quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Serra no JN e a revolta no twitter
O twitter está pegando fogo. Centenas de mensagens de indignação diante da manipulação da TV Globo na entrevista com o tucano José Serra. Com Dilma Rousseff, o casal global promoveu um típico interrogatório policial. Já com Marina Silva, Willian Bonner e Fátima Bernardes tentaram usar a candidata verde para atacar o governo Lula. Hoje, com José Serra, o Jornal Nacional foi só gentileza. As mensagens do twitter ajudam num primeiro balanço da entrevista no JN:
- Acabou o conversê dos compadres? Globo com Serra nem pensar. Espero que alguém coloque o filme de terror em algum lugar.
- Um papo das comadres eleitoras fervorosas do Serra... Que nojo me dá essa Globo.
- Bonner esconde Arruda, DEM, mensalão de Minas, Quércia, tudo atrás do pobre PTB.
- Serra está de parabéns, ele tem bons amigos, principalmente na Globo.
- Sorria! Você está sendo manipulado. Pergunte o que me convém e levante o que preciso de tempo para maquiar fatos.
- Jornal Nacional dá show de horrores ao entrevistar Serra. Foi um espetáculo deprimente de corrupção.
- Resumo do Serra no JN: Acha o pedágio de SP é bom, acredita nos mutirões ao invés de política concreta de saúde, e Bonner pediu oito desculpas.
- Serra acaba de falar ao Jornal Nacional. Como sempre tranqüilo. Estava entre amigos.
- Para Bonner não existiu mensalão do DEM. O PSDB é um monte de anjos e o único risco que corre é de ser contaminado por maus amiguinhos.
- O Bonner é jornalista ou terapeuta ocupacional do Serra?
- Depois dessa entrevista no JN nem o casal Global salva o naufrágio do candidato vazio Zé Serra. Sorriso forçado, perguntas ensaiadas!
- A Rede Globo afunda cada vez mais. Bonner e Serra foram só amores. Só faltou o passeio pela praça... Ridículo! Cadê o TSE?
- Bonner levantou a bola para o Serra na questão pedágio: Assim ele pode falar mal das estradas federais.
- Globo tratou o Serra como sendo de casa! Puxa saco!
- Serra agora vai jantar na casa do Bonner e Fátima.
- Impressionante! Primeiro candidato que vejo dizer: "Esta é uma boa pergunta, Bonner".
- Serra não foi interrompido por Bonner. A simpatia ao candidato é nítida.
- Que casal 20, que nada. É o casal 45 na bancada do JN.
- A globo não aprendeu a fazer jornalismo. Continua manipulando e manipulando. Lamentável.
- A Globo não tem vergonha. Comparada com a entrevista da Marina e da Dilma, a do Serra está sendo um espaço nobre para ele expor suas propostas.
- O casal nacional está fazendo as perguntas que o Serra quer!
- Muito meigo e previsível, Bonner pediu licença para o Serra. Com Dilma foi pra cima com força sem pedir licença.
- O JN hoje resolveu fazer uma entrevista com o Serra... diferente dos demais candidatos, quando teve um interrogatório.
- Dá a impressão que o Serra é amigo do casal. Viram o olhar da Fátima. De amiguinha?
- Bonner sacana. Porque falar do mensalão 'petista' em vez de falar no DEM, aliado muito mais importante que o PTB e comprovadamente corrupto?
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- Acabou o conversê dos compadres? Globo com Serra nem pensar. Espero que alguém coloque o filme de terror em algum lugar.
- Um papo das comadres eleitoras fervorosas do Serra... Que nojo me dá essa Globo.
- Bonner esconde Arruda, DEM, mensalão de Minas, Quércia, tudo atrás do pobre PTB.
- Serra está de parabéns, ele tem bons amigos, principalmente na Globo.
- Sorria! Você está sendo manipulado. Pergunte o que me convém e levante o que preciso de tempo para maquiar fatos.
- Jornal Nacional dá show de horrores ao entrevistar Serra. Foi um espetáculo deprimente de corrupção.
- Resumo do Serra no JN: Acha o pedágio de SP é bom, acredita nos mutirões ao invés de política concreta de saúde, e Bonner pediu oito desculpas.
- Serra acaba de falar ao Jornal Nacional. Como sempre tranqüilo. Estava entre amigos.
