Por Marcelo Baumann Burgos, na revista CartaCapital:
Em contextos de estabilidade política é de se esperar que a competição eleitoral gravite em torno da prova de “títulos”, entre candidatos que pretendem se apresentar como bons gestores, como se estivessem concorrendo a presidente de uma empresa, ou ainda ao papel de síndico, tão frequentemente evocado. Há também a prova da honestidade, como se esta não fosse uma obrigação, mas sim um atributo que serviria de critério determinante para a definição do voto.
Mas em contextos de crise política como a que vivemos, abre-se espaço para embates ideológicos que, é claro, nunca se dão no vazio. Na conjuntura atual, na falta de renovação da imaginação política, assiste-se a uma melancólica volta ao passado, acusando-se de “comunista” (não raro tratada como sinônimo de “bolivarianismo”) qualquer proposta que denuncie as desigualdades sociais e/ou que valorize o direito à diferença; ao mesmo tempo em que também se ressuscita o fantasma do fascismo, com o que se requenta ideias reacionárias, a exemplo das que têm sido alardeadas pelo movimento a favor da “escola sem partido”.
Era de se esperar que esse combate nas trevas sofresse o desgaste da crítica quando submetido a uma competição eleitoral que permite o confronto entre projetos de cidade; afinal, é na cidade que se vive e é nela que a conexão entre a vida cotidiana e a política pode ocorrer de modo mais intenso, permitindo que se canalizem para o debate público novos anseios e demandas.
É nas cidades, portanto, que o novo tende a surgir, justamente porque é a partir dela que a política assume uma feição menos sistêmica tornando-se mais inteligível aos homens e mulheres comuns.
Para citar duas das inovações mais decisivas para as sociedades contemporâneas, foi na cidade que nasceram o movimento feminista e o movimento gay, e não no sistema político e nas estruturas de poder centralizadas no Estado. Como se dizia antigamente, “somente o ar da cidade liberta”.
A candidatura de Marcelo Freixo e sua proposta de democratização da democracia é digna desse adágio popular, representando um sopro de renovação da política em meio ao cenário recessivo em que vive o País.
Intentada bem no coração da cidade que acaba de realizar os Jogos Olímpicos, e que se credencia como relevante ator no teatro de operações de tudo de bom e de ruim que a globalização significa, sua campanha tem atraído a atenção nacional e internacional.
Não é por acaso que sua chegada ao segundo turno das eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro vem despertando tanto entusiasmo, especialmente entre jovens de diferentes classes sociais, mas também tanta preocupação em setores que se sentem ameaçados por ela, e que por isso mesmo procuram abrigo sob um ideário conservador.
As redes sociais constituem excelente laboratório para se ter acesso aos pontos mais sensíveis dessa efervescência política. De fato, a análise do fogo cruzado de opiniões expressas nas redes, ainda que em sua forma mais bruta, permite o mapeamento de disputas que interpelam o próprio significado da democracia no Brasil.
Nesse sentido, é especialmente interessante observar o que dizem aqueles que rechaçam as propostas de Freixo, quando manifestam toda sorte de receios em face das mudanças que sua candidatura defende quanto às práticas políticas, à escala de valores e à ordem de prioridades.
Em meio à miríade de acusações, boatos e leviandades que têm sido levantadas contra Freixo, é possível identificar pelo menos três tipos de proposições que sintetizam bem o que está em jogo nesse momento no Rio de Janeiro.
Em primeiro lugar, observa-se uma clara tentativa de desqualificar a trajetória de Marcelo Freixo. Toma-se sua história de luta pelos direitos humanos, boa parte dela em defesa das vítimas mais frequentes da violência do Estado, os jovens pobres e de periferia, para acusá-lo de condescendência em face dos “bandidos”.
Aqui, o recado implícito é outro: não se deve apoiar um candidato cuja biografia política está comprometida com o combate ao padrão clássico de controle social dos pobres, baseado no uso e abuso da violência policial chancelada pelas autoridades governamentais. De fato, caso se prefira apostar na perpetuação desse tipo de prática maldita que legamos da escravidão, Freixo não é mesmo confiável.
Um segundo tipo de reação conservadora tem sido aquela que procura atacar o partido do candidato, identificando-o com o que seria a “esquerda mais atrasada”, prisioneira de uma concepção “autoritária”, “radical”, “dogmática” e “estatizante”.
É curioso que ao contrário do que essa acusação levaria a crer, a tônica mais marcante da candidatura Freixo tem sido justamente a insistente valorização do diálogo com a sociedade e a sua peroração pela ampla participação dos diferentes segmentos da cidade na definição dos rumos de suas políticas. Ora, será preciso lembrar Rousseau para saber que a participação política é a mãe das liberdades cidadãs?
Ao insultá-la com o rótulo de “esquerda anacrônica”, o que na verdade se recusa é ademocratização da esfera pública que sua candidatura propõe, mal disfarçando que ela é percebida como ameaça ao credo neoliberal, que acusa de “estatizante” qualquer manifestação crítica ao dogma da eficácia do mercado, mesmo quando está em jogo a gestão de complexos serviços públicos como são os de saúde e de educação. A valorização das PPPs como uma espécie de solução mágica para todas as áreas da gestão pública é, quanto a isso, somente a sua melhor caricatura.
