Reproduzo abaixo entrevista com Luis Fernando Veríssimo - cronista, romancista, novelista, quadrinista, saxofonista e tantas outras coisas criativas -, concedida ao jornalista Ayrton Centeno, do sítio Brasília Confidencial. Frasista brilhante – “às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data” -, Veríssimo espinafra o antilulismo da mídia brasileira. A entrevista é imperdível:
BC: Hoje, no Brasil, a mídia enxerga um país totalmente diferente daquele que a maioria da população vê. Enquanto a grande imprensa, pessimista, trabalha sobre uma paleta de escândalos, a população, otimista, toca a sua vida de modo mais tranquilo. Que país o Sr. vê?
Luís Fernando Veríssimo – A imprensa cumpre o seu papel fiscalizador, mas não há dúvida que, com algumas exceções, antipatiza com o Lula e com o PT. Acho que os historiadores do futuro terão dificuldade em entender o contraste entre essa quase-unânime reprovação do Lula pela grande imprensa e sua também descomunal aprovação popular. O que vai se desgastar com isto é a idéia da grande imprensa como formadora de opinião.
BC: A grande imprensa enaltece a diversidade de opiniões, mas, curiosamente, os principais jornais do Brasil têm a mesma opinião sobre os mesmos assuntos. Este pensamento único não compromete uma pluralidade de opiniões que a mídia costuma defender quando não está olhando para si própria?
LFV: O irônico é que hoje existem menos alternativas à imprensa “oficial” do que existia nos tempos da censura. Mas as alternativas existem, e o tal pensamento único não é imposto, mas decorre de uma identificação dos grandes grupos jornalísticos do país com alguns princípios, como o da economia de mercado, o governo mínimo, etc.
BC: O senhor defende na sua coluna a reforma agrária e questiona a criminalização dos movimentos sociais. Não se sente muito solitário na mídia tratando desses temas?
LFV: Meus palpites não são muito consequentes. Acho que me toleram como a um parente excêntrico.
BC: Todas as pesquisas indicam a queda da circulação dos grandes diários dentro e fora do Brasil. Com uma longa trajetória no jornalismo, como percebe esta queda persistente, que expressa também o afastamento de uma geração do hábito de ler jornais? E como acompanha o trânsito de boa parte do público para a internet?
LFV: Quem é viciado em jornal e revista como eu só pode lamentar que a era da letrinha impressa esteja chegando ao fim, como anunciam. Mas este é um preconceito como qualquer outro. Mesmo mudando o veículo ainda existirá o texto, e um autor. Vou começar a me preocupar quando o próprio computador começar a escrever.
BC: Atribui-se a um advogado famoso, dono de clientela de altíssimo poder aquisitivo, uma reação irada ao saber que seu cliente endinheirado fora preso: “O que é isso? No Brasil só vão presos os três Ps: preto, puta e pobre!”, reagiu indignado. Estamos no século 21, mas as elites parecem continuar no 19. Acredita que vá ver isto mudar?
LFV: As nossas elites não mudaram muito desde D. João VI. Vamos lhes dar mais um pouco de tempo.
BC: A atual política externa do Brasil, mais independente, colabora de alguma maneira para mudar este comportamento?
LFV: A política externa independente é uma das coisas positivas deste governo. Embora o pragmatismo excessivo possa levar a uma tolerância desnecessária com bandidos, às vezes.
BC: O escritor argentino Jorge Luís Borges dizia que a única notícia realmente nova em toda a sua vida foi a chegada do homem à Lua. O resto já tinha acontecido antes de uma ou outra forma. O que o surpreendeu, além disso? Borges tinha razão?
LFV: O sistema GPS. Finalmente, uma voz vinda do alto para guiar os nossos passos.
BC: Em que trabalha no momento ou pretende trabalhar? De outra parte, o que acha dos e-books?
LFV: Acabei de lançar um romance, chamado Os Espiões. Não tenho outro romance planejado no momento. Devem sair um livro para público juvenil, um de quadrinhos e um sobre futebol este ano, mas não sei bem quando. Quanto aos e-books, só vou aceitar quando tiverem cheiro de livro.
