Reproduzo entrevista de Carla Luciana Silva, concedida ao sítio Observatório do Direito à Comunicação:
A professora do curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) Carla Luciana Silva passou meses dedicando-se à leitura paciente de pilhas de edições antigas da revista Veja. A análise tornou-se uma tese de doutorado, defendida na Universidade Federal Fluminense, e agora, em livro. “Veja: o indispensável partido neoliberal (1989-2002)” (Edunioeste, 2009, 258 páginas) é o registro do papel assumido pela principal revista do Grupo Abril na construção do neoliberalismo no país.
A hipótese defendida pela professora é que a revista atuou como agente partidário que colaborou com a construção da hegemonia neoliberal no Brasil. Carla deixa claro que a revista não fez o trabalho sozinha, mas em consonância com outros veículos privados. Porém, teve certo protagonismo, até pelo número médio de leitores que tinha na época – 4 milhões, afirma Carla em seu livro.
“A revista teve papel privilegiado na construção de consenso em torno das práticas neoliberais ao longo de toda a década. Essas práticas abrangem o campo político, mas não se restringem a ele. Dizem respeito às técnicas de gerenciamento do capital, e à construção de uma visão de mundo necessária a essas práticas, atingindo o lado mais explícito, produtivo, mas também o lado ideológico do processo”, afirma trecho do livro.
Sobre o título do livro, porque “indispensável”? É uma brincadeira com o slogan da Veja ou reflete a importância da revista para o avanço do neoliberalismo no Brasil?
O título é uma alusão ao slogan da revista e ao mesmo tempo nos lembra que ela foi um sujeito político importante na construção do neoliberalismo. A grande imprensa brasileira foi indispensável para que o neoliberalismo tenha sido construído da forma que o foi. A Veja diz ser indispensável para o país que queremos ser. A pergunta é: quem está incluído nesse “nós” oculto? A classe trabalhadora é que não.
Quais os interesses defendidos por Veja?
Os interesses são os dominantes como um todo, mais especificamente os da burguesia financeira e dos anunciantes multinacionais. Em que pese o discurso de defesa da liberdade de expressão articulado à publicidade, o que importa para a revista são os interesses em torno da reprodução capitalista. A revista busca se mostrar como independente, o que se daria através de sua verba publicitária. É fato que a revista tem uma verba invejável, mas isso não a transforma no Quarto Poder, que vigiaria os demais de forma neutra. Ao mesmo tempo em que ela é portadora de interesses sociais, faz parte da sociedade, a sua vigilância é totalmente delimitada pela conjuntura e correlação de forças específica. O exemplo mais claro são as denúncias de corrupção e forma ambígua com que Veja tratou o governo Collor, o que discuto detidamente no livro.
Isso significa defender atores e grupos específicos? E, ao longo dos anos, estes atores mudam?
Essa pergunta é mais difícil de responder, requer uma leitura atenta, a cada momento histórico especifico. A revista não é por definição governista [no período estudado]. Ela é defensora de programas de ação. No período analisado (1989-2002), sua ação esteve muito próxima do programa do Fórum Nacional de João Paulo dos Reis Velloso. Ela busca convencer não apenas seus leitores comuns, mas a sociedade política como um todo e também os gerentes capitalistas.
E que relação Veja estabelece com grupos estrangeiros?
Essa é outra pergunta que requer atenção e mais estudos. O Grupo Abril não é um grupo “nacional”. Suas empresas têm participação direta de capital e administração estrangeira. Primeiro, é importante ter claro que o Grupo Abril não se restringe a suas publicações. A editora se divide em várias empresas, sendo que a Abril é majoritariamente propriedade do grupo Naspers, dono do Buscapé [site de comparação de preços] e de empresas espalhadas pelo mundo todo, da Rússia à Tailândia. Essa luta pela abertura de capital [no setor das comunicações] foi permanente ao longo dos anos 1990 e a Abril foi o primeiro grande conglomerado [de comunicação] brasileiro a abrir seu capital legalmente. É bom lembrar que o grupo tem investido bastante também na área da educação, e por isso a privatização do ensino continua sendo uma meta a atingir.
Aconteceram várias edições do “Fórum Nacional” no período em que faz sua análise. Por que Veja defendeu com tanto afinco as resoluções, especialmente econômicas, saídas desse Fórum?
O Fórum Nacional tem vários títulos. Eles [os integrantes do Fórum] foram se colocando ao longo dos anos, desde 1988, como intelectuais que pensam o Brasil e defendem programas de ação – as formas específicas de construção de um projeto sócio-econômico, que mudaram ao longo dessas duas décadas. Não existe um vínculo orgânico da revista com o Fórum, ao menos não o comprovamos, mas existe uma afinidade de programa de ação. A tentativa de reforma da Constituição em 1993 foi um bom exemplo, conforme desenvolvo no livro.
No livro, você aponta que a Veja “comprou” as idéias no Fórum Nacional, transformando-as numa verdadeira cartilha econômica para salvar o Brasil no começo dos anos 90. Quais seriam os principais tópicos desta “cartilha”?
O Fórum Nacional surgiu em 1988 como uma forma de organizar o pensamento e ação dominante. Ele se constituiu um verdadeiro aparelho privado de hegemonia, buscando apontar caminhos para a forma da hegemonia nos anos 1990. E existe até hoje, fazendo o mesmo. Portanto, ele não é apenas uma fórmula econômica, mas de economia política. Tratou de temas relevantes como “modernidade e pobreza”, “Plano Real”, “Segurança”, “estratégia industrial”, “política internacional”, sempre trazendo intelectuais considerados “top” do pensamento hegemônico para ver, a partir de suas pesquisas, quais caminhos deveriam ser seguidos, não apenas pelos governos, mas também pela sociedade política, ditando os rumos da economia.
Essa “cartilha” econômica foi atualizada? Você se recorda de alguma campanha recente em que a revista tenha tomado a frente?
A atualização é constante, mas não é uma cartilha. O Fórum e a revista são independentes um do outro, ao que parece, não há um vinculo orgânico. Mas Veja assumiu várias campanhas, sendo a principal delas a manutenção do programa econômico de Fernando Henrique durante todo o governo Lula. A blindagem feita ao presidente Lula da Silva foi imensa, especialmente se compararmos com o que foi feito do caso do mensalão ao que ocorreu no governo Fernando Collor. O que explica isso parece ser claramente a política econômica [de FHC e reproduzida por Lula] que garantiu lucros enormes aos bancos e a livre circulação de capitais, além de outras políticas complementares.
Qual foi a importância da revista para a corrente neoliberal desde Collor? Dá para mensurar?
Foi muito importante, mas não dá pra mensurar. É importante que tenhamos claro que o neoliberalismo não é uma cartilha, por mais que se baseie em documentos como o Consenso de Washington, por exemplo. Ele não foi “aplicado”. Foi construído como projeto de hegemonia desde os anos 1980. A grande imprensa participou da efetivação de padrões de consenso fundamentais: as privatizações, o ataque ao serviço público, a suposta falência do Estado. É importante olharmos hoje, pós crise de 2008, para ver que muitos desses preceitos são defendidos como saída da crise.
Qual a importância de Veja para as privatizações?
Difícil medir dessa forma. Posso falar da importância das privatizações para Veja: elas precisavam acontecer de qualquer forma. E isso era um compromisso com o projeto que representava e com os seus interesses capitalistas específicos, do Grupo Abril. É bom lembrar que a criação de consenso em torno desse ideal foi importante para que o grupo pudesse abrir seu capital oficialmente ao capital externo.
Veja deixa de ser neoliberal para ser neoconservadora? Digamos assim, amplia sua atuação do debate econômico, fundamental à implantação do neoliberalismo, e passar a fazer campanhas também em outras pautas conservadoras?
Não vejo essa distinção. Neoliberalismo foi um projeto de hegemonia, uma forma de estabelecer consenso em torno de práticas sociais específicas. A forma do capitalismo imperialista, portanto, não se restringe à economia. A política conservadora sempre esteve presente no neoliberalismo, haja visto a experiência de [Ronald] Reagan [presidente dos Estados Unidos] e [Margareth] Thatcher [primeira-ministra da Grã-Bretanha], a destruição do movimento sindical, a imposição do chamado pensamento único. Por esse caminho chegou-se a dizer que a história tinha acabado e que a luta de classes não fazia mais sentido. Os movimentos sociais foram duramente reprimidos e, além disso, se buscou construir consenso em torno de sua falência, o que foi acompanhado pelo transformismo dos principais partidos de esquerda, especialmente no Brasil. O que vemos hoje é a continuidade dessa política. Os dados dos movimentos sociais denunciam permanentemente o quanto tem aumentado a sua criminalização ao passo que os incentivos ao grande capital do agrobusiness só aumenta.
Existem diferenças muito contundentes entre a Veja de 89, a de 2002 e a de hoje?
Há diferenças claro. Havia, em 1989, um grau um pouco mais elevado de compromisso com notícias, com investigações jornalísticas, o que parece ter se perdido totalmente ao longo dos anos. A revista se tornou uma difusora de propagandas, tanto de governos como de produtos (basta ver as capas sobre Viagra ou cirurgias plásticas).
Já nos primeiros capítulos do livro, você chama atenção para o fato de Veja ser muito didática e panfletária quanto ao liberalismo. Ela deixou de fazer apologia ao neoliberalismo de maneira tão clara?
Teria que analisar mais detidamente. Essa é uma coisa importante: sentar e ler detidamente, semanas a fio, pra podermos concluir de forma mais segura a posição da revista.
Em algum momento do período analisado a revista foi muito atacada por alguma cobertura específica?
Sim, a revista teve embates, especialmente com a IstoÉ e, posteriormente, com a Carta Capital. Essas revistas talvez tenham ajudado a tirar uma ou outra assinatura de Veja em conjunturas especiais. O caso Collor não é simples como parece. A revista Veja fazia campanha nas capas mostrando o movimento das ruas e dentro do editorial ia dizendo que o governo deveria ser mantido em nome da governabilidade. Foi quando isso se tornou insustentável que ela defendeu a renuncia do presidente (e não o impeachment). Mas depois, construiu uma bela campanha publicitária. A Abril colocou luzes verde amarela em seus prédios, lançou boton comemorativo, pra construir memória, dizer que foi ela que derrubou o Collor.
O importante é a gente perceber que não é esse o movimento mais importante. O importante é a gente ter instrumentos contra hegemônicos que nos permitam construir uma visão efetivamente critica do que está acontecendo. É importante ressaltar que ela [Veja] sempre fala como se fosse a porta-voz dos interesses da nação, do país, da sociedade, e como se não fosse ela portadora de interesses de classe.