Assim é que por meio dessa retórica híbrida, liberal e conservadora, conservadora e liberal – em uma palavra, neoliberal – denuncia-se a defesa de um serviço público mais eficaz porque mais comprometido com o cidadão – que apesar de tudo ainda resiste a ser tratado como cliente ou consumidor – como uma “volta ao passado”.
E denuncia-se a proposta de ampliar a participação da sociedade como uma postulação radical, pelo simples fato de que, com isso, certamente outras vozes que não aquelas pertencentes aos grupos dominantes também se farão ouvir. E o clamor dessas outras vozes não deverão encontrar eco no excludente credo neoliberal.
Não surpreende, portanto, que a passividade da cidadania no Rio de Janeiro, deliberadamente construída pelas últimas administrações municipais, tenha chegado a tal ponto que qualquer pretensão de organizar e mobilizar a sociedade civil apareça como radical e perigosa.
A liberdade participativa ficou tão sufocada na cidade que até mesmo um mero grito de protesto já é encarado como prenúncio de rebelião.
Um terceiro tipo de acusação conservadora diz respeito à desqualificação, por utópicas, das propostas de Freixo. Aqui, o fato de se valorizar uma agenda voltada para a construção de uma cidade mais justa, igualitária e plural aparece como quimera romântica. Contra ela, se insurgem aqueles que se dizem “realistas” – posição que, como se sabe, é apenas um outro nome para justificar o fatalismo e a resignação.
A passividade da cidadania produziu um embotamento da imaginação política, fazendo com que pareça fabulação aquilo que nada mais é do que um avivamento de princípios e valores inscritos na Constituição de 1988.
E aqui, também salta aos olhos, a maneira com que se naturaliza uma certa leitura das práticas políticas que caracterizariam a atuação da Câmara de Vereadores. Para os “realistas” assume-se como dado que o parlamento local somente responde a uma lógica de barganha de cargos e de pequenos (ou grandes) favores.
Desse ponto de vista, a Câmara seria apenas uma espécie de parasita do Poder Executivo, razão pela qual seria impossível governar sem abrir mão do princípio básico republicano, de que o interesse público deve prevalecer na relação entre os poderes. Se o jogo fosse necessariamente esse, caberia perguntar aos “realistas”, para que serve a Câmara afinal?
Arre! Ainda bem que algo novo na política poderá ser consagrado pelas urnas da cidade do Rio de Janeiro!
* Marcelo Baumann Burgos é professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio e colaborador voluntário da candidatura de Marcelo Freixo.
Mas em contextos de crise política como a que vivemos, abre-se espaço para embates ideológicos que, é claro, nunca se dão no vazio. Na conjuntura atual, na falta de renovação da imaginação política, assiste-se a uma melancólica volta ao passado, acusando-se de “comunista” (não raro tratada como sinônimo de “bolivarianismo”) qualquer proposta que denuncie as desigualdades sociais e/ou que valorize o direito à diferença; ao mesmo tempo em que também se ressuscita o fantasma do fascismo, com o que se requenta ideias reacionárias, a exemplo das que têm sido alardeadas pelo movimento a favor da “escola sem partido”.
Era de se esperar que esse combate nas trevas sofresse o desgaste da crítica quando submetido a uma competição eleitoral que permite o confronto entre projetos de cidade; afinal, é na cidade que se vive e é nela que a conexão entre a vida cotidiana e a política pode ocorrer de modo mais intenso, permitindo que se canalizem para o debate público novos anseios e demandas.
É nas cidades, portanto, que o novo tende a surgir, justamente porque é a partir dela que a política assume uma feição menos sistêmica tornando-se mais inteligível aos homens e mulheres comuns.
Para citar duas das inovações mais decisivas para as sociedades contemporâneas, foi na cidade que nasceram o movimento feminista e o movimento gay, e não no sistema político e nas estruturas de poder centralizadas no Estado. Como se dizia antigamente, “somente o ar da cidade liberta”.
A candidatura de Marcelo Freixo e sua proposta de democratização da democracia é digna desse adágio popular, representando um sopro de renovação da política em meio ao cenário recessivo em que vive o País.
Intentada bem no coração da cidade que acaba de realizar os Jogos Olímpicos, e que se credencia como relevante ator no teatro de operações de tudo de bom e de ruim que a globalização significa, sua campanha tem atraído a atenção nacional e internacional.
Não é por acaso que sua chegada ao segundo turno das eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro vem despertando tanto entusiasmo, especialmente entre jovens de diferentes classes sociais, mas também tanta preocupação em setores que se sentem ameaçados por ela, e que por isso mesmo procuram abrigo sob um ideário conservador.