BC: Teremos eleições em 2010 e o governo Lula opera na proposta de um pleito plebiscitário – Nós x Eles – contrapondo os oito anos do PT contra os oito anos do PSDB. Se fosse fazer esta comparação o que diria?
LFV: De certo modo, este governo continuou o outro. E vou votar para que o próximo continue este.
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sábado, 13 de março de 2010
Modismos e repetecos da mídia
Reproduzo artigo do amigo Artur Araújo, publicado no jornal Página 13:
A cobertura jornalística do IV Congresso do PT, cometida pelos principais veículos de comunicação, foi impedida, pelos fatos, de bater nas gastas teclas da ”divisão interna petista”, da “incapacidade de gestão” ou da “ética perdida” (afinal, em tempos de panetones, parece que essa pauta não é tão atrativa...). Resolveu, então, defender a “modernidade”.
Ignorando a profunda crise mundial provocada pelo modo neoliberal de gestão do capitalismo – crise que só não se agrava ainda mais pela gigantesca injeção de recursos financeiros públicos e pela aberta intervenção estatal nos mercados – elegeram o “estatismo” como centro de seu ataque ao partido e à sua pré-candidata.
“Todos os adversários do totalitarismo devem ser unir na luta contra o que consideramos uma nova forma implacável de capitalismo: a estatização, em que os técnicos, os burocratas e os políticos profissionais se apossam do Estado como sua propriedade privada, metamorfoseando-se numa nova casta social mais dominante. Mais perigosa de que o fascismo e o comunismo é a abdicação da responsabilidade de cada cidadão, pelo constante apelo ao Estado-providencial, ao Estado-pai-de-todas-as-coisas.”
Você está tentando se lembrar do jornal, revista ou emissora em que viu ou ouviu isso? Precisa ter, no mínimo, uns 70 anos: são trechos do manifesto do “Movimento Renovador” (sic), lançado em novembro de 1946, por Carlos Lacerda, da UDN, entre outros antivarguistas, o mesmo cavalheiro que, alguns anos depois, afirmava que “o sr. Getúlio Vargas não pode ser eleito; se eleito, não deve tomar posse; se empossado, não pode governar; se governar, deve ser deposto”.
A UDN fazia a seguinte avaliação das vitórias eleitorais de Dutra, Vargas e Juscelino: “uma boa parte da população se acha ainda bem distante do elevado nível de educação política que a prática de um verdadeiro regime democrático pressupõe. O povo mostrou-se despreparado para o exercício do voto e não consegue distinguir o homem público autêntico do demagogo vulgar”. Apoiaram Jânio Quadros nas eleições de 1960.
A pretexto de indicar à opinião pública “caminhos modernos” para o país – que teriam no PT e seus aliados o maior obstáculo de aplicação – a dita mídia retorna à defesa de proposições que décadas de experiência demonstram ser a rota mais eficaz para conduzir a nação ao atraso, ao crescimento da desigualdade, ao baixo desenvolvimento e à redução da democracia.
Que nada têm de jornalísticas as matérias sobre o IV Congresso não é novidade: há muito que os grandes meios de comunicação no Brasil transmutaram-se em principal partido político de oposição ao governo federal e ao povo, com a enorme vantagem de não estarem submetidos nem à legislação eleitoral, nem ao direito de contraditório, nem ao respeito à realidade. O que chama atenção, no entanto, é o quanto é mofada e falaciosa a linha que adotam.
Ao longo do período republicano, todos os ciclos longos de desenvolvimento econômico no Brasil, sem exceção, acompanhados ou não por redução das desigualdades, ocorreram com uma forte presença do Estado, fosse como indutor, fosse via a combinação da indução com investimento direto. Em todos os períodos em que se reduziu o papel estatal, nosso país viveu a estagnação e caiu muito a participação dos menos ricos na renda nacional. Minimizar a presença do Estado sempre significou o aprofundamento da dependência externa, a baixa diversificação agrícola e industrial, a carência tecnológica, a concentração da renda e da propriedade, o agravamento das disparidades regionais, o desmonte dos serviços públicos essenciais, particularmente os de educação e saúde.
