No momento em que o IBGE anunciou crescimento recorde da economia – já batizado de Pibão, com alta de 9% neste primeiro trimestre na comparação com o mesmo período do ano passado –, a mídia rentista soou o alerta contra os rumos do país no governo Lula. O Estadão, por exemplo, deu a manchete sacana: “PIB tem alta recorde e expõe risco de superaquecimento”. No mesmo rumo, outros jornais e emissoras de TV fizeram “ressalvas” sobre os perigos do crescimento.
Embalado pela onda terrorista, no mesmo dia o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu aumentar em 0,75% a taxa básica de juros (Selic) para “conter o aquecimento”, segundo festejou o jornalista Carlos Sardenberg, da TV Globo. Com uma penada, o BC elevou a dívida pública em R$12 bilhões e puxou o freio do crescimento. Mas, afinal, o que une os barões da mídia e os tecnocratas do BC na sua histérica oposição ao desenvolvimento do país?
Razões políticas e econômicas
No caso da mídia, ela aproveita qualquer coisa para atacar o atual governo – seja como apátrida, opondo-se ao acordo Brasil-Irã, seja nas ressalvas à alta do PIB. Tudo é motivo para criticar o presidente Lula e, de quebra, fazer campanha para seu cupincha José Serra. Já no caso do Banco Central, cuja diretoria é nomeada pelo próprio Lula, não haveria, em tese, interesse em fragilizar o governo. Mesmo assim, alguns garantem que o BC ainda é a “quinta-coluna” dos tucanos.
Descartada a estranha aliança política entre estes dois setores, sobra a razão principal. Os barões da mídia e os tecnocratas do BC defendem, sem vacilação, os interesses especulativos do capital financeiro. A elevação dos juros, que colocou novamente o país como líder mundial desta brutal roubalheira, contém a produção e o consumo – como efeito, trava a geração de emprego e renda. Em compensação, ela garante maiores rendimentos aos rentistas, parasitas dos títulos públicos.
A força da ditadura financeira
Os vínculos dos tecnocratas do Banco Central com a oligarquia financeira já são notórios. Antes das reuniões do Copom, Henrique Meirelles, ex-dirigente do BankBoston e eterno presidente do BC, reúne-se com banqueiros e rentistas para definir os “cenários econômicos futuros”. Nestes conchavos, distantes da sociedade e do próprio parlamento, são decididas as metas monetárias e cambiais. A ditadura financeira exerce diretamente seu poder de pressão. Na prática, o comando do BC goza de folgada autonomia, colocando-se acima do próprio presidente eleito.
Já no caso da mídia, há muito que ela defende os interesses do capital financeiro. Ela foi a maior propagandista das teses ortodoxas, a principal defensora do tripé neoliberal da política monetária restritiva (juros elevados), da política fiscal contracionista (superávit primário) e da libertinagem cambial. Alguns dos seus comentaristas inclusive defendem estas idéias por interesses próprias, faturando no mercado especulativo. Neste ponto, mídia e BC estão unidos como aço!
“Carta ao povo brasileiro”
Na excelente dissertação “Os jornais, a democracia e a ditadura do mercado”, a jornalista Maria Inês Nassif já demonstrou que o capital financeiro tem enorme poder sobre a pauta da imprensa. Com base no estudo da eleição presidencial de 2002, ela provou que o “mercado financeiro” teve papel decisivo nos rumos da disputa – inclusive na redação da famosa “Carta ao povo brasileiro”, em que Lula se comprometeu a respeitar os “contratos” firmados por FHC com os especuladores. A decisão do Banco Central de elevar os juros mostra que esta aliança permanece atual e forte.
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sexta-feira, 11 de junho de 2010
Israel, Irã e o jornalismo apátrida
Reproduzo artigo escrito por Gabriel Brito, em colaboração com Valéria Nader, publicado no sítio Correio da Cidadania:
A teoria é um pouco enevoada, talvez por ser proferida por gente de dentro e fora do campo, mas há um senso comum de que o jornalismo atravessa um (duradouro) momento de crise. Mesmo com tanto papel para ser aproveitado, acusa-se a “crueldade” das novas comunicações em tempo real, inúmeras ferramentas tecnológicas mais atrativas, o enxugamento das redações, a prevalência do departamento comercial sobre o editorial, a precarização da profissão.
Talvez seja tempo de se constatar mais uma falência de nossas comunicações, no sentido tradicional, isto é, no que tange a relação entre produtor e receptor da informação, a despeito, portanto, dos novos recursos à mão de qualquer cidadão mais interessado, engajado, conectado.
