Reproduzo artigo de Lino Bocchini, publicado no blog "Desculpe a nossa falha":
Poucas coisas irritam mais do que não conseguir falar com uma pessoa de verdade nos serviços telefônicos de operadoras de telefonia, internet, TV a cabo e afins. Entre jornalistas é comum até apelar para as assessorias de imprensa das companhias, tamanho o desespero por não conseguir falar com um gerente, supervisor, encarregado, qualquer um que resolva o problema. Quando começou a polêmica da censura da Folha contra a Falha, eu, meu irmão e metade da blogosfera brasileira ficamos falando sozinhos. Ninguém do lado de lá se manifestou. Um silêncio total na Barão de Limeira ignorou – e segue ignorando – a gritaria coletiva. Nenhuma surpresa, assim são as grandes corporações. Não têm rosto, nem voz. Restam gravações, atendentes mal pagos, impessoalidade.
Cansei de ouvir, de gente de dentro e de fora da Folha, que a decisão de nos processar “não tinha nada a ver com a redação”, e seria “do jurídico”. Mas quem são essas instâncias? Alguém trabalha lá, responde por aquilo, planeja suas ações. Quando você não consegue resolver o problema do seu celular ou da sua TV a cabo, a culpa não é do coitado do atendente nem do departamento X ou Y. A responsabilidade é de quem manda nessa turma toda e bolou esse sistema perverso, feito para que você não fale com quem decide. Aliás, feito pra que você sequer saiba quem decide.
Funciona exatamente assim no caso do processo da Folha. Não é o “departamento jurídico” que assina a ação de 88 páginas que ameaça a mim e a meu irmão. É a advogada Taís Gasparian, que tem nome, sobrenome, registro na OAB e que, na hora de ir para o México, como foi no ano passado, falar em nome da Folha na SIP, a Sociedade Interamericana de Prensa (entidade patronal que supostamente defende a liberdade de expressão) ela representa esse papel com orgulho. Então sinto muito, na hora de protocolar na Justiça um catatau contra uma blog nanico de paródia e pedir dinheiro em indenização para dois irmãos sem ligação com entidade alguma, vai ter que mostrar a cara também.
Quando em um evento sobre Liberdade de Imprensa na TV Cultura eu abordei o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, ele acabava de dar a quinta entrevista seguida em nome do jornal, falando sobre a sua preocupação pessoal - e da Folha - com o que ele acredita serem movimentos do governo contrários à liberdade de imprensa no Brasil. Justo que ele fale assim institucionalmente, afinal é dele o maior cargo da redação. Logo, é igualmente justo que ele represente a Folha também na hora de responder sobre um caso de censura que mobilizou até a Repórteres sem Fronteiras (maior organização do mundo em defesa da liberdade de expressão) e Julian Assange, criador do WikiLeaks, que condenou o jornal duramente, em entrevista ao Estadão.
O mesmo acontece com os irmãos Frias, Otávio e Luís, os dois principais nomes do Grupo Folha. Afinal, a empresa é deles. Otávio, que responde mais pelo lado editorial, infelizmente (ou felizmente) tem que ser cobrado também pelas decisões polêmicas de sua empresa. Da mesma forma que o dono da padaria que você vai todo dia tem que ser cobrado se te vender um requeijão vencido. Da mesma forma que o alto executivo de uma operadora de TV a cabo deveria ser cobrado pelas dores de cabeça que causa a você e a sua família.
Falo tudo isso porque gostaria sinceramente de deixar muito claro a todos que estão acompanhando essa disputa, mas principalmente às pessoas que trabalham na Folha, que não tenho nenhuma raiva pessoal de ninguém. A queda de braço não é contra o Otávio, o Sérgio, a Taís, a ombudsman Susana Singer ou a colunista Eliane Cantanhêde. É contra a empresa que eles representam. Dar nome aos bois, contudo, deixa as coisas mais claras, a conversa sai da zona de conforto. Cai o véu institucional que deixa tudo impessoal e as pessoas físicas acabam sendo obrigadas a tomar posição, o que acho bastante saudável.
Não quero e não vou – mesmo – ficar choramingando, mas confesso que não tem sido nada fácil. Tenho dezenas de amigos e conhecidos em comum com cada uma dessas pessoas. Já ouvi de muita gente nas últimas semanas que eu não deveria citar nominalmente ou brincar com fulano ou sicrana, porque ele(a) é “gente boa”, culto(a), tem bom papo, é bacana… acredito que talvez sejam mesmo.
(Abre parênteses: caso Folha X Falha à parte, não é estranho que sempre digam que o executivo Y é suuper gente boa, que a herdeira X é no fundo uma óótima pessoa e o figurão N é bacana dee verdade e, mesmo com todo mundo sendo tãão legal, o mundo esteja tão lascado? Fecha parênteses).
Trabalho há quase 20 anos como jornalista, já passei pela Abril, pelo próprio Grupo Folha, assessorias de imprensa pública e privada, e tantos outros lugares. Enfim, tenho quase 40 anos, uma carreira razoável e família pra sustentar. Não sou um “moleque”, como algumas vezes têm me chamado. Mas isso não me impede de ser bem-humorado e ter um pouco de ousadia – ainda bem.
Por fim, achei bom reforçar que, obviamente, ninguém é “bom” ou “mau”, isso é coisa de novela, de Hollywood. Só que não tem jeito. Não dá pra você assumir o principal cargo do maior jornal do país, por exemplo, e não querer que junto venha algum ônus. Não dá pra ficar dizendo que é tudo culpa “do jurídico” e jogar a questão no colo de departamentos e entidades abstratas, tirando o seu da reta. Essa história de corporações sem rosto não ajuda a ninguém, a não ser aos rostos que aparecem nas reuniões internas de final de ano na hora de partilhar os lucros que eles conseguiram em cima de você.
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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
A militarização da Coca-Cola na Colômbia
Em 21 de dezembro passado, a Polícia Nacional da Colômbia invadiu violentamente as instalações de engarrafamento da Coca-Cola em Medellín. Utilizou tanques blindados, escudos e armas, e disparou gases químicos para intimidar os subcontratados que estavam em greve. A ocupação foi solicitada pela direção da multinacional. O conflito foi militarizado e os trabalhadores foram obrigados a suspender a greve e a aceitar o compromisso verbal da empresa de resolver o impasse.
Lideranças grevistas foram demitidas. Durante vários dias, a polícia permaneceu dentro da fábrica da Coca-Cola, 24 horas por dia, aterrorizando os trabalhadores. A estreita relação da multinacional com o governo entreguista da Colômbia não causa estranheza. Não é a primeira vez que a Polícia Nacional é acionada para reprimir, coagir e aterrorizar os trabalhadores que reclamam o respeito pelos seus direitos.
A Coca-Cola inclusive se jacta diante dos seus acionistas por usar o terror para obter maior lucratividade em seus negócios no país. A relação com as Forças Armadas é descarada. Nâo é para menos que a multinacional realizou a sua assembléia anual de acionistas, em fevereiro passado, no Forte Militar de Tolemaida (Centro Nacional de Treino Cenae), no município de Melgar Tolima. Tolemaida é uma das bases militares dos Estados Unidos na Colômbia.
Como afirma um documento do sindicato operário, "agora as instalações da Coca-Cola não são só fábricas de engarrafamento, mas também quartéis da polícia".
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Folha, a crise militar e o Cabo Anselmo
Por Altamiro Borges
De repente, não mais que de repente, a famiglia Frias resolveu levar os militares, que patrocinaram golpe de 1964 e a sanguinária ditadura, ao banco dos réus. Logo ela que usou o jornal Folha para clamar pelo golpe, que cedeu suas peruas para o transporte de presos políticos à tortura e que se aliou ao setor “linha dura” dos generais. Logo ela que, no início de 2009, gerou atos de protesto ao qualificar a ditadura de “ditabranda”. Logo ela que fez coro com a direita das Forças Armadas e com outros setores fascistóides da sociedade contra o Plano Nacional de Direitos Humanos, satanizando o ex-ministro Paulo Vanucchi.
De repente, não mais que de repente, a famiglia Frias resolveu levar os militares, que patrocinaram golpe de 1964 e a sanguinária ditadura, ao banco dos réus. Logo ela que usou o jornal Folha para clamar pelo golpe, que cedeu suas peruas para o transporte de presos políticos à tortura e que se aliou ao setor “linha dura” dos generais. Logo ela que, no início de 2009, gerou atos de protesto ao qualificar a ditadura de “ditabranda”. Logo ela que fez coro com a direita das Forças Armadas e com outros setores fascistóides da sociedade contra o Plano Nacional de Direitos Humanos, satanizando o ex-ministro Paulo Vanucchi.
