o risco de não conseguir exportar nada, e isso faz com que caia também o emprego. Então, eu acho que os movimentos sociais precisarão ter uma atuação grande para referendar e manter o que tem, que não é fácil, e fazer o nosso país ter mudanças de qualidade, para que a gente possa jogar um papel de protagonismo na política mundial.

E também a questão financeira. Os bancos já ganharam muito. Então o Brasil precisa fazer uma reforma fiscal, uma reforma tributária, que sejam coisas que tragam benefícios para a nação. E aí quem ganha mais tem que pagar mais, né? Vai ser também uma queda de braço, porque o sistema financeiro continua sendo o que mais ganha no Brasil. Nunca ganharam tanto dinheiro como estão ganhando agora, apesar do governo Lula fazer uma política mais popular.

E é um dinheiro que não tem base na produção.

Não, ele só ganha. Risco zero. Ele tem lá uma fortuna, aplica, ganha, joga o dinheiro para fora do Brasil... até para os empresários acaba ficando uma situação que é mais fácil aplicar no mercado financeiro do que investir na indústria. E mercado financeiro não gera emprego. Ele gera uma fortuna para quem investe. Então isso precisa ser resolvido, precisa ter um jeito de forçar para que quem tem dinheiro invista na produção, que é o que gera emprego, que é o que gera riqueza para o Brasil.

E o que é esse “ser resolvido”? Porque esse é o modelo da economia no mundo... você diz um estímulo interno maior para a produção?

Os economistas mais nacionalistas apresentam formas para fazer com que aplicações na produção gerem um ganho razoável. Do jeito que está hoje, por que quem tem dinheiro vai arriscar montar uma empresa? Se ele pode pegar o dinheiro dele e aplicar na ciranda financeira, e ganhar, sem risco nenhum? Então tem que ter uma forma para que quem invista na produção possa ganhar, tenha garantia de que vai ganhar. Aí, tendo isso, você tem emprego, você tem mais gente ganhando salário, as pessoas compram mais, o que exige mais produção. É a famosa roda que faz a produção no país.

Neste mês o instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está organizando uma Conferência sobre Desenvolvimento em Brasília, cujo alvo principal são justamente as organizações sociais. Você acha que esse vai ser um espaço dessa disputa? Tem alguma condição dos movimentos conseguirem se organizar para jogar um papel, por exemplo, nessa Conferência, e construir outros espaços similares?

Inclusive eu acabei de receber um convite aqui do Ipea para eu falar lá sobre o tema “os trabalhadores e a macroeconomia”. Dia 25 de novembro. Eu acho que as centrais sindicais, os trabalhadores, além das questões econômicas do salário, da condição de trabalho, têm que opinar fortemente nessa questão. O Brasil não mudou nada na questão macroeconômica. Não mexeu nada. Há muitos anos está do mesmo jeito. Isso criou um gargalo que, ou você faz mudanças na macroeconomia, para o país poder ter um avanço, ou a tendência é patinar e voltar para trás. E quando falo em macroeconomia, isso envolve setor financeiro, setor empresarial, reformas de profundidade, para o país poder continuar crescendo. E uma das coisas que vai ser debatida lá é isso. O Brasil hoje tem uma quantidade de dólar investido, um dinheiro que entra e sai todo dia, deposita hoje e já leva embora, que nenhum país tem mais. O Brasil está hoje em uma situação em que todo mundo vem aqui aplicar e leva embora, e isso precisa ser atacado.

Não tem controle do fluxo de capitais...

Nenhum. E isso precisa ser atacado. O Brasil tem que estar voltado para a produção. E aí tem que por a mão no setor mais complicado que tem, que é o setor financeiro. A Dilma tem respaldo popular para enfrentar isso, para dizer para o sistema financeiro: vocês agora vão ter que ajudar no crescimento do país, já ganharam bastante, então vamos ver um jeito aqui para que o Brasil não viva de especulação, mas viva produzindo para poder gerar emprego. Essa é a hora de por o guizo no pescoço do gato. Tem que chegar neles e dizer: no meu governo a prioridade é a produção e vai ser dessa forma. E desestimulando a ciranda financeira, você joga, quase que de forma automática, o dinheiro para o setor produtivo.

Tem algo importante ainda que você queira abordar?

Eu acho que as centrais têm como tarefa influenciar o governo. E como agora a coisa já está mais pé no chão, nós vamos ter que cobrar mais. Nós já temos a condição de fazer o Brasil avançar mais. Nós ajudamos a eleger e vamos esperar, evidentemente, a presidente começar a governar, mas nós temos que batalhar por esse documento que nós produzimos, que foi aprovado no Pacaembu, que é o crescimento com valorização do trabalho e distribuição de renda. Essa é a nossa palavra de ordem: desenvolvimento com valorização do trabalho e distribuição de renda. Com isso como faixa, como bandeira principal, a gente deve ter uma posição independente e cobrar para que seja aplicado esse documento, pois nós fizemos um grande debate em torno dele.

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