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domingo, 9 de maio de 2010
A comunicação e o mundo que queremos
Reproduzo intervenção apresentada por Joaquim Ernesto Palhares, presidente da Altercom, na Cúpula Eurolatinoamericana de Microempresas e Economia Social, realizada de 3 a 6 de maio em Cáceres, Espanha:
Existem no Brasil inúmeras entidades representativas dos mais variados setores da economia, inclusive dos meios de comunicação. Entretanto, nenhuma das entidades formadas por empresas de comunicação – televisão, rádio, jornais e revistas –, defende os interesses dos micro e pequenos empresários e empreendedores da comunicação.
Preocupados com essa realidade, um grupo expressivo de empresas, empresários e empreendedores individuais, reuniu-se em São Paulo e, após um processo de vários encontros e debates, fundou a Altercom – Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação, da qual, com muito orgulho, fui eleito o primeiro presidente.
O nome Altercom, em português, significa tanto “comunicação alternativa” como “outra comunicação”. É exatamente esse o espírito que fez esse expressivo número de empresários fundarem a Altercom, já que não se sentem representados pelas várias entidades existentes, que defendem, exclusivamente, os interesses das grandes empresas de comunicação.
A recente crise financeira e econômica internacional mostrou mais uma vez a importância das micro, pequenas e médias empresas na vida dos países. Quando grandes corporações financeiras e não-financeiras desmoronaram em virtude de irresponsáveis e enlouquecidas movimentações no cassino financeiro global, a conta foi enviada para toda a sociedade. Não foi por acaso que os países que saíram mais rapidamente da crise foram aqueles que possuíam mercados internos bem estabelecidos. E não há mercado interno sem pequenos produtores.
O Brasil é um exemplo disso, possuindo cerca de 5 milhões de micro e pequenas empresas, que representam 98% do total das empresas brasileiras. Em termos estatísticos, esse segmento empresarial representa cerca de 25% do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), gerando 14 milhões de empregos, o que representa cerca de 60% do emprego formal no país, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
A existência dessa rede de pequenas e micro empresas garante capilaridade econômica e social, um fator crucial para fazer circular sangue nas veias da economia e manter um país saudável perante a crise. Gostaria de propor uma reflexão sobre a crescente diminuição dessa capilaridade em um setor essencial em nossas vidas, o da comunicação, e sobre como esse problema pode atrasar e prejudicar os processos de integração entre nossos povos.
A mídia e a crise
O comportamento da maioria das empresas de comunicação no processo de colapso do sistema financeiro internacional, em 2008, é exemplar para ilustrar o que estamos falando aqui. Durante pelo menos duas décadas, os veículos dessas empresas repetiram à exaustão a mesma ladainha de exaltação do Estado mínimo, do livre mercado, das privatizações, da desregulamentação dos mercados, da necessidade de flexibilizar as relações trabalhistas e a legislação ambiental.
Quando esse modelo afundou, saíram todos correndo bater às portas daquele que era, até então, o grande vilão: o Estado. Os lucros milionários destas décadas foram apropriados por alguns poucos afortunados. Já os prejuízos foram socializados com o conjunto da população. E a mídia fez de conta que não havia dito o que disse durante décadas.
Neste processo os meios de comunicação, com seus altíssimos níveis de audiência, trataram de estruturar diariamente uma determinada realidade dos fatos, gerando sentidos e interpretações e definindo as “verdades” sobre atores sociais, econômicos e políticos. Segundo essa realidade e essas verdades, o Estado deveria parar de atrapalhar os mercados para que a prosperidade econômica pudesse chegar a todos. Nunca chegou, como se sabe. Nunca chegará neste modelo excludente e concentrador de renda. A propaganda foi fraudulenta. Mentiras e discursos puramente ideológicos foram repetidos dia e noite, difundindo distorções e preconceitos. Quando veio o vendaval, nenhum desses meios veio a público assumir sua parcela de responsabilidade.
Os mais audaciosos chegaram a criticar o Estado por ter fracassado em fazer o que deveria: fiscalizar os mercados. É claro que se o Estado tentasse fazer isso, imediatamente soariam os “editoriais cidadãos” denunciando o autoritarismo iminente e a ameaça à liberdade individual. E agora já vemos em ritmo crescente uma espantosa campanha midiática que utiliza alguns sinais isolados para dizer que o pior da crise econômica mundial já passou. O renascimento das bolhas financeiras nas bolsas de valores é apresentado como o sintoma de uma melhoria geral. Na verdade, os socorros (públicos) globais de 2008-2009 desaceleraram a queda econômica, mas geraram enormes déficits fiscais em diversos países (EUA, entre eles), trazendo graves ameaças inflacionárias. Ou seja, há preocupações de sobra no horizonte.
No entanto, prossegue a prática de uma autêntica barbárie política diária, de desinformação e gestação permanente de mensagens formadoras de uma consciência coletiva reacionária, conservadora e desinformada. Uma consciência que procura alimentar uma opinião pública de perfil anti-político, que desacredita a existência de um Estado democraticamente interventor na luta de interesses sociais, que apresenta os políticos como seres que oscilam do ridículo ao monstruoso.
Democracia e comunicação
A democracia precisa de maior diversidade informativa e de instrumentos que garantam um amplo direito à comunicação. Para que isso se torne realidade, é necessário modificar a lógica que impera hoje no setor e que privilegia os interesses dos grandes grupos econômicos. Os proprietários dos grandes meios de comunicação defendem, entre seus ideais, a liberdade de expressão, a pluralidade, a competição e o livre mercado. No entanto, o poder midiático está cada vez mais concentrado nas mãos de um pequeno grupo de corporações, que dominam o sistema de produção e difusão de informações e detém a imensa maioria dos recursos de publicidade (públicos e privados).
Qualquer menção à necessidade de democratizar esse cenário é rebatida fortemente por artigos e editoriais enfurecidos destes grupos hegemônicos. Quem defende a democratização da produção e do acesso à informação é imediatamente acusado de “autoritário” e “inimigo da liberdade de imprensa”. O poder das grandes corporações midiáticas é muito forte, estendendo-se também às escolas e universidades que formam os futuros profissionais da comunicação.
O escritor francês Paul Virilio, ao falar sobre o papel da mídia no mundo de hoje, definiu bem o tamanho do problema a ser enfrentado. A mídia contemporânea, disse Virilio, é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. A justificativa para tal procedimento trafega entre o cinismo e a treva: uma vez afetada a liberdade de imprensa, todas as liberdades estarão em perigo. Cinismo, denuncia, porque esta reivindicação agressiva trata de negar o óbvio: os meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes empresas.
Vejamos alguns dados apresentados pelo professor Venício Lima ("Quem controla a mídia", Carta Maior, 23/04/2010):
Uma das conseqüências da crise internacional, no setor da mídia impressa, tem sido a compra de publicações tradicionais por investidores – russos, árabes, australianos, latino-americanos, portugueses – cujo compromisso maior é exclusivamente o sucesso de seus negócios. Aparentemente, não há espaço para o interesse público. Já aconteceu com os britânicos The Independent e The Evening Standard e com o France-Soir na França. Na Itália, está em curso uma briga de gigantes no mercado de televisão envolvendo o primeiro ministro e proprietário de mídia Silvio Berlusconi (Mediaset) e o australiano naturalizado americano Ropert Murdoch (Sky Itália). O mesmo acontece no leste europeu. Na Polônia, tanto o Fakt (o diário de maior tiragem), quanto o Polska (300 mil exemplares/dia) são controlados por grupos alemães.
Nos Estados Unidos, a News Corporation de Murdoch avança a passos largos: depois do New York Post, o principal tablóide do país, veio a Fox News, canal de notícias 24h na TV a cabo; o The Wall Street Journal; o estúdio Fox Films e a editora Harper Collins. E o mexicano Carlos Slim é um dos novos acionistas do The New York Times. Professor da New York University, Crispin Miller, fez a seguinte advertência em relação ao que vem ocorrendo nos Estados Unidos (matéria da revista Carta Capital, 591):
“O grande perigo para a democracia norte-americana não é a virtual morte dos jornais diários. É a concentração de donos da mídia no país. Ironicamente, há 15 anos, se dizia que era prematuro falar em uma crise cívica, com os conglomerados exercendo poder de censura sobre a imensidão de notícias disponíveis no mundo pós-internet”.
A transformação dos veículos de comunicação em grandes empresas, com interesses que vão muito além daqueles propriamente midiáticos, fez da informação, definitivamente, uma mercadoria regida pela lógica que comanda o mundo do lucro. Ela, a informação, progressivamente, deixa de ser um bem e um serviço público. Isso se reflete diretamente na qualidade dos noticiários que assistimos todos os dias nos jornais, rádios, televisões e sites. A economia passou a reinar nestes espaços. Todo o resto passou a ser tratado de forma secundária e como um espetáculo. Esse fenômeno é mais dramático na política, onde a cobertura tornou-se, no mais das vezes, uma exploração de fofocas, intrigas e banalidades. As pautas e os espaços prioritários passam a ser definidos pelos interesses econômicos estratégicos dessas empresas.
Grande mídia ignora interesses dos pequenos
Esse poderio econômico tem repercussão direta na vida política e social dos países. Assim, falar da necessidade de democratizar a mídia implica, diretamente, falar da necessidade de democratizar o poder político e econômico. Os interesses econômicos e as articulações políticas decorrentes destes interesses refletem-se diretamente na qualidade da informação oferecida ao público. Não é por acaso que a cobertura política dos grandes veículos mal consegue disfarçar seus interesses econômicos e políticos e ignora quase que completamente os interesses de micros, pequenos e médios empresários.
Para utilizar uma expressão ao gosto dos grandes empresários do setor, precisamos de uma revolução capitalista na comunicação mundial. Mais proprietários, mais veículos, mais produtores de comunicação, produtos de melhor qualidade, consumidores mais exigentes, descentralização dos centros produtores para garantir o direito de todos os cidadãos do mundo terem informação e comunicação de qualidade. Isso, porém, não será feito no modelo atual, fortemente monopolista e excludente. Os empresários da comunicação precisam decidir se querem mesmo fazer comunicação, entendida como um bem de utilidade pública, ou seguirão tratando-a como uma mercadoria qualquer, cujo sucesso, depende de esmagar os competidores a qualquer preço.
