sábado, 6 de novembro de 2010

Os lucros da mídia na eleição dos EUA

Reproduzo artigo de Amy Goodman, apresentador do programa de TV Democracy Now!, publicado no sítio da Adital:

Ao encerrar as eleições na metade do mandato nos Estados Unidos, o maior ganhador ainda não foi declarado, a saber: os grandes meios de comunicação. Enquanto isso, o maior perdedor tem sido a democracia. Essas foram as eleições legislativas de metade do mandato mais caras na história dos Estados Unidos: custaram quase quatro bilhões de dólares, dos quais três bilhões foram gastos em publicidade.

Pergunto-me o que aconteceria se o tempo publicitário para as campanhas fosse gratuito. Não se escuta debates sobre isso porque as corporações que manejam os meios massivos de comunicação obtêm imensos lucros com os avisos publicitários das campanhas políticas. No entanto, as ondas radioelétricas que os meios utilizam para emitir seus sinais são públicas.

Isso me recorda o livro escrito em 1999 pelo especialista em meios de comunicação Robert McChesney: "Rich Media, Poor Democracy" (Meios ricos, democracia pobre). Em seu livro, McChesney escreve: "Os meios têm pouco incentivo para oferecer cobertura aos candidatos já que é de seu interesse forçá-los a publicizar suas campanhas".

O grupo de investigação Wesleyan Media Project, da Universidade Wesleyana, faz um acompanhamento da publicidade política. Após a recente sentença da Corte Suprema no caso "Citizens United contra a Comissão Federal Eleitoral", através do qual as grandes corporações estão autorizadas a destinar somas ilimitadas de dinheiro à campanha publicitária dos candidatos, o projeto chama a atenção para "que o tempo nos meios destinado à publicidade está cheio de anúncios relacionados à Câmara de Representantes e ao Senado, ocupando de 20 até 79%, respectivamente, do total do tempo no ar".

Evan Tracey, fundador e presidente do grupo de análises de campanhas publicitárias Campaign Media Analysis Group, predisse, no passado mês de julho, ao jornal USA Today que: "haverá mais dinheiro do que espaço publicitário para comprar". Por outro lado, John Nichols, do semanário The Nation, comentou que nos amáveis primeiros tempos da publicidade política televisiva, os canais de TV nunca teriam emitido o aviso a favor de um candidato a continuação de um aviso publicitário contra esse mesmo candidato. Porém, não estão levando em consideração o patrimônio ligado aos grandes meios. Bem vindos ao "mundo feliz" das campanhas de bilhões de dólares.

No passado, houve tentativas de regular o uso das ondas radioelétricas para que estejam a serviço da população durante as eleições. Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa foi o que se conhece como "Reforma do financiamento das campanhas eleitorais, de McCain Feingold". Durante o debate sobre essa histórica legislação, tanto os democratas quanto os republicanos fizeram referência ao problema das exorbitantes taxas de publicidade televisiva. O Senador republicano por Nevada, John Ensign, se lamentava: "As emissoras não queriam nem pensar nas campanhas eleitorais porque era o momento do ano em que ganhavam menos dinheiro devido à baixa taxa unitária paga durante esse período. Agora, é um de seus momentos preferidos, já que, de fato, é um dos momentos do ano com mais ampla margem de lucro".

Finalmente, para que o projeto de lei fosse aprovado, omitiram-se as cláusulas referentes ao "tempo público de ar".

A sentença no caso de Citizens United neutraliza eficazmente a reforma do financiamento das campanhas, de McCain-Feingold. Nem podemos imaginar o que será gasto nas eleições presidenciais de 2012. O Senador por Wisconsin, Russ Feingold, perdeu a oportunidade de ser reeleito em sua disputa contra o praticamente autofinanciado multimilionário Ron Johnson. O editorial do Wall Street Journal celebrou a esperada derrota de Feingold. O jornal pertence à corporação News Corp, de Rupert Murdoch, que também é proprietária da cadeia de TV Fox e que doou quase dois milhões de dólares à campanha dos republicanos.

"As eleições converteram-se em um bem comercial, um centro de lucros para essas rádios e canais de TV", me disse no dia das eleições Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato a presidente. Disse-me também: "As ondas públicas, como sabemos, pertencem ao povo. O povo é o proprietário e as cadeias de rádio e TV são as titulares das licenças para usar essas ondas, digamos que são como inquilinos. No entanto, para obter sua habilitação anual, não pagam nada à Comissão Federal de Comunicações. Assim, seria bastante persuasivo, se tivéssemos políticas públicas que impusessem módicas condições para obter a habilitação que permite a essas cadeias de rádio e TV aceder ao imensamente lucrativo controle das ondas públicas 24 horas por dia, poderíamos dizer-lhes que, como parte do intercâmbio por controlar esses bens comuns, de alguma maneira deveriam destinar certa quantidade de tempo, tempo gratuito, na rádio e na TV aos candidatos eleitorais".

Esse tema deveria ser debatido nos grandes meios de comunicação, dado que, através deles, a maioria da população estadunidense obtém informação. Porém, as emissoras de rádio e TV têm um profundo conflito de interesses. Em sua ordem de prioridades, seus lucros vêm antes que nosso processo democrático. Certamente, não ouviremos falar desse tema nos programas de entrevistas políticas dos domingos pela manhã.

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A mídia e a agenda do novo governo

Reproduzo artigo de Gilberto Maringoni, publicado no sítio Carta Maior:

Muito mais do que a candidatura José Serra e sua coalizão demotucana, a derrotada destas eleições foi a grande mídia. Ou o verdadeiro partido de oposição no Brasil. Não falamos aqui de intrincados conceitos gramscianos, mas das reflexões de Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Segundo ela, à falta de uma oposição estruturada no país, a imprensa deve cumprir tal papel. Não é à toa que sustentou José Serra desde o primeiro momento.

