Reproduzo artigo de Flavio Aguiar, publicado na Rede Brasil Atual:
Foi um duro golpe para o governo de Sarkozy: a greve geral e as manifestações convocadas pelas centrais sindicais francesas, sindicatos conexos e as oposições contra a reforma da previdência foram um sucesso.
As avaliações variam muito: a oficial disse que nas 220 concentrações em todo o país acorreu 1,12 milhão de pessoas. Para as centrais, esse número variou entre 2,2 e 3 milhões. As mais equilibradas davam entre 2,2 e 2,5 milhões. Os percentuais de adesão à greve também variavam, conforme os avaliadores; mas o importante é que ela foi “percebida” com grande intensidade em todo o país e no exterior.
O foco do conflito está na idade para se aposentar: o projeto prevê a passagem de 60 para 62 anos da idade mínima para se aposentar; e de 65 para 67 para a aposentadoria plena, isto, sem descontos quanto ao teto. Alega-se a projetada insolvência do sistema se nada mudar. Mas as críticas são muitas: o projeto nivela todas as categorias, todos os tipos de trabalho, inclusive os insalubres, homens e mulheres.
Mas o mais importante foi a demonstração que isso trouxe de desconfiança em relação ao governo de Sarkozy e seu ministro do Trabalho, Eric Woerth, que é o encarregado de apresentar e defender a proposta no Parlamento. A maioria dos eleitores se disse favorável a alguma mudança na previdência, mas 60% disseram que Woerth e o governo de Sarkozy são os menos indicados para leva-la a cabo.
Woerth está envolvido até os cabelos nas denúncias referentes ao “Caso Bettencourt”. Ele diz respeito a Liliane Bettencourt, matriarca da empresa L’Oréal, de cosméticos e afins, e há juma série de denúncias sob investigação de que ela teria obtido favorecimentos fiscais milionários e irregulares do governo, sobretudo através de Woerth. O curioso é que a principal fonte dessas denúncias são gravações clandestinas feitas em 2009 e 2010 pelo seu mordomo (que, como sempre, é o “culpado”...).
Também não se pode descartar o descontentamento da população num contexto em que – não só o governo da França, mas vários de toda a Europa – fazem cair sobre os trabalhadores e aposentados o peso e o preço de uma crise financeira provocada pela orgia financeira de instituições – bancos inclusive – cujos executivos eram e são e vão continuar a ser regiamente pagos, e ainda estão recebendo e vão receber, nem que seja indiretamente, como no caso da “ajuda à Grécia” verbas bilionárias para saírem de suas dificuldades.
O governo Sarkozy também ficou sob ataque, no mesmo dia 7, no Parlamento Europeu, em Bruxelas, onde vários deputados fizeram intervenções veementes contra o que consideram uma perseguição aos Roma (ou “ciganos” – termo que eles rejeitam, assim comom o de gipsies) através de uma política de deportação para seus países de origem, Romênia e Bulgária. Há nisso, que também ocorre na Itália, além de uma situação iníqua do ponto de vista dos direitos humanos, uma questão legal: em tese, os cidadãos da União Européia tem livre circulação por seu território, e uma política de deportação desse tipo engendra uma situação discriminatória que afronta a Constituição aprovada.
No caso das aposentadorias, pode haver alguma negociação nos próximos dias, durante os debates no Parlamento. As centrais vão manter a pressão, e tudo vai depender também de como o governo de Sarkozy vai assimilar o golpe, até certo ponto inesperado.
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quarta-feira, 8 de setembro de 2010
França pára contra reforma da Previdência
Reproduzo matéria de Luana Bonone, publicada no sítio Vermelho:
Comboios parados, ônibus que não deixaram as estações e voos cancelados. Em pelo menos cem cidades francesas este foi o cenário ontem, dia escolhido para uma greve geral, marcada em protesto contra as medidas adotadas pelo governo na reforma da previdência. Cerca de 2,5 milhões de pessoas estiveram envolvidas nas ações de protesto, em todo o país, superando os dois milhões que os sindicatos juntaram no último grande protesto social na França, dia 24 de Junho.
"Diziam que não íamos conseguir mobilizar mais pessoas do que no dia 24 de junho. Mas, segundo as informações obtidas ao meio do dia, sobre o número de pessoas que não trabalharam no setor privado, posso dizer que estamos largamente mais mobilizados do que em junho", garantiu o líder sindical, do CGT, Bernard Thibault.
O elevado número de manifestantes foi às ruas contra a medida governamental, que entrou em debate na Assembleia Nacional nesta terça-feira (7), que, entre outras alterações, aumenta a idade mínima para aposentadoria, de 60 para 62 anos. Uma medida que, se for aprovada pelo parlamento, entrará em vigor em Julho de 2011 e é mal recebida por pelo menos 63% dos franceses, segundo números adiantados pela BBC.
Impassível
Mas a elevada participação dos franceses nos protestos parece não impressionar o presidente francês Nicolas Sarkozy. Apesar dos protestos nas ruas, Sarkozy fez questão de anunciar que continuará "firme" e vai manter a decisão de aumentar a idade da reforma. Ainda assim, admite que pode negociar alguns pontos da legislação com os sindicatos. O ministro do Trabalho da França, Eric Woertg, já garantiu também que o governo continuará a defender a reforma independentemente da onda de protestos. Eric Woerth tem sua imagem muito fragilizada por escândalo envolvendo a empresa de cosméticos Loreal.
François Chereque, líder da grande confederação sindical CFDT, disse à rádio RTL que o governo fará mal em ignorar o que chamou de "o maior comparecimento popular nos últimos anos". Bernard Thibault, líder da outra grande confederação sindical, a CGT, avisou os ministros franceses: "Se não responderem e não derem ouvidos, haverá novas iniciativas, e nada está sendo excluído nesta etapa."
"Nunca na história das pesquisas a população francesa esteve tão convencida de que há injustiça social", disse o analista político Roland Cayrol, do Instituto de Ciências Políticas de Paris.
Austeridade na Europa
A mobilização de milhões de franceses canaliza o sentimento crescente de rejeição em toda a Europa às medidas de austeridade adotadas pelos governos. A greve espelha ações adotadas em outros países europeus contra medidas de austeridade. Até agora os governos da Grécia, Espanha, Itália e Romênia vêm enfrentando greves para conseguir impor cortes dolorosos nos salários e gastos públicos. O metrô de Londres ficou paralisado na terça-feira por uma greve de 24 horas contra os cortes de empregos.
O governo francês diz que a reforma é essencial para equilibrar as contas da aposentadoria até 2018, reduzir o déficit público e preservar a classificação de crédito AAA da França, que o ajuda o país a financiar sua dívida aos juros mais baixos possíveis nos mercados financeiros.
Proporção da greve
A rede de transporte metropolitano de Paris funcionou a 80% da capacidade, mas os comboios suburbanos circularam apenas a 50%. A greve geral na França afetou também o serviço de transporte aéreo: a Direção Geral de Aviação Civil (DGAC) havia pedido às companhias aéreas a supressão de um quarto dos voos programados, nos aeroportos de Paris, atendendo à greve dos controladores aéreos.
Seis voos da TAP, por exemplo, foram cancelados, e registaram-se atrasos nas viagens para diversos países. Também a Ryanair não fez, durante a tarde, voos para Lille, Paris e Bordéus, e cancelou uma viagem para Faro. Também as escolas foram afetadas pela greve, com o registro do Ministério da Educação de uma adesão de professores na ordem dos 25,8%. Já os sindicatos divulgam adesão de 55% a 60% dos docentes. Outros serviços também aderiram ao movimento: 22,3% dos empregados de correios e seis refinarias trabalham ao mínimo.
Londres
Durante as 24 horas de terça-feira (7), também o metro de Londres esteve praticamente parado, com a greve de condutores, funcionários das estações e encarregados dos serviços de manutenção. Os trabalhadores protestam contra o projeto de eliminação de 800 postos de trabalho que, dizem, pode afetar a segurança dos passageiros. De acordo com o site da Transport for London (TfL), empresa que gere os transportes na capital britânica, apenas uma [Northern] das 11 linhas funcionou normalmente. Apesar de a paralisação ser apenas de um dia, a TfL prevê perturbações nos serviços desta quarta (8). Os trabalhadores do metrô londrino ameaçam com novas greves semelhantes, previstas para 3 de outubro e 2 e 28 de novembro.
