Por Silvio Caccia Bava, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Podemos não estar percebendo, mas o jogo mudou. Nos últimos anos a sociedade e a economia brasileira ganharam novos players. Empresas transnacionais compraram empresas brasileiras ou criaram filiais no Brasil, como no caso das construtoras e incorporadoras imobiliárias, da indústria automobilística, da distribuição de alimentos, ou mesmo na área sucroalcooleira. E o comando da economia passa a atender, cada vez mais, aos interesses desses grandes players internacionais, deixando de lado ou num plano secundário qualquer traço de nacionalismo e a defesa dos milhões de pequenos e médios empresários brasileiros – rurais e urbanos −, que não conseguem competir com o Walmart, com a Brookfield, com o Carrefour ou a Cosan.
As empresas que exploram os recursos naturais, como mineração e petróleo; os serviços públicos, como eletricidade e telefonia; e agora, com as novas concessões, a infraestrutura, como portos, aeroportos, rodovias, estradas de ferro, metrô, ganharam musculatura com a associação a gigantes internacionais. E algumas empresas nacionais, com o apoio do BNDES, tornaram-se, elas próprias, transnacionais.
As empreiteiras de obras públicas agigantaram-se e internacionalizaram-se. São elas que estão realizando as obras da Copa, o plano de integração de infraestrutura da América do Sul – a IIRSA –, as mega-hidrelétricas na Amazônia. A Odebrecht tornou-se o maior grupo industrial do Brasil, com escritórios em 27 países e 250 mil empregados. Atua nas áreas de energia (gás, petróleo, nuclear), água, agronegócio, setor imobiliário, defesa, transportes, finanças, seguros, serviços ambientais, setor petroquímico. Em dez anos seu volume de negócios aumentou seis vezes [1].
Os bancos brasileiros também passaram por um intenso processo de fusões e concentração. “O Itaú engoliu os bancos Francês e Brasileiro, Banestado, Banerj, Bemge, BEG, BBA, Fiat, Bank of Boston e City Card e promoveu a fusão com o Unibanco, que incorporou o Nacional, Dibes, Credibanco, Bandeirantes, BNL e Banorte. O Bradesco não ficou atrás, devorou os bancos BCN, Pontual, Baneb, Boavista, Mercantil de São Paulo, BCA, Banco Cidadão, BBV, Zogbi, BEM, BEC, Credireal, Alvorada, Excel, Econômico, Antônio de Queiroz, Crefisul e Banco Itamarati. O Santander comprou o Geral do Comércio, o Noroeste, o Banespa, o Meridional, o Bozano, o Real, o ABN Amro Bank, o Sudameris, o Holandês Unidos e o América do Sul. Por sua vez o HSBC ficou com o Bamerindus e Lloyds. Com a fusão Itaú/Unibanco aumenta a concentração bancária, 73% dos ativos financeiros (US$ 1,2 trilhão) ficarão com apenas cinco bancos: Itaú/Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Santander/Real e Caixa Econômica Federal” [2]. Para termos uma ideia do ritmo da concentração, a cada quatro anos o Itaú dobra de tamanho.
Em pouco mais de uma década (1999-2012), o Brasil quintuplicou suas exportações de commodities – soja, milho, carnes, açúcar-álcool, celulose de madeira, café, minério de ferro, bauxita-alumínio etc. −, passando de US$ 50 bilhões para US$ 250 bilhões [3]. Também é novidade o peso que adquiriu o agronegócio, que alarga suas fronteiras sobre a Floresta Amazônica e zonas do Cerrado, e se expande para os países vizinhos e para a África. Com uma bancada parlamentar das mais ativas, o agronegócio conquistou novas concessões com a aprovação do Código Florestal e já se sente sua maior liberdade de ação com a constatação do aumento dos índices de devastação florestal na Amazônia. Também aqui não há lugar para a agricultura familiar e o pequeno proprietário.
O “modelo de desenvolvimento” brasileiro − se podemos chamar assim atividades que promovem a desigualdade, a concentração da riqueza e a exclusão social − também se internacionaliza e segue a tendência geral. A economia brasileira se integrou mais à economia global, passa a depender cada vez mais dessa dinâmica internacional, torna-se mais vulnerável às suas tendências. A sociedade brasileira é posta a serviço de um projeto que desconhece limites socioambientais: a lucratividade máxima dos players internacionais e a forma predatória como essas empresas atuam em qualquer território.
Graças a contribuições como as de David Harvey, passamos a compreender que o crescimento das cidades nos padrões atuais é parte constitutiva e indispensável desse modelo de desenvolvimento e acumulação, é aí que a riqueza se materializa em propriedades e o investimento no urbano alavanca a especulação imobiliária e a valorização patrimonial dos imóveis e terrenos que dela se beneficiam.
Quando as análises dos conflitos sociais nos mostram a dificuldade das manifestações organizadas pela cidadania em mudar políticas, deveríamos nos perguntar se essas formas de luta tradicionais combinam com o novo cenário e os novos atores que representam o capital, ou se as manifestações que se iniciaram em junho, também com traços globalizados, abrem um novo momento e novas esperanças.
* Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
Notas
1 Anne Vigna, “Odebrecht, uma transnacional alimentada pelo Estado”, Le Monde Diplomatique Brasil, out. 2013.
2 Ricardo (Big) e Eneida Koury, “Concentração do sistema financeiro prejudica”. Disponível em: <www.santosbancarios.com.br>.