Os bravos arautos do mercado liberto sabem perfeitamente disso. Fazem de conta que desconhecem a história e os fatos para dar voz às opções pela dependência econômica estrita em relação ao grande capital internacional e por um modelo interno de atendimento exclusivo dos setores agrário-monocultor, minerador e financeiro, prescindindo do consumo interno, das famílias, como centro de geração de lucros.
É um projeto de capitalismo para pouquíssimos, que elimina do cenário a formação de um parque produtivo próprio, que rebaixa as condições de desenvolvimento científico e tecnológico, que associa baixos salários à ausência de serviços públicos, que só viabiliza a criação de infraestruturas de saneamento, habitação, transportes, energia e comunicações para uns poucos bolsões privilegiados ao longo do território nacional.
A proposição explícita de um programa como esse seria, todavia, um suicídio político. Afastaria, até, uma parte significativa dos capitalistas brasileiros, que têm, nos últimos anos, vivido a coleta de ótimas taxas de lucro, resultantes do desenvolvimento de um forte mercado interno de massas e de uma inserção soberana nas transações internacionais. Daí porque levantam as assombrações do “estatismo” e do “autoritarismo” para, pelo terror e pela enganação, eximirem-se de dizer às claras a que se propõe.
Dilma Rousseff, em sua intervenção no IV Congresso, e em declarações posteriores, demonstrou claramente que não vai cair na armadilha espertalhona da imprensa e que não marcará sua campanha à Presidência por uma discussão abstrata entre mercado e Estado. O que colocará para a escolha dos eleitores serão dois modos muito distintos de conduzir o Brasil. Há uma pergunta-chave que fará aos brasileiros: queremos inserir e enriquecermo-nos ou preferirmos excluir e empobrecer?
O programa do PT e de seus aliados tem como traço definidor a inclusão. A inclusão das grandes maiorias no acesso ao consumo, a melhores condições de vida, ao mundo da educação, da cultura e do bem-estar. A inclusão das empresas nacionais como as principais fornecedoras de um enorme mercado interno. A inclusão do Brasil como um agente firme e dinâmico no comércio mundial.
O programa dos grandes veículos de comunicação, é seu exato oposto: recusa a formação do mercado interno, rejeita a industrialização e a expansão de infraestrutura, contenta-se com um papel internacional em que substitui o café de seus avós por um bocadito de soja e ferro e um bocadão de taxas de juros.
O que as folhas e os globos, porém, ocultarão ainda mais decididamente é a razão de fundo de sua escolha de programa para o Brasil. Não se trata de um mero apetite pela injustiça social, ainda que uma parcela significativa de seus agentes e apoiadores não consiga se ver habitando o que não seja uma casa-grande. Não se trata, exclusivamente, de servir ao Império, ainda que muitos deles tenham a cabeça em Miami e os bolsos na senzala.
O redesenho do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, de acordo com o concebido e executado pelos governos Lula e Dilma, significa, no médio e longo prazos, a constituição de bases materiais, culturais, políticas e ideológicas para a superação do neoliberalismo, a forma hegemônica concreta que hoje organiza o capital em escala mundial. O sucesso na construção de uma sociedade de massas, essencialmente democrática, fortemente nacional, radicalmente popular e includente, em um país com as características geopolíticas do nosso, é capaz de provocar graves abalos no arranjo imperial e na credibilidade de doutrinas como a do fim-da-história e a da inexorável derrota das idéias de solidariedade, participação, coletividade e socialização.
Os dedicados asseclas dos Marinhos, Frias, Civitas e Mesquitas, os reais dirigentes do demo-tucanato, recorrem, sôfregos, ao modismo do mercado-senhor-da-razão para operar seu inconfessável repeteco: não podem permitir aos brasileiros a edificação dos alicerces de uma sociedade que venha a superar a exclusão, que confronte a lógica monolítica do lucro e da propriedade e que tenha nas maiorias, no povo, o seu centro dinâmico e sua razão de ser.