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Comboios parados, ônibus que não deixaram as estações e voos cancelados. Em pelo menos cem cidades francesas este foi o cenário ontem, dia escolhido para uma greve geral, marcada em protesto contra as medidas adotadas pelo governo na reforma da previdência. Cerca de 2,5 milhões de pessoas estiveram envolvidas nas ações de protesto, em todo o país, superando os dois milhões que os sindicatos juntaram no último grande protesto social na França, dia 24 de Junho.
"Diziam que não íamos conseguir mobilizar mais pessoas do que no dia 24 de junho. Mas, segundo as informações obtidas ao meio do dia, sobre o número de pessoas que não trabalharam no setor privado, posso dizer que estamos largamente mais mobilizados do que em junho", garantiu o líder sindical, do CGT, Bernard Thibault.
O elevado número de manifestantes foi às ruas contra a medida governamental, que entrou em debate na Assembleia Nacional nesta terça-feira (7), que, entre outras alterações, aumenta a idade mínima para aposentadoria, de 60 para 62 anos. Uma medida que, se for aprovada pelo parlamento, entrará em vigor em Julho de 2011 e é mal recebida por pelo menos 63% dos franceses, segundo números adiantados pela BBC.
Impassível
Mas a elevada participação dos franceses nos protestos parece não impressionar o presidente francês Nicolas Sarkozy. Apesar dos protestos nas ruas, Sarkozy fez questão de anunciar que continuará "firme" e vai manter a decisão de aumentar a idade da reforma. Ainda assim, admite que pode negociar alguns pontos da legislação com os sindicatos. O ministro do Trabalho da França, Eric Woertg, já garantiu também que o governo continuará a defender a reforma independentemente da onda de protestos. Eric Woerth tem sua imagem muito fragilizada por escândalo envolvendo a empresa de cosméticos Loreal.
François Chereque, líder da grande confederação sindical CFDT, disse à rádio RTL que o governo fará mal em ignorar o que chamou de "o maior comparecimento popular nos últimos anos". Bernard Thibault, líder da outra grande confederação sindical, a CGT, avisou os ministros franceses: "Se não responderem e não derem ouvidos, haverá novas iniciativas, e nada está sendo excluído nesta etapa."
"Nunca na história das pesquisas a população francesa esteve tão convencida de que há injustiça social", disse o analista político Roland Cayrol, do Instituto de Ciências Políticas de Paris.
Austeridade na Europa
A mobilização de milhões de franceses canaliza o sentimento crescente de rejeição em toda a Europa às medidas de austeridade adotadas pelos governos. A greve espelha ações adotadas em outros países europeus contra medidas de austeridade. Até agora os governos da Grécia, Espanha, Itália e Romênia vêm enfrentando greves para conseguir impor cortes dolorosos nos salários e gastos públicos. O metrô de Londres ficou paralisado na terça-feira por uma greve de 24 horas contra os cortes de empregos.
O governo francês diz que a reforma é essencial para equilibrar as contas da aposentadoria até 2018, reduzir o déficit público e preservar a classificação de crédito AAA da França, que o ajuda o país a financiar sua dívida aos juros mais baixos possíveis nos mercados financeiros.
Proporção da greve
A rede de transporte metropolitano de Paris funcionou a 80% da capacidade, mas os comboios suburbanos circularam apenas a 50%. A greve geral na França afetou também o serviço de transporte aéreo: a Direção Geral de Aviação Civil (DGAC) havia pedido às companhias aéreas a supressão de um quarto dos voos programados, nos aeroportos de Paris, atendendo à greve dos controladores aéreos.
Seis voos da TAP, por exemplo, foram cancelados, e registaram-se atrasos nas viagens para diversos países. Também a Ryanair não fez, durante a tarde, voos para Lille, Paris e Bordéus, e cancelou uma viagem para Faro. Também as escolas foram afetadas pela greve, com o registro do Ministério da Educação de uma adesão de professores na ordem dos 25,8%. Já os sindicatos divulgam adesão de 55% a 60% dos docentes. Outros serviços também aderiram ao movimento: 22,3% dos empregados de correios e seis refinarias trabalham ao mínimo.
Londres
Durante as 24 horas de terça-feira (7), também o metro de Londres esteve praticamente parado, com a greve de condutores, funcionários das estações e encarregados dos serviços de manutenção. Os trabalhadores protestam contra o projeto de eliminação de 800 postos de trabalho que, dizem, pode afetar a segurança dos passageiros. De acordo com o site da Transport for London (TfL), empresa que gere os transportes na capital britânica, apenas uma [Northern] das 11 linhas funcionou normalmente. Apesar de a paralisação ser apenas de um dia, a TfL prevê perturbações nos serviços desta quarta (8). Os trabalhadores do metrô londrino ameaçam com novas greves semelhantes, previstas para 3 de outubro e 2 e 28 de novembro.
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O declínio do império da TV Globo
Reproduzo artigo do deputado Brizola Neto, publicado no blog Tijolaço:
Leio no ótimo blog do nosso amigo Cláudio Ribeiro – o Palavras Diversas - a notícia que, domingo passado, a Rede Globo teve de amargar, pela primeira vez em décadas, o segundo lugar em audiência no Rio de Janeiro. Melhor ainda, houve equilíbrio entre as três maiores emissoras. E bem melhor ainda que os números revelam que já vai longe o tempo em que a televisão ficava ligada em quase 90% dos lares.
Era fatal, mesmo, que isso viesse a acontecer. O fim do império global é como, em geral, é o fim de todo império: lento, inexorável, fruto das mudanças sociais, econômicas e tecnológicas mas, também, da perda de sua capacidade de impor seus padrões de cultura sobre a sociedade.
Mas não é de televisão que quero falar, ao ler esta notícia. É de imprensa e de liberdade de imprensa.
O privilégio de impressão dado pela nobreza e pelo clero, há cinco séculos, depois de evoluir para uma certa democratização com a pequena imprensa, que se multiplicava em pequenos jornais, no século 19 e começo do século 20, regrediu para a condição monopolista, à medida em que começaram a se formar os conglomerados de comunicação, nos últimos 50 anos.
Tendo Assis Chateaubriand como pioneiro, o poder de imprensa tornou-se tão concentrado que seus veículos se confundiam com as famílias proprietárias: os jornais eram o “da Condessa (Pereira Carneiro)”, o JB, o de Roberto Marinho (Globo), o “dos Mesquita” (Estadão) e, mais recentemente, o “do seu Frias”.
Embora se fale muito em sinergia com a televisão, isso não foi uma regra para a evolução dos jornais. A aliança entre Marinho e a ditadura fez declinar o poder do grupo de Chateaubriand na TV, que começava a se afirmar, e fechou a porta para todos os outros grupos de mídia impressa que pretendiam nele se aventurar. Quem tentou, como o JB, pagou um preço altíssimo pela ousadia de pisar no terreno do “é meu” global, porque televisão envolve custos altíssimos e inviáveis para empresários que têm mais pompa que recursos.
O advento da internet pareceu ser a área onde isso ia se materializar. À exceção do JB, já combalido, eles e as empresas de telefonia ensaiaram um controle oligopolista do novo meio. Para existir na intenet, era preciso estar “pendurado” num dos grandes portais. Estes, por sua vez, terceirizavam o custo da produção de conteúdo.
Blogueiros que viveram estes tempos podem contar muito melhor do que eu esta história.
Eu quero falar é justamente deles. Ontem à noite fiquei pensando: será que não vai aparecer, como aconteceu com o bloqueio dos grandes jornais a Getúlio Vargas, o Samuel Wainer da internet, alguém que abra um espaço de comunicação com uma ótica popular e progressista?
Quase de imediato, vi que não é isso, porque o caminho que as iniciativas vitoriosas tomaram não é o da criação de um grande empreendimento, mas o da afirmação da vontade e da capacidade (diria, até, da resistência física) que centenas, talvez milhares de pessoas em romper o monopólio e o dirigismo da informação.
Os blogs progressistas, ao contrário do que ocorreria com grupos de motivação meramente econômica, não competem por receita. Aliás, muitos de nós não as tem ou quase nada as tem, embora o sr. José Serra sustente que somos “sujos” por vivermos de publicidade (?) estatal (?!!). Vivemos uma experiência colaborativa, reproduzimos, uns nos outros, o que nos chama a atenção, não pensamos que o crescimento de nossos acessos se fará “roubando” leitores uns dos outros.
E a realidade mostra que é assim que dá certo. Quem se interessar em pesquisar a evolução do volume de acessos dos blogs de Paulo Henrique Amorim, do Azenha, do Nassif e, até, deste Tijolaço, verá que todos eles crescem de maneira quase harmônica e todos estamos cada vez mais bem situados nos ranqueamentos de sites brasileiros.