Assange, Carriles e o mundo de ponta cabeça
Reproduzo artigo de Iroel Sánchez, publicado no sítio Cuba Debate:
Muitas vezes escutamos dizer que a “justiça é cega”. O início de 2011 oferece a oportunidade comprovarmos. Simultaneamente, ocorrem dois processos judiciais: o do australiano Julian Assange e o do cubano-venezuelano Luis Posada Carriles. Em ambos os casos, as pressões políticas levaram ao paroxismo a cegueira dos encarregados de fazer justiça.
Em 11 de janeiro começará em El Paso, Texas, o julgamento de Posada Carriles, considerado por muitos como o maior terrorista do hemisfério ocidental. Posada, após inúmeros adiamentos e postergações, será julgado. Não por ser o autor intelectual da explosão, em pleno vôo, de um avião de passageiros, nem por ter contratado o executor dos atentados com bomba em hotéis cubanos que custaram a vida de um turista italiano, e sim por mentir sob juramento. Aproximadamente na mesma hora, em Londres, em uma corte conhecida por tratar delitos de terrorismo, terá lugar a próxima audiência contra o líder de Wikileaks, Julian Assange – que alguns analistas qualificam de estranhas acusações de “agressão sexual”.
Sobre os atos criminosos de Posada Carriles estão em mãos das autoridades norte-americanas milhares de documentos e testemunhos comprobatórios, incluindo as próprias declarações do ex-agente da CIA ao jornal The New York Times, em que se jacta de seus crimes. Contra Assange, perante um tribunal londrino, um julgamento com base em uma história bizarra sobre ciúmes e seduções contada pelas acusadoras suecas.
Em síntese: um terrorista confesso está sendo julgado por ter mentido e quem trouxe à luz verdades incômodas sobre os atos terroristas cometidos pelos amigos norte-americanos de Posada Carriles é tratado como terrorista. No entanto, a partir das antípodas, existe um ponto onde as histórias se tocam, além do calendário e da cegueira da justiça: a principal acusadora contra Assange e Posada Carriles têm amigos comuns em Cuba. Anna Ardin esteve na Ilha, trabalhando com as chamadas Damas de Branco – este grupo reconheceu que estava sendo financiado pelos advogados de Posada (ele assistiu em Miami as manifestações em seu apoio).
A imprensa, que tão atentamente seguiu o processo contra Assange, tem um bom motivo para investigar o que os tribunais não querem saber. Mas, ao que parece, não é a justiça a única cega nesta história que entrará nos anais do mundo de ponta cabeça.
* Tradução de Sandra Luiz Alves
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Muitas vezes escutamos dizer que a “justiça é cega”. O início de 2011 oferece a oportunidade comprovarmos. Simultaneamente, ocorrem dois processos judiciais: o do australiano Julian Assange e o do cubano-venezuelano Luis Posada Carriles. Em ambos os casos, as pressões políticas levaram ao paroxismo a cegueira dos encarregados de fazer justiça.
Em 11 de janeiro começará em El Paso, Texas, o julgamento de Posada Carriles, considerado por muitos como o maior terrorista do hemisfério ocidental. Posada, após inúmeros adiamentos e postergações, será julgado. Não por ser o autor intelectual da explosão, em pleno vôo, de um avião de passageiros, nem por ter contratado o executor dos atentados com bomba em hotéis cubanos que custaram a vida de um turista italiano, e sim por mentir sob juramento. Aproximadamente na mesma hora, em Londres, em uma corte conhecida por tratar delitos de terrorismo, terá lugar a próxima audiência contra o líder de Wikileaks, Julian Assange – que alguns analistas qualificam de estranhas acusações de “agressão sexual”.
Sobre os atos criminosos de Posada Carriles estão em mãos das autoridades norte-americanas milhares de documentos e testemunhos comprobatórios, incluindo as próprias declarações do ex-agente da CIA ao jornal The New York Times, em que se jacta de seus crimes. Contra Assange, perante um tribunal londrino, um julgamento com base em uma história bizarra sobre ciúmes e seduções contada pelas acusadoras suecas.
Em síntese: um terrorista confesso está sendo julgado por ter mentido e quem trouxe à luz verdades incômodas sobre os atos terroristas cometidos pelos amigos norte-americanos de Posada Carriles é tratado como terrorista. No entanto, a partir das antípodas, existe um ponto onde as histórias se tocam, além do calendário e da cegueira da justiça: a principal acusadora contra Assange e Posada Carriles têm amigos comuns em Cuba. Anna Ardin esteve na Ilha, trabalhando com as chamadas Damas de Branco – este grupo reconheceu que estava sendo financiado pelos advogados de Posada (ele assistiu em Miami as manifestações em seu apoio).
A imprensa, que tão atentamente seguiu o processo contra Assange, tem um bom motivo para investigar o que os tribunais não querem saber. Mas, ao que parece, não é a justiça a única cega nesta história que entrará nos anais do mundo de ponta cabeça.
* Tradução de Sandra Luiz Alves
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O jornalismo neocon e a militância virtual
Reproduzo artigo de Maurício Caleiro, publicado no blog Cinema & Outras Artes:
Muito já foi dito sobre as razões que levaram as grandes corporações jornalísticas à aderência ao chamado jornalismo neocon, denominação do estilo agressivo e marcadamente conservador que se difundiu inicialmente nos EUA - de radialistas populares para a Fox News - e que, no Brasil, ganhou abrigo nas páginas da outrora prestigiada revista Veja.
Resumidamente, mudanças e pressões econômicas, tecnológicas, políticas e ideológicas fizeram com que elas passassem a abrigar em suas redações e estúdios adeptos desse jornalismo malcriado e raso em informação histórica. Ainda que seu alvo principal sejam certos estratos sócio-econômicos, setores do público jovem têm sido muito receptivos a tal "estilo".
A consciência no tempo
A brilhante jornalista que é Maria Inês Nassif teceu as seguintes considerações, em artigo recente, do qual vale a pena ler também os emocionados comentários:
*****
“Há quase 47 anos o Brasil iniciava seu último período ditatorial. Faz 25 anos que acabou o último governo militar. 21 anos nos separam da primeira eleição direta para presidente; e há 20 anos se promulgava a nova Constituição brasileira.
Uma geração que já é adulta nasceu na democracia e sequer tem lembranças do período negro da ditadura. Essa geração não tem a dimensão do que é, para a história do país, o fato de uma mulher que foi presa política assumir a presidência da República. Isso é história em seu estado puro”.
*****
Não é frequente que prestemos atenção a tais efeitos exercidos pela passagem do tempo na consciência política. Tal gap generacional, convém reforçar, faz com que um jovem que esteja ingressando na universidade hoje – aos 18, 19 anos – sequer tenha acompanhado o governo Fernando Henrique Cardoso, já que era uma criança com cerca de 10 anos quando ele terminou.
Essa amnésia histórica ajuda a explicar o porquê de um número relativamente expressivo de jovens se deixar seduzir pelo canto de sereia neocon.
Insegurança e catarse
Em primeiro lugar, porque, para essa geração, o governo Lula - e agora Dilma - constitui o poder, e é da natureza da juventude contestar o poder vigente, com razão ou não, seja ele qual for.
Em segundo, porque o jornalismo neocon brasileiro, de criaturas como Reinaldo Azevedo, Mainardi e Augusto Nunes, ao abrir mão da argumentação criteriosa, balanceada, em prol da agressividade e do ataque desqualificador, oferece uma experiência catártica que tende a seduzir particularmente a ainda revoltados e inseguros pós-adolescentes, os quais tendem a mimetizá-la. Há, muitas vezes, algo de afirmação pessoal e de recalque exorcisado nessa identificação.
Neoudenismo
Convém considerar, ainda, a questão da penetrabilidade do discurso moralista, uma arma histórica do conservadorismo brasileiro, popularizada pela UDN nos anos 40/50 e retomada pelo demotucanato com o auxílio da mídia amiga.
O alcance de tal discurso extrapola, evidentemente, o público jovem, já que a corrupção é – sempre foi - um problema grave e real no Brasil. Daí a afirmar que o governo Lula tenha sido o mais corrupto da história – como fazem os neocons – trata-se de uma generalização que, como debateremos em breve em outro post, não se sustenta minimamente e sublinha, uma vez mais, a falta de compromisso com a verdade e de conhecimento histórico por parte de tais jornalistas.