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A cobertura jornalística do IV Congresso do PT, cometida pelos principais veículos de comunicação, foi impedida, pelos fatos, de bater nas gastas teclas da ”divisão interna petista”, da “incapacidade de gestão” ou da “ética perdida” (afinal, em tempos de panetones, parece que essa pauta não é tão atrativa...). Resolveu, então, defender a “modernidade”.
Ignorando a profunda crise mundial provocada pelo modo neoliberal de gestão do capitalismo – crise que só não se agrava ainda mais pela gigantesca injeção de recursos financeiros públicos e pela aberta intervenção estatal nos mercados – elegeram o “estatismo” como centro de seu ataque ao partido e à sua pré-candidata.
“Todos os adversários do totalitarismo devem ser unir na luta contra o que consideramos uma nova forma implacável de capitalismo: a estatização, em que os técnicos, os burocratas e os políticos profissionais se apossam do Estado como sua propriedade privada, metamorfoseando-se numa nova casta social mais dominante. Mais perigosa de que o fascismo e o comunismo é a abdicação da responsabilidade de cada cidadão, pelo constante apelo ao Estado-providencial, ao Estado-pai-de-todas-as-coisas.”
Você está tentando se lembrar do jornal, revista ou emissora em que viu ou ouviu isso? Precisa ter, no mínimo, uns 70 anos: são trechos do manifesto do “Movimento Renovador” (sic), lançado em novembro de 1946, por Carlos Lacerda, da UDN, entre outros antivarguistas, o mesmo cavalheiro que, alguns anos depois, afirmava que “o sr. Getúlio Vargas não pode ser eleito; se eleito, não deve tomar posse; se empossado, não pode governar; se governar, deve ser deposto”.
A UDN fazia a seguinte avaliação das vitórias eleitorais de Dutra, Vargas e Juscelino: “uma boa parte da população se acha ainda bem distante do elevado nível de educação política que a prática de um verdadeiro regime democrático pressupõe. O povo mostrou-se despreparado para o exercício do voto e não consegue distinguir o homem público autêntico do demagogo vulgar”. Apoiaram Jânio Quadros nas eleições de 1960.
A pretexto de indicar à opinião pública “caminhos modernos” para o país – que teriam no PT e seus aliados o maior obstáculo de aplicação – a dita mídia retorna à defesa de proposições que décadas de experiência demonstram ser a rota mais eficaz para conduzir a nação ao atraso, ao crescimento da desigualdade, ao baixo desenvolvimento e à redução da democracia.
Que nada têm de jornalísticas as matérias sobre o IV Congresso não é novidade: há muito que os grandes meios de comunicação no Brasil transmutaram-se em principal partido político de oposição ao governo federal e ao povo, com a enorme vantagem de não estarem submetidos nem à legislação eleitoral, nem ao direito de contraditório, nem ao respeito à realidade. O que chama atenção, no entanto, é o quanto é mofada e falaciosa a linha que adotam.
Ao longo do período republicano, todos os ciclos longos de desenvolvimento econômico no Brasil, sem exceção, acompanhados ou não por redução das desigualdades, ocorreram com uma forte presença do Estado, fosse como indutor, fosse via a combinação da indução com investimento direto. Em todos os períodos em que se reduziu o papel estatal, nosso país viveu a estagnação e caiu muito a participação dos menos ricos na renda nacional. Minimizar a presença do Estado sempre significou o aprofundamento da dependência externa, a baixa diversificação agrícola e industrial, a carência tecnológica, a concentração da renda e da propriedade, o agravamento das disparidades regionais, o desmonte dos serviços públicos essenciais, particularmente os de educação e saúde.
Os bravos arautos do mercado liberto sabem perfeitamente disso. Fazem de conta que desconhecem a história e os fatos para dar voz às opções pela dependência econômica estrita em relação ao grande capital internacional e por um modelo interno de atendimento exclusivo dos setores agrário-monocultor, minerador e financeiro, prescindindo do consumo interno, das famílias, como centro de geração de lucros.