Pois a mídia brasileira, mesmo derrotada, não passa recibo. Já está de armas e bagagens empenhada no terceiro turno: a definição da agenda do governo Dilma.

Logo no domingo à noite, mal anunciados os resultados eleitorais, comentaristas revezavam-se diante de câmeras e microfones para alertar o país sobre a necessidade de um duro ajuste fiscal, de uma reforma da Previdência, de restrições a reajustes salariais e de redução da “gastança” governamental. Um saco de maldades estaria à caminho.

Iniciativa perdida

A imprensa brasileira tenta retomar a iniciativa política, perdida nos últimos anos. Apostou contra os interesses nacionais nos enfrentamentos que o Brasil teve na política externa, tentou desmoralizar o presidente da República e demonizar demandas populares. Ela está no seu direito. A novidade é que agora a mídia enfrenta não apenas uma disseminação infindável de pequenos concorrentes pela internet, mas uma repulsa nacional às diretrizes liberais e privatistas que apoiou em tempos recentes.

A imprensa é personagem das disputas políticas. Mais importante do que “fazer a cabeça das pessoas”, ela busca apontar os assuntos sobre os quais as pessoas devem pensar. Essa é a base da Teoria do Agendamento – ou “Agenda setting”, em bom português – formulada nos anos 1970 por dois pesquisadores norteamericanos, Maxwell Mc Combs e Donald Shaw. Funciona mais ou menos assim: uma hora é o mensalão, outra é o suposto caso do vazamento de dados, mais adiante são as polêmicas religiosas e por aí vai. São firulas do varejo político pré eleitoral. O que faziam anteriormente era estabelecer as normas do grande debate de rumos para o país.

O mecanismo funcionou bem até 2006. No primeiro mandato de Lula, com a inestimável colaboração de setores ultraliberais do governo, representados pelos ministros Antonio Palocci, Paulo Bernardo e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a mídia e os setores por ela articulados impuseram uma grande pauta continuísta. Com a situação de desarranjo geral na economia, legado pelo governo FHC, os meios de comunicação viram suas diretrizes vencerem ao longo de quase todo o primeiro quadriênio petista, a ponto de o ajuste fiscal realizado em 2003 ter sido o mais duro desde 1990.

Após a crise política de 2005 e com uma evidente melhoria no quadro internacional, dois postos-chave da administração pública foram mudados, a Fazenda e a Casa Civil. Assumiram suas cadeiras Guido Mantega e Dilma Rousseff. Aos poucos saiu de cena a pauta liberal e tomou corpo uma orientação desenvolvimentista, cujo primeiro esboço foram os maciços investimentos estatais sintetizados na primeira versão do PAC. Uma nova agenda então se consolidou, a do desenvolvimento.

Quem dá o tom

Agendas políticas não são estipuladas apenas pelos governos, mas fazem parte da disputa pela hegemonia na sociedade. Impõe agenda quem tem força e iniciativa política.

Assim, a pauta do início dos anos 1980 não foi obra da ditadura, que vivia seus estertores. A orientação democrática tomou corpo de fora para dentro do governo, pelos partidos de oposição e pelos movimentos sociais, que exigiam o fim do regime de exceção. Da mesma forma, na segunda metade daquela década, a discussão central tinha como eixo norteador a questão do Estado.

Os embates oriundos da sociedade se cristalizaram na Assembleia Constituinte, em 1988, após acirradas contendas realizadas na fase terminal dos governos militares e no epílogo do longo ciclo desenvolvimentista, observado entre 1930 e 1980.

A partir de 1990, com as vitórias de Fernando Collor e de Fernando Henrique, a agenda foi imposta a partir de cima. Com um país traumatizado por quase uma década de inflação descontrolada, a estabilidade ganhou o centro do palco, tendo como decorrência uma redefinição do papel do Estado, via privatizações e financeirização da economia.

A história posterior é conhecida. O modelo liberal se esgotou em 2005.

O desenvolvimentismo destes últimos cinco anos foi marcado por uma forte característica social. Na maior parte da América do Sul se deu algo semelhante. A erradicação da pobreza ganhou relevância.

Nova década

Qual seria uma agenda viável para esta nova década, que fortaleceria a organização da sociedade e suplantaria os interesses das elites, vocalizadas pela mídia?

Há várias. Um ponto parece ter maioria na coalizão da presidenta Dilma Rousseff: o desenvolvimento continua. Mas há um fator que precisa também estar no centro dos debates: o papel das comunicações em nossa sociedade.

A pergunta é: há possibilidade de o Brasil construir um projeto nacional e democrático de desenvolvimento com uma indústria midiática antidemocrática, elitista, excludente e monopolizada, que tenta se legitimar como esfera pública e lócus essencial da definição de rumos para o país?

As entidades populares, os partidos democráticos e incontáveis ativistas sociais já têm um ponto de partida para entrarem nessa conversa. Trata-se das resoluções da I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009. Um tento histórico! Algumas das bandeiras lá definidas começam a se tornar realidade. Assembleias Legislativas de vários estados começam a construir Conselhos Estaduais de Comunicação. O governo Lula deu início ao Plano Nacional de Banda Larga para fazer frente à falta de investimentos das empresas privadas do setor. O IPEA realizará, no final de novembro, em Brasília, a Conferência do Desenvolvimento, na qual o tema comunicação terá espaço destacado (ver em www.ipea.gov.br).

Ninguém quer tolher a livre circulação de informações e impor a censura. A não ser a grande mídia brasileira, que tenta a todo custo, sufocar e colocar uma mordaça esse saudável debate que não tem como ser interrompido.

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