Por fim, é necessário reconhecer que o jornalismo neocon, com sua leviandade cafajeste e irresponsável, encontrou nas redes sociais um terreno prolífico, como o demonstra de forma cabal o caso dos jovens que clamaram (e ainda clamam), em tom de brincadeira ou não, pelo assassinato da presidenta eleita Dilma Rousseff.
Militância virtual
Até recentemente, a blogosfera, a despeito de sua diversidade, constituiu-se, majoritariamente, como um foco de resistência contra uma mídia partidarizada, agregando desde a esquerda anti-Lula até os que, sem cor político-ideológica, mostravam-se indignados pela perda de parâmetros da imprensa brasileira - além de simpatizantes do lulopetismo, é claro.
Com o incremento e acelerada difusão de novas redes sociais – o Twitter, notadamente – houve um processo de fragmentação e de “tribalização”, e ainda que os setores anti-conservadores tenham se fortalecido, a irrupção de uma militância neocon, açulada pela campanha suja e sem escrúpulos de José Serra, também assoma à cena, trazendo em seu bojo a intolerância, o racismo, o ódio de classe e, mais grave, a sem-cerimônia em divulgar ideias golpistas.
Ela representa a grande ameaça a ser combatida, o grande desafio: desarmar espíritos e trazer o debate político de volta ao âmbito das soluções democráticas e do diálogo civilizado.
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Muito já foi dito sobre as razões que levaram as grandes corporações jornalísticas à aderência ao chamado jornalismo neocon, denominação do estilo agressivo e marcadamente conservador que se difundiu inicialmente nos EUA - de radialistas populares para a Fox News - e que, no Brasil, ganhou abrigo nas páginas da outrora prestigiada revista Veja.
Resumidamente, mudanças e pressões econômicas, tecnológicas, políticas e ideológicas fizeram com que elas passassem a abrigar em suas redações e estúdios adeptos desse jornalismo malcriado e raso em informação histórica. Ainda que seu alvo principal sejam certos estratos sócio-econômicos, setores do público jovem têm sido muito receptivos a tal "estilo".
A consciência no tempo
A brilhante jornalista que é Maria Inês Nassif teceu as seguintes considerações, em artigo recente, do qual vale a pena ler também os emocionados comentários:
*****
“Há quase 47 anos o Brasil iniciava seu último período ditatorial. Faz 25 anos que acabou o último governo militar. 21 anos nos separam da primeira eleição direta para presidente; e há 20 anos se promulgava a nova Constituição brasileira.
Uma geração que já é adulta nasceu na democracia e sequer tem lembranças do período negro da ditadura. Essa geração não tem a dimensão do que é, para a história do país, o fato de uma mulher que foi presa política assumir a presidência da República. Isso é história em seu estado puro”.
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Não é frequente que prestemos atenção a tais efeitos exercidos pela passagem do tempo na consciência política. Tal gap generacional, convém reforçar, faz com que um jovem que esteja ingressando na universidade hoje – aos 18, 19 anos – sequer tenha acompanhado o governo Fernando Henrique Cardoso, já que era uma criança com cerca de 10 anos quando ele terminou.
Essa amnésia histórica ajuda a explicar o porquê de um número relativamente expressivo de jovens se deixar seduzir pelo canto de sereia neocon.
Insegurança e catarse
Em primeiro lugar, porque, para essa geração, o governo Lula - e agora Dilma - constitui o poder, e é da natureza da juventude contestar o poder vigente, com razão ou não, seja ele qual for.
Em segundo, porque o jornalismo neocon brasileiro, de criaturas como Reinaldo Azevedo, Mainardi e Augusto Nunes, ao abrir mão da argumentação criteriosa, balanceada, em prol da agressividade e do ataque desqualificador, oferece uma experiência catártica que tende a seduzir particularmente a ainda revoltados e inseguros pós-adolescentes, os quais tendem a mimetizá-la. Há, muitas vezes, algo de afirmação pessoal e de recalque exorcisado nessa identificação.
Neoudenismo
Convém considerar, ainda, a questão da penetrabilidade do discurso moralista, uma arma histórica do conservadorismo brasileiro, popularizada pela UDN nos anos 40/50 e retomada pelo demotucanato com o auxílio da mídia amiga.
O alcance de tal discurso extrapola, evidentemente, o público jovem, já que a corrupção é – sempre foi - um problema grave e real no Brasil. Daí a afirmar que o governo Lula tenha sido o mais corrupto da história – como fazem os neocons – trata-se de uma generalização que, como debateremos em breve em outro post, não se sustenta minimamente e sublinha, uma vez mais, a falta de compromisso com a verdade e de conhecimento histórico por parte de tais jornalistas.
Por fim, é necessário reconhecer que o jornalismo neocon, com sua leviandade cafajeste e irresponsável, encontrou nas redes sociais um terreno prolífico, como o demonstra de forma cabal o caso dos jovens que clamaram (e ainda clamam), em tom de brincadeira ou não, pelo assassinato da presidenta eleita Dilma Rousseff.
Militância virtual
Até recentemente, a blogosfera, a despeito de sua diversidade, constituiu-se, majoritariamente, como um foco de resistência contra uma mídia partidarizada, agregando desde a esquerda anti-Lula até os que, sem cor político-ideológica, mostravam-se indignados pela perda de parâmetros da imprensa brasileira - além de simpatizantes do lulopetismo, é claro.
Com o incremento e acelerada difusão de novas redes sociais – o Twitter, notadamente – houve um processo de fragmentação e de “tribalização”, e ainda que os setores anti-conservadores tenham se fortalecido, a irrupção de uma militância neocon, açulada pela campanha suja e sem escrúpulos de José Serra, também assoma à cena, trazendo em seu bojo a intolerância, o racismo, o ódio de classe e, mais grave, a sem-cerimônia em divulgar ideias golpistas.
Ela representa a grande ameaça a ser combatida, o grande desafio: desarmar espíritos e trazer o debate político de volta ao âmbito das soluções democráticas e do diálogo civilizado.
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O alcance limitado do aperto cambial
Reproduzo artigo de Umberto Martins, publicado no sítio Vermelho:
O Banco Central (BC) aplicará um depósito compulsório equivalente a 60% da chamada posição vendida dos bancos em dólar que superarem US$ 3 bilhões ou o valor patrimonial da instituição. O objetivo é reduzir as apostas especulativas do “mercado” na queda do dólar e conter a valorização do real, que parece estar provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira. O dólar fechou o dia em alta, mas os efeitos da medida anunciada nesta 5ª feira (6) devem ser limitados.
O compulsório em questão não será remunerado, mas os bancos têm prazo de 90 dias para se adaptar à nova regra, que vale a partir de 4 de abril. O diretor de política monetária do BC, Aldo Mendes, informou que a posição vendida dos bancos chegou a US$ 16,8 bilhões de dólares no final de 2010, refletindo a expectativa de uma valorização ainda maior do real ao longo de 2011.
Especulação
No jargão do mercado financeiro, a posição vendida equivale a um compromisso de entrega futura de dólar ou pagamento da variação cambial aos investidores. Traduz a especulação do sistema financeiro com a valorização do real, que é considerado por muitos analistas como uma das causas da queda do dólar no país. O valor da moeda estadunidense caiu mais de 50% ao longo dos últimos oito anos (período em que o real registra uma valorização de 108%), o que tem um impacto fortemente negativo na indústria e desperta preocupações no governo.
O governo espera reduzir a especulação com o câmbio, o que pode contribuir para reduzir a valorização do real. Mas é pouco provável que o problema seja definitivamente resolvido, de forma que novas medidas do gênero poderão ser anunciadas no futuro. Afinal, a posição vendida dos bancos não é a única nem a principal causa da queda do dólar.
Redução dos juros
O fato de o Brasil praticar, ainda hoje, as maiores taxas de juros reais do mundo também é apontado como uma das causas da apreciação do real, pois estimula o ingresso de dólares provenientes de países onde as taxas de juros estão em torno de zero ou são negativas para aplicação em títulos que remuneram pela Selic (taxa básica de juros, fixada em 10,75%).
A redução da Selic é uma medida considerada essencial para conter a valorização do real. Todavia, a orientação da política monetária, pelo menos a que predominou com Meirelles, segue na direção contrária a esta recomendação, feita por inúmeros especialistas e reclamada pelos empresários do setor produtivo, sindicalistas e políticos de orientação progressista.