Acompanhando o desenrolar da mediação do Brasil e da Turquia no Irã, acerca das pressões comandadas pelas maiores potências pela aplicação de sanções ao país persa por supostamente esconder seus planos de alcançar a produção de armamento nuclear, há a impressão de que nossa mídia sofre de uma severa crise de identidade, daquelas que não nos permite saber de onde viemos ou aonde vamos ou quem mesmo somos.
"Amorim anuncia acordo nuclear com Irã", informa, tediosa, a Folha de S. Paulo em 17 de maio, para no dia seguinte se reconfortar: "Acordo nuclear com Irã não convence potências". Em suas páginas por esses dias, gastou linhas e mais linhas censurando a atuação de Lula, Celso Amorim e todos que fazem parte da política externa nacional. Goste-se ou não do presidente, é muito evidente que a atual diplomacia nacional é a mais ousada – e protagonista - dos últimos tempos. E assim vão ficando claras as orientações do jornal.
Também privilegiando o ponto de vista norte-americano, representado na figura de Hillary Clinton, o Estadão produziu uma pérola desse autêntico ‘jornalixo’, o verdadeiro ofício do jornalismo empresarial – conseqüentemente interesseiro. "Turquia diz que Irã aceitou acordo sobre o combustível", completando na edição seguinte com "Brasil festeja acordo nuclear, mas para EUA não muda nada".
A desfaçatez dos jornalões não encontra limites, sendo, sem meio termo, acompanhada de ostensiva má-fé. E não interessa se por ordem de donos, chefes, editores ou “peões”. Não satisfeitos em desqualificar e descaracterizar lutas sociais e trabalhistas do povo local, agora nossa mídia tenta apagar o próprio país das relações internacionais.
O mundo, principalmente o não-belicista, saudou a "intromissão desautorizada" de Brasil e Turquia, dispostos a dirimir as discordâncias entre o bloco chefiado pela potência imperialista, os iranianos e a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). A primeira manchete do Estadão supracitada conseguiu simplesmente omitir a participação brasileira na trama. Um feito histórico do folhetim dos Mesquita, talvez sem igual em jornal nenhum do mundo.
Entretanto, o açodamento cobrou seu preço. Veio a público carta do próprio punho de Barack Obama, escrita há alguns meses, transmitindo a Lula os pontos que deveriam ser exigidos ao Irã. Brasil e Turquia voltaram do encontro com um acordo que atendia plenamente aos pedidos dos cachorros grandes. Mas não houve, ainda assim, revisão de análise acerca da mediação tupiniquim. Mantinha-se a idéia de que o Brasil passou dos limites e jorraram textos dando conta das ambições políticas individuais de Lula em âmbito internacional, a fim de se justificar tanto “desprendimento” de sua conduta.
A desfaçatez seria, no entanto, logo golpeada. Se o regime iraniano é visto como ameaça à segurança do Oriente Médio, uma vez que desrespeita valores básicos da democracia e persegue opositores, Israel é o grande aliado norte-americano, tida como um baluarte das liberdades do mundo civilizado. No entanto, não contavam com um deslize tão imediato do governo sionista para desmoralizar suas posições ‘humanistas’.
Dois pesos e duas medidas, descaradamente
Apesar de o assunto ter esmaecido em nossa mídia, há uma considerável e permanente mobilização internacional em favor dos palestinos enclausurados na Faixa de Gaza, intensificada após os massacres da virada de ano para 2009. Por conta disso, uma frota de ajuda humanitária internacional decidiu tentar romper o cerco ao estreito, uma vez que as condições de sobrevivência no local têm se degradado violentamente.
Tal bloqueio imposto pelo governo radical de Netanyahu já foi declarado como ilegal pela ONU, o que não impede os israelenses de mantê-lo, além de recrudescerem outras ações de enfrentamento, tal como a ampliação de assentamentos judaicos na Cisjordânia, território palestino. Mesmo em face de posicionamentos tão aviltantes, nossa chamada imprensa grande parece não ter ampliado seu campo de visão e interpretação dos fatos na cobertura dos ataques que vitimaram 1500 palestinos.