É um projeto de capitalismo para pouquíssimos, que elimina do cenário a formação de um parque produtivo próprio, que rebaixa as condições de desenvolvimento científico e tecnológico, que associa baixos salários à ausência de serviços públicos, que só viabiliza a criação de infraestruturas de saneamento, habitação, transportes, energia e comunicações para uns poucos bolsões privilegiados ao longo do território nacional.
A proposição explícita de um programa como esse seria, todavia, um suicídio político. Afastaria, até, uma parte significativa dos capitalistas brasileiros, que têm, nos últimos anos, vivido a coleta de ótimas taxas de lucro, resultantes do desenvolvimento de um forte mercado interno de massas e de uma inserção soberana nas transações internacionais. Daí porque levantam as assombrações do “estatismo” e do “autoritarismo” para, pelo terror e pela enganação, eximirem-se de dizer às claras a que se propõe.
Dilma Rousseff, em sua intervenção no IV Congresso, e em declarações posteriores, demonstrou claramente que não vai cair na armadilha espertalhona da imprensa e que não marcará sua campanha à Presidência por uma discussão abstrata entre mercado e Estado. O que colocará para a escolha dos eleitores serão dois modos muito distintos de conduzir o Brasil. Há uma pergunta-chave que fará aos brasileiros: queremos inserir e enriquecermo-nos ou preferirmos excluir e empobrecer?
O programa do PT e de seus aliados tem como traço definidor a inclusão. A inclusão das grandes maiorias no acesso ao consumo, a melhores condições de vida, ao mundo da educação, da cultura e do bem-estar. A inclusão das empresas nacionais como as principais fornecedoras de um enorme mercado interno. A inclusão do Brasil como um agente firme e dinâmico no comércio mundial.
O programa dos grandes veículos de comunicação, é seu exato oposto: recusa a formação do mercado interno, rejeita a industrialização e a expansão de infraestrutura, contenta-se com um papel internacional em que substitui o café de seus avós por um bocadito de soja e ferro e um bocadão de taxas de juros.
O que as folhas e os globos, porém, ocultarão ainda mais decididamente é a razão de fundo de sua escolha de programa para o Brasil. Não se trata de um mero apetite pela injustiça social, ainda que uma parcela significativa de seus agentes e apoiadores não consiga se ver habitando o que não seja uma casa-grande. Não se trata, exclusivamente, de servir ao Império, ainda que muitos deles tenham a cabeça em Miami e os bolsos na senzala.
O redesenho do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, de acordo com o concebido e executado pelos governos Lula e Dilma, significa, no médio e longo prazos, a constituição de bases materiais, culturais, políticas e ideológicas para a superação do neoliberalismo, a forma hegemônica concreta que hoje organiza o capital em escala mundial. O sucesso na construção de uma sociedade de massas, essencialmente democrática, fortemente nacional, radicalmente popular e includente, em um país com as características geopolíticas do nosso, é capaz de provocar graves abalos no arranjo imperial e na credibilidade de doutrinas como a do fim-da-história e a da inexorável derrota das idéias de solidariedade, participação, coletividade e socialização.
Os dedicados asseclas dos Marinhos, Frias, Civitas e Mesquitas, os reais dirigentes do demo-tucanato, recorrem, sôfregos, ao modismo do mercado-senhor-da-razão para operar seu inconfessável repeteco: não podem permitir aos brasileiros a edificação dos alicerces de uma sociedade que venha a superar a exclusão, que confronte a lógica monolítica do lucro e da propriedade e que tenha nas maiorias, no povo, o seu centro dinâmico e sua razão de ser.
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O Brasil pisou na bola em Honduras?
Reproduzo artigo de Breno Altman, jornalista e diretor do sítio Opera Mundi:
A normalização das relações com o governo hondurenho de Porfírio Lobo, decidida pelos Estados Unidos e a União Européia nos últimos dias, recoloca em discussão a abordagem brasileira sobre o golpe de Estado naquela república centro-americana, e seus desdobramentos depois da eleição e posse do novo presidente.
