Por Denise Motta Dau e Gabriel Casnati, na Rede Brasil Atual:
E o que podemos fazer?
O tema da tributação, tanto nacional quanto internacional , é ainda distante do cotidiano das lutas dos movimentos sociais. Além de investir em transparência e na popularização do tema, alguns países já apontaram caminhos pelos quais podemos seguir. É o caso dos islandeses, que a partir da denúncia de que o primeiro-ministro tinha contas em paraísos fiscais, tomaram as ruas até que ele renunciasse, e conseguiram. E também do Equador, que em fevereiro deste ano realizou um plebiscito nacional por meio do qual a população rechaçou a possibilidade de políticos e funcionários públicos de alto escalão terem contas em paraísos fiscais enquanto exercem seus cargos.
Nesse contexto é importante que os movimentos sociais se apropriem desse debate, pois, no Brasil, por trás do tecnicismo das discussões sobre o tema , existe um forte viés ideológico liberal.
* Denise Motta Dau é assessora da Internacional de Serviços Públicos (ISP); no Brasil, é assistente social, mestra em Saúde Pública e ex-Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres da Cidade de São Paulo (2013 - 2016); Gabriel Casnati é assessor da ISP-Brasil e da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip); é formado em Relações Internacionais pela PUC-SP e pesquisador na área de tributação internacional.
A população brasileira não tem o hábito de analisar detalhadamente os impostos que paga. Por isso, é normal a reprodução da afirmação – divulgada incansavelmente na grande mídia – de que no país as empresas e os empresários são sobretaxados.
Porém, quando nos detemos para analisar o desenho da carga tributária no Brasil e no mundo constatamos que aqui existe uma distribuição da tributação totalmente desigual. As políticas tributárias não são neutras, assim como a construção do orçamento e dos respectivos investimentos em políticas públicas, pois a depender da dinâmica podem potencializar ou não maior inclusão social e equidade.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os que ganham até dois salários mínimos mensais pagam 53,9% deste valor em impostos, enquanto a população que ganha acima de 30 salários mínimos paga até 29%. Concluímos, portanto, que há uma forte injustiça fiscal no formato atual de arrecadação, que privilegia as camadas mais ricas.
Até aqui estamos falando das desigualdades fiscais dentro do que está previsto na legislação. Devido à facilidade de as multinacionais e os milionários escaparem da tributação no Brasil por mecanismos lícitos (elisão) ou ilícitos (evasão/sonegação), um relatório recente da ONU considera o país um “paraíso tributário” para os “super-ricos”, que pagam uma taxa efetiva média de apenas 7% de impostos.
Porém, quando nos detemos para analisar o desenho da carga tributária no Brasil e no mundo constatamos que aqui existe uma distribuição da tributação totalmente desigual. As políticas tributárias não são neutras, assim como a construção do orçamento e dos respectivos investimentos em políticas públicas, pois a depender da dinâmica podem potencializar ou não maior inclusão social e equidade.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os que ganham até dois salários mínimos mensais pagam 53,9% deste valor em impostos, enquanto a população que ganha acima de 30 salários mínimos paga até 29%. Concluímos, portanto, que há uma forte injustiça fiscal no formato atual de arrecadação, que privilegia as camadas mais ricas.
Até aqui estamos falando das desigualdades fiscais dentro do que está previsto na legislação. Devido à facilidade de as multinacionais e os milionários escaparem da tributação no Brasil por mecanismos lícitos (elisão) ou ilícitos (evasão/sonegação), um relatório recente da ONU considera o país um “paraíso tributário” para os “super-ricos”, que pagam uma taxa efetiva média de apenas 7% de impostos.
Como isso tudo é possível?
Vez ou outra o termo “paraíso fiscal” aparece nos rasos noticiários brasileiros, quase sempre relacionados com alguma atividade criminosa, de corrupção pública ou tráfico de drogas.
O que a mídia tradicional omite é que esses estereótipos de crime organizado e corrupção corresponderam a somente 12% dos recursos que saíram da América Latina em direção aos paraísos fiscais entre 2004 e 2013. Os outros 88% são fruto de manobras ilícitas de evasão de imposto em seus respectivos países de origem.
E qual é o tamanho do prejuízo para os cofres públicos? Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), somente em 2014 o Brasil teria perdido cerca de R$ 500 bilhões para a sonegação fiscal. A título de comparação, no mesmo ano as perdas do Brasil por causa da corrupção corresponderam a um valor sete vezes menor.
Soma-se a isso o fato de que as leis que regulam a tributação em nível internacional foram elaboradas há quase 100 anos, tornando-as incompatíveis com a economia informatizada internacional dos dias de hoje. Essas lacunas jurídicas permitem a elisão fiscal – manobras legais que permitem às empresas multinacionais burlarem o fisco nos países em que produzem lucros.
Outro mecanismo que faz com que o país renuncie a bilhões por ano de arrecadação são as anistias e isenções fiscais concedidas a grandes empresas. Para atraí-las, os governantes decidem abrir mão de seus ingressos tributários, sob a justificativa de estimular a economia e criar empregos. O problema é que as isenções fiscais não passam por controle social e são concedidas sem contrapartidas, em processos sem transparência. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, em 2013 as isenções fiscais para as grandes empresas foram seis vezes maiores do que o orçamento estadual para a saúde (R$ 32,3 bilhões versus R$ 5,2 bilhões).