Falar de uma comunicação de qualidade, neste cenário, significa falar, entre outras coisas, em liberdade de criação, de difusão e de acesso. Significa compartilhar conhecimentos, recursos, práticas e iniciativas. As palavras “liberdades” e “compartilhamento” expressam, em boa medida, o que é sonegado hoje à maioria das populações globalizadas. Elas apontam para uma visão generosa de um mundo mais solidário, onde a comunicação, o diálogo com o próximo e a criatividade não são reduzidas à condição de mais uma mercadoria destinada a gerar lucro máximo a custo mínimo.
A queda na qualidade do jornalismo é algo assustador que ameaça o futuro da própria democracia. Não se trata, portanto, de um debate restrito aos profissionais do setor, mas de uma agenda de toda a sociedade. É o direito de dispor de uma informação de qualidade que está em jogo. E quando falamos em processos de integração é impossível fazê-lo sem levar em conta a questão da comunicação. Trata-se, afinal de contas, de construir canais de diálogo e informação entre povos que estão afastados e que não conhecem uns a vida dos outros.
É preciso tomar iniciativas concretas nesta direção e é preciso começar já. Mais do que declarações genéricas, precisamos construir iniciativas concretas que mostrem aos cidadãos do mundo a natureza do problema e como ele influencia nas suas vidas diária. Um dos primeiros passos é o fortalecimento da articulação política entre todos aqueles setores preocupados com os temas da integração e da comunicação. Essa articulação pode se traduzir em algumas medidas concretas:
- Incluir o debate sobre a comunicação em todos os eventos que tenham a integração como pauta;
- Criar um espaço virtual para que esse debate possa ocorrer, apontando para a criação de um Fórum Social Mundial da Comunicação;
- Organizar o Fórum Mundial da Comunicação, no âmbito do processo do Fórum Social Mundial. Trabalhar para realizar o primeiro Fórum Mundial da Comunicação no próximo FSM que será realizado no Senegal. Cabe lembrar aqui a importância do Fórum Social Mundial como espaço internacional que se levantou contra o chamado Consenso de Washington, superando em importância mundial o Fórum Econômico de Davos, e que desembocou na eleição de Lula no Brasil e de vários presidentes progressistas na América do Sul.
- Criar uma secretaria geral internacional, para a organização do Fórum, com a participação da Alampyme, da Apyme, da Recom, da Asemce, da Eurochambres e da Altercom, bem como de outras entidades, como a Cexeci, o Media Watch Global, o Observatório Brasileiro de Mídia e outras associações aqui não incluídas, mas que por suas atividades cotidianas, mereçam o convite para participarem.
Todas essas iniciativas podem convergir para uma articulação internacional entre nossos países pela democratização da comunicação e pela construção de uma globalização dos nossos povos e da solidariedade e não apenas do capital.
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Existem no Brasil inúmeras entidades representativas dos mais variados setores da economia, inclusive dos meios de comunicação. Entretanto, nenhuma das entidades formadas por empresas de comunicação – televisão, rádio, jornais e revistas –, defende os interesses dos micro e pequenos empresários e empreendedores da comunicação.
Preocupados com essa realidade, um grupo expressivo de empresas, empresários e empreendedores individuais, reuniu-se em São Paulo e, após um processo de vários encontros e debates, fundou a Altercom – Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação, da qual, com muito orgulho, fui eleito o primeiro presidente.
O nome Altercom, em português, significa tanto “comunicação alternativa” como “outra comunicação”. É exatamente esse o espírito que fez esse expressivo número de empresários fundarem a Altercom, já que não se sentem representados pelas várias entidades existentes, que defendem, exclusivamente, os interesses das grandes empresas de comunicação.
A recente crise financeira e econômica internacional mostrou mais uma vez a importância das micro, pequenas e médias empresas na vida dos países. Quando grandes corporações financeiras e não-financeiras desmoronaram em virtude de irresponsáveis e enlouquecidas movimentações no cassino financeiro global, a conta foi enviada para toda a sociedade. Não foi por acaso que os países que saíram mais rapidamente da crise foram aqueles que possuíam mercados internos bem estabelecidos. E não há mercado interno sem pequenos produtores.
O Brasil é um exemplo disso, possuindo cerca de 5 milhões de micro e pequenas empresas, que representam 98% do total das empresas brasileiras. Em termos estatísticos, esse segmento empresarial representa cerca de 25% do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB), gerando 14 milhões de empregos, o que representa cerca de 60% do emprego formal no país, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
A existência dessa rede de pequenas e micro empresas garante capilaridade econômica e social, um fator crucial para fazer circular sangue nas veias da economia e manter um país saudável perante a crise. Gostaria de propor uma reflexão sobre a crescente diminuição dessa capilaridade em um setor essencial em nossas vidas, o da comunicação, e sobre como esse problema pode atrasar e prejudicar os processos de integração entre nossos povos.
A mídia e a crise
O comportamento da maioria das empresas de comunicação no processo de colapso do sistema financeiro internacional, em 2008, é exemplar para ilustrar o que estamos falando aqui. Durante pelo menos duas décadas, os veículos dessas empresas repetiram à exaustão a mesma ladainha de exaltação do Estado mínimo, do livre mercado, das privatizações, da desregulamentação dos mercados, da necessidade de flexibilizar as relações trabalhistas e a legislação ambiental.
Quando esse modelo afundou, saíram todos correndo bater às portas daquele que era, até então, o grande vilão: o Estado. Os lucros milionários destas décadas foram apropriados por alguns poucos afortunados. Já os prejuízos foram socializados com o conjunto da população. E a mídia fez de conta que não havia dito o que disse durante décadas.
Neste processo os meios de comunicação, com seus altíssimos níveis de audiência, trataram de estruturar diariamente uma determinada realidade dos fatos, gerando sentidos e interpretações e definindo as “verdades” sobre atores sociais, econômicos e políticos. Segundo essa realidade e essas verdades, o Estado deveria parar de atrapalhar os mercados para que a prosperidade econômica pudesse chegar a todos. Nunca chegou, como se sabe. Nunca chegará neste modelo excludente e concentrador de renda. A propaganda foi fraudulenta. Mentiras e discursos puramente ideológicos foram repetidos dia e noite, difundindo distorções e preconceitos. Quando veio o vendaval, nenhum desses meios veio a público assumir sua parcela de responsabilidade.
Os mais audaciosos chegaram a criticar o Estado por ter fracassado em fazer o que deveria: fiscalizar os mercados. É claro que se o Estado tentasse fazer isso, imediatamente soariam os “editoriais cidadãos” denunciando o autoritarismo iminente e a ameaça à liberdade individual. E agora já vemos em ritmo crescente uma espantosa campanha midiática que utiliza alguns sinais isolados para dizer que o pior da crise econômica mundial já passou. O renascimento das bolhas financeiras nas bolsas de valores é apresentado como o sintoma de uma melhoria geral. Na verdade, os socorros (públicos) globais de 2008-2009 desaceleraram a queda econômica, mas geraram enormes déficits fiscais em diversos países (EUA, entre eles), trazendo graves ameaças inflacionárias. Ou seja, há preocupações de sobra no horizonte.
No entanto, prossegue a prática de uma autêntica barbárie política diária, de desinformação e gestação permanente de mensagens formadoras de uma consciência coletiva reacionária, conservadora e desinformada. Uma consciência que procura alimentar uma opinião pública de perfil anti-político, que desacredita a existência de um Estado democraticamente interventor na luta de interesses sociais, que apresenta os políticos como seres que oscilam do ridículo ao monstruoso.
Democracia e comunicação
A democracia precisa de maior diversidade informativa e de instrumentos que garantam um amplo direito à comunicação. Para que isso se torne realidade, é necessário modificar a lógica que impera hoje no setor e que privilegia os interesses dos grandes grupos econômicos. Os proprietários dos grandes meios de comunicação defendem, entre seus ideais, a liberdade de expressão, a pluralidade, a competição e o livre mercado. No entanto, o poder midiático está cada vez mais concentrado nas mãos de um pequeno grupo de corporações, que dominam o sistema de produção e difusão de informações e detém a imensa maioria dos recursos de publicidade (públicos e privados).
Qualquer menção à necessidade de democratizar esse cenário é rebatida fortemente por artigos e editoriais enfurecidos destes grupos hegemônicos. Quem defende a democratização da produção e do acesso à informação é imediatamente acusado de “autoritário” e “inimigo da liberdade de imprensa”. O poder das grandes corporações midiáticas é muito forte, estendendo-se também às escolas e universidades que formam os futuros profissionais da comunicação.
O escritor francês Paul Virilio, ao falar sobre o papel da mídia no mundo de hoje, definiu bem o tamanho do problema a ser enfrentado. A mídia contemporânea, disse Virilio, é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. A justificativa para tal procedimento trafega entre o cinismo e a treva: uma vez afetada a liberdade de imprensa, todas as liberdades estarão em perigo. Cinismo, denuncia, porque esta reivindicação agressiva trata de negar o óbvio: os meios de divulgação e de formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes empresas.
Vejamos alguns dados apresentados pelo professor Venício Lima ("Quem controla a mídia", Carta Maior, 23/04/2010):
Uma das conseqüências da crise internacional, no setor da mídia impressa, tem sido a compra de publicações tradicionais por investidores – russos, árabes, australianos, latino-americanos, portugueses – cujo compromisso maior é exclusivamente o sucesso de seus negócios. Aparentemente, não há espaço para o interesse público. Já aconteceu com os britânicos The Independent e The Evening Standard e com o France-Soir na França. Na Itália, está em curso uma briga de gigantes no mercado de televisão envolvendo o primeiro ministro e proprietário de mídia Silvio Berlusconi (Mediaset) e o australiano naturalizado americano Ropert Murdoch (Sky Itália). O mesmo acontece no leste europeu. Na Polônia, tanto o Fakt (o diário de maior tiragem), quanto o Polska (300 mil exemplares/dia) são controlados por grupos alemães.
Nos Estados Unidos, a News Corporation de Murdoch avança a passos largos: depois do New York Post, o principal tablóide do país, veio a Fox News, canal de notícias 24h na TV a cabo; o The Wall Street Journal; o estúdio Fox Films e a editora Harper Collins. E o mexicano Carlos Slim é um dos novos acionistas do The New York Times. Professor da New York University, Crispin Miller, fez a seguinte advertência em relação ao que vem ocorrendo nos Estados Unidos (matéria da revista Carta Capital, 591):
“O grande perigo para a democracia norte-americana não é a virtual morte dos jornais diários. É a concentração de donos da mídia no país. Ironicamente, há 15 anos, se dizia que era prematuro falar em uma crise cívica, com os conglomerados exercendo poder de censura sobre a imensidão de notícias disponíveis no mundo pós-internet”.