As pressões do mercado financeiro também são por uma nova alta da taxa básica de juros e, hoje, esta parece ser a tendência que vai prevalecer na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando, ao que tudo indica, teremos uma nova elevação da Selic justificada pela tendência de aceleração da inflação. Se isto vier a ocorrer será um novo estímulo à valorização do real.
Principal causa
O problema também não se resume aos juros altos. A apreciação do real não se explica apenas por fatores internos. Reflete em larga medida a desvalorização do dólar em todo o mundo, fenômeno que resulta dos desequilíbrios da economia norte-americana (déficits público, comercial e em conta corrente), acentuados na presente crise pela política monetária definida pelo Federal Reserve (FED, banco central dos EUA).
O FED derramou trilhões de dólares na economia para comprar títulos podres dos bancos e papéis da Casa Branca que aparentemente já não atraem como antes o apetite de investidores institucionais (bancos centrais) de países superavitários como China e Rússia. O diabo é que o dinheiro de Tio Sam não circula apenas no interior dos EUA.
Uma vez que o dólar é uma moeda internacional e o capital corre sempre atrás do lucro máximo, que hoje pode ser colhido nos países dito emergentes (que voltaram a crescer, puxados pela China, enquanto EUA, UE e Japão patinam na estagnação), as moedas emitidas pelo FED estão fluindo para o exterior, sendo esta certamente a principal causa do declínio do dólar, da inflação mundial e da chamada guerra cambial.
“No fundo”, como ensina Josefh Stiglitz, “nos mercados financeiros globalizados, o dinheiro procura as melhores perspectivas em todo o mundo e essas perspectivas estão na Ásia [e nos emergentes, incluindo Brasil], não estão nos EUA. Assim, o dinheiro não vai para onde é necessário [ou seja, não estimula a recuperação dos investimentos e emprego] e uma grande parte será canalizada para onde não é desejado - causando mais aumentos nos preços dos ativos e das mercadorias [em outras palavras, inflação], nomeadamente nos mercados emergentes.”
Dogma neoliberal
Diante do privilégio que o império goza de pagar dívidas e promover investimentos, preferencialmente especulativos, sem realizar maior esforço do que a emissão de papel-moeda é natural que outras economias nacionais adotem medidas para preservar a competitividade de suas exportações e contornar o perigo da desindustrialização. Ainda que isto gere um conflito de divisas e desperte o fantasma da guerra comercial, que pode se transformar (como no século passado) em confrontos políticos e militares catastróficos.
Quem melhor se previne neste sentido é a China, ao lado de outros países que não adotam o chamado câmbio flutuante. Os chineses mantêm a cotação do iune sob estrito controle e, sem abrir mão desta orientação a despeito da pressão externa, consideram a política cambial uma questão de soberania. O Brasil protegeria melhor sua indústria e garantiria maior estabilidade cambial se seguisse o exemplo da próspera nação asiática neste terreno.
Mas por aqui o dogma do câmbio flutuante, herança neoliberal de FHC, imposta pelo FMI e consolidada na famosa carta aos banqueiros, digo aos brasileiros, parece ter fincado profundas raízes. Daí a insistência em medidas paliativas, ontem a taxação (via IOF) das aplicações estrangeiras em títulos de renda fixa, hoje o compulsório sobre as posições vendidas dos bancos. Podemos e creio até que devemos torcer para que dê certo, mas o bom senso indica que é hora de mudar a política macroeconômica para o câmbio, os juros e o orçamento.
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O Banco Central (BC) aplicará um depósito compulsório equivalente a 60% da chamada posição vendida dos bancos em dólar que superarem US$ 3 bilhões ou o valor patrimonial da instituição. O objetivo é reduzir as apostas especulativas do “mercado” na queda do dólar e conter a valorização do real, que parece estar provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira. O dólar fechou o dia em alta, mas os efeitos da medida anunciada nesta 5ª feira (6) devem ser limitados.
O compulsório em questão não será remunerado, mas os bancos têm prazo de 90 dias para se adaptar à nova regra, que vale a partir de 4 de abril. O diretor de política monetária do BC, Aldo Mendes, informou que a posição vendida dos bancos chegou a US$ 16,8 bilhões de dólares no final de 2010, refletindo a expectativa de uma valorização ainda maior do real ao longo de 2011.
Especulação
No jargão do mercado financeiro, a posição vendida equivale a um compromisso de entrega futura de dólar ou pagamento da variação cambial aos investidores. Traduz a especulação do sistema financeiro com a valorização do real, que é considerado por muitos analistas como uma das causas da queda do dólar no país. O valor da moeda estadunidense caiu mais de 50% ao longo dos últimos oito anos (período em que o real registra uma valorização de 108%), o que tem um impacto fortemente negativo na indústria e desperta preocupações no governo.
O governo espera reduzir a especulação com o câmbio, o que pode contribuir para reduzir a valorização do real. Mas é pouco provável que o problema seja definitivamente resolvido, de forma que novas medidas do gênero poderão ser anunciadas no futuro. Afinal, a posição vendida dos bancos não é a única nem a principal causa da queda do dólar.
Redução dos juros
O fato de o Brasil praticar, ainda hoje, as maiores taxas de juros reais do mundo também é apontado como uma das causas da apreciação do real, pois estimula o ingresso de dólares provenientes de países onde as taxas de juros estão em torno de zero ou são negativas para aplicação em títulos que remuneram pela Selic (taxa básica de juros, fixada em 10,75%).
A redução da Selic é uma medida considerada essencial para conter a valorização do real. Todavia, a orientação da política monetária, pelo menos a que predominou com Meirelles, segue na direção contrária a esta recomendação, feita por inúmeros especialistas e reclamada pelos empresários do setor produtivo, sindicalistas e políticos de orientação progressista.
As pressões do mercado financeiro também são por uma nova alta da taxa básica de juros e, hoje, esta parece ser a tendência que vai prevalecer na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando, ao que tudo indica, teremos uma nova elevação da Selic justificada pela tendência de aceleração da inflação. Se isto vier a ocorrer será um novo estímulo à valorização do real.
Principal causa
O problema também não se resume aos juros altos. A apreciação do real não se explica apenas por fatores internos. Reflete em larga medida a desvalorização do dólar em todo o mundo, fenômeno que resulta dos desequilíbrios da economia norte-americana (déficits público, comercial e em conta corrente), acentuados na presente crise pela política monetária definida pelo Federal Reserve (FED, banco central dos EUA).
O FED derramou trilhões de dólares na economia para comprar títulos podres dos bancos e papéis da Casa Branca que aparentemente já não atraem como antes o apetite de investidores institucionais (bancos centrais) de países superavitários como China e Rússia. O diabo é que o dinheiro de Tio Sam não circula apenas no interior dos EUA.
Uma vez que o dólar é uma moeda internacional e o capital corre sempre atrás do lucro máximo, que hoje pode ser colhido nos países dito emergentes (que voltaram a crescer, puxados pela China, enquanto EUA, UE e Japão patinam na estagnação), as moedas emitidas pelo FED estão fluindo para o exterior, sendo esta certamente a principal causa do declínio do dólar, da inflação mundial e da chamada guerra cambial.
“No fundo”, como ensina Josefh Stiglitz, “nos mercados financeiros globalizados, o dinheiro procura as melhores perspectivas em todo o mundo e essas perspectivas estão na Ásia [e nos emergentes, incluindo Brasil], não estão nos EUA. Assim, o dinheiro não vai para onde é necessário [ou seja, não estimula a recuperação dos investimentos e emprego] e uma grande parte será canalizada para onde não é desejado - causando mais aumentos nos preços dos ativos e das mercadorias [em outras palavras, inflação], nomeadamente nos mercados emergentes.”
Dogma neoliberal
Diante do privilégio que o império goza de pagar dívidas e promover investimentos, preferencialmente especulativos, sem realizar maior esforço do que a emissão de papel-moeda é natural que outras economias nacionais adotem medidas para preservar a competitividade de suas exportações e contornar o perigo da desindustrialização. Ainda que isto gere um conflito de divisas e desperte o fantasma da guerra comercial, que pode se transformar (como no século passado) em confrontos políticos e militares catastróficos.
Quem melhor se previne neste sentido é a China, ao lado de outros países que não adotam o chamado câmbio flutuante. Os chineses mantêm a cotação do iune sob estrito controle e, sem abrir mão desta orientação a despeito da pressão externa, consideram a política cambial uma questão de soberania. O Brasil protegeria melhor sua indústria e garantiria maior estabilidade cambial se seguisse o exemplo da próspera nação asiática neste terreno.