Esses altos níveis de abuso fiscal por meio de diversos mecanismos violam o princípio constitucional da capacidade contributiva, uma vez que aqueles que possuem grandes quantias financeiras são os que menos pagam no final das contas. Quem paga, para valer, imposto no Brasil são os mais pobres.
Há nesse contexto uma questão de respeito aos direitos humanos e de gênero. A população pobre e que precisa ter acesso a serviços públicos de boa qualidade é a mais afetada, pois o orçamento público fica prejudicado, em quantidade e qualidade, enquanto os investimentos em concursos públicos, carreira e valorização de servidores ficam relegados ao segundo plano, assim como a manutenção e abertura de novos serviços, a criação de políticas públicas transversais e a promoção da inclusão e da equidade.
A superação da desigualdade de gênero e raça também é inviabilizada, já que as mulheres negras - que pelos indicadores sociais possuem renda mais baixa - usam a maior parte de seus rendimentos em itens básicos, por cuidarem da família, e sofrem mais com a carga de impostos cobrada diretamente sobre o consumo.
Vez ou outra o termo “paraíso fiscal” aparece nos rasos noticiários brasileiros, quase sempre relacionados com alguma atividade criminosa, de corrupção pública ou tráfico de drogas.
O que a mídia tradicional omite é que esses estereótipos de crime organizado e corrupção corresponderam a somente 12% dos recursos que saíram da América Latina em direção aos paraísos fiscais entre 2004 e 2013. Os outros 88% são fruto de manobras ilícitas de evasão de imposto em seus respectivos países de origem.
E qual é o tamanho do prejuízo para os cofres públicos? Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), somente em 2014 o Brasil teria perdido cerca de R$ 500 bilhões para a sonegação fiscal. A título de comparação, no mesmo ano as perdas do Brasil por causa da corrupção corresponderam a um valor sete vezes menor.
Soma-se a isso o fato de que as leis que regulam a tributação em nível internacional foram elaboradas há quase 100 anos, tornando-as incompatíveis com a economia informatizada internacional dos dias de hoje. Essas lacunas jurídicas permitem a elisão fiscal – manobras legais que permitem às empresas multinacionais burlarem o fisco nos países em que produzem lucros.
Outro mecanismo que faz com que o país renuncie a bilhões por ano de arrecadação são as anistias e isenções fiscais concedidas a grandes empresas. Para atraí-las, os governantes decidem abrir mão de seus ingressos tributários, sob a justificativa de estimular a economia e criar empregos. O problema é que as isenções fiscais não passam por controle social e são concedidas sem contrapartidas, em processos sem transparência. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, em 2013 as isenções fiscais para as grandes empresas foram seis vezes maiores do que o orçamento estadual para a saúde (R$ 32,3 bilhões versus R$ 5,2 bilhões).
Esses altos níveis de abuso fiscal por meio de diversos mecanismos violam o princípio constitucional da capacidade contributiva, uma vez que aqueles que possuem grandes quantias financeiras são os que menos pagam no final das contas. Quem paga, para valer, imposto no Brasil são os mais pobres.
Há nesse contexto uma questão de respeito aos direitos humanos e de gênero. A população pobre e que precisa ter acesso a serviços públicos de boa qualidade é a mais afetada, pois o orçamento público fica prejudicado, em quantidade e qualidade, enquanto os investimentos em concursos públicos, carreira e valorização de servidores ficam relegados ao segundo plano, assim como a manutenção e abertura de novos serviços, a criação de políticas públicas transversais e a promoção da inclusão e da equidade.
A superação da desigualdade de gênero e raça também é inviabilizada, já que as mulheres negras - que pelos indicadores sociais possuem renda mais baixa - usam a maior parte de seus rendimentos em itens básicos, por cuidarem da família, e sofrem mais com a carga de impostos cobrada diretamente sobre o consumo.
E o que podemos fazer?
O tema da tributação, tanto nacional quanto internacional , é ainda distante do cotidiano das lutas dos movimentos sociais. Além de investir em transparência e na popularização do tema, alguns países já apontaram caminhos pelos quais podemos seguir. É o caso dos islandeses, que a partir da denúncia de que o primeiro-ministro tinha contas em paraísos fiscais, tomaram as ruas até que ele renunciasse, e conseguiram. E também do Equador, que em fevereiro deste ano realizou um plebiscito nacional por meio do qual a população rechaçou a possibilidade de políticos e funcionários públicos de alto escalão terem contas em paraísos fiscais enquanto exercem seus cargos.
Nesse contexto é importante que os movimentos sociais se apropriem desse debate, pois, no Brasil, por trás do tecnicismo das discussões sobre o tema , existe um forte viés ideológico liberal.
* Denise Motta Dau é assessora da Internacional de Serviços Públicos (ISP); no Brasil, é assistente social, mestra em Saúde Pública e ex-Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres da Cidade de São Paulo (2013 - 2016); Gabriel Casnati é assessor da ISP-Brasil e da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip); é formado em Relações Internacionais pela PUC-SP e pesquisador na área de tributação internacional.
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