Reproduzo artigo de Thaís Romanelli, publicado no sítio Opera Mundi:
O voto do Brasil a favor das investigações sobre violação de direitos humanos no Irã criou polêmica a respeito dos rumos da política externa do governo Dilma Rousseff. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o ex-chanceler Celso Amorim afirmou que "provavelmente" não votaria pela medida, que prevê a nomeação de um relator especial para participar das investigações no país persa, mas garantiu que confia no chanceler Antonio Patriota, seu ex-chefe de gabinete.
"As pessoas acham que sobre cada ação há apenas uma decisão moral. Mas a decisão é também política, não no sentido de agir em interesse próprio, mas de saber se o resultado será o que você deseja", disse.
Amorim, porém, afirmou que não fará "julgamento" da atual política externa, nem mencionou uma mudança explícita nos objetivos do governo brasileiro.
Procurados pelo Opera Mundi, especialistas em relações internacionais classificaram como "precipitada" a avaliação sobre uma possível mudança de gestão na política externa de Dilma Rousseff.
"Ainda é muito cedo para falar ou para supor uma alteração importante na política brasileira. Essas análises só poderão ser feitas de acordo com o decorrer dos fatos”, afirmou o professor de Relações Internacionais da Unifesp, Flávio Rocha de Oliveira.
Para ele, a posição do Brasil representa a defesa dos interesses do país no cenário internacional, o que foi impulsionado de forma crescente durante o governo Lula. “No que diz respeito à busca pela colocação dos assuntos prioritários para o Brasil na pauta mundial e à busca de espaço de decisão em âmbito global, o governo Dilma está dando continuidade ao de Lula”, argumentou.
A professora de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília) e da UNESP (Universidade Estadual de São Paulo), Cristina Pecequilo, concorda com Flávio, mas considera a decisão brasileira representa uma “alteração positiva” na política externa brasileira no campo dos direitos humanos.
“Desde o início, Dilma foi enfática ao dizer que o Brasil passaria a ter uma preocupação diferenciada com o respeito aos direitos humanos. Portanto, a decisão foi bastante coerente com o que foi proposto”, disse.
O ex-chanceler Celso Amorim, por sua vez, questionou a coerência da posição brasileira, não com o plano de governo da atual administração, mas em relação às violações de direitos humanos que acontecem em outros países.
“Se quisermos ser absolutamente coerentes, temos que mandar um relator especial para o Irã, outro para Guantánamo, outro para ver a situação dos imigrantes na Europa. Se você for agir dessa maneira, eu até poderia ser a favor, mas acontece que não é assim”, argumentou.
Para Amorim, a nomeação de um relator corta qualquer possibilidade de diálogo. “Se você começar a entrar numa política condenatória, esquece o diálogo, você opta por ela”, completou.
Os dois professores de Relações Internacionais entrevistados discordam de Amorim, e ainda acreditam na possibilidade de diálogo com o Irã. “Por enquanto, o Brasil ainda não condenou o Irã e a possível violação dos direitos humanos, demos apenas o primeiro passo sendo partidários à investigação. É preciso tomar cuidado com isso”, alerta Cristina Pecequilo.
Ela acredita que, caso o Brasil condene veementemente o Irã, as relações entre os países podem ser alteradas, mas que isso não acontecerá se a atitude brasileira for apenas em torno de uma investigação.
“Temos que esperar o resultado das investigações e aguardar a posição brasileira no caso de termos que fazer uma condenação. Se o Brasil mudar efetivamente sua posição em relação ao Irã, é claro que isso terá algum custo na relação”, acrescentou.
Já Flávio não acredita que a decisão brasileira irá interferir diretamente no diálogo com o Irã. “Veja o caso dos EUA, por exemplo. Eles constantemente condenam a China mas, por interesses próprios, mantém uma série de diálogos comerciais com os chineses”, argumenta.
“É evidente que a manutenção de uma boa relação entre Brasil e Irã depende das partes envolvidas, mas ainda acredito na possibilidade de o governo brasileiro vir a ter um papel na mediação da questão da nuclear. Além disso, precisamos ser convidados por outros atores envolvidos para exercer essa função”, afirmou.
Já Pecequilo acha que essa possibilidade se manterá viva apenas se o Brasil “não recair em posturas influenciadas pelos Estados Unidos, se manter isento e limitar sua atuação no campo de investigação e não da condenação”.
Nesta quinta-feira (24/03), o Brasil votou favoravelmente ao envio de um relator especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU ao Irã. A medida determina uma investigação detalhada de denúncias de violação de direitos humanos.
Outros 20 países votaram como o Brasil. Entre os contrários ao envio de um emissário para o Irã estão Cuba, Bangladesh, China, Cuba, Equador, Mauritânia, Paquistão e Rússia.
Nos últimos dez anos, o Brasil se absteve ou votou contra resoluções que condenavam o Irã. Em junho de 2010, o Brasil e a Turquia votaram contra as sanções impostas pelo Conselho de Segurança em decorrência do programa nuclear iraniano.
Líbia
Questionada sobre a relação entre o voto do Brasil a favor das investigações sobre violação de direitos humanos no Irã e a abstenção do país no Conselho de Segurança sobre a determinação de uma zona de exclusão aérea na Líbia, os especialistas divergiram.
Enquanto Flávio acha que os votos não estão diretamente relacionados e expressam a posição do Brasil sobre situações e momentos distintos, Pecequilo acredita que ambos expressam a coerência brasileira com sua ideologia e interesses.
“Ficou claro que o Brasil não tolera abuso tanto das grandes potências, ao se abster e não votar a favor de uma intervenção internacional, quanto de países considerados aliados, como no caso do Irã”, disse a professora.