Mas por aqui o dogma do câmbio flutuante, herança neoliberal de FHC, imposta pelo FMI e consolidada na famosa carta aos banqueiros, digo aos brasileiros, parece ter fincado profundas raízes. Daí a insistência em medidas paliativas, ontem a taxação (via IOF) das aplicações estrangeiras em títulos de renda fixa, hoje o compulsório sobre as posições vendidas dos bancos. Podemos e creio até que devemos torcer para que dê certo, mas o bom senso indica que é hora de mudar a política macroeconômica para o câmbio, os juros e o orçamento.
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O jogo conhecido do PMDB
Reproduzo artigo de Maria Inês Nassif, publicado no jornal Valor Econômico:
Em abril de 1995, no começo do segundo mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, o PMDB na Câmara, que era da base governista, impôs uma derrota ao governo na votação do projeto de reajuste do salário mínimo. O então líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), esclareceu as razões do mau humor: “A bancada está nervosa por causa do imobilismo e da inoperância do governo e os cargos [nomeação de pemedebistas para o governo] entram nisso. O governo só responde “não” a qualquer pleito”.
Em 2007, já aliado a Lula, o PMDB, desta vez no Senado, encenou uma nova “rebelião”: 12 senadores do PMDB, que Wellington Salgado (MG) designou de “franciscanos”, votaram contra a MP que criava a Secretaria Especial de Projetos de Longo Prazo, cujo ministro seria Mangabeira Unger. “Os franciscanos não querem um sapato de couro alemão, querem só um chinelinho novo”, disse Salgado, ao reclamar que o governo só dava atenção aos “cardeais” do partido. O baixo clero do Senado ganhou a atenção pedida. Mais tarde, ajudou a derrubar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), contra os interesses do governo.
Ter o PMDB na base de apoio não é garantia de nada para nenhum governo, desde José Sarney (1985-1989). Mas a estratégia do partido para ganhar espaço de poder é tão previsível que mesmo os menos atentos à política conhecem os sinais. O uso do aumento do salário mínimo como chantagem é da tradição pemedebista. A vinculação dos benefícios de aposentadoria e pensões ao salário mínimo torna qualquer aumento não previsto no Orçamento uma bomba de efeito retardado para a política fiscal de qualquer governo. Mas, da mesma forma, um partido como o PMDB, que tem 1.175 prefeitos em todo o Brasil, também coloca em risco seu patrimônio político, já que as prefeituras sofrem um forte impacto nas suas folhas de pagamento com o aumento do piso salarial. A outra ação previsível é a de retaliar os governos dos quais faz parte com o apoio a candidatos não oficiais à mesa da Câmara.
Se o PMDB é altamente previsível em suas ações de chantagem, existe também uma dose de imprevisibilidade no futuro do partido, que parece não fazer parte dos cálculos de seus líderes. Nem o PMDB é imutável. Alguns dados novos tendem a relativizar as manobras tradicionais de chantagem pemedebista sobre o governo Dilma Rousseff.
Oferta de apoio pode ser maior do que a demanda do governo
O primeiro dado, visível, é que, embora o grande líder da bancada de deputados, Michel Temer, tenha se tornado o vice, o novo governo claramente preferiu privilegiar o grupo de José Sarney, o maior líder no Senado. Sarney é tido como um aliado mais fácil. E na Câmara, o grupo que dominou o partido desde os governos de FHC sofreu baixas importantes nessa legislatura.
A mais importante delas é a do próprio Michel Temer, que nos últimos quatro governos foi parte da estrutura de poder da Câmara e do partido. Foi na posição de presidente da Câmara e de presidente do PMDB que conseguiu manter o grupo de deputados a ele ligados como os principais beneficiários das alianças pemedebistas com os governos do momento. Michel Temer (SP), Wellington Moreira Franco (RJ), Carlos Eduardo Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Eliseu Padilha (RS) dominaram a bancada na Câmara nos governos de FHC. Também teve grande poder o deputado Eduardo Cunha (RJ), embora atue em faixa própria. No último governo Lula, a aliança com o PMDB na Câmara para compor a base governista levou Wellington Moreira Franco, então sem mandato parlamentar, a uma das diretorias da Caixa Econômica Federal. Geddel tornou-se o ministro da Integração Regional. Eliseu Padilha manteve uma postura quase que dissidente em relação ao governo, embora isso não tenha abalado a lealdade interna do grupo.
Internamente, a coesão do grupo se dava pela oposição ao grupo de Orestes Quércia, oposicionista nos governos de FHC, governista no primeiro mandato de Lula e oposicionista novamente no segundo mandato do presidente petista. No jogo de poder partidário, o grupo de Temer, estrategicamente colocado na Câmara, polarizava com o seu rival regional. Na disputa local, o PMDB paulista perdeu substância. Hoje, não é quase nada e as negociações para a adesão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) já são feitas sobre o reduzido espólio político deixado por Quércia, morto no fim do ano passado.
Na disputa nacional, a arte de lidar com o baixo clero deu ao grupo de Temer a hegemonia na Câmara, que acabou se estendendo à máquina partidária. Temer é considerado, hoje, como o dirigente pemedebista que mais obteve coesão partidária depois de Ulysses Guimarães, que dirigiu o partido durante a ditadura e no governo Sarney. Não foi à toa que se fez o vice.
Embora o grupo de Temer continue jogando em conjunto o jogo “um apoia, outro ameaça” e mantenha a capacidade de cooptar o baixo clero do partido, está desfalcado na Câmara – Temer é o vice, Geddel disputou o governo da Bahia e ficou sem mandato, Moreira Franco foi para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, que não mobiliza grandes verbas e Cunha continua atuando em faixa própria. Outro inconveniente para o grupo hegemônico na Câmara é que o partido perdeu deputados, enquanto pequenos partidos de esquerda reforçaram suas bancadas. A lógica da traição tende a contar contra o PMDB, ao contrário do que acontecia no passado. Em assuntos corriqueiros, o governo Dilma pode prescindir da unidade pemedebista e das chantagens públicas e privadas do grupo. No Senado, a redução da oposição também confere menos poder de chantagem à bancada.
Não é o fim do PMDB. O partido prospera quando é governo, da mesma forma que o ex-PFL definhou na ausência dele. Mas a conjuntura tende a exigir nova visão do que é lealdade. Até porque a derrota, por três eleições presidenciais seguidas, torna políticos dos partidos oposicionistas mais importantes, PSDB e DEM, altamente sensíveis à cooptação. A oferta de apoio ao governo Dilma pode se tornar maior do que a demanda.
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Em abril de 1995, no começo do segundo mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, o PMDB na Câmara, que era da base governista, impôs uma derrota ao governo na votação do projeto de reajuste do salário mínimo. O então líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), esclareceu as razões do mau humor: “A bancada está nervosa por causa do imobilismo e da inoperância do governo e os cargos [nomeação de pemedebistas para o governo] entram nisso. O governo só responde “não” a qualquer pleito”.
Em 2007, já aliado a Lula, o PMDB, desta vez no Senado, encenou uma nova “rebelião”: 12 senadores do PMDB, que Wellington Salgado (MG) designou de “franciscanos”, votaram contra a MP que criava a Secretaria Especial de Projetos de Longo Prazo, cujo ministro seria Mangabeira Unger. “Os franciscanos não querem um sapato de couro alemão, querem só um chinelinho novo”, disse Salgado, ao reclamar que o governo só dava atenção aos “cardeais” do partido. O baixo clero do Senado ganhou a atenção pedida. Mais tarde, ajudou a derrubar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), contra os interesses do governo.
Ter o PMDB na base de apoio não é garantia de nada para nenhum governo, desde José Sarney (1985-1989). Mas a estratégia do partido para ganhar espaço de poder é tão previsível que mesmo os menos atentos à política conhecem os sinais. O uso do aumento do salário mínimo como chantagem é da tradição pemedebista. A vinculação dos benefícios de aposentadoria e pensões ao salário mínimo torna qualquer aumento não previsto no Orçamento uma bomba de efeito retardado para a política fiscal de qualquer governo. Mas, da mesma forma, um partido como o PMDB, que tem 1.175 prefeitos em todo o Brasil, também coloca em risco seu patrimônio político, já que as prefeituras sofrem um forte impacto nas suas folhas de pagamento com o aumento do piso salarial. A outra ação previsível é a de retaliar os governos dos quais faz parte com o apoio a candidatos não oficiais à mesa da Câmara.