A transformação dos veículos de comunicação em grandes empresas, com interesses que vão muito além daqueles propriamente midiáticos, fez da informação, definitivamente, uma mercadoria regida pela lógica que comanda o mundo do lucro. Ela, a informação, progressivamente, deixa de ser um bem e um serviço público. Isso se reflete diretamente na qualidade dos noticiários que assistimos todos os dias nos jornais, rádios, televisões e sites. A economia passou a reinar nestes espaços. Todo o resto passou a ser tratado de forma secundária e como um espetáculo. Esse fenômeno é mais dramático na política, onde a cobertura tornou-se, no mais das vezes, uma exploração de fofocas, intrigas e banalidades. As pautas e os espaços prioritários passam a ser definidos pelos interesses econômicos estratégicos dessas empresas.
Grande mídia ignora interesses dos pequenos
Esse poderio econômico tem repercussão direta na vida política e social dos países. Assim, falar da necessidade de democratizar a mídia implica, diretamente, falar da necessidade de democratizar o poder político e econômico. Os interesses econômicos e as articulações políticas decorrentes destes interesses refletem-se diretamente na qualidade da informação oferecida ao público. Não é por acaso que a cobertura política dos grandes veículos mal consegue disfarçar seus interesses econômicos e políticos e ignora quase que completamente os interesses de micros, pequenos e médios empresários.
Para utilizar uma expressão ao gosto dos grandes empresários do setor, precisamos de uma revolução capitalista na comunicação mundial. Mais proprietários, mais veículos, mais produtores de comunicação, produtos de melhor qualidade, consumidores mais exigentes, descentralização dos centros produtores para garantir o direito de todos os cidadãos do mundo terem informação e comunicação de qualidade. Isso, porém, não será feito no modelo atual, fortemente monopolista e excludente. Os empresários da comunicação precisam decidir se querem mesmo fazer comunicação, entendida como um bem de utilidade pública, ou seguirão tratando-a como uma mercadoria qualquer, cujo sucesso, depende de esmagar os competidores a qualquer preço.
Falar de uma comunicação de qualidade, neste cenário, significa falar, entre outras coisas, em liberdade de criação, de difusão e de acesso. Significa compartilhar conhecimentos, recursos, práticas e iniciativas. As palavras “liberdades” e “compartilhamento” expressam, em boa medida, o que é sonegado hoje à maioria das populações globalizadas. Elas apontam para uma visão generosa de um mundo mais solidário, onde a comunicação, o diálogo com o próximo e a criatividade não são reduzidas à condição de mais uma mercadoria destinada a gerar lucro máximo a custo mínimo.
A queda na qualidade do jornalismo é algo assustador que ameaça o futuro da própria democracia. Não se trata, portanto, de um debate restrito aos profissionais do setor, mas de uma agenda de toda a sociedade. É o direito de dispor de uma informação de qualidade que está em jogo. E quando falamos em processos de integração é impossível fazê-lo sem levar em conta a questão da comunicação. Trata-se, afinal de contas, de construir canais de diálogo e informação entre povos que estão afastados e que não conhecem uns a vida dos outros.
É preciso tomar iniciativas concretas nesta direção e é preciso começar já. Mais do que declarações genéricas, precisamos construir iniciativas concretas que mostrem aos cidadãos do mundo a natureza do problema e como ele influencia nas suas vidas diária. Um dos primeiros passos é o fortalecimento da articulação política entre todos aqueles setores preocupados com os temas da integração e da comunicação. Essa articulação pode se traduzir em algumas medidas concretas:
- Incluir o debate sobre a comunicação em todos os eventos que tenham a integração como pauta;
- Criar um espaço virtual para que esse debate possa ocorrer, apontando para a criação de um Fórum Social Mundial da Comunicação;
- Organizar o Fórum Mundial da Comunicação, no âmbito do processo do Fórum Social Mundial. Trabalhar para realizar o primeiro Fórum Mundial da Comunicação no próximo FSM que será realizado no Senegal. Cabe lembrar aqui a importância do Fórum Social Mundial como espaço internacional que se levantou contra o chamado Consenso de Washington, superando em importância mundial o Fórum Econômico de Davos, e que desembocou na eleição de Lula no Brasil e de vários presidentes progressistas na América do Sul.
- Criar uma secretaria geral internacional, para a organização do Fórum, com a participação da Alampyme, da Apyme, da Recom, da Asemce, da Eurochambres e da Altercom, bem como de outras entidades, como a Cexeci, o Media Watch Global, o Observatório Brasileiro de Mídia e outras associações aqui não incluídas, mas que por suas atividades cotidianas, mereçam o convite para participarem.
Todas essas iniciativas podem convergir para uma articulação internacional entre nossos países pela democratização da comunicação e pela construção de uma globalização dos nossos povos e da solidariedade e não apenas do capital.
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A tropa de elite do Instituto Millenium
Reproduzo reportagem de Anselmo Massad, publicada na última edição da Revista do Brasil:
Durante 12 horas de uma segunda-feira, 1º de março, colunistas e comentaristas de alguns dos veículos de comunicação comercial de maior tiragem e audiência no país estiveram reunidos em São Paulo para um tipo de discussão inédito, em um hotel num bairro nobre da cidade. O 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão tinha, como cerne, debater “constantes ameaças” exercidas especialmente por governos sul-americanos – incluindo o brasileiro.
Dois altos comandantes de empresas de comunicação participaram – Roberto Civita, do Grupo Abril, e Otavio Frias Filho, da Folha de S.Paulo. As exposições mais proeminentes, porém, couberam a quem é contratado para emitir opiniões. O geógrafo Demétrio Magnoli (revista Época e Folha), o cineasta Arnaldo Jabor (Jornal da Globo e Rádio CBN), o jornalista Reinaldo Azevedo (Veja Online), o filósofo Denis Rosenfield e outros articulistas protagonizaram as duras acusações ao governo federal, à esquerda e ao PT, no que diz respeito a “atentar contra a liberdade de expressão, de imprensa e a democracia”.
Junto de representantes de empresas de comunicação sul-americanas e de jornalistas como William Waack (Jornal da Globo e Globonews), Carlos Alberto Di Franco (Estadão) e Carlos Alberto Sardenberg (CBN e Globonews) ofereceram um receituário informal para a cobertura do pleito. O conjunto de recomendações funcionaria como um guia sobre como se posicionar, política e partidariamente, durante as eleições presidenciais deste ano.
“Parece-me que, pela primeira vez de uma forma pública, houve um evento com espaço para articular uma pauta”, avalia Cristina Charão, membro do Coletivo Intervozes e editora do Observatório Direito à Comunicação. “Não é só eleitoral, é uma pauta programática”, completa. Ela pondera que, antes, apenas em encontros de entidades patronais, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), empresários do setor se reuniam, mas sem delimitar tão claramente uma plataforma. Desta vez, até os vídeos das palestras estão no YouTube.
Questão de projeto
O organizador do evento foi o Instituto Millenium, associação constituída em 2006 e hoje com status de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Orgulha-se de não receber dinheiro público e lista, entre os colaboradores financeiros, João Roberto Marinho, Jorge Gerdau Johannpeter e Roberto Civita. A ONG assume posições claras de defesa de livre mercado, propriedade privada, democracia representativa, “sem caráter partidário”.
Alguns pontos dessa agenda são: nada de democracia participativa, de políticas de ações afirmativas (como cotas), de presença do Estado na economia ou de constituição de algum mecanismo de controle da sociedade sobre o que se produz em termos de comunicação social, sobretudo aquela veiculada por meio de concessões públicas, como emissoras de rádio e TV. Ou, como definiu Rosenfield, articulista do Estadão e da Folha: “Observamos no Brasil tendências cada vez maiores de cerceamento da liberdade de expressão... O projeto é claro. Só não vê coerência quem não quer”, afirma.
Aliás, mesmo o compromisso das empresas de comunicação comercial com os valores tão caros aos participantes do fórum chegou a ser questionados. Reinaldo Azevedo, blogueiro da Veja, alertou os colegas que a “guerra da democracia do lado de cá” está sendo perdida. Para mudar? “Na hora em que a imprensa decidir e passar a defender os valores que são da democracia, da economia de mercado e do individualismo, e que não se vai dar trela para quem a quer solapar, começaremos a mudar uma certa cultura”, previu.
Demétrio Magnoli contribuiu para apontar a direção almejada. “Se o Serra ganhasse, faríamos uma festa em termos das liberdades. Seria ruim para os fumantes, mas mudaria muito em relação à liberdade de expressão. Mas a perspectiva é de que a Dilma vença”, lamentou.
O humorista Marcelo Madureira assinalou em seu depoimento que “como cidadão se sente ameaçado” naquilo que lhe é mais caro, por ter representado “a luta da minha vida por viver num país democrático”. O casseta não poupou críticas a Lula – “o presidente da República faz da mentira prática política” – e admitiu sua preferência partidária: “Eu sou socialdemocrata, tenho simpatia pelo PSDB. Não tenho nenhuma vergonha de dizer isso. Eu sou oposição hoje. Totalmente”.
Longe dali, o jornalista e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Bernardo Kucinski, colaborador da Revista do Brasil, acredita que se trata de uma tentativa artificial de os empresários da comunicação dizerem que há censura no Brasil por parte do Estado. “Os setores conservadores querem se antecipar a um debate que deve ser feito, que é inevitável, que é o debate do oligopólio dos meios de comunicação”, resume, em entrevista à revista Fórum. “Então eles exacerbam o discurso, que se torna cada vez mais agressivo, raivoso.” Para Kucinski, a afirmação de que há censura no Brasil ou ameaças às liberdades de imprensa não procedem. Segundo ele, houve casos em que o Judiciário manifestou-se em relação a alguns veículos. “Liberdade de quem? É só discurso pela liberdade empresarial”, alfineta.
Partidarismo?
A partir de 2005, quando alguns dos principais expoentes do governo Lula sofriam um bombardeio de acusações, defensores do governo foram progressivamente se inclinando a um discurso de enfrentamento à mídia. Refutavam denúncias atribuindo-lhes caráter de golpismo e defesa de interesses da elite brasileira. A expressão mais famosa foi cunhada pelo deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), e tornada famosa na blogosfera após adoção pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, em seu Conversa Afiada: Partido da Imprensa Golpista, o PIG.