- Para Bonner não existiu mensalão do DEM. O PSDB é um monte de anjos e o único risco que corre é de ser contaminado por maus amiguinhos.
- O Bonner é jornalista ou terapeuta ocupacional do Serra?
- Depois dessa entrevista no JN nem o casal Global salva o naufrágio do candidato vazio Zé Serra. Sorriso forçado, perguntas ensaiadas!
- A Rede Globo afunda cada vez mais. Bonner e Serra foram só amores. Só faltou o passeio pela praça... Ridículo! Cadê o TSE?
- Bonner levantou a bola para o Serra na questão pedágio: Assim ele pode falar mal das estradas federais.
- Globo tratou o Serra como sendo de casa! Puxa saco!
- Serra agora vai jantar na casa do Bonner e Fátima.
- Impressionante! Primeiro candidato que vejo dizer: "Esta é uma boa pergunta, Bonner".
- Serra não foi interrompido por Bonner. A simpatia ao candidato é nítida.
- Que casal 20, que nada. É o casal 45 na bancada do JN.
- A globo não aprendeu a fazer jornalismo. Continua manipulando e manipulando. Lamentável.
- A Globo não tem vergonha. Comparada com a entrevista da Marina e da Dilma, a do Serra está sendo um espaço nobre para ele expor suas propostas.
- O casal nacional está fazendo as perguntas que o Serra quer!
- Muito meigo e previsível, Bonner pediu licença para o Serra. Com Dilma foi pra cima com força sem pedir licença.
- O JN hoje resolveu fazer uma entrevista com o Serra... diferente dos demais candidatos, quando teve um interrogatório.
- Dá a impressão que o Serra é amigo do casal. Viram o olhar da Fátima. De amiguinha?
- Bonner sacana. Porque falar do mensalão 'petista' em vez de falar no DEM, aliado muito mais importante que o PTB e comprovadamente corrupto?
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Marina Silva e a covardia do TV Globo
Reproduzo artigo de Ricardo Kotscho, intitulado "JN usa Marina contra o governo e o PT", publicado em seu blog:
A entrevista desta terça-feira na bancada do Jornal Nacional era com a candidata do Partido Verde, a senadora Marina Silva. Mas o casal William Bonner e Fátima Bernardes não estava interessado em lhe perguntar sobre o seu partido, o programa de governo, as propostas que defende para o país.
A seis semanas das eleições de 2010, os apresentadores do JN estavam mais preocupados em indagar Marina sobre um episódio de 2005, que ficou conhecido como escândalo do mensalão. Marina não teve nenhum envolvimento com o episódio, nunca havia se manifestado sobre o assunto, nem mesmo quando deixou o PT, no ano passado, para se tornar candidata a presidente pelo PV.
Quer dizer, levantaram um tema que envolve um partido e um governo que não estavam presentes na entrevista para se defender. É, no mínimo, covardia. Queriam que Marina fizesse os ataques ao PT por eles para não dar muita bandeira.
O mais curioso é que, na noite anterior, quando fizeram de tudo para não deixar a candidata do PT falar, impedindo a ex-ministra Dilma Rousseff de expor suas idéias e concluir as frases, não lhe fizeram nenhuma pergunta sobre o mensalão. Nesta mesma linha, não será nenhuma surpresa se esta noite perguntarem ao candidato do PSDB, José Serra, o que ele acha dos erros do governo Lula e o que ele faria de diferente no governo.
Seria mais lógico que fizessem a pergunta sobre o mensalão a Serra, que nos últimos dias assumiu o papel de ombudsman do governo, já que nesta eleição ele é apoiado pelo PTB do ex-deputado Roberto Jefferson, um dos pivôs do escândalo.
Pior do que o conteúdo das perguntas, o que me impressiona nestas entrevistas do JN é a postura de Bonner, que mais parece estar interrogando um suspeito na delegacia do que um jornalista preocupado em arrancar dos candidatos informações que possam ser úteis para os eleitores interessados em saber o que eles pensam e pretendem fazer com o país caso sejam vitoriosos.
À medida em que se aproximam as eleições e as últimas pesquisas, com a exceção do Datafolha, mostram o favoritismo da candidata Dilma, alguns jornalistas da grande imprensa parecem estar perdendo o recato.