Um sem-número de articulistas e porta-vozes dos círculos oposicionistas têm se esforçado para demonstrar suposto fracasso da política externa da administração Lula nesse episódio. Alguns argumentos se sobressaem.
O primeiro deles é aristotélico: a posição de Brasília estaria equivocada porque deu errado. Afinal, os golpistas chefiados por Roberto Micheletti impediram o retorno do presidente deposto, Manuel Zelaya, e conseguiram promover, pela via eleitoral, a emergência de um novo governo institucional.
O segundo entre os argumentos mais freqüentes é revelador das entranhas de seus porta-vozes, pois justifica, com maior ou menor sutileza, o golpe cívico-militar que derrubou o presidente constitucional. Tratam o que se passou como resposta constrangedora, mas aceitável, às tentativas de Zelaya para alterar, por referendo popular, as travas que impediam sua reeleição.
Algo como disse o ministro do STF brasileiro, Marco Aurélio Mello, quando recentemente se referiu ao pronunciamento militar que, em 1964, derrubou o presidente João Goulart: um “mal necessário”. Às favas se essa pretensa necessidade conduz à violação de direitos constitucionais e fere a soberania popular.
O fato é que, na vida ou na política, nem sempre o que dá certo, certo está. Não passa de oportunismo desavergonhado o raciocínio que estabelece, como critério absoluto para julgamento de uma determinada posição, seu grau de sucesso. Há batalhas que devem ser travadas mesmo quando seus resultados, em um primeiro momento, são pouco animadores.
Assim procedeu o governo brasileiro no caso hondurenho, ao lado de outras nações. A omissão ou a hesitação, em nome do realismo aconselhado por alguns personagens, significariam a mais abjeta cumplicidade. Mais ainda: facilitariam os movimentos de quem propugna pela estratégia do “mal necessário” no enfrentamento às forças progressistas.
Trata-se de ignorância ou má fé abordar o golpe em Honduras como fato isolado. Com menos sofisticação institucional e derrotado por intensa mobilização, dentro e fora do país, houve o precedente venezuelano em 2002, quando o bloco conservador quis derrubar pelas armas o presidente Hugo Chávez.
A Casa Branca, daquela vez, não fez qualquer cerimônia ou jogo de cena para disfarçar seu apoio ao golpismo. Declarou de imediato, sempre em nome da democracia e da liberdade, alinhamento à ruptura da ordem constitucional. O governo norte-americano, desta feita, foi bastante mais cuidadoso. Chegou até mesmo a adotar medidas contra o governo ilegal de Micheletti. Mas manobrou com habilidade para que a saída à crise fosse a institucionalização do regime de força e não a restauração da situação constitucional.
O governo brasileiro, diante desse quadro, adotou uma atitude de princípio: a condenação do golpe e a denúncia de qualquer encaminhamento originado à margem das regras democráticas. Acabou prevalecendo a solução firmada entre golpistas e seus adversários mais complacentes. A conduta do presidente Lula, no entanto, demarcou trincheiras estratégicas.
A primeira delas foi fixar que as correntes e administrações progressistas assumem a defesa da democracia às últimas consequências, ainda que em condições adversas. A segunda: os governos de esquerda e centro-esquerda do continente rechaçam a lógica de que conflitos latino-americanos devam ser resolvidos conforme os interesses da geopolítica de Washington. Ambos paradigmas valem o preço de um retrocesso circunstancial.
Não é de se surpreender que as correntes conservadoras vejam isolamento ou falta de realismo na postura do presidente Lula. Assim se conduzem porque sua própria atitude vai se aproximando, mais e mais, do desrespeito à soberania popular e ao primado das instituições democráticas, para não falar da eterna submissão às políticas imperialistas.
Um comportamento amedrontado ou dúbio do governo brasileiro abriria mais espaços de legitimação para a lógica do “mal necessário”. A reação destemida e ativa, por outro lado, fincou uma estaca de resistência cuja serventia não tardará a se demonstrar.
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A normalização das relações com o governo hondurenho de Porfírio Lobo, decidida pelos Estados Unidos e a União Européia nos últimos dias, recoloca em discussão a abordagem brasileira sobre o golpe de Estado naquela república centro-americana, e seus desdobramentos depois da eleição e posse do novo presidente.