O mais legal, em tudo isso, é que acho que nenhum de nós tem a menor idéia de onde e em que isso vai parar. Numa cooperação editorial? Numa cooperação em matéria de estrutura – até porque vocês devem ver a gente saindo do ar volta e meia por problemas de suporte técnico ou, como diz uma amigo meu, “suporte o técnico”?
Querem uma resposta? Não tenho a menor idéia. Só me ocorrem os versos do Gonzaguinha: “Passado/ é um pé no chão e um sabiá/ Presente/ é a porta aberta/E futuro é o que virá..."
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Leio no ótimo blog do nosso amigo Cláudio Ribeiro – o Palavras Diversas - a notícia que, domingo passado, a Rede Globo teve de amargar, pela primeira vez em décadas, o segundo lugar em audiência no Rio de Janeiro. Melhor ainda, houve equilíbrio entre as três maiores emissoras. E bem melhor ainda que os números revelam que já vai longe o tempo em que a televisão ficava ligada em quase 90% dos lares.
Era fatal, mesmo, que isso viesse a acontecer. O fim do império global é como, em geral, é o fim de todo império: lento, inexorável, fruto das mudanças sociais, econômicas e tecnológicas mas, também, da perda de sua capacidade de impor seus padrões de cultura sobre a sociedade.
Mas não é de televisão que quero falar, ao ler esta notícia. É de imprensa e de liberdade de imprensa.
O privilégio de impressão dado pela nobreza e pelo clero, há cinco séculos, depois de evoluir para uma certa democratização com a pequena imprensa, que se multiplicava em pequenos jornais, no século 19 e começo do século 20, regrediu para a condição monopolista, à medida em que começaram a se formar os conglomerados de comunicação, nos últimos 50 anos.
Tendo Assis Chateaubriand como pioneiro, o poder de imprensa tornou-se tão concentrado que seus veículos se confundiam com as famílias proprietárias: os jornais eram o “da Condessa (Pereira Carneiro)”, o JB, o de Roberto Marinho (Globo), o “dos Mesquita” (Estadão) e, mais recentemente, o “do seu Frias”.
Embora se fale muito em sinergia com a televisão, isso não foi uma regra para a evolução dos jornais. A aliança entre Marinho e a ditadura fez declinar o poder do grupo de Chateaubriand na TV, que começava a se afirmar, e fechou a porta para todos os outros grupos de mídia impressa que pretendiam nele se aventurar. Quem tentou, como o JB, pagou um preço altíssimo pela ousadia de pisar no terreno do “é meu” global, porque televisão envolve custos altíssimos e inviáveis para empresários que têm mais pompa que recursos.
O advento da internet pareceu ser a área onde isso ia se materializar. À exceção do JB, já combalido, eles e as empresas de telefonia ensaiaram um controle oligopolista do novo meio. Para existir na intenet, era preciso estar “pendurado” num dos grandes portais. Estes, por sua vez, terceirizavam o custo da produção de conteúdo.
Blogueiros que viveram estes tempos podem contar muito melhor do que eu esta história.
Eu quero falar é justamente deles. Ontem à noite fiquei pensando: será que não vai aparecer, como aconteceu com o bloqueio dos grandes jornais a Getúlio Vargas, o Samuel Wainer da internet, alguém que abra um espaço de comunicação com uma ótica popular e progressista?
Quase de imediato, vi que não é isso, porque o caminho que as iniciativas vitoriosas tomaram não é o da criação de um grande empreendimento, mas o da afirmação da vontade e da capacidade (diria, até, da resistência física) que centenas, talvez milhares de pessoas em romper o monopólio e o dirigismo da informação.
Os blogs progressistas, ao contrário do que ocorreria com grupos de motivação meramente econômica, não competem por receita. Aliás, muitos de nós não as tem ou quase nada as tem, embora o sr. José Serra sustente que somos “sujos” por vivermos de publicidade (?) estatal (?!!). Vivemos uma experiência colaborativa, reproduzimos, uns nos outros, o que nos chama a atenção, não pensamos que o crescimento de nossos acessos se fará “roubando” leitores uns dos outros.
E a realidade mostra que é assim que dá certo. Quem se interessar em pesquisar a evolução do volume de acessos dos blogs de Paulo Henrique Amorim, do Azenha, do Nassif e, até, deste Tijolaço, verá que todos eles crescem de maneira quase harmônica e todos estamos cada vez mais bem situados nos ranqueamentos de sites brasileiros.
O mais legal, em tudo isso, é que acho que nenhum de nós tem a menor idéia de onde e em que isso vai parar. Numa cooperação editorial? Numa cooperação em matéria de estrutura – até porque vocês devem ver a gente saindo do ar volta e meia por problemas de suporte técnico ou, como diz uma amigo meu, “suporte o técnico”?
Querem uma resposta? Não tenho a menor idéia. Só me ocorrem os versos do Gonzaguinha: “Passado/ é um pé no chão e um sabiá/ Presente/ é a porta aberta/E futuro é o que virá..."
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O fato novo: a bomba virou um traque
Reproduzo artigo de Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi, publicado no Correio Braziliense:
Quem, nas duas últimas semanas, leu os colunistas dos “grandes jornais” (os três maiores de São Paulo e Rio) deve ter notado a insistência com que falaram (ou deixaram implícito) que as eleições presidenciais não estavam definidas. Contrariando o que as pesquisas mostravam (a avassaladora dianteira de Dilma), fizeram quase um coro de que “nada era definitivo”, pois fatos novos poderiam alterar o cenário.
Talvez imaginassem (desconfiassem, soubessem) que uma “bomba” iria explodir. Tão poderosa que mudaria tudo. De favorita inconteste, Dilma (quem sabe?) desmoronaria, viraria poeira.
Veio o fato novo: o “escândalo da Receita”. Durante dias, foi a única manchete dos três jornais. É muito? Certamente que sim, mas é pouco, em comparação ao auxílio luxuoso da principal emissora de televisão do país. Fazia tempo que um evento do mundo político não ganhava tanto destaque em seus telejornais. Houve noites em que recebeu mais de 10 minutos de cobertura (com direito a ser tratado com o tom circunspecto que seus apresentadores dedicam aos “assuntos graves”).
Hoje, passados 15 dias de quando “estourou” o “escândalo”, as pesquisas mostram que seu impacto foi nulo. A “bomba” esperada pelos que torciam pelo fato novo virou um traque.
Por mais que os “grandes” jornais tenham se esforçado para fazer do “escândalo da Receita” um divisor de águas, ele acabou sendo nada. Tudo continuou igual: Dilma lá na frente, Serra lá atrás.
Tivemos, nesses dias, uma espécie de dueto: um dia, essa imprensa publicava alguma coisa; no outro, a comunicação da campanha Serra a amplificava, dando-lhe “tom emocional”. No terceiro, mais um “fato” era divulgado, alimentando a campanha com um novo conteúdo. E assim por diante.
Um bom exemplo: o “lado humano” da filha de Serra ser alvo dos malfeitores por trás do “escândalo”. Noticiado ontem, virou discurso de campanha no dia seguinte, com direito a tom lacrimejante: “estão fazendo com a filha do Serra o mesmo que fizeram com a filha do Lula”.
Há várias razões para que a opinião pública tenha tratado com indiferença o “escândalo”. A primeira é que ele, simplesmente, não atingiu a imensa maioria do eleitorado, por lhe faltarem os ingredientes necessários a se tornar interessante. O mais óbvio: o que, exatamente, estava sendo imputado a Dilma na história toda? Se, há mais de ano, alguém violou o sigilo tributário de Verônica Serra e de outras pessoas ligadas ao PSDB, o que a candidata do PT tem a ver com isso? É culpa dela? Foi a seu mando? Em que sua candidatura se beneficiou?
A segunda razão tem a ver, provavelmente, com a dificuldade de convencer as pessoas que o episódio comprove o “aparelhamento do estado pelo PT” ou, nas palavras do candidato tucano, a “instrumentalização” do governo pelo partido. Será que é isso mesmo que ele revela?
Se a Receita Federal fosse “aparelhada” ou “instrumentalizada”, por que alguém, a mando do PT (ou da campanha), precisaria recorrer a um estratagema tão tosco? Por que se utilizaria dos serviços de um despachante, mancomunado com funcionários desonestos? Não seria muito mais rápido e barato acessar diretamente os dados de quem quer que seja?