Se o PMDB é altamente previsível em suas ações de chantagem, existe também uma dose de imprevisibilidade no futuro do partido, que parece não fazer parte dos cálculos de seus líderes. Nem o PMDB é imutável. Alguns dados novos tendem a relativizar as manobras tradicionais de chantagem pemedebista sobre o governo Dilma Rousseff.
Oferta de apoio pode ser maior do que a demanda do governo
O primeiro dado, visível, é que, embora o grande líder da bancada de deputados, Michel Temer, tenha se tornado o vice, o novo governo claramente preferiu privilegiar o grupo de José Sarney, o maior líder no Senado. Sarney é tido como um aliado mais fácil. E na Câmara, o grupo que dominou o partido desde os governos de FHC sofreu baixas importantes nessa legislatura.
A mais importante delas é a do próprio Michel Temer, que nos últimos quatro governos foi parte da estrutura de poder da Câmara e do partido. Foi na posição de presidente da Câmara e de presidente do PMDB que conseguiu manter o grupo de deputados a ele ligados como os principais beneficiários das alianças pemedebistas com os governos do momento. Michel Temer (SP), Wellington Moreira Franco (RJ), Carlos Eduardo Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Eliseu Padilha (RS) dominaram a bancada na Câmara nos governos de FHC. Também teve grande poder o deputado Eduardo Cunha (RJ), embora atue em faixa própria. No último governo Lula, a aliança com o PMDB na Câmara para compor a base governista levou Wellington Moreira Franco, então sem mandato parlamentar, a uma das diretorias da Caixa Econômica Federal. Geddel tornou-se o ministro da Integração Regional. Eliseu Padilha manteve uma postura quase que dissidente em relação ao governo, embora isso não tenha abalado a lealdade interna do grupo.
Internamente, a coesão do grupo se dava pela oposição ao grupo de Orestes Quércia, oposicionista nos governos de FHC, governista no primeiro mandato de Lula e oposicionista novamente no segundo mandato do presidente petista. No jogo de poder partidário, o grupo de Temer, estrategicamente colocado na Câmara, polarizava com o seu rival regional. Na disputa local, o PMDB paulista perdeu substância. Hoje, não é quase nada e as negociações para a adesão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) já são feitas sobre o reduzido espólio político deixado por Quércia, morto no fim do ano passado.
Na disputa nacional, a arte de lidar com o baixo clero deu ao grupo de Temer a hegemonia na Câmara, que acabou se estendendo à máquina partidária. Temer é considerado, hoje, como o dirigente pemedebista que mais obteve coesão partidária depois de Ulysses Guimarães, que dirigiu o partido durante a ditadura e no governo Sarney. Não foi à toa que se fez o vice.
Embora o grupo de Temer continue jogando em conjunto o jogo “um apoia, outro ameaça” e mantenha a capacidade de cooptar o baixo clero do partido, está desfalcado na Câmara – Temer é o vice, Geddel disputou o governo da Bahia e ficou sem mandato, Moreira Franco foi para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, que não mobiliza grandes verbas e Cunha continua atuando em faixa própria. Outro inconveniente para o grupo hegemônico na Câmara é que o partido perdeu deputados, enquanto pequenos partidos de esquerda reforçaram suas bancadas. A lógica da traição tende a contar contra o PMDB, ao contrário do que acontecia no passado. Em assuntos corriqueiros, o governo Dilma pode prescindir da unidade pemedebista e das chantagens públicas e privadas do grupo. No Senado, a redução da oposição também confere menos poder de chantagem à bancada.
Não é o fim do PMDB. O partido prospera quando é governo, da mesma forma que o ex-PFL definhou na ausência dele. Mas a conjuntura tende a exigir nova visão do que é lealdade. Até porque a derrota, por três eleições presidenciais seguidas, torna políticos dos partidos oposicionistas mais importantes, PSDB e DEM, altamente sensíveis à cooptação. A oferta de apoio ao governo Dilma pode se tornar maior do que a demanda.
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Inflação: a mesma desculpa de sempre!
Reproduzo artigo de Paulo Kliass, publicado no sítio Carta Maior:
Nos próximos dias 18 e 19 de janeiro reúne-se a diretoria do Banco Central, sob a presidência de Alexandre Tombini, para realizar o primeiro encontro do Comitê de Política Monetária (COPOM) no mandato da Presidenta Dilma. Como ocorre em todo evento a cada 45 dias, figura em pauta a definição da taxa oficial de juros - a SELIC, atualmente no patamar de 10,75% ao ano.
O mercado financeiro está em plena agitação, como sempre. Mas as apostas agora ganham em expectativa, uma vez que existe uma incerteza generalizada quanto à capacidade de Dilma Roussef manter seu compromisso à época da campanha eleitoral de reduzir a taxa de juros vigente em nosso País e trazê-la para níveis mais, digamos assim, “civilizados”... Ou seja, os desejos pesados do capital financeiro se manifestam por meio da divulgação de consultas e relatórios de empresas e indivíduos que têm interesse na continuidade dessa política monetária irracional e irresponsável. Para um leitor desatento das páginas de economia dos grandes meio de comunicação, aparece como um consenso generalizado a “necessidade inescapável” de, mais uma vez, aumentar a taxa oficial de juros.
O argumento evocado pelos agentes que operam no mercado financeiro é o de sempre: os riscos apresentados pelas informações disponíveis a respeito da economia de que a meta de inflação anual escape do controle governamental. Não custa aqui recordar alguns elementos básicos para compreender a essência de tal raciocínio. O regime atual de estabilidade macroeconômica pressupõe a existência de uma meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) . Hoje em dia ela está fixada em 4,5% ao ano, com uma margem de tolerância de 2% para cima ou para baixo. Ou seja, enquanto a inflação estiver situada entre 2,5% e 6,5% ao ano, a situação estaria dentro do intervalo esperado. Assim, caso haja uma tendência de elevação dos preços superior a tal meta anual, a solução usada até o momento tem sido, fundamentalmente, a de aumentar a taxa SELIC, de forma a promover uma elevação generalizada dos juros na economia e se obter como resultado uma redução no volume de consumo agregado, do conjunto da sociedade.
Mas afinal, por que tanta preocupação assim com a inflação, poderão perguntar alguns? Pois é, a coisa é mais complicada do que aparenta. Vamos aos poucos. De acordo com os dados preliminares do Censo 2010, a nossa pirâmide populacional apresenta por volta de 26% de pessoas com até 16 anos de idade. Isso significa dizer que 50 milhões de brasileiros, do total de 191 milhões, nasceram após 1994. A conclusão é que aproximadamente 1 em cada 4 brasileiros nasceu após o advento do Plano Real. Trata-se de uma parcela importante de nossa gente, para quem a normalidade cultural e comportamental inclui o sentido de viver em um ambiente social e econômico de preços estáveis. Para essa geração, inflação baixa e sob controle é o padrão. Porém, são crianças e jovens adolescentes, a grande maioria deles ainda dependentes dos pais e da família para efeito de assegurar a renda para a sobrevivência e o consumo.
Já os demais 141 milhões de indivíduos experimentaram, de uma forma ou outra, os períodos anteriores ao Plano Real e sentiram em sua própria pele os efeitos perversos de viver em um ambiente de preços em constante elevação acelerada e mesmo de hiperinflação. A história é longa e tortuosa – fiquemos nas últimas 5 décadas. Depois do golpe militar de 1964, a reforma monetária de 1967, com a perda de 3 zeros do “cruzeiro” da época e a criação da nova moeda - o “cruzeiro novo” ( na verdade, as cédulas antigas ganharam um carimbo com o novo valor e novo nome). Logo após, em 1970 o “cruzeiro novo” ganha cédula nova e vira simplesmente “cruzeiro”. Em 1986, após 16 anos de inflação elevada e perda do valor da moeda, o Plano Cruzado cria a moeda de mesmo nome – o “cruzeiro” perdia 3 zeros e cada 1.000 “cruzeiros” passavam a valer 1 “cruzado”. Em 1989, nova reforma monetária e cada 1.000 unidades do recente “cruzado” passavam a valer 1 ”cruzado novo”, nova moeda criada naquele momento. Pouco mais de um ano depois, no início de 1990, com o Plano Collor, a reforma monetária reintroduz o nome “cruzeiro” para a nossa moeda, sem perdas de zeros. E em agosto de 1993, o então recente “cruzeiro” vê-se transformado em “cruzeiro real”, para logo em seguida efetivar-se a transformação no nosso atual “real” por meio das tabelas de conversão da Unidade Real de Valor (URV). Ufa!