Um sem-número de articulistas e porta-vozes dos círculos oposicionistas têm se esforçado para demonstrar suposto fracasso da política externa da administração Lula nesse episódio. Alguns argumentos se sobressaem.
O primeiro deles é aristotélico: a posição de Brasília estaria equivocada porque deu errado. Afinal, os golpistas chefiados por Roberto Micheletti impediram o retorno do presidente deposto, Manuel Zelaya, e conseguiram promover, pela via eleitoral, a emergência de um novo governo institucional.
O segundo entre os argumentos mais freqüentes é revelador das entranhas de seus porta-vozes, pois justifica, com maior ou menor sutileza, o golpe cívico-militar que derrubou o presidente constitucional. Tratam o que se passou como resposta constrangedora, mas aceitável, às tentativas de Zelaya para alterar, por referendo popular, as travas que impediam sua reeleição.
Algo como disse o ministro do STF brasileiro, Marco Aurélio Mello, quando recentemente se referiu ao pronunciamento militar que, em 1964, derrubou o presidente João Goulart: um “mal necessário”. Às favas se essa pretensa necessidade conduz à violação de direitos constitucionais e fere a soberania popular.
O fato é que, na vida ou na política, nem sempre o que dá certo, certo está. Não passa de oportunismo desavergonhado o raciocínio que estabelece, como critério absoluto para julgamento de uma determinada posição, seu grau de sucesso. Há batalhas que devem ser travadas mesmo quando seus resultados, em um primeiro momento, são pouco animadores.
Assim procedeu o governo brasileiro no caso hondurenho, ao lado de outras nações. A omissão ou a hesitação, em nome do realismo aconselhado por alguns personagens, significariam a mais abjeta cumplicidade. Mais ainda: facilitariam os movimentos de quem propugna pela estratégia do “mal necessário” no enfrentamento às forças progressistas.
Trata-se de ignorância ou má fé abordar o golpe em Honduras como fato isolado. Com menos sofisticação institucional e derrotado por intensa mobilização, dentro e fora do país, houve o precedente venezuelano em 2002, quando o bloco conservador quis derrubar pelas armas o presidente Hugo Chávez.
A Casa Branca, daquela vez, não fez qualquer cerimônia ou jogo de cena para disfarçar seu apoio ao golpismo. Declarou de imediato, sempre em nome da democracia e da liberdade, alinhamento à ruptura da ordem constitucional. O governo norte-americano, desta feita, foi bastante mais cuidadoso. Chegou até mesmo a adotar medidas contra o governo ilegal de Micheletti. Mas manobrou com habilidade para que a saída à crise fosse a institucionalização do regime de força e não a restauração da situação constitucional.
O governo brasileiro, diante desse quadro, adotou uma atitude de princípio: a condenação do golpe e a denúncia de qualquer encaminhamento originado à margem das regras democráticas. Acabou prevalecendo a solução firmada entre golpistas e seus adversários mais complacentes. A conduta do presidente Lula, no entanto, demarcou trincheiras estratégicas.
A primeira delas foi fixar que as correntes e administrações progressistas assumem a defesa da democracia às últimas consequências, ainda que em condições adversas. A segunda: os governos de esquerda e centro-esquerda do continente rechaçam a lógica de que conflitos latino-americanos devam ser resolvidos conforme os interesses da geopolítica de Washington. Ambos paradigmas valem o preço de um retrocesso circunstancial.
Não é de se surpreender que as correntes conservadoras vejam isolamento ou falta de realismo na postura do presidente Lula. Assim se conduzem porque sua própria atitude vai se aproximando, mais e mais, do desrespeito à soberania popular e ao primado das instituições democráticas, para não falar da eterna submissão às políticas imperialistas.
Um comportamento amedrontado ou dúbio do governo brasileiro abriria mais espaços de legitimação para a lógica do “mal necessário”. A reação destemida e ativa, por outro lado, fincou uma estaca de resistência cuja serventia não tardará a se demonstrar.
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