"Israel ataca barco humanitário e causa protestos pelo mundo", titulou a Folha, na terça, 1º de junho, “esquecendo-se” que, além disso, ocorreram 10 assassinatos. Editorial do mesmo dia deixa, por sua vez, entrever claramente o lado escolhido pela publicação nessa guerra fratricida. O tom de lamento para com os “atos” de Israel está bem mais associado às possíveis repercussões que a “pisada de bola” pode ter para a imagem do estado sionista do que propriamente com o comprometimento do avanço do processo de paz e a questão humanitária aí envolvida. É como se advertisse o regime sionista a “pegar leve para não perder a razão”. O último parágrafo não deixa dúvidas quanto a esta conclusão.
Há, portanto, óbvia tergiversação sobre o processo de paz, utilizando-se o incansável argumento de que o Hamas é uma célula terrorista que não admite o Estado judeu, ainda que tenha vencido eleições reconhecidas pela ONU em Gaza. Isso além da perversidade de igualar os dois lados, como se fosse possível comparar o poderio de guerra, destruição e morte de cada parte. De quebra, concedeu-se enorme espaço para o embaixador israelense no Brasil, Giora Becher, deitar enorme argumentação para justificar o injustificável, isto é, mais uma ensandecida demonstração de força de seu país.
O embaixador ilustra bem o quanto Israel vive à margem de qualquer sensatez: bate na tecla do Hamas terrorista, apresenta estatísticas de ataques dos árabes e coroa suas colocações defendendo a reação de seu exército, que teria sido implacavelmente agredido por terroristas travestidos de ativistas, o que insulta a inteligência de qualquer espectador dessa trágica história.
Pois, pautando-nos pela nossa mídia, ficamos assim: o Irã merece, seguidamente, ser lembrado como um regime homicida. Aliás, Cuba também, pois sua ditadura tritura opositores que discordem de seus tiranos. Já Israel precisa apenas moderar seus passos, de modo a não se sujar diante da tão diligente comunidade internacional. Para os detentores da palavra, o Brasil também deveria parar de amolar os golpistas de Honduras, apesar da caça aos opositores (e jornalistas) prosseguir. Por outro lado, não têm nada a declarar sobre a “democracia” de Uribe na Colômbia e as inequívocas ligações de sua corrente com o paramilitarismo. Nem a recém-descoberta fossa contendo 2000 cadáveres pôde tocar o coração de uma mídia que se diz bandeira da liberdade de expressão e da defesa dos direitos humanos.
Como se constata muito claramente, o sentido humanitário de nossa imprensa comercial é bastante seletivo. Resta compreender o que a orienta. Em todos os casos acima citados, com ênfase nas negociações nucleares com o Irã e nos assassinatos do exército israelense, seus analistas, especialistas e sobretudo editoriais coincidiram com as posições estadunidenses, proferidas majoritariamente pela Secretária de Estado Hillary Clinton. Basta voltar a folhear (ou navegar, para prestigiar sua “nova cara, mais moderna”) os respectivos diários.
A própria visita da primeira-dama ao Brasil expôs a situação de maneira cristalina. Ressaltaram-se mais as expectativas, e desejos, da visitante do que as posições defendidas pelo nosso país, que já mostrou algumas discordâncias marcantes com os ianques no que se refere à política externa e preferência pelo diálogo. Criticou-se visceralmente a visita do pária da pérsia Ahmadinejad, mas a visita de Netanyahu foi alvo de muita cortesia, com todo o espaço para seu discurso belicista e unilateral – e, claro, às mentiras que sustentam o genocídio no Oriente Médio.
Por fim, a suposta neutralidade foi desmascarada pelos próprios, especialmente na “Conferência de Comunicação patronal” promovida pelo Instituto Millenium em março, onde os donos da mídia exclamaram o fato de a "oposição estar enfraquecida", assumindo que "devemos, portanto, fazer o contraponto ao governo". Ou seja, trabalhar pela candidatura Serra. Que para prosperar precisa impreterivelmente de algumas “barbeiragens” de Lula.
E para expor ao povo a incompetência do presidente e de nossa política externa, vale até deixar de ser brasileiro. Essa aguçada crise, de identidade, pertencimento, origem, de nossa imprensa soma-se agora à já mais que conhecida inexistência de uma mídia isenta, comprometida com a função social da profissão. Até mesmo os críticos mais contumazes, de primeira hora, ficam consternados.
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A teoria é um pouco enevoada, talvez por ser proferida por gente de dentro e fora do campo, mas há um senso comum de que o jornalismo atravessa um (duradouro) momento de crise. Mesmo com tanto papel para ser aproveitado, acusa-se a “crueldade” das novas comunicações em tempo real, inúmeras ferramentas tecnológicas mais atrativas, o enxugamento das redações, a prevalência do departamento comercial sobre o editorial, a precarização da profissão.