Não se discute aqui se alguém quis montar um dossiê anti-Serra ou se ele chegou a existir. Sobre isso, sabemos duas coisas: 1) é prática corrente na política brasileira (e mundial) a busca de informações sobre adversários, que muitas vezes ultrapassa os limites legais; 2) o tal dossiê nunca foi usado. As vicissitudes da candidatura Serra ao longo da eleição não têm nada a ver com qualquer dossiê.
O próprio “escândalo” mostra que a Receita Federal possui sistemas que permitem constatar falhas de segurança, rastrear onde ocorrem e identificar responsáveis. É possível que, às vezes, alguém consiga driblá-los. No caso em apreço, não.
No mundo perfeito, a Receita é inexpugnável, não existem erros médicos na saúde pública, todos os professores são competentes, não há guardas de trânsito que aceitam uma “cervejinha”. Na vida real, nada disso é uma certeza.
Todos esperam que o governo faça o que deve fazer no episódio (e em todas as situações do gênero): investigue as falhas e puna os responsáveis. Ir além, fazendo dele um “escândalo eleitoral”, é outra coisa, que não convence, pelo que parece, a ninguém.
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Quem, nas duas últimas semanas, leu os colunistas dos “grandes jornais” (os três maiores de São Paulo e Rio) deve ter notado a insistência com que falaram (ou deixaram implícito) que as eleições presidenciais não estavam definidas. Contrariando o que as pesquisas mostravam (a avassaladora dianteira de Dilma), fizeram quase um coro de que “nada era definitivo”, pois fatos novos poderiam alterar o cenário.
Talvez imaginassem (desconfiassem, soubessem) que uma “bomba” iria explodir. Tão poderosa que mudaria tudo. De favorita inconteste, Dilma (quem sabe?) desmoronaria, viraria poeira.
Veio o fato novo: o “escândalo da Receita”. Durante dias, foi a única manchete dos três jornais. É muito? Certamente que sim, mas é pouco, em comparação ao auxílio luxuoso da principal emissora de televisão do país. Fazia tempo que um evento do mundo político não ganhava tanto destaque em seus telejornais. Houve noites em que recebeu mais de 10 minutos de cobertura (com direito a ser tratado com o tom circunspecto que seus apresentadores dedicam aos “assuntos graves”).
Hoje, passados 15 dias de quando “estourou” o “escândalo”, as pesquisas mostram que seu impacto foi nulo. A “bomba” esperada pelos que torciam pelo fato novo virou um traque.
Por mais que os “grandes” jornais tenham se esforçado para fazer do “escândalo da Receita” um divisor de águas, ele acabou sendo nada. Tudo continuou igual: Dilma lá na frente, Serra lá atrás.
Tivemos, nesses dias, uma espécie de dueto: um dia, essa imprensa publicava alguma coisa; no outro, a comunicação da campanha Serra a amplificava, dando-lhe “tom emocional”. No terceiro, mais um “fato” era divulgado, alimentando a campanha com um novo conteúdo. E assim por diante.
Um bom exemplo: o “lado humano” da filha de Serra ser alvo dos malfeitores por trás do “escândalo”. Noticiado ontem, virou discurso de campanha no dia seguinte, com direito a tom lacrimejante: “estão fazendo com a filha do Serra o mesmo que fizeram com a filha do Lula”.
Há várias razões para que a opinião pública tenha tratado com indiferença o “escândalo”. A primeira é que ele, simplesmente, não atingiu a imensa maioria do eleitorado, por lhe faltarem os ingredientes necessários a se tornar interessante. O mais óbvio: o que, exatamente, estava sendo imputado a Dilma na história toda? Se, há mais de ano, alguém violou o sigilo tributário de Verônica Serra e de outras pessoas ligadas ao PSDB, o que a candidata do PT tem a ver com isso? É culpa dela? Foi a seu mando? Em que sua candidatura se beneficiou?
A segunda razão tem a ver, provavelmente, com a dificuldade de convencer as pessoas que o episódio comprove o “aparelhamento do estado pelo PT” ou, nas palavras do candidato tucano, a “instrumentalização” do governo pelo partido. Será que é isso mesmo que ele revela?
Se a Receita Federal fosse “aparelhada” ou “instrumentalizada”, por que alguém, a mando do PT (ou da campanha), precisaria recorrer a um estratagema tão tosco? Por que se utilizaria dos serviços de um despachante, mancomunado com funcionários desonestos? Não seria muito mais rápido e barato acessar diretamente os dados de quem quer que seja?
Não se discute aqui se alguém quis montar um dossiê anti-Serra ou se ele chegou a existir. Sobre isso, sabemos duas coisas: 1) é prática corrente na política brasileira (e mundial) a busca de informações sobre adversários, que muitas vezes ultrapassa os limites legais; 2) o tal dossiê nunca foi usado. As vicissitudes da candidatura Serra ao longo da eleição não têm nada a ver com qualquer dossiê.
O próprio “escândalo” mostra que a Receita Federal possui sistemas que permitem constatar falhas de segurança, rastrear onde ocorrem e identificar responsáveis. É possível que, às vezes, alguém consiga driblá-los. No caso em apreço, não.
No mundo perfeito, a Receita é inexpugnável, não existem erros médicos na saúde pública, todos os professores são competentes, não há guardas de trânsito que aceitam uma “cervejinha”. Na vida real, nada disso é uma certeza.
Todos esperam que o governo faça o que deve fazer no episódio (e em todas as situações do gênero): investigue as falhas e puna os responsáveis. Ir além, fazendo dele um “escândalo eleitoral”, é outra coisa, que não convence, pelo que parece, a ninguém.
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Wikileaks: o que o Pentágono quer esconder
Reproduzo artigo de Antonio Martins, publicado no sítio Outras Palavras:
Uma batalha decisiva para o futuro da liberdade de expressão pode estar sendo travada neste instante. Seu desfecho vai se dar nas próximas semanas. Depois de ter publicado 76 mil relatos secretos sobre a guerra dos EUA contra o Afeganistão, o site global Wikileaks (“furos colaborativos”, em tradução livre) prepara-se para divulgar mais 15 mil. Aparentemente, o conteúdo do segundo lote é ainda mais devastador. Viriam à luz, especula-se, não apenas atrocidades cometidas por soldados no campo de batalha — mas relações diplomáticas perigosas que Washington manteve com governos aliados. Numa corrida contra o tempo para evitar o vazamento, o Pentágono – e, em especial, a direita norte-americana – têm recorrido a ameaças, mistificações e intimidação.
Na semana passada, o próprio secretário de Defesa, Robert Gates, lançou-se a elas. Numa atitude de enorme risco, ele admitiu implicitamente a autenticidade dos documentos que o Wikileaks tem em mãos. Afirmou que o material contém “enorme volume de informações sobre nossas táticas, técnicas e procedimentos”; que sua divulgação ameaça “os soldados norte-americanos e aliados” e terá “consequências potencialmente muito graves”; que será “de grande valia para o Teleban e a Al-Qaeda”.
O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, engrossou o coro em tom de guerra, afirmando que a publicação dos arquivos irá “ajudar o inimigo”. Ainda mais agressivo e ameaçador, o colunista neocon Marc Thiessen escreveu no Washington Post: “Os EUA têm capacidade cibernética para impedir que WikiLeaks divulgue o material. O presidente Obama ordenará que os militares usem a capacidade que têm? (…) Se [Julian] Assange, [o editor do Wikileaks] for deixado livre e os documentos em seu poder forem divulgados, Obama só poderá culpar a si mesmo.”
O esforço para impedir que as informações cheguem à opinião pública recebeu o apoio de uma ONG costumeiramente aliada a Washington: os Repórteres sem Fronteiras (RSF). Numa nota divulgada em 14/8, a entidade tenta mobilizar, contra o Wikileaks, o sentimento de defesa da vida. “Revelar a identidade de centenas de pessoas que colaboraram com a coalizão [liderada pelos EUA] no Afeganistão é altamente perigoso. Não seria difícil para o Taleban e outros grupos armados usar tais documentos para compor uma lista de alvos em ataques mortais”, diz o texto.
Ele serviu para que parte da mídia apontasse o “isolamento crescente” do Wikileaks. Entre os que acompanham em mais detalhes a conjuntura internacional, porém, a postura era previsível. Diversas análises independentes têm apontado a forte relação dos RSF com a diplomacia norte-americana – em especial com algumas de seus projetos e personagens mais controversos.