Chega a ser comovente o empenho de certos colunistas e blogueiros ao dizer o que o candidato José Serra e as oposições em geral devem fazer para reverter o quadro, atacando o governo, o presidente Lula e a sua candidata. No desespero, vale até abrir mais espaço para os candidatos nanicos na tentativa de levar a eleição para o segundo turno.
Por mais que todos façam declarações de fé no apartidarismo, neutralidade e na independência dos veículos, o noticiário é cada vez mais editorializado e nem as seções de cartas dos leitores escondem a preferência de cada qual. Tudo bem que escolham um candidato e rejeitem outro, mas seria mais honesto deixar isso claro, informando aos seus leitores/eleitores as razões desta escolha.
Caso contrário, fica esta hipocrisia, que se repete a cada eleição, como se os ouvintes, telespectadores e leitores fossem todos bobos e ainda corressem atrás dos chamados formadores de opinião na grande mídia para definir seu voto.
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A entrevista desta terça-feira na bancada do Jornal Nacional era com a candidata do Partido Verde, a senadora Marina Silva. Mas o casal William Bonner e Fátima Bernardes não estava interessado em lhe perguntar sobre o seu partido, o programa de governo, as propostas que defende para o país.
A seis semanas das eleições de 2010, os apresentadores do JN estavam mais preocupados em indagar Marina sobre um episódio de 2005, que ficou conhecido como escândalo do mensalão. Marina não teve nenhum envolvimento com o episódio, nunca havia se manifestado sobre o assunto, nem mesmo quando deixou o PT, no ano passado, para se tornar candidata a presidente pelo PV.
Quer dizer, levantaram um tema que envolve um partido e um governo que não estavam presentes na entrevista para se defender. É, no mínimo, covardia. Queriam que Marina fizesse os ataques ao PT por eles para não dar muita bandeira.
O mais curioso é que, na noite anterior, quando fizeram de tudo para não deixar a candidata do PT falar, impedindo a ex-ministra Dilma Rousseff de expor suas idéias e concluir as frases, não lhe fizeram nenhuma pergunta sobre o mensalão. Nesta mesma linha, não será nenhuma surpresa se esta noite perguntarem ao candidato do PSDB, José Serra, o que ele acha dos erros do governo Lula e o que ele faria de diferente no governo.
Seria mais lógico que fizessem a pergunta sobre o mensalão a Serra, que nos últimos dias assumiu o papel de ombudsman do governo, já que nesta eleição ele é apoiado pelo PTB do ex-deputado Roberto Jefferson, um dos pivôs do escândalo.
Pior do que o conteúdo das perguntas, o que me impressiona nestas entrevistas do JN é a postura de Bonner, que mais parece estar interrogando um suspeito na delegacia do que um jornalista preocupado em arrancar dos candidatos informações que possam ser úteis para os eleitores interessados em saber o que eles pensam e pretendem fazer com o país caso sejam vitoriosos.
À medida em que se aproximam as eleições e as últimas pesquisas, com a exceção do Datafolha, mostram o favoritismo da candidata Dilma, alguns jornalistas da grande imprensa parecem estar perdendo o recato.
Chega a ser comovente o empenho de certos colunistas e blogueiros ao dizer o que o candidato José Serra e as oposições em geral devem fazer para reverter o quadro, atacando o governo, o presidente Lula e a sua candidata. No desespero, vale até abrir mais espaço para os candidatos nanicos na tentativa de levar a eleição para o segundo turno.
Por mais que todos façam declarações de fé no apartidarismo, neutralidade e na independência dos veículos, o noticiário é cada vez mais editorializado e nem as seções de cartas dos leitores escondem a preferência de cada qual. Tudo bem que escolham um candidato e rejeitem outro, mas seria mais honesto deixar isso claro, informando aos seus leitores/eleitores as razões desta escolha.
Caso contrário, fica esta hipocrisia, que se repete a cada eleição, como se os ouvintes, telespectadores e leitores fossem todos bobos e ainda corressem atrás dos chamados formadores de opinião na grande mídia para definir seu voto.