Talvez seja tempo de se constatar mais uma falência de nossas comunicações, no sentido tradicional, isto é, no que tange a relação entre produtor e receptor da informação, a despeito, portanto, dos novos recursos à mão de qualquer cidadão mais interessado, engajado, conectado.
Acompanhando o desenrolar da mediação do Brasil e da Turquia no Irã, acerca das pressões comandadas pelas maiores potências pela aplicação de sanções ao país persa por supostamente esconder seus planos de alcançar a produção de armamento nuclear, há a impressão de que nossa mídia sofre de uma severa crise de identidade, daquelas que não nos permite saber de onde viemos ou aonde vamos ou quem mesmo somos.
"Amorim anuncia acordo nuclear com Irã", informa, tediosa, a Folha de S. Paulo em 17 de maio, para no dia seguinte se reconfortar: "Acordo nuclear com Irã não convence potências". Em suas páginas por esses dias, gastou linhas e mais linhas censurando a atuação de Lula, Celso Amorim e todos que fazem parte da política externa nacional. Goste-se ou não do presidente, é muito evidente que a atual diplomacia nacional é a mais ousada – e protagonista - dos últimos tempos. E assim vão ficando claras as orientações do jornal.
Também privilegiando o ponto de vista norte-americano, representado na figura de Hillary Clinton, o Estadão produziu uma pérola desse autêntico ‘jornalixo’, o verdadeiro ofício do jornalismo empresarial – conseqüentemente interesseiro. "Turquia diz que Irã aceitou acordo sobre o combustível", completando na edição seguinte com "Brasil festeja acordo nuclear, mas para EUA não muda nada".
A desfaçatez dos jornalões não encontra limites, sendo, sem meio termo, acompanhada de ostensiva má-fé. E não interessa se por ordem de donos, chefes, editores ou “peões”. Não satisfeitos em desqualificar e descaracterizar lutas sociais e trabalhistas do povo local, agora nossa mídia tenta apagar o próprio país das relações internacionais.
O mundo, principalmente o não-belicista, saudou a "intromissão desautorizada" de Brasil e Turquia, dispostos a dirimir as discordâncias entre o bloco chefiado pela potência imperialista, os iranianos e a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). A primeira manchete do Estadão supracitada conseguiu simplesmente omitir a participação brasileira na trama. Um feito histórico do folhetim dos Mesquita, talvez sem igual em jornal nenhum do mundo.
Entretanto, o açodamento cobrou seu preço. Veio a público carta do próprio punho de Barack Obama, escrita há alguns meses, transmitindo a Lula os pontos que deveriam ser exigidos ao Irã. Brasil e Turquia voltaram do encontro com um acordo que atendia plenamente aos pedidos dos cachorros grandes. Mas não houve, ainda assim, revisão de análise acerca da mediação tupiniquim. Mantinha-se a idéia de que o Brasil passou dos limites e jorraram textos dando conta das ambições políticas individuais de Lula em âmbito internacional, a fim de se justificar tanto “desprendimento” de sua conduta.
A desfaçatez seria, no entanto, logo golpeada. Se o regime iraniano é visto como ameaça à segurança do Oriente Médio, uma vez que desrespeita valores básicos da democracia e persegue opositores, Israel é o grande aliado norte-americano, tida como um baluarte das liberdades do mundo civilizado. No entanto, não contavam com um deslize tão imediato do governo sionista para desmoralizar suas posições ‘humanistas’.
Dois pesos e duas medidas, descaradamente
Apesar de o assunto ter esmaecido em nossa mídia, há uma considerável e permanente mobilização internacional em favor dos palestinos enclausurados na Faixa de Gaza, intensificada após os massacres da virada de ano para 2009. Por conta disso, uma frota de ajuda humanitária internacional decidiu tentar romper o cerco ao estreito, uma vez que as condições de sobrevivência no local têm se degradado violentamente.
Tal bloqueio imposto pelo governo radical de Netanyahu já foi declarado como ilegal pela ONU, o que não impede os israelenses de mantê-lo, além de recrudescerem outras ações de enfrentamento, tal como a ampliação de assentamentos judaicos na Cisjordânia, território palestino. Mesmo em face de posicionamentos tão aviltantes, nossa chamada imprensa grande parece não ter ampliado seu campo de visão e interpretação dos fatos na cobertura dos ataques que vitimaram 1500 palestinos.