Que pode haver de tão perturbador (para Washington) nos 15 mil documentos? Segundo o jornal britânico The Guardian, que teve acesso a parte do imenso material reunido pelo Wikileaks, pode tratar-se de “um arquivo de milhares de telegramas, enviados pelas embaixadas dos EUA em todo o mundo, nos quais se trata de comércio de armas, encontros secretos e opiniões não censuradas de outros governos”. Em outras palavras, revelações capazes de abalar governantes e políticos que se aliaram, em todo o mundo, às principais iniciativas geopolíticas e militares de Washington, nos últimos anos — em especial no período Bush.
No fim-de-semana, o australiano Julian Assange, editor do Wikileaks, afirmou em entrevistas em Londres e Estocolmo que o conteúdo deverá ser publicado num período de “duas semanas a um mês”. Segundo ele, a equipe de voluntários do site está revisando “linha por linha” os arquivos vazados. A triagem visaria, em especial, remover informações que possam ameaçar a segurança pessoal de personagens citadas. Também haveria meios de imprensa ajudando a interpretar e resenhar o material, embora Assange tenha preferido não nomeá-los.
Para driblar uma eventual tentativa do Pentágono de destruir os documentos, ou colocar o site fora do ar (e talvez para proteger a si mesmos), os responsáveis pelo Wikileaks adotaram um procedimento sofisticado. Há cerca de duas semanas, disponibilizaram um imenso arquivo (o “insurance.aes256″, de 1,4Gb), que supostamente contém toda a base de dados relativa aos vazamentos passados e futuros que perturbam o Pentágono. O material está blindado por criptografia, mas os apoiadores do site foram estimulados a baixá-lo. A esperança é que, difundido dessa forma, torne-se indestrutível. Para que seja aberto, por qualquer um de seus possuidores, basta que o pessoal do Wikileaks, sentindo-se ameaçado, divulgue a senha de desencriptação.
Embora a história assemelhe-se, em alguns de seus aspectos, ao enredo de um filme sofisticado de espionagem, ela envolve uma batalha política de enorme importância. O empenho do governo Obama em tentar impedir a divulgação dos documentos sugere que estão em jogo informações muito delicadas não apenas para seu antecessor, mas para as políticas dos Estados Unidos, de forma geral. Felizmente, o Wikileaks parece não se intimdar. No fim-de-semana, ao responder às críticas dos conservadores e do RSF, Julian Assange afirmou:
“Temos um dever em relação aos mais diretamente afetados pelo material: o povo do Afeganistão e os rumos desta guerra, que está matando centenas de pessoas a cada semana. Temos um dever em relação ao registro da Hisória, sua precisão e integridade”. E foi adiante: “Se os responsáveis pela defesa dos Estados Unidos querem ser vistos como promotores da democracia, eles devem proteger o que os fundadores de sua nação consideravam o valor central: a liberdade de expressão”.
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Uma batalha decisiva para o futuro da liberdade de expressão pode estar sendo travada neste instante. Seu desfecho vai se dar nas próximas semanas. Depois de ter publicado 76 mil relatos secretos sobre a guerra dos EUA contra o Afeganistão, o site global Wikileaks (“furos colaborativos”, em tradução livre) prepara-se para divulgar mais 15 mil. Aparentemente, o conteúdo do segundo lote é ainda mais devastador. Viriam à luz, especula-se, não apenas atrocidades cometidas por soldados no campo de batalha — mas relações diplomáticas perigosas que Washington manteve com governos aliados. Numa corrida contra o tempo para evitar o vazamento, o Pentágono – e, em especial, a direita norte-americana – têm recorrido a ameaças, mistificações e intimidação.
Na semana passada, o próprio secretário de Defesa, Robert Gates, lançou-se a elas. Numa atitude de enorme risco, ele admitiu implicitamente a autenticidade dos documentos que o Wikileaks tem em mãos. Afirmou que o material contém “enorme volume de informações sobre nossas táticas, técnicas e procedimentos”; que sua divulgação ameaça “os soldados norte-americanos e aliados” e terá “consequências potencialmente muito graves”; que será “de grande valia para o Teleban e a Al-Qaeda”.
O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, engrossou o coro em tom de guerra, afirmando que a publicação dos arquivos irá “ajudar o inimigo”. Ainda mais agressivo e ameaçador, o colunista neocon Marc Thiessen escreveu no Washington Post: “Os EUA têm capacidade cibernética para impedir que WikiLeaks divulgue o material. O presidente Obama ordenará que os militares usem a capacidade que têm? (…) Se [Julian] Assange, [o editor do Wikileaks] for deixado livre e os documentos em seu poder forem divulgados, Obama só poderá culpar a si mesmo.”
O esforço para impedir que as informações cheguem à opinião pública recebeu o apoio de uma ONG costumeiramente aliada a Washington: os Repórteres sem Fronteiras (RSF). Numa nota divulgada em 14/8, a entidade tenta mobilizar, contra o Wikileaks, o sentimento de defesa da vida. “Revelar a identidade de centenas de pessoas que colaboraram com a coalizão [liderada pelos EUA] no Afeganistão é altamente perigoso. Não seria difícil para o Taleban e outros grupos armados usar tais documentos para compor uma lista de alvos em ataques mortais”, diz o texto.
Ele serviu para que parte da mídia apontasse o “isolamento crescente” do Wikileaks. Entre os que acompanham em mais detalhes a conjuntura internacional, porém, a postura era previsível. Diversas análises independentes têm apontado a forte relação dos RSF com a diplomacia norte-americana – em especial com algumas de seus projetos e personagens mais controversos.
Que pode haver de tão perturbador (para Washington) nos 15 mil documentos? Segundo o jornal britânico The Guardian, que teve acesso a parte do imenso material reunido pelo Wikileaks, pode tratar-se de “um arquivo de milhares de telegramas, enviados pelas embaixadas dos EUA em todo o mundo, nos quais se trata de comércio de armas, encontros secretos e opiniões não censuradas de outros governos”. Em outras palavras, revelações capazes de abalar governantes e políticos que se aliaram, em todo o mundo, às principais iniciativas geopolíticas e militares de Washington, nos últimos anos — em especial no período Bush.
No fim-de-semana, o australiano Julian Assange, editor do Wikileaks, afirmou em entrevistas em Londres e Estocolmo que o conteúdo deverá ser publicado num período de “duas semanas a um mês”. Segundo ele, a equipe de voluntários do site está revisando “linha por linha” os arquivos vazados. A triagem visaria, em especial, remover informações que possam ameaçar a segurança pessoal de personagens citadas. Também haveria meios de imprensa ajudando a interpretar e resenhar o material, embora Assange tenha preferido não nomeá-los.
Para driblar uma eventual tentativa do Pentágono de destruir os documentos, ou colocar o site fora do ar (e talvez para proteger a si mesmos), os responsáveis pelo Wikileaks adotaram um procedimento sofisticado. Há cerca de duas semanas, disponibilizaram um imenso arquivo (o “insurance.aes256″, de 1,4Gb), que supostamente contém toda a base de dados relativa aos vazamentos passados e futuros que perturbam o Pentágono. O material está blindado por criptografia, mas os apoiadores do site foram estimulados a baixá-lo. A esperança é que, difundido dessa forma, torne-se indestrutível. Para que seja aberto, por qualquer um de seus possuidores, basta que o pessoal do Wikileaks, sentindo-se ameaçado, divulgue a senha de desencriptação.
Embora a história assemelhe-se, em alguns de seus aspectos, ao enredo de um filme sofisticado de espionagem, ela envolve uma batalha política de enorme importância. O empenho do governo Obama em tentar impedir a divulgação dos documentos sugere que estão em jogo informações muito delicadas não apenas para seu antecessor, mas para as políticas dos Estados Unidos, de forma geral. Felizmente, o Wikileaks parece não se intimdar. No fim-de-semana, ao responder às críticas dos conservadores e do RSF, Julian Assange afirmou:
“Temos um dever em relação aos mais diretamente afetados pelo material: o povo do Afeganistão e os rumos desta guerra, que está matando centenas de pessoas a cada semana. Temos um dever em relação ao registro da Hisória, sua precisão e integridade”. E foi adiante: “Se os responsáveis pela defesa dos Estados Unidos querem ser vistos como promotores da democracia, eles devem proteger o que os fundadores de sua nação consideravam o valor central: a liberdade de expressão”.
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Mídia, escândalo e mecanismos de controle
Reproduzo artigo de Dennis de Oliveira, publicado no sítio da Revista Fórum:
No dia 13 de agosto, assisti a uma conferência do professor John B. Thompson, professor da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, intitulada “The New Visbility” (A Nova Visibilidade). Thompson é autor de diversas obras que tratam de mídia e cultura, sendo as mais importantes Ideologia e Cultura Moderna, Mídia e Modernidade e O Escândalo Político: Poder e Visibilidade na Era da Mídia (todos da Editora Vozes). O evento foi a aula inaugural do Programa de Pós Graduação de Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP.