Agora, passado o encontro de 1º de março, ganharam novo ímpeto as acusações de conspiração por parte da mídia. Um dos relatos mais detalhados, que poderia até soar como teoria da conspiração se não tivesse tantas aplicações práticas no dia a dia da imprensa, é assinado pelo jornalista Mauro Carrara, que nomeia como “Tempestade no Cerrado” uma nova operação de bombardeio midiático sobre o governo Lula. A paródia de “Tempestade no Deserto”, ação militar dos Estados Unidos na primeira Guerra do Golfo, em 1990, envolveria ataques por frentes variadas e com intensidade – como resgatar o “mensalão”, vincular Lula ao Irã e a Cuba, destacar notícias econômicas negativas, e por aí afora.
O professor Venício Lima, do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), pondera: “Como no Brasil não há restrições à propriedade cruzada de tipos de canais, os conglomerados são multimídia – donos de jornais, rádios, TVs e grandes portais –, o que reduz o número de empresas a poucos grupos em todo o país”, lembra. O professor organizou um livro sobre o papel dos principais veículos na campanha de 2006, incluindo três estudos quantitativos – do Observatório Brasileiro de Mídia, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP) – a respeito da cobertura. Todos indicaram predisposição para favorecer o então candidato da oposição, Geraldo Alckmin (PSDB).
Para Venício, seria uma conduta de lealdade, honestidade e correção ética se a mídia assumisse a preferência por seus candidatos, prática de exceção no Brasil, adotada apenas por O Estado de S. Paulo, entre a mídia convencional. Ou por Carta Capital, entre as revistas comerciais, e esta RdB, em 2006 – a exemplo do que fazem veículos importantes nos Estados Unidos.
“É uma situação mais ou menos invertida em relação ao Brasil: lá (nos EUA), ao assumir o apoio, há um esforço para que essa posição não contamine a cobertura jornalística”, aponta Venício. “Aqui, os grupos de mídia, embora não declarem abertamente o apoio a um candidato, essa posição fica cada vez mais explícita por contaminar a cobertura. Mesmo assim há certa subestimação da capacidade crítica do público, de que adotam conduta imparcial”, compara.
Em outros momentos da história política recente do país, as grandes coberturas da imprensa não davam indicações de haver uma articulação orquestrada. O chamado “pensamento único” em relação a temas como privatizações, flexibilização de direitos trabalhistas, liberdade para o próprio mercado ditar os rumos da economia, etc., parecia fluir de um entendimento tácito. Agora, o fórum do Instituto Millenium expõe uma conduta organizada e inédita. Os desdobramentos dessa articulação poderão ser acompanhados com a chegada da temporada eleitoral. E qual será o peso dessa unidade frente ao potencial da internet de multiplicar o acesso à informação – em ascensão inclusive nas classes C e D? A conferir, nos próximos capítulos.
Cartilha ou coincidência?
O 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão explicitou posições políticas da mídia conservadora. Há quem diga que o receituário sempre esteve presente no noticiário. Outros apostam num recrudescimento do chamado “pensamento único” a partir dessa articulação inédita em torno de pautas como:
- “Novo comando do PT ataca mídia na 1ª reunião” (O Globo, 6/3/2010: “A cúpula do PT está disposta a intensificar o debate ideológico sobre o papel da mídia na cobertura da campanha presidencial”).
- “Liberdade em risco” (Zero Hora, 6/3/2010, em editorial: “As constantes tentativas de interferência na atuação da imprensa têm mais defensores entre integrantes do Partido dos Trabalhadores do que no governo”).
Críticas à política externa
- “Presidente é cúmplice da tirania, afirma grevista” (Folha, 10/3/2010, sobre comportamento de Lula em visita a Cuba).
- “Defesa do Teerã reforça isolamento brasileiro” (Folha, 4/3/2010, análise aponta “soberba” da política externa por defender diálogo com o Irã mesmo frente a Hillary Clinton, secretária de Estado norte-americana).
Desqualificar Dilma Rousseff
- “A questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo” (fala de Arnaldo Jabor, no fórum).
- “Novata, Dilma obedece aos veteranos do PT” (Folha, 21/3/2010. Direta como a reportagem, uma charge mostrava Dilma como uma marionete controlada pelos tais “veteranos”).
Assumir posição eleitoral
- “A imprensa tem que acabar com o isentismo (sic) e o outroladismo (sic), essa história de dar o mesmo espaço a todos” (fala de Reinaldo Azevedo no fórum).
- “Serra vai se lançar candidato defendendo ‘Estado ativo’” (Estadão, 13/3/2010, manchete da edição que inaugurava o novo projeto visual. “Sinceridade, serenidade, crítica sem agressão, propostas no lugar de promessas são as linhas gerais da campanha presidencial do governador de São Paulo, José Serra”).
- “Enfim, candidato! Serra admite na TV que concorrerá à Presidência” (Veja, 22/3/2010).
- “Serra comemora aniversário em meio à agenda intensa” (Folha Online, 19/3/2010. “Nem mesmo em seu aniversário o governador deixará sua agenda pública de lado, que nos últimos dias anda cheia por conta das obras e realizações que pretende inaugurar antes do prazo máximo para a desincompatibilização do cargo para a disputa eleitoral, no início de abril”).
Combater intervenções do Estado
- “Banda larga é eleitoral” (Estadão, 13/3/2010. Ethevaldo Siqueira, articulista de tecnologia, critica a proposta de uso de redes públicas de fibra óptica para fornecer acesso à internet em alta velocidade a todo o país).
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Durante 12 horas de uma segunda-feira, 1º de março, colunistas e comentaristas de alguns dos veículos de comunicação comercial de maior tiragem e audiência no país estiveram reunidos em São Paulo para um tipo de discussão inédito, em um hotel num bairro nobre da cidade. O 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão tinha, como cerne, debater “constantes ameaças” exercidas especialmente por governos sul-americanos – incluindo o brasileiro.
Dois altos comandantes de empresas de comunicação participaram – Roberto Civita, do Grupo Abril, e Otavio Frias Filho, da Folha de S.Paulo. As exposições mais proeminentes, porém, couberam a quem é contratado para emitir opiniões. O geógrafo Demétrio Magnoli (revista Época e Folha), o cineasta Arnaldo Jabor (Jornal da Globo e Rádio CBN), o jornalista Reinaldo Azevedo (Veja Online), o filósofo Denis Rosenfield e outros articulistas protagonizaram as duras acusações ao governo federal, à esquerda e ao PT, no que diz respeito a “atentar contra a liberdade de expressão, de imprensa e a democracia”.
Junto de representantes de empresas de comunicação sul-americanas e de jornalistas como William Waack (Jornal da Globo e Globonews), Carlos Alberto Di Franco (Estadão) e Carlos Alberto Sardenberg (CBN e Globonews) ofereceram um receituário informal para a cobertura do pleito. O conjunto de recomendações funcionaria como um guia sobre como se posicionar, política e partidariamente, durante as eleições presidenciais deste ano.
“Parece-me que, pela primeira vez de uma forma pública, houve um evento com espaço para articular uma pauta”, avalia Cristina Charão, membro do Coletivo Intervozes e editora do Observatório Direito à Comunicação. “Não é só eleitoral, é uma pauta programática”, completa. Ela pondera que, antes, apenas em encontros de entidades patronais, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), empresários do setor se reuniam, mas sem delimitar tão claramente uma plataforma. Desta vez, até os vídeos das palestras estão no YouTube.
Questão de projeto
O organizador do evento foi o Instituto Millenium, associação constituída em 2006 e hoje com status de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Orgulha-se de não receber dinheiro público e lista, entre os colaboradores financeiros, João Roberto Marinho, Jorge Gerdau Johannpeter e Roberto Civita. A ONG assume posições claras de defesa de livre mercado, propriedade privada, democracia representativa, “sem caráter partidário”.
Alguns pontos dessa agenda são: nada de democracia participativa, de políticas de ações afirmativas (como cotas), de presença do Estado na economia ou de constituição de algum mecanismo de controle da sociedade sobre o que se produz em termos de comunicação social, sobretudo aquela veiculada por meio de concessões públicas, como emissoras de rádio e TV. Ou, como definiu Rosenfield, articulista do Estadão e da Folha: “Observamos no Brasil tendências cada vez maiores de cerceamento da liberdade de expressão... O projeto é claro. Só não vê coerência quem não quer”, afirma.
Aliás, mesmo o compromisso das empresas de comunicação comercial com os valores tão caros aos participantes do fórum chegou a ser questionados. Reinaldo Azevedo, blogueiro da Veja, alertou os colegas que a “guerra da democracia do lado de cá” está sendo perdida. Para mudar? “Na hora em que a imprensa decidir e passar a defender os valores que são da democracia, da economia de mercado e do individualismo, e que não se vai dar trela para quem a quer solapar, começaremos a mudar uma certa cultura”, previu.
Demétrio Magnoli contribuiu para apontar a direção almejada. “Se o Serra ganhasse, faríamos uma festa em termos das liberdades. Seria ruim para os fumantes, mas mudaria muito em relação à liberdade de expressão. Mas a perspectiva é de que a Dilma vença”, lamentou.
O humorista Marcelo Madureira assinalou em seu depoimento que “como cidadão se sente ameaçado” naquilo que lhe é mais caro, por ter representado “a luta da minha vida por viver num país democrático”. O casseta não poupou críticas a Lula – “o presidente da República faz da mentira prática política” – e admitiu sua preferência partidária: “Eu sou socialdemocrata, tenho simpatia pelo PSDB. Não tenho nenhuma vergonha de dizer isso. Eu sou oposição hoje. Totalmente”.
Longe dali, o jornalista e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Bernardo Kucinski, colaborador da Revista do Brasil, acredita que se trata de uma tentativa artificial de os empresários da comunicação dizerem que há censura no Brasil por parte do Estado. “Os setores conservadores querem se antecipar a um debate que deve ser feito, que é inevitável, que é o debate do oligopólio dos meios de comunicação”, resume, em entrevista à revista Fórum. “Então eles exacerbam o discurso, que se torna cada vez mais agressivo, raivoso.” Para Kucinski, a afirmação de que há censura no Brasil ou ameaças às liberdades de imprensa não procedem. Segundo ele, houve casos em que o Judiciário manifestou-se em relação a alguns veículos. “Liberdade de quem? É só discurso pela liberdade empresarial”, alfineta.
Partidarismo?
A partir de 2005, quando alguns dos principais expoentes do governo Lula sofriam um bombardeio de acusações, defensores do governo foram progressivamente se inclinando a um discurso de enfrentamento à mídia. Refutavam denúncias atribuindo-lhes caráter de golpismo e defesa de interesses da elite brasileira. A expressão mais famosa foi cunhada pelo deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), e tornada famosa na blogosfera após adoção pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, em seu Conversa Afiada: Partido da Imprensa Golpista, o PIG.