As redes sociais constituem excelente laboratório para se ter acesso aos pontos mais sensíveis dessa efervescência política. De fato, a análise do fogo cruzado de opiniões expressas nas redes, ainda que em sua forma mais bruta, permite o mapeamento de disputas que interpelam o próprio significado da democracia no Brasil.
Nesse sentido, é especialmente interessante observar o que dizem aqueles que rechaçam as propostas de Freixo, quando manifestam toda sorte de receios em face das mudanças que sua candidatura defende quanto às práticas políticas, à escala de valores e à ordem de prioridades.
Em meio à miríade de acusações, boatos e leviandades que têm sido levantadas contra Freixo, é possível identificar pelo menos três tipos de proposições que sintetizam bem o que está em jogo nesse momento no Rio de Janeiro.
Em primeiro lugar, observa-se uma clara tentativa de desqualificar a trajetória de Marcelo Freixo. Toma-se sua história de luta pelos direitos humanos, boa parte dela em defesa das vítimas mais frequentes da violência do Estado, os jovens pobres e de periferia, para acusá-lo de condescendência em face dos “bandidos”.
Aqui, o recado implícito é outro: não se deve apoiar um candidato cuja biografia política está comprometida com o combate ao padrão clássico de controle social dos pobres, baseado no uso e abuso da violência policial chancelada pelas autoridades governamentais. De fato, caso se prefira apostar na perpetuação desse tipo de prática maldita que legamos da escravidão, Freixo não é mesmo confiável.
Um segundo tipo de reação conservadora tem sido aquela que procura atacar o partido do candidato, identificando-o com o que seria a “esquerda mais atrasada”, prisioneira de uma concepção “autoritária”, “radical”, “dogmática” e “estatizante”.
É curioso que ao contrário do que essa acusação levaria a crer, a tônica mais marcante da candidatura Freixo tem sido justamente a insistente valorização do diálogo com a sociedade e a sua peroração pela ampla participação dos diferentes segmentos da cidade na definição dos rumos de suas políticas. Ora, será preciso lembrar Rousseau para saber que a participação política é a mãe das liberdades cidadãs?
Ao insultá-la com o rótulo de “esquerda anacrônica”, o que na verdade se recusa é ademocratização da esfera pública que sua candidatura propõe, mal disfarçando que ela é percebida como ameaça ao credo neoliberal, que acusa de “estatizante” qualquer manifestação crítica ao dogma da eficácia do mercado, mesmo quando está em jogo a gestão de complexos serviços públicos como são os de saúde e de educação. A valorização das PPPs como uma espécie de solução mágica para todas as áreas da gestão pública é, quanto a isso, somente a sua melhor caricatura.
Assim é que por meio dessa retórica híbrida, liberal e conservadora, conservadora e liberal – em uma palavra, neoliberal – denuncia-se a defesa de um serviço público mais eficaz porque mais comprometido com o cidadão – que apesar de tudo ainda resiste a ser tratado como cliente ou consumidor – como uma “volta ao passado”.
E denuncia-se a proposta de ampliar a participação da sociedade como uma postulação radical, pelo simples fato de que, com isso, certamente outras vozes que não aquelas pertencentes aos grupos dominantes também se farão ouvir. E o clamor dessas outras vozes não deverão encontrar eco no excludente credo neoliberal.
Não surpreende, portanto, que a passividade da cidadania no Rio de Janeiro, deliberadamente construída pelas últimas administrações municipais, tenha chegado a tal ponto que qualquer pretensão de organizar e mobilizar a sociedade civil apareça como radical e perigosa.
A liberdade participativa ficou tão sufocada na cidade que até mesmo um mero grito de protesto já é encarado como prenúncio de rebelião.
Um terceiro tipo de acusação conservadora diz respeito à desqualificação, por utópicas, das propostas de Freixo. Aqui, o fato de se valorizar uma agenda voltada para a construção de uma cidade mais justa, igualitária e plural aparece como quimera romântica. Contra ela, se insurgem aqueles que se dizem “realistas” – posição que, como se sabe, é apenas um outro nome para justificar o fatalismo e a resignação.
A passividade da cidadania produziu um embotamento da imaginação política, fazendo com que pareça fabulação aquilo que nada mais é do que um avivamento de princípios e valores inscritos na Constituição de 1988.
E aqui, também salta aos olhos, a maneira com que se naturaliza uma certa leitura das práticas políticas que caracterizariam a atuação da Câmara de Vereadores. Para os “realistas” assume-se como dado que o parlamento local somente responde a uma lógica de barganha de cargos e de pequenos (ou grandes) favores.
Desse ponto de vista, a Câmara seria apenas uma espécie de parasita do Poder Executivo, razão pela qual seria impossível governar sem abrir mão do princípio básico republicano, de que o interesse público deve prevalecer na relação entre os poderes. Se o jogo fosse necessariamente esse, caberia perguntar aos “realistas”, para que serve a Câmara afinal?
Arre! Ainda bem que algo novo na política poderá ser consagrado pelas urnas da cidade do Rio de Janeiro!
* Marcelo Baumann Burgos é professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio e colaborador voluntário da candidatura de Marcelo Freixo.
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