A ideia central de Thompson: há uma esfera midiática na qual a visibilidade pública se legitima e, por meio deste processo, controlam-se as ações da esfera política. Diante disto, Thompson conclui que o escândalo político divulgado pela esfera midiática funciona como um elemento de “controle” da esfera política, subjugando-a, a medida que cada vez mais os membros da esfera política dependem da visibilidade construída na esfera midiática para se manterem no poder.
Lembrei-me desta conferência recentemente ao verificar a postura dos meios de comunicação hegemônicos na cobertura da disputa eleitoral no Brasil deste ano. Um fato inequívoco está ocorrendo no país: a despeito da campanha quase que unânime dos meios hegemônicos contra a gestão de Lula, o presidente brasileiro tem tudo para eleger a sua candidata com folga. Mais que isto, o presidente bate recordes de popularidade.
A adesão da mídia hegemônica à candidatura oposicionista, praticamente isentando o ex-governador de São Paulo de qualquer crítica a sua gestão a frente do maior estado do país e, em certos momentos, transparecendo uma postura preconceituosa (como a famosa fala da “articulista” da Folha de S.Paulo chamando os delegados do PSDB de “massas cheirosas”), pouco repercutiu em termos de formação de opinião pública: a cada momento, o presidente Lula bateu recordes de popularidade e as pesquisas indicavam um crescimento vertiginoso nas intenções de voto na candidata Dilma Roussef.
Diante de tal situação, a postura da mídia hegemônica foi, num primeiro momento, de crítica áspera ao candidato da oposição, culpando-o e à sua assessoria mais próxima, pelo fracasso da investida. Cobrava um discurso oposicionista mais duro. Chorava a derrota iminente. E a preocupação redobrou com a constatação de que, junto com o crescimento das intenções de voto na candidata governista, crescia também a preferência na votação em parlamentares vinculadas a ela. Os jornais ainda alardeiam a possibilidade de a candidata governista ganhar a eleição obtendo ainda a maioria absoluta no parlamento o que possibilitaria a realização de mudanças constitucionais.
Daí, então, o sinal vermelho escuro acendeu de vez. Aproveitando um dos últimos recursos da campanha oposicionista – a tal denúncia da quebra de sigilo fiscal – a mídia hegemônica se esforça em transformar o fato em um escândalo sem proporções. Primeiro, tentando ver se tal escândalo poderia mudar o rumo das eleições. Até o momento, as pesquisas demonstram que tem sido ineficaz, as intenções de voto consolidam-se e a eleição caminha para uma definição no primeiro turno.
Agora, uma bateria de denúncias ganha as capas de jornais, com a Folha de S.Paulo à frente – requentando matérias sobre erros da tarifa social de energia elétrica e insistindo na vinculação partidária das quebras de sigilo fiscal. Mais que mudar os rumos da eleição, esta postura da mídia hegemônica está mais próxima a tese de Thompson – o escândalo aparece como forma de demonstração de poder e de dissuasão do grupo governista na sua eventual nova gestão. Isto é, demonstrar que, mesmo com a maioria absoluta, há uma outra esfera de poder que pode destruir a reputação caso seus interesses e os que representam sejam atingidos. O escândalo midiatizado age, conforme afirma Thompson, como mecanismo de controle.
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No dia 13 de agosto, assisti a uma conferência do professor John B. Thompson, professor da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, intitulada “The New Visbility” (A Nova Visibilidade). Thompson é autor de diversas obras que tratam de mídia e cultura, sendo as mais importantes Ideologia e Cultura Moderna, Mídia e Modernidade e O Escândalo Político: Poder e Visibilidade na Era da Mídia (todos da Editora Vozes). O evento foi a aula inaugural do Programa de Pós Graduação de Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP.
A ideia central de Thompson: há uma esfera midiática na qual a visibilidade pública se legitima e, por meio deste processo, controlam-se as ações da esfera política. Diante disto, Thompson conclui que o escândalo político divulgado pela esfera midiática funciona como um elemento de “controle” da esfera política, subjugando-a, a medida que cada vez mais os membros da esfera política dependem da visibilidade construída na esfera midiática para se manterem no poder.
Lembrei-me desta conferência recentemente ao verificar a postura dos meios de comunicação hegemônicos na cobertura da disputa eleitoral no Brasil deste ano. Um fato inequívoco está ocorrendo no país: a despeito da campanha quase que unânime dos meios hegemônicos contra a gestão de Lula, o presidente brasileiro tem tudo para eleger a sua candidata com folga. Mais que isto, o presidente bate recordes de popularidade.
A adesão da mídia hegemônica à candidatura oposicionista, praticamente isentando o ex-governador de São Paulo de qualquer crítica a sua gestão a frente do maior estado do país e, em certos momentos, transparecendo uma postura preconceituosa (como a famosa fala da “articulista” da Folha de S.Paulo chamando os delegados do PSDB de “massas cheirosas”), pouco repercutiu em termos de formação de opinião pública: a cada momento, o presidente Lula bateu recordes de popularidade e as pesquisas indicavam um crescimento vertiginoso nas intenções de voto na candidata Dilma Roussef.
Diante de tal situação, a postura da mídia hegemônica foi, num primeiro momento, de crítica áspera ao candidato da oposição, culpando-o e à sua assessoria mais próxima, pelo fracasso da investida. Cobrava um discurso oposicionista mais duro. Chorava a derrota iminente. E a preocupação redobrou com a constatação de que, junto com o crescimento das intenções de voto na candidata governista, crescia também a preferência na votação em parlamentares vinculadas a ela. Os jornais ainda alardeiam a possibilidade de a candidata governista ganhar a eleição obtendo ainda a maioria absoluta no parlamento o que possibilitaria a realização de mudanças constitucionais.
Daí, então, o sinal vermelho escuro acendeu de vez. Aproveitando um dos últimos recursos da campanha oposicionista – a tal denúncia da quebra de sigilo fiscal – a mídia hegemônica se esforça em transformar o fato em um escândalo sem proporções. Primeiro, tentando ver se tal escândalo poderia mudar o rumo das eleições. Até o momento, as pesquisas demonstram que tem sido ineficaz, as intenções de voto consolidam-se e a eleição caminha para uma definição no primeiro turno.
Agora, uma bateria de denúncias ganha as capas de jornais, com a Folha de S.Paulo à frente – requentando matérias sobre erros da tarifa social de energia elétrica e insistindo na vinculação partidária das quebras de sigilo fiscal. Mais que mudar os rumos da eleição, esta postura da mídia hegemônica está mais próxima a tese de Thompson – o escândalo aparece como forma de demonstração de poder e de dissuasão do grupo governista na sua eventual nova gestão. Isto é, demonstrar que, mesmo com a maioria absoluta, há uma outra esfera de poder que pode destruir a reputação caso seus interesses e os que representam sejam atingidos. O escândalo midiatizado age, conforme afirma Thompson, como mecanismo de controle.
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A Serra o que é de Serra: nada
Reproduzo artigo de Flávio Aguiar, publicado no sítio Carta Maior:
Na mídia européia aumentou o número de referências a que Dilma Roussef pode ganhar no primeiro turno. De Portugal à Alemanha, do Reino Unido à França, comenta-se a possibilidade.
Às vezes isso desagrada. Para comentaristas conservadores, Dilma é uma "estatista" convicta, mais do que Lula. Isso é uma dor de cabeça. O governo Lula tirou o Brasil da crise financeira rapidamente e com pouco dano porque está fazendo o contrário do que os economistas e governos conservadores - sejam social-democratas ou democrata-cristãos - estão pregando e fazendo.
Para montar o fundo de reserva para proteger o euro - e antas, ainda, para impedir que a bancarrota da Grécia arrastasse consigo os bancos alemães e franceses credores, o que faria a Europa inteira virar um Titanic e bater no iceberg de suas insolvências nacionais - tiveram de recorrer ao FMI. Mais: às receitas do FMI. A Europa virou uma gigantesca Argentina do século passado.
E passaram a foice nos direitos de trabalhadores, pensionistas, aposentados, usuários de programas sociais, etc., com danos que serão sentidos nas próximas gerações. Por exemplo: a Itália acabou com um programa chamado "professores de rua", que colocava educadores nas ruas, no sul do país, para convencer jovens a sair da tentaçào da máfia e do narcotráfico e voltar para a escola. O dano vai ser enorme.