Agora, passado o encontro de 1º de março, ganharam novo ímpeto as acusações de conspiração por parte da mídia. Um dos relatos mais detalhados, que poderia até soar como teoria da conspiração se não tivesse tantas aplicações práticas no dia a dia da imprensa, é assinado pelo jornalista Mauro Carrara, que nomeia como “Tempestade no Cerrado” uma nova operação de bombardeio midiático sobre o governo Lula. A paródia de “Tempestade no Deserto”, ação militar dos Estados Unidos na primeira Guerra do Golfo, em 1990, envolveria ataques por frentes variadas e com intensidade – como resgatar o “mensalão”, vincular Lula ao Irã e a Cuba, destacar notícias econômicas negativas, e por aí afora.
O professor Venício Lima, do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), pondera: “Como no Brasil não há restrições à propriedade cruzada de tipos de canais, os conglomerados são multimídia – donos de jornais, rádios, TVs e grandes portais –, o que reduz o número de empresas a poucos grupos em todo o país”, lembra. O professor organizou um livro sobre o papel dos principais veículos na campanha de 2006, incluindo três estudos quantitativos – do Observatório Brasileiro de Mídia, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP) – a respeito da cobertura. Todos indicaram predisposição para favorecer o então candidato da oposição, Geraldo Alckmin (PSDB).
Para Venício, seria uma conduta de lealdade, honestidade e correção ética se a mídia assumisse a preferência por seus candidatos, prática de exceção no Brasil, adotada apenas por O Estado de S. Paulo, entre a mídia convencional. Ou por Carta Capital, entre as revistas comerciais, e esta RdB, em 2006 – a exemplo do que fazem veículos importantes nos Estados Unidos.
“É uma situação mais ou menos invertida em relação ao Brasil: lá (nos EUA), ao assumir o apoio, há um esforço para que essa posição não contamine a cobertura jornalística”, aponta Venício. “Aqui, os grupos de mídia, embora não declarem abertamente o apoio a um candidato, essa posição fica cada vez mais explícita por contaminar a cobertura. Mesmo assim há certa subestimação da capacidade crítica do público, de que adotam conduta imparcial”, compara.
Em outros momentos da história política recente do país, as grandes coberturas da imprensa não davam indicações de haver uma articulação orquestrada. O chamado “pensamento único” em relação a temas como privatizações, flexibilização de direitos trabalhistas, liberdade para o próprio mercado ditar os rumos da economia, etc., parecia fluir de um entendimento tácito. Agora, o fórum do Instituto Millenium expõe uma conduta organizada e inédita. Os desdobramentos dessa articulação poderão ser acompanhados com a chegada da temporada eleitoral. E qual será o peso dessa unidade frente ao potencial da internet de multiplicar o acesso à informação – em ascensão inclusive nas classes C e D? A conferir, nos próximos capítulos.
Cartilha ou coincidência?
O 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão explicitou posições políticas da mídia conservadora. Há quem diga que o receituário sempre esteve presente no noticiário. Outros apostam num recrudescimento do chamado “pensamento único” a partir dessa articulação inédita em torno de pautas como:
- “Novo comando do PT ataca mídia na 1ª reunião” (O Globo, 6/3/2010: “A cúpula do PT está disposta a intensificar o debate ideológico sobre o papel da mídia na cobertura da campanha presidencial”).
- “Liberdade em risco” (Zero Hora, 6/3/2010, em editorial: “As constantes tentativas de interferência na atuação da imprensa têm mais defensores entre integrantes do Partido dos Trabalhadores do que no governo”).
Críticas à política externa
- “Presidente é cúmplice da tirania, afirma grevista” (Folha, 10/3/2010, sobre comportamento de Lula em visita a Cuba).
- “Defesa do Teerã reforça isolamento brasileiro” (Folha, 4/3/2010, análise aponta “soberba” da política externa por defender diálogo com o Irã mesmo frente a Hillary Clinton, secretária de Estado norte-americana).
Desqualificar Dilma Rousseff
- “A questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo” (fala de Arnaldo Jabor, no fórum).
- “Novata, Dilma obedece aos veteranos do PT” (Folha, 21/3/2010. Direta como a reportagem, uma charge mostrava Dilma como uma marionete controlada pelos tais “veteranos”).
Assumir posição eleitoral
- “A imprensa tem que acabar com o isentismo (sic) e o outroladismo (sic), essa história de dar o mesmo espaço a todos” (fala de Reinaldo Azevedo no fórum).
- “Serra vai se lançar candidato defendendo ‘Estado ativo’” (Estadão, 13/3/2010, manchete da edição que inaugurava o novo projeto visual. “Sinceridade, serenidade, crítica sem agressão, propostas no lugar de promessas são as linhas gerais da campanha presidencial do governador de São Paulo, José Serra”).
- “Enfim, candidato! Serra admite na TV que concorrerá à Presidência” (Veja, 22/3/2010).
- “Serra comemora aniversário em meio à agenda intensa” (Folha Online, 19/3/2010. “Nem mesmo em seu aniversário o governador deixará sua agenda pública de lado, que nos últimos dias anda cheia por conta das obras e realizações que pretende inaugurar antes do prazo máximo para a desincompatibilização do cargo para a disputa eleitoral, no início de abril”).
Combater intervenções do Estado
- “Banda larga é eleitoral” (Estadão, 13/3/2010. Ethevaldo Siqueira, articulista de tecnologia, critica a proposta de uso de redes públicas de fibra óptica para fornecer acesso à internet em alta velocidade a todo o país).
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A guerrilha eleitoral na internet
Reproduzo entrevista concedida a Juliana Sada, publicada no blog Escrevinhador:
A cinco meses das eleições, a internet já é campo de uma batalha intensa entre os partidários dos diversos candidatos. Para além das páginas oficias, se destacam as publicações feitas por pessoas comuns – sem ter necessariamente ligação oficial com o partido ou estar a serviço dele. Os conteúdos são publicados por meio de diversas ferramentas que se tornam cada vez mais populares entre os brasileiros; é o caso do Twitter, Facebook, YouTube, Orkut e dos já conhecidos blogs.
Na campanha eleitoral, estas ferramentas serão as novas armas dos publicitários seguindo o exemplo do que foi feito na campanha de Barack Obama, na qual as redes sociais foram um trunfo do candidato vencedor. A campanha do PT já tem como consultores os publicitários da campanha de Obama. Procurados também pelo PSDB, eles afirmaram não fazer campanha para partidos conservadores. Além da campanha oficial, ambos partidos já montaram uma estrutura para dar suporte a simpatizantes que desejem disseminar informações e campanhas pela internet.
Para debater o assunto, Escrevinhador conversou com Ronaldo Lemos, professor titular e coordenador da área de propriedade intelectual da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (RJ) e diretor do Creative Commons no Brasil.
As redes sociais são um fenômeno relativamente novo e ainda muito do seu potencial está sendo explorado. Na sua visão, qual o nível de aproveitamento destas ferramentas no Brasil?
Ronaldo Lemos: De um modo geral, sem considerar o contexto das eleições, o uso das redes sociais e demais ferramentas (como blogs, twitter etc) é intenso no Brasil. No entanto, é essencialmente um uso não-profissional. Falta ainda no Brasil um grau maior empreendedorismo tanto nas redes sociais (com o desenvolvimento de aplicações, por exemplo), quanto na produção e profissionalização de conteúdo online descentralizados. No Brasil, grande parte da produção de conteúdo profissional na web é feita pelas empresas de tradicionais de mídia.
Uma das inovações trazidas pelas redes sociais é a possibilidade de indivíduos comuns serem emissores de opiniões e mensagens, realizando uma comunicação descentralizada. Entretanto, as redes sociais já são largamente utilizadas pela publicidade Isso traz algum prejuízo à possibilidade das pessoas serem emissores?
Esse ponto é importante. Muitas vezes a comunicação pela web faz perder um pedaço importante da informação: quem é o seu emissor. Nesse sentido, mensagens comerciais ou partidárias são muitas vezes lançadas na rede como se fossem comunicação casual entre pessoas. Casos extremos a esse respeito acontecem, por exemplo, na China, onde o governo chegou a pagar R$ 0,10 por comentário anônimo postado nas redes sociais e sites que fossem favoráveis ao governo. Nesse sentido, é importante lembrar que o uso da web dá sim poder para as pessoas, mas organizações, partidos políticos e governos, inclusive os autoritários, aprenderam rápido a se valer também dessas ferramentas.
Durante a campanha de Barack Obama, as redes sociais (tanto oficiais quanto de apoiadores) foram fundamentais. Isto já foi percebido pelos políticos brasileiro que já preparam campanhas que explorarão mais as redes. Você espera que surta o mesmo efeito aqui? Tendo em vista que o uso à internet no Brasil é muito distinto do estadunidense.
A internet vai modificar bastante a dinâmica das campanhas e dá para antever disputas acirradas pela rede. No entanto, sua capacidade de influenciar as eleições majoritárias, como presidente e governadores, a meu ver, ainda é pequena. Obviamente não dá para deixar a internet de lado, mas ela não será um fator central de decisão nessas campanhas. No entanto, a rede permitirá pela primeira vez o surgimento de candidaturas de "nicho", por exemplo, para o Congresso e Assembléias Legislativas estaduais, com novas vozes que sem a internet não teriam chance.
Este panorama também depende da iniciativa das pessoas em participarem da campanha como apoiador. Isso pode criar uma nova maneira de ativismo ou engajamento?
Pode sim. O que fez muita diferença nos EUA foi a possibilidade dos eleitores doarem dinheiro descentralizadamente para seus candidatos através da internet. No Brasil isso passou a ser possível também, mas por razões culturais, não creio que essa prática será significativa para essas eleições, com um volume baixo de doações sendo feito dessa forma.
Nas últimas semanas, temos visto já uma acirrada disputa na internet entre partidários da Dilma Roussef e do José Serra. De um lado temos páginas oficiais sendo criadas para atacar os candidatos (caso do gentequemente do PSDB, por exemplo) e de outro, temos as páginas não oficiais que se dão ao direito que recorrer a xingamentos, sátiras mais pesadas... Esse panorama é esperado? Que tipo de regulação pode ser aplicada nestes casos?
A lei eleitoral manteve o direito de resposta para sites que fazem campanha. Dá para esperar um número grande de ações nos tribunais eleitorais a esse respeito. Mas controlar o conteúdo na web é tarefa difícil e isso é bom. Essas eleições serão um passo importante no sentido de maior amadurecimento da esfera pública brasileiro. Nesse sentido, a campanha pela internet entrega cada vez mais ao eleitor a responsabilidade de ponderar e interpretar o valor de cada informação emitida na rede.