Ora, é mais do que compreensível o receio da maioria da população com relação a eventual volta aos cenários pré 1994. Quem viveu sob a égide do crescimento diário dos preços e sofreu as conseqüências de tal processo reconhece a importância do ambiente de estabilidade de preços.
Principalmente, aqueles que vivem de remuneração de seu próprio trabalho ou de aposentadoria e têm menor capacidade de se proteger da perda contínua do valor monetário do dinheiro guardado fora da esfera financeira.
Apenas a título de comparação: entre 1995 e 2010, a média da inflação oficial (IPCA) foi de 7,6% ao ano. No período mais recente, entre 2003 e 2010, a média anual caiu para 5,7%. Porém, nos 4 meses que antecederam o Plano Collor (dez/89 a mar/90), a inflação acumulada superou a marca de 700%. Apenas nos 31 dias daquele março ela foi de 82%. Já nos 12 meses que antecederam ao Plano Real, a inflação acumulada foi superior a 5.000%. Realmente, a diferença para os tempos atuais é enorme e significativa!
Por mais contraditório que possa parecer, o fenômeno da inflação é carregado de forte abstração. Ou melhor, encerra em si mesmo uma contradição: o elemento real/concreto, ao mesmo tempo em que explicita um aspecto ideal/abstrato. O concreto refere-se ao efeito gerado pelo crescimento dos preços em si mesmo, à capacidade de transformar o montante da moeda em mercadoria, ao volume das compras que podem ser efetuadas a cada momento com aqueles recursos. É a sensação bem objetiva que a sabedoria popular denomina como “sentir no próprio bolso” as conseqüências da inflação. É palpável, é real. Os preços do pão, do leite, do ônibus, da gasolina, da batata, do tomate, do telefone, da televisão, do aluguel sobem. Tudo aumenta de preço. E, mais uma vez, a sabedoria popular explica melhor com a imagem da “falta de salário no final do mês”.
No entanto, a inflação é também sintetizada por um número, por um índice. E tal movimento implica um elevado grau de abstração. Na verdade, busca-se a síntese de um fenômeno generalizado de elevação de preços no conjunto da economia para algo que se expressa sob a forma de um x % ao ano, de um y % ao mês e, às vezes, até mesmo de um z % ao dia. E aqui reside um aspecto essencial: esse de conglomerar, adensar num único número um fenômeno carregado de significados que tangenciam o econômico, o social, o cultural.
O fato é que cada indivíduo, cada família ou cada empresa apresenta um padrão de consumo diferenciado. E isso também varia de acordo com as características regionais (a cesta de consumo de uma família no Sul ou no Nordeste), com as características de renda (padrão de consumo da chamada classe A versus a classe C, por exemplo), com o tipo de empresa considerada (compradora de matérias-primas, mais intensiva em capital ou trabalho, etc). E a lista das diferenças é praticamente inesgotável: moradia própria ou pagamento aluguel; veículo próprio ou uso de transporte público; família morando em ambiente urbano ou rural; consumo nas regiões metropolitanas das capitais ou em pequenos municípios do interior; matrícula dos filhos em escola pública ou privada; uso de serviços de saúde do SUS ou pagamento de plano de saúde privado; etc, etc, etc.
Assim, quando se depara com o número “oficial” da inflação do período, cada agente econômico vai se sentir mais ou menos identificado com aquela referência. Exatamente por ser uma média, tal índice opera como se fosse uma abstração. Para tentar mapear o comportamento de forma mais específica e detalhada, aos poucos foi sendo desenvolvido um conjunto amplo de indicadores que buscam dar conta de tal diversidade de situações. E quem se atrever a correr atrás vai se deparar com uma verdadeira sopa de letrinhas, tanto para as siglas dos índices (em geral começam com a letra “I”...) como para as instituições que os elaboram. Alguns exemplos:
INPC (IBGE) – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (1 a 6 salários mínimos)
IPC (FIPE/USP) – Índice de Preços ao Consumidor – município de São Paulo
IPC (FGV) – Índice de Preços ao Consumidor
IPC - S ( FGV) – Índice de Preços ao Consumidor - semanal
IPCA (IBGE) – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (1 a 40 salários mínimos)
IPCA – 15 (IBGE) - Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (entre dias 15 de cada mês)
IGP - DI (FGV) – Índice Geral de Preços - disponibilidade interna
IGP - M ( FGV) - Índice Geral de Preços - mercado
ICV - SP (DIEESE) – Índice de Custo de Vida – município de São Paulo.
INCC (FGV) – Índice Nacional da Construção Civil
IPA (FGV) - Índice de Preços por Atacado
IPA - M (FGV) - Índice de Preços por Atacado - mercado
Como a apuração de cada índice resulta em um número diferente para a inflação do período, dependendo do indicador utilizado há perdas ou ganhos relativos. É conhecido o fato dos contratos das prestadoras de serviços públicos pós privatização terem sido reajustados pelo IGP-M, que apurava índices mais elevados do que a inflação oficial e dos reajustes salariais. Resultado: transferência de renda da maioria da população para um grupo restrito de empresas privadas.
Uma sofisticação importante foi a elaboração dos índices que incorporam os produtos importados e a pesquisa dos preços no atacado. Assim, por exemplo, pode-se avaliar se a inflação em um certo momento tem determinantes externos importantes, como a alta no preço do petróleo, do minério de ferro, da soja e outras bens chamados “commodities” no mercado internacional, sobre os quais a demanda brasileira não tem nenhuma capacidade de atuar – a não ser por meio da taxa de câmbio. Ou então, pode-se captar alguma tendência de elevação futura quando os preços no atacado apresentam alta. Isso significa que os insumos serão processados ou os estoques vendidos já num patamar de preços mais elevado, quando chegarem na ponta para o consumidor final.
E as diferenças continuam: a FGV divulgou que o IGP-DI para 2010 ficou em 11,3%. Mas a o IBGE informou que a inflação medida pelo IPCA para o mesmo período ficou em 5,9%. Por um lado, mais perdas para quem vive da remuneração de seu trabalho. Por outro, maior pressão do mundo financeiro sobre o governo para aumentar a taxa de juros na reunião do COPOM.
E termino com a pergunta que não quer calar: mas afinal, no frigir dos ovos, qual foi mesmo a inflação do Brasil ao longo do ano passado?
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Nos próximos dias 18 e 19 de janeiro reúne-se a diretoria do Banco Central, sob a presidência de Alexandre Tombini, para realizar o primeiro encontro do Comitê de Política Monetária (COPOM) no mandato da Presidenta Dilma. Como ocorre em todo evento a cada 45 dias, figura em pauta a definição da taxa oficial de juros - a SELIC, atualmente no patamar de 10,75% ao ano.
O mercado financeiro está em plena agitação, como sempre. Mas as apostas agora ganham em expectativa, uma vez que existe uma incerteza generalizada quanto à capacidade de Dilma Roussef manter seu compromisso à época da campanha eleitoral de reduzir a taxa de juros vigente em nosso País e trazê-la para níveis mais, digamos assim, “civilizados”... Ou seja, os desejos pesados do capital financeiro se manifestam por meio da divulgação de consultas e relatórios de empresas e indivíduos que têm interesse na continuidade dessa política monetária irracional e irresponsável. Para um leitor desatento das páginas de economia dos grandes meio de comunicação, aparece como um consenso generalizado a “necessidade inescapável” de, mais uma vez, aumentar a taxa oficial de juros.
O argumento evocado pelos agentes que operam no mercado financeiro é o de sempre: os riscos apresentados pelas informações disponíveis a respeito da economia de que a meta de inflação anual escape do controle governamental. Não custa aqui recordar alguns elementos básicos para compreender a essência de tal raciocínio. O regime atual de estabilidade macroeconômica pressupõe a existência de uma meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) . Hoje em dia ela está fixada em 4,5% ao ano, com uma margem de tolerância de 2% para cima ou para baixo. Ou seja, enquanto a inflação estiver situada entre 2,5% e 6,5% ao ano, a situação estaria dentro do intervalo esperado. Assim, caso haja uma tendência de elevação dos preços superior a tal meta anual, a solução usada até o momento tem sido, fundamentalmente, a de aumentar a taxa SELIC, de forma a promover uma elevação generalizada dos juros na economia e se obter como resultado uma redução no volume de consumo agregado, do conjunto da sociedade.