A Alemanha cortou a renda que o governo dava às mães solteiras. O dano também vai ser enorme.
E ainda caíram de martelo em cima dos salários, partcularmente do setor público. O dano também vai ser enorme.
Mas saudando números, economistas e comentaristas conservadores deliram porque a Alemanha "dá mostras de recuperação e puxa a economia européia para cima". Claro, graças a exportações bilionárias para a China. O poder aquisitivo interno está evaporado. Aposta-se em que as exportações farão cair o nível de desemprego. Quosque tandem? Até quando? Aí cai-se na reza para que a China continue crescendo, e apostando também no seu mercado interno.
Mas acontece que no meio do caminho tem o Brasil, tem o Brasil no meio do caminho. Adotando uma saída do tipo da Malásia, que no século passado, quando da crise da dívida externa no Sudeste Asiático fez tudo o contrário do que o FMI queria, e saiu-se bem, ao contrário da Indonésia, da Tailândia, até da Coréia do Sul, o Brasil "investiu em investimentos", continuou melhorando salários, subsidiou a linha branca, etc., vocês aí devem conhecer as soluções melhor do que eu, aqui de longe, apesar da internet. O que fazer com o Brasil? Essa é uma pergunta alarmante no cenário internacional para as ortodoxias econômicas.
A esperança era José Serra. Uma virada que reintegrasse o Brasil na ortodoxia mais roxa que pano de quaresma e meia de cardeal. Não está dando certo. Por quê?
Porque Serra nada tem a oferecer. Os comentários da mídia a que aludi acima são expressivos. Porque aí vem a emenda, que para o arraial serrista é pior do que o soneto. A mesma mídia que cautelosamente aponta a possibilidade da vitória de Dilma, assinala que só um fato novo poderia virar o quadro, nem que flosse para jogar tudo para o segundo turno. Mas diz - como no caso da The Economist - esse fato novo só pode ser algo como uma denúncia que vire a mesa. Ou seja, de Serra, na verdade, nada se espera. Como dizia o Barão de Itararé: ali donde nada se espera, é que não sai nada mesmo. O The Guardian chegou a dizer que o programa de TV de Dilma arrasa com o de Serra.
Serra perdeu a voz, a vez, está mal no santinho, na paróquia, etc. Só não perdeu o grito. Dilma disse muito bem que eleição se ganha no voto, não em pesquisa. Mas há quem queira ganhar no grito, já que não tem outro recurso. E com ajuda da gritalhada da mídia conservadora brasileira, claro.
Acontece que, no caso das quebras de sigilo, o tribunal eleitoral não aceitou a denúncia contra Dilma, por falta de provas. Mais cedo ou mais tarde, isso vai prevalecer sobre a gritaria, as conjeturas, as hipóteses, as contra-hipóteses, as teses abstrusas, esse mar de lama em que se tenta sufocar a eleição brasileira e o debate das propostas. Porque um lado - o de Serra - não tem propostas que possa apresentar, só as que não pode apresentar, que envolvem a demolição dos direitos conquistados e exercidos pelo povo brasileiro nos últimos anos.
Querem nos transformar numa nova Grécia.
Esconjuro. A Serra o que é de Serra: nada.
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Na mídia européia aumentou o número de referências a que Dilma Roussef pode ganhar no primeiro turno. De Portugal à Alemanha, do Reino Unido à França, comenta-se a possibilidade.
Às vezes isso desagrada. Para comentaristas conservadores, Dilma é uma "estatista" convicta, mais do que Lula. Isso é uma dor de cabeça. O governo Lula tirou o Brasil da crise financeira rapidamente e com pouco dano porque está fazendo o contrário do que os economistas e governos conservadores - sejam social-democratas ou democrata-cristãos - estão pregando e fazendo.
Para montar o fundo de reserva para proteger o euro - e antas, ainda, para impedir que a bancarrota da Grécia arrastasse consigo os bancos alemães e franceses credores, o que faria a Europa inteira virar um Titanic e bater no iceberg de suas insolvências nacionais - tiveram de recorrer ao FMI. Mais: às receitas do FMI. A Europa virou uma gigantesca Argentina do século passado.
E passaram a foice nos direitos de trabalhadores, pensionistas, aposentados, usuários de programas sociais, etc., com danos que serão sentidos nas próximas gerações. Por exemplo: a Itália acabou com um programa chamado "professores de rua", que colocava educadores nas ruas, no sul do país, para convencer jovens a sair da tentaçào da máfia e do narcotráfico e voltar para a escola. O dano vai ser enorme.
A Alemanha cortou a renda que o governo dava às mães solteiras. O dano também vai ser enorme.
E ainda caíram de martelo em cima dos salários, partcularmente do setor público. O dano também vai ser enorme.
Mas saudando números, economistas e comentaristas conservadores deliram porque a Alemanha "dá mostras de recuperação e puxa a economia européia para cima". Claro, graças a exportações bilionárias para a China. O poder aquisitivo interno está evaporado. Aposta-se em que as exportações farão cair o nível de desemprego. Quosque tandem? Até quando? Aí cai-se na reza para que a China continue crescendo, e apostando também no seu mercado interno.
Mas acontece que no meio do caminho tem o Brasil, tem o Brasil no meio do caminho. Adotando uma saída do tipo da Malásia, que no século passado, quando da crise da dívida externa no Sudeste Asiático fez tudo o contrário do que o FMI queria, e saiu-se bem, ao contrário da Indonésia, da Tailândia, até da Coréia do Sul, o Brasil "investiu em investimentos", continuou melhorando salários, subsidiou a linha branca, etc., vocês aí devem conhecer as soluções melhor do que eu, aqui de longe, apesar da internet. O que fazer com o Brasil? Essa é uma pergunta alarmante no cenário internacional para as ortodoxias econômicas.
A esperança era José Serra. Uma virada que reintegrasse o Brasil na ortodoxia mais roxa que pano de quaresma e meia de cardeal. Não está dando certo. Por quê?
Porque Serra nada tem a oferecer. Os comentários da mídia a que aludi acima são expressivos. Porque aí vem a emenda, que para o arraial serrista é pior do que o soneto. A mesma mídia que cautelosamente aponta a possibilidade da vitória de Dilma, assinala que só um fato novo poderia virar o quadro, nem que flosse para jogar tudo para o segundo turno. Mas diz - como no caso da The Economist - esse fato novo só pode ser algo como uma denúncia que vire a mesa. Ou seja, de Serra, na verdade, nada se espera. Como dizia o Barão de Itararé: ali donde nada se espera, é que não sai nada mesmo. O The Guardian chegou a dizer que o programa de TV de Dilma arrasa com o de Serra.
Serra perdeu a voz, a vez, está mal no santinho, na paróquia, etc. Só não perdeu o grito. Dilma disse muito bem que eleição se ganha no voto, não em pesquisa. Mas há quem queira ganhar no grito, já que não tem outro recurso. E com ajuda da gritalhada da mídia conservadora brasileira, claro.
Acontece que, no caso das quebras de sigilo, o tribunal eleitoral não aceitou a denúncia contra Dilma, por falta de provas. Mais cedo ou mais tarde, isso vai prevalecer sobre a gritaria, as conjeturas, as hipóteses, as contra-hipóteses, as teses abstrusas, esse mar de lama em que se tenta sufocar a eleição brasileira e o debate das propostas. Porque um lado - o de Serra - não tem propostas que possa apresentar, só as que não pode apresentar, que envolvem a demolição dos direitos conquistados e exercidos pelo povo brasileiro nos últimos anos.
Querem nos transformar numa nova Grécia.
Esconjuro. A Serra o que é de Serra: nada.
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TV brasileira: sessentona e desregulada
Reproduzo artigo de Venício Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
Setembro é o mês de aniversário da televisão no Brasil e 2010 marca os seus 60 anos. Uma idade respeitável, sem dúvida. Ao lado das celebrações, devemos aproveitar o calendário e fazer alguns rápidos registros sobre essa instituição formidável que alcançou importância única em nossa sociedade.
O que de relevante tem acontecido com a televisão brasileira nos últimos anos?
Certamente, ela já viveu melhores dias. Aos 60 anos, há uma significativa queda na sua audiência média – conseqüência, dentre outras causas, das profundas mudanças provocadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Esse, por óbvio, não é um problema exclusivamente brasileiro. Entre nós, permanece, há décadas, a liderança da mesma rede, embora seus principais programas e gêneros não alcancem mais as incríveis audiências que tiveram no passado.