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A cinco meses das eleições, a internet já é campo de uma batalha intensa entre os partidários dos diversos candidatos. Para além das páginas oficias, se destacam as publicações feitas por pessoas comuns – sem ter necessariamente ligação oficial com o partido ou estar a serviço dele. Os conteúdos são publicados por meio de diversas ferramentas que se tornam cada vez mais populares entre os brasileiros; é o caso do Twitter, Facebook, YouTube, Orkut e dos já conhecidos blogs.
Na campanha eleitoral, estas ferramentas serão as novas armas dos publicitários seguindo o exemplo do que foi feito na campanha de Barack Obama, na qual as redes sociais foram um trunfo do candidato vencedor. A campanha do PT já tem como consultores os publicitários da campanha de Obama. Procurados também pelo PSDB, eles afirmaram não fazer campanha para partidos conservadores. Além da campanha oficial, ambos partidos já montaram uma estrutura para dar suporte a simpatizantes que desejem disseminar informações e campanhas pela internet.
Para debater o assunto, Escrevinhador conversou com Ronaldo Lemos, professor titular e coordenador da área de propriedade intelectual da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (RJ) e diretor do Creative Commons no Brasil.
As redes sociais são um fenômeno relativamente novo e ainda muito do seu potencial está sendo explorado. Na sua visão, qual o nível de aproveitamento destas ferramentas no Brasil?
Ronaldo Lemos: De um modo geral, sem considerar o contexto das eleições, o uso das redes sociais e demais ferramentas (como blogs, twitter etc) é intenso no Brasil. No entanto, é essencialmente um uso não-profissional. Falta ainda no Brasil um grau maior empreendedorismo tanto nas redes sociais (com o desenvolvimento de aplicações, por exemplo), quanto na produção e profissionalização de conteúdo online descentralizados. No Brasil, grande parte da produção de conteúdo profissional na web é feita pelas empresas de tradicionais de mídia.
Uma das inovações trazidas pelas redes sociais é a possibilidade de indivíduos comuns serem emissores de opiniões e mensagens, realizando uma comunicação descentralizada. Entretanto, as redes sociais já são largamente utilizadas pela publicidade Isso traz algum prejuízo à possibilidade das pessoas serem emissores?
Esse ponto é importante. Muitas vezes a comunicação pela web faz perder um pedaço importante da informação: quem é o seu emissor. Nesse sentido, mensagens comerciais ou partidárias são muitas vezes lançadas na rede como se fossem comunicação casual entre pessoas. Casos extremos a esse respeito acontecem, por exemplo, na China, onde o governo chegou a pagar R$ 0,10 por comentário anônimo postado nas redes sociais e sites que fossem favoráveis ao governo. Nesse sentido, é importante lembrar que o uso da web dá sim poder para as pessoas, mas organizações, partidos políticos e governos, inclusive os autoritários, aprenderam rápido a se valer também dessas ferramentas.
Durante a campanha de Barack Obama, as redes sociais (tanto oficiais quanto de apoiadores) foram fundamentais. Isto já foi percebido pelos políticos brasileiro que já preparam campanhas que explorarão mais as redes. Você espera que surta o mesmo efeito aqui? Tendo em vista que o uso à internet no Brasil é muito distinto do estadunidense.
A internet vai modificar bastante a dinâmica das campanhas e dá para antever disputas acirradas pela rede. No entanto, sua capacidade de influenciar as eleições majoritárias, como presidente e governadores, a meu ver, ainda é pequena. Obviamente não dá para deixar a internet de lado, mas ela não será um fator central de decisão nessas campanhas. No entanto, a rede permitirá pela primeira vez o surgimento de candidaturas de "nicho", por exemplo, para o Congresso e Assembléias Legislativas estaduais, com novas vozes que sem a internet não teriam chance.
Este panorama também depende da iniciativa das pessoas em participarem da campanha como apoiador. Isso pode criar uma nova maneira de ativismo ou engajamento?
Pode sim. O que fez muita diferença nos EUA foi a possibilidade dos eleitores doarem dinheiro descentralizadamente para seus candidatos através da internet. No Brasil isso passou a ser possível também, mas por razões culturais, não creio que essa prática será significativa para essas eleições, com um volume baixo de doações sendo feito dessa forma.
Nas últimas semanas, temos visto já uma acirrada disputa na internet entre partidários da Dilma Roussef e do José Serra. De um lado temos páginas oficiais sendo criadas para atacar os candidatos (caso do gentequemente do PSDB, por exemplo) e de outro, temos as páginas não oficiais que se dão ao direito que recorrer a xingamentos, sátiras mais pesadas... Esse panorama é esperado? Que tipo de regulação pode ser aplicada nestes casos?
A lei eleitoral manteve o direito de resposta para sites que fazem campanha. Dá para esperar um número grande de ações nos tribunais eleitorais a esse respeito. Mas controlar o conteúdo na web é tarefa difícil e isso é bom. Essas eleições serão um passo importante no sentido de maior amadurecimento da esfera pública brasileiro. Nesse sentido, a campanha pela internet entrega cada vez mais ao eleitor a responsabilidade de ponderar e interpretar o valor de cada informação emitida na rede.
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TV por assinatura e legislação no varejo
Reproduzo artigo do professor Laurindo Lalo Leal Filho, publicado no sítio Carta Maior:
Arrasta-se desde 2007 a discussão na Câmara dos Deputados em torno de um Projeto de Lei, conhecido como PL-29, destinado a regulamentar o funcionamento da TV por assinatura no Brasil. Um setor que é, ao mesmo tempo, oligopolista e campeão de reclamações nos serviços de defesa do consumidor. Além de cobrar tarifas elevadas por seus serviços, muito superiores às praticadas em outros países.
As reclamações têm fundamento. As operadoras desse sistema além da tarifa mensal, obtém receita de publicidade e do aluguel de espaço para canais de vendas e religiosos. Ou seja, o consumidor compra um produto televisivo e é obrigado a assistir o que não lhe interessa. Na verdade ele paga duas vezes: a assinatura e o percentual destinado à propaganda embutido nos produtos que consome e que são anunciados por esses canais. Há algo errado aí.
A TV por assinatura chega aos domicílios basicamente por três caminhos: através do cabo que detêm 61% do mercado e onde o domínio é da Net, via satélite com 34%, reduto da Sky e por micro-ondas com 5%. Com isso, as operadoras impõe regras e preços a seu critério.
No projeto de lei apresentado à Câmara o propósito inicial era o de regulamentar a entrada das empresas de telefonia no setor. Para evitar a ocupação total das grades de programação por filmes e programas estrangeiros, surgiu a proposta do estabelecimento de cotas destinadas a garantir espaço à produção nacional. Foi o que bastou para despertar a ira dos radiodifusores. Eles não admitem nenhuma limitação social ao seu negócio. E, a partir dai, a tramitação do PL-29 empacou.
Segundo a revista Tele-Time, para ajudar a esvaziar o projeto, “a Sky teria procurado a bancada evangélica da Câmara dos Deputados, uma das de maior peso nas negociações parlamentares, e ponderado que, se aprovado o regime de cotas previsto no PL 29, os canais religiosos corriam o risco de ser retirados de sua programação”.
A ameaça pode fazer com que o projeto seja remetido para o Plenário, ao invés de terminar na Comissão, como estava previsto. E lá, diante de tanta celeuma, dificilmente seria aprovado.
Na verdade, esse caso é apenas uma pequena amostra das dificuldades em se legislar sobre a radiodifusão no Brasil. E serve para encobrir uma questão que é escamoteada há muito mais tempo: a elaboração de uma nova lei geral para o setor no país. Promulgada em 1962, a lei é do tempo da TV em preto e branco, de uma época em que o video-tape era uma grande novidade permitindo, por exemplo, ao humorista Chico Anísio dialogar com ele mesmo, no ar, para deslumbramento da platéia. Hoje, quase 50 anos depois, com a TV digital já implantada, a lei permanece a mesma. A consequência é que vivemos a política do vale-tudo. E nesse esporte ganham os mais fortes, no caso as grandes empresas de rádio e de televisão.
Para não mexer no geral, trata-se do particular. Como nesse caso da TV por assinatura. Enquanto esse serviço atinge menos de oito milhões de domicílios, a TV aberta cobre todo o país, mas escapa de qualquer regulação. Uma legislação que coíba os abusos da TV fechada será sempre bem-vinda, mas o ideal é que ela seja parte de um todo muito maior. De uma lei que ponha a TV brasileira nos eixos.
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Arrasta-se desde 2007 a discussão na Câmara dos Deputados em torno de um Projeto de Lei, conhecido como PL-29, destinado a regulamentar o funcionamento da TV por assinatura no Brasil. Um setor que é, ao mesmo tempo, oligopolista e campeão de reclamações nos serviços de defesa do consumidor. Além de cobrar tarifas elevadas por seus serviços, muito superiores às praticadas em outros países.
As reclamações têm fundamento. As operadoras desse sistema além da tarifa mensal, obtém receita de publicidade e do aluguel de espaço para canais de vendas e religiosos. Ou seja, o consumidor compra um produto televisivo e é obrigado a assistir o que não lhe interessa. Na verdade ele paga duas vezes: a assinatura e o percentual destinado à propaganda embutido nos produtos que consome e que são anunciados por esses canais. Há algo errado aí.
A TV por assinatura chega aos domicílios basicamente por três caminhos: através do cabo que detêm 61% do mercado e onde o domínio é da Net, via satélite com 34%, reduto da Sky e por micro-ondas com 5%. Com isso, as operadoras impõe regras e preços a seu critério.
No projeto de lei apresentado à Câmara o propósito inicial era o de regulamentar a entrada das empresas de telefonia no setor. Para evitar a ocupação total das grades de programação por filmes e programas estrangeiros, surgiu a proposta do estabelecimento de cotas destinadas a garantir espaço à produção nacional. Foi o que bastou para despertar a ira dos radiodifusores. Eles não admitem nenhuma limitação social ao seu negócio. E, a partir dai, a tramitação do PL-29 empacou.
Segundo a revista Tele-Time, para ajudar a esvaziar o projeto, “a Sky teria procurado a bancada evangélica da Câmara dos Deputados, uma das de maior peso nas negociações parlamentares, e ponderado que, se aprovado o regime de cotas previsto no PL 29, os canais religiosos corriam o risco de ser retirados de sua programação”.
A ameaça pode fazer com que o projeto seja remetido para o Plenário, ao invés de terminar na Comissão, como estava previsto. E lá, diante de tanta celeuma, dificilmente seria aprovado.