3 Guilherme Delgado, “Pacto de poder com os donos da terra”, Le Monde Diplomatique Brasil, jul. 2013.
Podemos não estar percebendo, mas o jogo mudou. Nos últimos anos a sociedade e a economia brasileira ganharam novos players. Empresas transnacionais compraram empresas brasileiras ou criaram filiais no Brasil, como no caso das construtoras e incorporadoras imobiliárias, da indústria automobilística, da distribuição de alimentos, ou mesmo na área sucroalcooleira. E o comando da economia passa a atender, cada vez mais, aos interesses desses grandes players internacionais, deixando de lado ou num plano secundário qualquer traço de nacionalismo e a defesa dos milhões de pequenos e médios empresários brasileiros – rurais e urbanos −, que não conseguem competir com o Walmart, com a Brookfield, com o Carrefour ou a Cosan.
As empresas que exploram os recursos naturais, como mineração e petróleo; os serviços públicos, como eletricidade e telefonia; e agora, com as novas concessões, a infraestrutura, como portos, aeroportos, rodovias, estradas de ferro, metrô, ganharam musculatura com a associação a gigantes internacionais. E algumas empresas nacionais, com o apoio do BNDES, tornaram-se, elas próprias, transnacionais.
As empreiteiras de obras públicas agigantaram-se e internacionalizaram-se. São elas que estão realizando as obras da Copa, o plano de integração de infraestrutura da América do Sul – a IIRSA –, as mega-hidrelétricas na Amazônia. A Odebrecht tornou-se o maior grupo industrial do Brasil, com escritórios em 27 países e 250 mil empregados. Atua nas áreas de energia (gás, petróleo, nuclear), água, agronegócio, setor imobiliário, defesa, transportes, finanças, seguros, serviços ambientais, setor petroquímico. Em dez anos seu volume de negócios aumentou seis vezes [1].
Os bancos brasileiros também passaram por um intenso processo de fusões e concentração. “O Itaú engoliu os bancos Francês e Brasileiro, Banestado, Banerj, Bemge, BEG, BBA, Fiat, Bank of Boston e City Card e promoveu a fusão com o Unibanco, que incorporou o Nacional, Dibes, Credibanco, Bandeirantes, BNL e Banorte. O Bradesco não ficou atrás, devorou os bancos BCN, Pontual, Baneb, Boavista, Mercantil de São Paulo, BCA, Banco Cidadão, BBV, Zogbi, BEM, BEC, Credireal, Alvorada, Excel, Econômico, Antônio de Queiroz, Crefisul e Banco Itamarati. O Santander comprou o Geral do Comércio, o Noroeste, o Banespa, o Meridional, o Bozano, o Real, o ABN Amro Bank, o Sudameris, o Holandês Unidos e o América do Sul. Por sua vez o HSBC ficou com o Bamerindus e Lloyds. Com a fusão Itaú/Unibanco aumenta a concentração bancária, 73% dos ativos financeiros (US$ 1,2 trilhão) ficarão com apenas cinco bancos: Itaú/Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Santander/Real e Caixa Econômica Federal” [2]. Para termos uma ideia do ritmo da concentração, a cada quatro anos o Itaú dobra de tamanho.
Em pouco mais de uma década (1999-2012), o Brasil quintuplicou suas exportações de commodities – soja, milho, carnes, açúcar-álcool, celulose de madeira, café, minério de ferro, bauxita-alumínio etc. −, passando de US$ 50 bilhões para US$ 250 bilhões [3]. Também é novidade o peso que adquiriu o agronegócio, que alarga suas fronteiras sobre a Floresta Amazônica e zonas do Cerrado, e se expande para os países vizinhos e para a África. Com uma bancada parlamentar das mais ativas, o agronegócio conquistou novas concessões com a aprovação do Código Florestal e já se sente sua maior liberdade de ação com a constatação do aumento dos índices de devastação florestal na Amazônia. Também aqui não há lugar para a agricultura familiar e o pequeno proprietário.
O “modelo de desenvolvimento” brasileiro − se podemos chamar assim atividades que promovem a desigualdade, a concentração da riqueza e a exclusão social − também se internacionaliza e segue a tendência geral. A economia brasileira se integrou mais à economia global, passa a depender cada vez mais dessa dinâmica internacional, torna-se mais vulnerável às suas tendências. A sociedade brasileira é posta a serviço de um projeto que desconhece limites socioambientais: a lucratividade máxima dos players internacionais e a forma predatória como essas empresas atuam em qualquer território.
Graças a contribuições como as de David Harvey, passamos a compreender que o crescimento das cidades nos padrões atuais é parte constitutiva e indispensável desse modelo de desenvolvimento e acumulação, é aí que a riqueza se materializa em propriedades e o investimento no urbano alavanca a especulação imobiliária e a valorização patrimonial dos imóveis e terrenos que dela se beneficiam.
Quando as análises dos conflitos sociais nos mostram a dificuldade das manifestações organizadas pela cidadania em mudar políticas, deveríamos nos perguntar se essas formas de luta tradicionais combinam com o novo cenário e os novos atores que representam o capital, ou se as manifestações que se iniciaram em junho, também com traços globalizados, abrem um novo momento e novas esperanças.
* Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
Notas
1 Anne Vigna, “Odebrecht, uma transnacional alimentada pelo Estado”, Le Monde Diplomatique Brasil, out. 2013.
2 Ricardo (Big) e Eneida Koury, “Concentração do sistema financeiro prejudica”. Disponível em: <www.santosbancarios.com.br>.
3 Guilherme Delgado, “Pacto de poder com os donos da terra”, Le Monde Diplomatique Brasil, jul. 2013.
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