Há algum tempo, merece destaque no setor a passagem do sistema analógico para o digital. A decisão sobre qual o modelo de TV digital seria adotado no país sofreu uma guinada de 180 graus entre 2003 e 2006 e a opção pelo modelo japonês, que privilegia a mobilidade e a qualidade da imagem em detrimento da abertura para novos concessionários, acabou prevalecendo. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que contestava a constitucionalidade da decisão foi recentemente julgada improcedente pelo STF.
Atraso de décadas
Um importante avanço, sem dúvida, foi a criação da primeira experiência de TV pública no país – a TV Brasil da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em 2007. Embora previsto no artigo 223 da Constituição de 1988 para ser complementar aos sistemas privado e estatal de radiodifusão, não havia, até então, sequer uma positivação legal do que seria um sistema público de televisão. Apesar de enfrentar a sistemática e impiedosa hostilidade do sistema privado comercial dominante e de seus aliados na mídia impressa, a TV pública vai aos poucos se consolidando e, espera-se, possa, no médio prazo, se transformar em referência de qualidade para a televisão brasileira.
Há, no entanto, uma área em que continuamos onde sempre estivemos: a regulação do exercício da atividade televisiva.
A procuradora Vera Nusdeo, em belo capítulo intitulado "A lei da selva", no livro organizado pelo jornalista e professor Eugênio Bucci [A TV aos 50, Criticando a Televisão Brasileira no seu Cinqüentenário, Editora da Fundação Perseu Abramo], escreveu:
"Entre nós, a legislação não contribui para formar uma mentalidade, tanto do público como dos concessionários de televisão, baseada no direito à informação do primeiro e na obrigação dos segundos de prestar um serviço de qualidade, respeitando os valores éticos e sociais e não apenas atendendo aos interesses dos anunciantes. Comparada à legislação de outros países, a brasileira é de um laconismo que reflete com perfeição a falta de consciência da relevância do meio televisivo no mundo contemporâneo e, consequentemente, a responsabilidade social subjacente ao exercício dessa atividade".
Dez anos depois, a mesma avaliação pode ser feita, agora com uma agravante: apesar da sua óbvia necessidade, das propostas da 1ª Confecom e de seu atraso de seis décadas (o Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962!), não há sinais convincentes de que algum tipo de regulação do exercício da atividade televisiva esteja a caminho, pelo menos no médio prazo.
Sem regulação
Há poucas semanas comentei neste Observatório que o presidente Lula havia assinado decreto criando uma comissão interministerial para "elaborar estudos e apresentar propostas de revisão do marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiofusão".
Apesar de o ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), haver declarado, à época, que "a idéia é deixar para o próximo governo propostas que permitam avançar numa área crucial e enfrentar os desafios e oportunidades abertos pela era digital na comunicação e pela convergência de mídias", circulou a informação de que o próprio presidente Lula queria enviar ao Congresso Nacional, ainda em seu governo, a proposta de marco regulatório.
Todavia, a serem verdadeiras as últimas notícias divulgadas na grande mídia sobre o assunto, "o governo desistiu de encaminhar ao Congresso Nacional, logo após as eleições, projeto de nova regulamentação das comunicações no país (...) isso, será uma tarefa do próximo governo". (cf. Luiz Carlos Azedo, "Brasília DF", Correio Braziliense, 5/9/2010, pág. 7).
Como bem disse a procuradora Vera Nusdeo, dez anos atrás, no capítulo já citado:
"No Brasil, o Estado se limita ao seu papel de conceder canais. Fora isso, o que impera, desde sempre, é a total falta de regulamentação [da atividade televisiva], talvez por medo de que qualquer discussão sobre o assunto possa dar a impressão de censura e obscurantismo."
A televisão brasileira chega, portanto, aos seus 60 anos, da mesma forma que tem estado em praticamente toda a sua história: sem um marco regulatório que discipline sua atividade.
Convenhamos, essa não é uma condição a ser celebrada.
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Setembro é o mês de aniversário da televisão no Brasil e 2010 marca os seus 60 anos. Uma idade respeitável, sem dúvida. Ao lado das celebrações, devemos aproveitar o calendário e fazer alguns rápidos registros sobre essa instituição formidável que alcançou importância única em nossa sociedade.
O que de relevante tem acontecido com a televisão brasileira nos últimos anos?
Certamente, ela já viveu melhores dias. Aos 60 anos, há uma significativa queda na sua audiência média – conseqüência, dentre outras causas, das profundas mudanças provocadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Esse, por óbvio, não é um problema exclusivamente brasileiro. Entre nós, permanece, há décadas, a liderança da mesma rede, embora seus principais programas e gêneros não alcancem mais as incríveis audiências que tiveram no passado.
Há algum tempo, merece destaque no setor a passagem do sistema analógico para o digital. A decisão sobre qual o modelo de TV digital seria adotado no país sofreu uma guinada de 180 graus entre 2003 e 2006 e a opção pelo modelo japonês, que privilegia a mobilidade e a qualidade da imagem em detrimento da abertura para novos concessionários, acabou prevalecendo. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que contestava a constitucionalidade da decisão foi recentemente julgada improcedente pelo STF.
Atraso de décadas
Um importante avanço, sem dúvida, foi a criação da primeira experiência de TV pública no país – a TV Brasil da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em 2007. Embora previsto no artigo 223 da Constituição de 1988 para ser complementar aos sistemas privado e estatal de radiodifusão, não havia, até então, sequer uma positivação legal do que seria um sistema público de televisão. Apesar de enfrentar a sistemática e impiedosa hostilidade do sistema privado comercial dominante e de seus aliados na mídia impressa, a TV pública vai aos poucos se consolidando e, espera-se, possa, no médio prazo, se transformar em referência de qualidade para a televisão brasileira.
Há, no entanto, uma área em que continuamos onde sempre estivemos: a regulação do exercício da atividade televisiva.
A procuradora Vera Nusdeo, em belo capítulo intitulado "A lei da selva", no livro organizado pelo jornalista e professor Eugênio Bucci [A TV aos 50, Criticando a Televisão Brasileira no seu Cinqüentenário, Editora da Fundação Perseu Abramo], escreveu:
"Entre nós, a legislação não contribui para formar uma mentalidade, tanto do público como dos concessionários de televisão, baseada no direito à informação do primeiro e na obrigação dos segundos de prestar um serviço de qualidade, respeitando os valores éticos e sociais e não apenas atendendo aos interesses dos anunciantes. Comparada à legislação de outros países, a brasileira é de um laconismo que reflete com perfeição a falta de consciência da relevância do meio televisivo no mundo contemporâneo e, consequentemente, a responsabilidade social subjacente ao exercício dessa atividade".
Dez anos depois, a mesma avaliação pode ser feita, agora com uma agravante: apesar da sua óbvia necessidade, das propostas da 1ª Confecom e de seu atraso de seis décadas (o Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962!), não há sinais convincentes de que algum tipo de regulação do exercício da atividade televisiva esteja a caminho, pelo menos no médio prazo.
Sem regulação
Há poucas semanas comentei neste Observatório que o presidente Lula havia assinado decreto criando uma comissão interministerial para "elaborar estudos e apresentar propostas de revisão do marco regulatório da organização e exploração dos serviços de telecomunicações e de radiofusão".
Apesar de o ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), haver declarado, à época, que "a idéia é deixar para o próximo governo propostas que permitam avançar numa área crucial e enfrentar os desafios e oportunidades abertos pela era digital na comunicação e pela convergência de mídias", circulou a informação de que o próprio presidente Lula queria enviar ao Congresso Nacional, ainda em seu governo, a proposta de marco regulatório.
Todavia, a serem verdadeiras as últimas notícias divulgadas na grande mídia sobre o assunto, "o governo desistiu de encaminhar ao Congresso Nacional, logo após as eleições, projeto de nova regulamentação das comunicações no país (...) isso, será uma tarefa do próximo governo". (cf. Luiz Carlos Azedo, "Brasília DF", Correio Braziliense, 5/9/2010, pág. 7).
Como bem disse a procuradora Vera Nusdeo, dez anos atrás, no capítulo já citado:
"No Brasil, o Estado se limita ao seu papel de conceder canais. Fora isso, o que impera, desde sempre, é a total falta de regulamentação [da atividade televisiva], talvez por medo de que qualquer discussão sobre o assunto possa dar a impressão de censura e obscurantismo."
A televisão brasileira chega, portanto, aos seus 60 anos, da mesma forma que tem estado em praticamente toda a sua história: sem um marco regulatório que discipline sua atividade.
Convenhamos, essa não é uma condição a ser celebrada.
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