Na verdade, esse caso é apenas uma pequena amostra das dificuldades em se legislar sobre a radiodifusão no Brasil. E serve para encobrir uma questão que é escamoteada há muito mais tempo: a elaboração de uma nova lei geral para o setor no país. Promulgada em 1962, a lei é do tempo da TV em preto e branco, de uma época em que o video-tape era uma grande novidade permitindo, por exemplo, ao humorista Chico Anísio dialogar com ele mesmo, no ar, para deslumbramento da platéia. Hoje, quase 50 anos depois, com a TV digital já implantada, a lei permanece a mesma. A consequência é que vivemos a política do vale-tudo. E nesse esporte ganham os mais fortes, no caso as grandes empresas de rádio e de televisão.
Para não mexer no geral, trata-se do particular. Como nesse caso da TV por assinatura. Enquanto esse serviço atinge menos de oito milhões de domicílios, a TV aberta cobre todo o país, mas escapa de qualquer regulação. Uma legislação que coíba os abusos da TV fechada será sempre bem-vinda, mas o ideal é que ela seja parte de um todo muito maior. De uma lei que ponha a TV brasileira nos eixos.
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Os jornais e os seus leitores
Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
Joseph T. Klapper (1917-1984), ex-diretor do departamento de pesquisa da CBS (Columbia Broadcasting System), é geralmente lembrado por ser o principal articulador da teoria dos efeitos limitados da comunicação. Seu clássico The Effects of Mass Communication (Free Press, NY, 1960), resultado de uma longa pesquisa realizada nos Estados Unidos e financiada pela própria CBS, concluiu que "a capacidade de influência da comunicação de massa limita-se, sobretudo, ao reforço de valores, comportamentos e atitudes, mais do que a uma capacidade real de os modificar ou manipular".
Muito aconteceu nas comunicações e na pesquisa desse campo de estudos nos últimos 50 anos. Passamos da era dos jornais, das revistas e do rádio para a era da televisão e, mais recentemente, para a era digital da internet. O leitor/espectador deixou de ser erroneamente considerado como um sujeito passivo e, claro, hoje se sabe que os poderosos "efeitos" da comunicação de massa se manifestam, sobretudo, no longo prazo.
De qualquer maneira, muito do que se supunha ser verdade "científica" em relação aos hábitos de consumo da mídia impressa – jornais e revistas – parece ainda fazer sentido. E muito.
Jornalões no Brasil
Há cerca de doze anos, o professor Bernardo Kucinski, referindo-se aos jornalões brasileiros, fez uma afirmação – à qual já recorri inúmeras vezes – que dizia o seguinte:
"A elite dominante é ao mesmo tempo a fonte, a protagonista e a leitora das notícias; uma circularidade que exclui a massa da população da dimensão escrita do espaço público definido pelos meios de comunicação de massa" ("Mídia da Exclusão" in A Síndrome da Antena Parabólica, Editora Perseu Abramo, 1998).
Os resultados da pesquisa Datafolha, divulgados no domingo (2/5) pela Folha de S.Paulo, confirmam tanto as conclusões de Klapper como a afirmação de Kucinski.
Pesquisa Datafolha
Matéria sob o título "Leitor aprova corbertura eleitoral da Folha” descreve a pesquisa Datafolha realizada junto a 350 leitores, assinantes e secundários (que leem o exemplar do assinante), moradores da Grande São Paulo e que leem a Folha ao menos uma vez por semana. A pesquisa foi realizada no período entre 19 e 20 de abril e a margem de erro máxima é de cinco pontos percentuais, para mais ou para menos.
Os dados revelam que a grande maioria dos leitores (74%) não considera que a Folha favoreça alguma das pré-candidaturas à Presidência. Entre os que veem algum favorecimento, 13% apontam o tucano José Serra como beneficiado pela cobertura e 6% a petista Dilma Rousseff.
Em relação especificamente à cobertura do governo Lula, 67% dos leitores avaliam a Folha como "crítica na medida certa", enquanto outros 21% consideram o jornal "menos crítico do que o necessário". Apenas 9% consideram o jornal "mais crítico do que o necessário" quando o assunto é a gestão de Lula.
Com relação à intenção de voto, a pesquisa mostra que 40% dos leitores disseram espontaneamente que devem votar em Serra para presidente. A ex-ministra Dilma tem 10% das preferências dos leitores. A senadora licenciada Marina Silva, 6%. Quando os leitores são estimulados pelos pesquisadores a escolher em quem votar a partir de uma lista de candidatos, a preferência a favor de Serra é ainda maior: chega a 54%, ante os 18% de Marina e 15% de Dilma.
Na análise por segmentos, Serra destaca-se entre os leitores de 70 anos ou mais (70%), os que possuem ensino fundamental e médio (61%) e entre os que ganham entre 10 e 20 salários mínimos (62%). Marina tem seu melhor desempenho entre os mais jovens, de 16 a 29 anos, e entre os que ganham até dez salários mínimos (23%). Dilma tem a preferência dos leitores homens (20%) e dos que ganham mais de 20 salários mínimos (23%).
Leitura alternativa
Uma outra leitura dos resultados da pesquisa Datafolha poderia corretamente afirmar que a Folha é um jornal cuja maioria dos leitores:
1. Tem renda acima de 10 salários mínimos (eleitores de Serra, 54% e Dilma, 15%);
2. Não considera que sua cobertura favoreça alguma das pré-candidaturas à Presidência da República;
3. Considera a cobertura do governo Lula "crítica na medida certa" (67%) ou "menos crítica do que o necessário" (21%);
4. Declara sua intenção de votar em José Serra (54%).
Ou ainda se poderia ler corretamente a pesquisa concluindo que a Folha é um jornal cuja maioria dos leitores tem renda acima de 10 salários mínimos, é tucana e, em boa parte, gostaria de ver o jornal mais crítico em relação ao governo Lula. Em resumo: os jornalões são "a cara" de seus leitores. Ou não são?
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Joseph T. Klapper (1917-1984), ex-diretor do departamento de pesquisa da CBS (Columbia Broadcasting System), é geralmente lembrado por ser o principal articulador da teoria dos efeitos limitados da comunicação. Seu clássico The Effects of Mass Communication (Free Press, NY, 1960), resultado de uma longa pesquisa realizada nos Estados Unidos e financiada pela própria CBS, concluiu que "a capacidade de influência da comunicação de massa limita-se, sobretudo, ao reforço de valores, comportamentos e atitudes, mais do que a uma capacidade real de os modificar ou manipular".
Muito aconteceu nas comunicações e na pesquisa desse campo de estudos nos últimos 50 anos. Passamos da era dos jornais, das revistas e do rádio para a era da televisão e, mais recentemente, para a era digital da internet. O leitor/espectador deixou de ser erroneamente considerado como um sujeito passivo e, claro, hoje se sabe que os poderosos "efeitos" da comunicação de massa se manifestam, sobretudo, no longo prazo.
De qualquer maneira, muito do que se supunha ser verdade "científica" em relação aos hábitos de consumo da mídia impressa – jornais e revistas – parece ainda fazer sentido. E muito.
Jornalões no Brasil
Há cerca de doze anos, o professor Bernardo Kucinski, referindo-se aos jornalões brasileiros, fez uma afirmação – à qual já recorri inúmeras vezes – que dizia o seguinte:
"A elite dominante é ao mesmo tempo a fonte, a protagonista e a leitora das notícias; uma circularidade que exclui a massa da população da dimensão escrita do espaço público definido pelos meios de comunicação de massa" ("Mídia da Exclusão" in A Síndrome da Antena Parabólica, Editora Perseu Abramo, 1998).
Os resultados da pesquisa Datafolha, divulgados no domingo (2/5) pela Folha de S.Paulo, confirmam tanto as conclusões de Klapper como a afirmação de Kucinski.
Pesquisa Datafolha
Matéria sob o título "Leitor aprova corbertura eleitoral da Folha” descreve a pesquisa Datafolha realizada junto a 350 leitores, assinantes e secundários (que leem o exemplar do assinante), moradores da Grande São Paulo e que leem a Folha ao menos uma vez por semana. A pesquisa foi realizada no período entre 19 e 20 de abril e a margem de erro máxima é de cinco pontos percentuais, para mais ou para menos.
Os dados revelam que a grande maioria dos leitores (74%) não considera que a Folha favoreça alguma das pré-candidaturas à Presidência. Entre os que veem algum favorecimento, 13% apontam o tucano José Serra como beneficiado pela cobertura e 6% a petista Dilma Rousseff.
Em relação especificamente à cobertura do governo Lula, 67% dos leitores avaliam a Folha como "crítica na medida certa", enquanto outros 21% consideram o jornal "menos crítico do que o necessário". Apenas 9% consideram o jornal "mais crítico do que o necessário" quando o assunto é a gestão de Lula.
Com relação à intenção de voto, a pesquisa mostra que 40% dos leitores disseram espontaneamente que devem votar em Serra para presidente. A ex-ministra Dilma tem 10% das preferências dos leitores. A senadora licenciada Marina Silva, 6%. Quando os leitores são estimulados pelos pesquisadores a escolher em quem votar a partir de uma lista de candidatos, a preferência a favor de Serra é ainda maior: chega a 54%, ante os 18% de Marina e 15% de Dilma.
Na análise por segmentos, Serra destaca-se entre os leitores de 70 anos ou mais (70%), os que possuem ensino fundamental e médio (61%) e entre os que ganham entre 10 e 20 salários mínimos (62%). Marina tem seu melhor desempenho entre os mais jovens, de 16 a 29 anos, e entre os que ganham até dez salários mínimos (23%). Dilma tem a preferência dos leitores homens (20%) e dos que ganham mais de 20 salários mínimos (23%).
Leitura alternativa
Uma outra leitura dos resultados da pesquisa Datafolha poderia corretamente afirmar que a Folha é um jornal cuja maioria dos leitores:
1. Tem renda acima de 10 salários mínimos (eleitores de Serra, 54% e Dilma, 15%);
2. Não considera que sua cobertura favoreça alguma das pré-candidaturas à Presidência da República;
3. Considera a cobertura do governo Lula "crítica na medida certa" (67%) ou "menos crítica do que o necessário" (21%);
4. Declara sua intenção de votar em José Serra (54%).
Ou ainda se poderia ler corretamente a pesquisa concluindo que a Folha é um jornal cuja maioria dos leitores tem renda acima de 10 salários mínimos, é tucana e, em boa parte, gostaria de ver o jornal mais crítico em relação ao governo Lula. Em resumo: os jornalões são "a cara" de seus leitores. Ou não são?
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