Mas afinal, por que tanta preocupação assim com a inflação, poderão perguntar alguns? Pois é, a coisa é mais complicada do que aparenta. Vamos aos poucos. De acordo com os dados preliminares do Censo 2010, a nossa pirâmide populacional apresenta por volta de 26% de pessoas com até 16 anos de idade. Isso significa dizer que 50 milhões de brasileiros, do total de 191 milhões, nasceram após 1994. A conclusão é que aproximadamente 1 em cada 4 brasileiros nasceu após o advento do Plano Real. Trata-se de uma parcela importante de nossa gente, para quem a normalidade cultural e comportamental inclui o sentido de viver em um ambiente social e econômico de preços estáveis. Para essa geração, inflação baixa e sob controle é o padrão. Porém, são crianças e jovens adolescentes, a grande maioria deles ainda dependentes dos pais e da família para efeito de assegurar a renda para a sobrevivência e o consumo.
Já os demais 141 milhões de indivíduos experimentaram, de uma forma ou outra, os períodos anteriores ao Plano Real e sentiram em sua própria pele os efeitos perversos de viver em um ambiente de preços em constante elevação acelerada e mesmo de hiperinflação. A história é longa e tortuosa – fiquemos nas últimas 5 décadas. Depois do golpe militar de 1964, a reforma monetária de 1967, com a perda de 3 zeros do “cruzeiro” da época e a criação da nova moeda - o “cruzeiro novo” ( na verdade, as cédulas antigas ganharam um carimbo com o novo valor e novo nome). Logo após, em 1970 o “cruzeiro novo” ganha cédula nova e vira simplesmente “cruzeiro”. Em 1986, após 16 anos de inflação elevada e perda do valor da moeda, o Plano Cruzado cria a moeda de mesmo nome – o “cruzeiro” perdia 3 zeros e cada 1.000 “cruzeiros” passavam a valer 1 “cruzado”. Em 1989, nova reforma monetária e cada 1.000 unidades do recente “cruzado” passavam a valer 1 ”cruzado novo”, nova moeda criada naquele momento. Pouco mais de um ano depois, no início de 1990, com o Plano Collor, a reforma monetária reintroduz o nome “cruzeiro” para a nossa moeda, sem perdas de zeros. E em agosto de 1993, o então recente “cruzeiro” vê-se transformado em “cruzeiro real”, para logo em seguida efetivar-se a transformação no nosso atual “real” por meio das tabelas de conversão da Unidade Real de Valor (URV). Ufa!
Ora, é mais do que compreensível o receio da maioria da população com relação a eventual volta aos cenários pré 1994. Quem viveu sob a égide do crescimento diário dos preços e sofreu as conseqüências de tal processo reconhece a importância do ambiente de estabilidade de preços.
Principalmente, aqueles que vivem de remuneração de seu próprio trabalho ou de aposentadoria e têm menor capacidade de se proteger da perda contínua do valor monetário do dinheiro guardado fora da esfera financeira.
Apenas a título de comparação: entre 1995 e 2010, a média da inflação oficial (IPCA) foi de 7,6% ao ano. No período mais recente, entre 2003 e 2010, a média anual caiu para 5,7%. Porém, nos 4 meses que antecederam o Plano Collor (dez/89 a mar/90), a inflação acumulada superou a marca de 700%. Apenas nos 31 dias daquele março ela foi de 82%. Já nos 12 meses que antecederam ao Plano Real, a inflação acumulada foi superior a 5.000%. Realmente, a diferença para os tempos atuais é enorme e significativa!
Por mais contraditório que possa parecer, o fenômeno da inflação é carregado de forte abstração. Ou melhor, encerra em si mesmo uma contradição: o elemento real/concreto, ao mesmo tempo em que explicita um aspecto ideal/abstrato. O concreto refere-se ao efeito gerado pelo crescimento dos preços em si mesmo, à capacidade de transformar o montante da moeda em mercadoria, ao volume das compras que podem ser efetuadas a cada momento com aqueles recursos. É a sensação bem objetiva que a sabedoria popular denomina como “sentir no próprio bolso” as conseqüências da inflação. É palpável, é real. Os preços do pão, do leite, do ônibus, da gasolina, da batata, do tomate, do telefone, da televisão, do aluguel sobem. Tudo aumenta de preço. E, mais uma vez, a sabedoria popular explica melhor com a imagem da “falta de salário no final do mês”.
No entanto, a inflação é também sintetizada por um número, por um índice. E tal movimento implica um elevado grau de abstração. Na verdade, busca-se a síntese de um fenômeno generalizado de elevação de preços no conjunto da economia para algo que se expressa sob a forma de um x % ao ano, de um y % ao mês e, às vezes, até mesmo de um z % ao dia. E aqui reside um aspecto essencial: esse de conglomerar, adensar num único número um fenômeno carregado de significados que tangenciam o econômico, o social, o cultural.
O fato é que cada indivíduo, cada família ou cada empresa apresenta um padrão de consumo diferenciado. E isso também varia de acordo com as características regionais (a cesta de consumo de uma família no Sul ou no Nordeste), com as características de renda (padrão de consumo da chamada classe A versus a classe C, por exemplo), com o tipo de empresa considerada (compradora de matérias-primas, mais intensiva em capital ou trabalho, etc). E a lista das diferenças é praticamente inesgotável: moradia própria ou pagamento aluguel; veículo próprio ou uso de transporte público; família morando em ambiente urbano ou rural; consumo nas regiões metropolitanas das capitais ou em pequenos municípios do interior; matrícula dos filhos em escola pública ou privada; uso de serviços de saúde do SUS ou pagamento de plano de saúde privado; etc, etc, etc.
Assim, quando se depara com o número “oficial” da inflação do período, cada agente econômico vai se sentir mais ou menos identificado com aquela referência. Exatamente por ser uma média, tal índice opera como se fosse uma abstração. Para tentar mapear o comportamento de forma mais específica e detalhada, aos poucos foi sendo desenvolvido um conjunto amplo de indicadores que buscam dar conta de tal diversidade de situações. E quem se atrever a correr atrás vai se deparar com uma verdadeira sopa de letrinhas, tanto para as siglas dos índices (em geral começam com a letra “I”...) como para as instituições que os elaboram. Alguns exemplos:
INPC (IBGE) – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (1 a 6 salários mínimos)
IPC (FIPE/USP) – Índice de Preços ao Consumidor – município de São Paulo
IPC (FGV) – Índice de Preços ao Consumidor
IPC - S ( FGV) – Índice de Preços ao Consumidor - semanal
IPCA (IBGE) – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (1 a 40 salários mínimos)
IPCA – 15 (IBGE) - Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (entre dias 15 de cada mês)
IGP - DI (FGV) – Índice Geral de Preços - disponibilidade interna
IGP - M ( FGV) - Índice Geral de Preços - mercado
ICV - SP (DIEESE) – Índice de Custo de Vida – município de São Paulo.
INCC (FGV) – Índice Nacional da Construção Civil
IPA (FGV) - Índice de Preços por Atacado
IPA - M (FGV) - Índice de Preços por Atacado - mercado
Como a apuração de cada índice resulta em um número diferente para a inflação do período, dependendo do indicador utilizado há perdas ou ganhos relativos. É conhecido o fato dos contratos das prestadoras de serviços públicos pós privatização terem sido reajustados pelo IGP-M, que apurava índices mais elevados do que a inflação oficial e dos reajustes salariais. Resultado: transferência de renda da maioria da população para um grupo restrito de empresas privadas.
Uma sofisticação importante foi a elaboração dos índices que incorporam os produtos importados e a pesquisa dos preços no atacado. Assim, por exemplo, pode-se avaliar se a inflação em um certo momento tem determinantes externos importantes, como a alta no preço do petróleo, do minério de ferro, da soja e outras bens chamados “commodities” no mercado internacional, sobre os quais a demanda brasileira não tem nenhuma capacidade de atuar – a não ser por meio da taxa de câmbio. Ou então, pode-se captar alguma tendência de elevação futura quando os preços no atacado apresentam alta. Isso significa que os insumos serão processados ou os estoques vendidos já num patamar de preços mais elevado, quando chegarem na ponta para o consumidor final.
E as diferenças continuam: a FGV divulgou que o IGP-DI para 2010 ficou em 11,3%. Mas a o IBGE informou que a inflação medida pelo IPCA para o mesmo período ficou em 5,9%. Por um lado, mais perdas para quem vive da remuneração de seu trabalho. Por outro, maior pressão do mundo financeiro sobre o governo para aumentar a taxa de juros na reunião do COPOM.
E termino com a pergunta que não quer calar: mas afinal, no frigir dos ovos, qual foi mesmo a inflação do Brasil ao longo do ano passado?
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