"Israel ataca barco humanitário e causa protestos pelo mundo", titulou a Folha, na terça, 1º de junho, “esquecendo-se” que, além disso, ocorreram 10 assassinatos. Editorial do mesmo dia deixa, por sua vez, entrever claramente o lado escolhido pela publicação nessa guerra fratricida. O tom de lamento para com os “atos” de Israel está bem mais associado às possíveis repercussões que a “pisada de bola” pode ter para a imagem do estado sionista do que propriamente com o comprometimento do avanço do processo de paz e a questão humanitária aí envolvida. É como se advertisse o regime sionista a “pegar leve para não perder a razão”. O último parágrafo não deixa dúvidas quanto a esta conclusão.
Há, portanto, óbvia tergiversação sobre o processo de paz, utilizando-se o incansável argumento de que o Hamas é uma célula terrorista que não admite o Estado judeu, ainda que tenha vencido eleições reconhecidas pela ONU em Gaza. Isso além da perversidade de igualar os dois lados, como se fosse possível comparar o poderio de guerra, destruição e morte de cada parte. De quebra, concedeu-se enorme espaço para o embaixador israelense no Brasil, Giora Becher, deitar enorme argumentação para justificar o injustificável, isto é, mais uma ensandecida demonstração de força de seu país.
O embaixador ilustra bem o quanto Israel vive à margem de qualquer sensatez: bate na tecla do Hamas terrorista, apresenta estatísticas de ataques dos árabes e coroa suas colocações defendendo a reação de seu exército, que teria sido implacavelmente agredido por terroristas travestidos de ativistas, o que insulta a inteligência de qualquer espectador dessa trágica história.
Pois, pautando-nos pela nossa mídia, ficamos assim: o Irã merece, seguidamente, ser lembrado como um regime homicida. Aliás, Cuba também, pois sua ditadura tritura opositores que discordem de seus tiranos. Já Israel precisa apenas moderar seus passos, de modo a não se sujar diante da tão diligente comunidade internacional. Para os detentores da palavra, o Brasil também deveria parar de amolar os golpistas de Honduras, apesar da caça aos opositores (e jornalistas) prosseguir. Por outro lado, não têm nada a declarar sobre a “democracia” de Uribe na Colômbia e as inequívocas ligações de sua corrente com o paramilitarismo. Nem a recém-descoberta fossa contendo 2000 cadáveres pôde tocar o coração de uma mídia que se diz bandeira da liberdade de expressão e da defesa dos direitos humanos.
Como se constata muito claramente, o sentido humanitário de nossa imprensa comercial é bastante seletivo. Resta compreender o que a orienta. Em todos os casos acima citados, com ênfase nas negociações nucleares com o Irã e nos assassinatos do exército israelense, seus analistas, especialistas e sobretudo editoriais coincidiram com as posições estadunidenses, proferidas majoritariamente pela Secretária de Estado Hillary Clinton. Basta voltar a folhear (ou navegar, para prestigiar sua “nova cara, mais moderna”) os respectivos diários.
A própria visita da primeira-dama ao Brasil expôs a situação de maneira cristalina. Ressaltaram-se mais as expectativas, e desejos, da visitante do que as posições defendidas pelo nosso país, que já mostrou algumas discordâncias marcantes com os ianques no que se refere à política externa e preferência pelo diálogo. Criticou-se visceralmente a visita do pária da pérsia Ahmadinejad, mas a visita de Netanyahu foi alvo de muita cortesia, com todo o espaço para seu discurso belicista e unilateral – e, claro, às mentiras que sustentam o genocídio no Oriente Médio.
Por fim, a suposta neutralidade foi desmascarada pelos próprios, especialmente na “Conferência de Comunicação patronal” promovida pelo Instituto Millenium em março, onde os donos da mídia exclamaram o fato de a "oposição estar enfraquecida", assumindo que "devemos, portanto, fazer o contraponto ao governo". Ou seja, trabalhar pela candidatura Serra. Que para prosperar precisa impreterivelmente de algumas “barbeiragens” de Lula.
E para expor ao povo a incompetência do presidente e de nossa política externa, vale até deixar de ser brasileiro. Essa aguçada crise, de identidade, pertencimento, origem, de nossa imprensa soma-se agora à já mais que conhecida inexistência de uma mídia isenta, comprometida com a função social da profissão. Até mesmo os críticos mais contumazes, de primeira hora, ficam consternados.
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