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Lalo Leal explica a crise da TV Cultura
Reproduzo entrevista concedida ao sítio Brasilianas:
As recentes declarações do presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, sobre a necessidade de reestruturação e renovação na programação da TV Cultura, além das possíveis demissões, trouxeram à tona, novamente, a discussão a respeito da gestão das TV’s Públicas no Brasil. Diante da exposição dos percalços da emissora paulista, uma série de questionamentos emergiu em meio às especulações sobre o futuro da TV Cultura. Comparações entre a formação histórica da TV pública brasileira e os modelos criados, por exemplo, na Europa e nos EUA ganham espaço no debate e procuram levantar explicações para a crise.
Para o sociólogo e jornalista Laurindo Leal Filho, a TV Cultura “fica ao sabor das decisões do governo do momento”, não funcionando sob a lógica do investimento público. Em entrevista à equipe do Brasilianas.org, Lalo, como é mais conhecido, parte do caso da TV Cultura e investe numa reflexão que perpassa pelos principais problemas da gestão pública da comunicação no Brasil. “A TV Pública tem a obrigação e a missão de apresentar e de dar bons produtos de televisão para o público, e ao fazer isso, ela cria no público um novo conceito de televisão e esse público vai exigir da emissora comercial a mesma qualidade que ele vê na TV pública”.
A TV Cultura necessitava passar por um processo de reformulação nos moldes decididos recentemente pela Fundação Padre Anchieta reduzindo, por exemplo, o quadro de funcionários?
A Fundação Padre Anchieta é um patrimônio da população do Estado de São Paulo, construído há várias décadas e que precisa ser preservado de qualquer maneira. A TV Cultura é, até hoje, o principal, o mais bem acabado modelo de TV pública no Brasil. E ele – este modelo - não pode ser, de maneira alguma, ser destruído.
Eu tenho estudado a TV Cultura desde o seu início. Ela sempre passa sempre por fases difíceis em função das ingerências de governos estaduais sobre a administração. E nós estamos vivendo outra vez esse tipo de problema. O Conselho Curador, da Fundação Padre Anchieta, tem muito pouca autonomia em relação aos governos do estado e acaba sofrendo esse tipo de ingerência.
E, isso se deve à questão orçamentária...
A questão financeira deve ser vista sobre a ótica de que é obrigação do Estado investir numa televisão pública de qualidade. Porque, no Brasil, a televisão tem um poder muito forte na educação, na cultura, na informação das pessoas. A maioria da população brasileira, e mesmo no estado de São Paulo, se informa e se entretêm através da televisão.
Então, a TV Cultura não pode ficar sob a lógica do mercado, de que ela deve ser superavitária, sob a lógica de que os seus investimentos devem ser cortados de acordo com as orientações do governo do estado. Ela tem que ter autonomia financeira, deveria ter um orçamento garantido pela legislação do estado de São Paulo. Um orçamento que dê conta das suas necessidades.
O que não pode acontecer é se tratar um serviço público de rádiofusão como se o mesmo pudesse funcionar sob a lógica do mercado. Não. Eu tenho que funcionar sob a lógica do investimento público.
Assim, como é fundamental o governo investir em saúde, em educação, ele tem que investir em televisão pública. E, nesse sentido, é importante que os recursos sejam, fundamentalmente, do estado. Claro que você pode ter outras fontes alternativas, mas elas, no caso brasileiro, devem ser complementares aos orçamentos do estado.
E quais seriam os instrumentos financeiros das TVs públicas?
Acho que a TV pública pode até, no máximo, ser mantida com algum tipo de financiamento de apoios culturais. Nunca publicidade, porque a publicidade desvirtua o papel da TV pública. Ela joga a televisão no mesmo saco das televisões comerciais. E, aí, ela passa a disputar audiência para conseguir publicidade. Em consequência disso, tende a abaixar a qualidade da programação.
No máximo, uma fonte alternativa seria a dos apoios culturais. Ou seja, uma determinada empresa patrocina um programa e o nome dela aparece como patrocinadora. Acho que esse é o limite máximo que a gente pode fazer de concessão para uma TV pública receber um auxílio externo.
Mas acho que, majoritariamente, tem que ser investimento público. Mas, investimento público gerido não pelo estado, gerido pela sociedade através, no caso da TV Cultura, de um conselho curador autônomo, independente, e não subordinado ao estado.
Infelizmente a TV Cultura, nos últimos anos, o Conselho foi cada vez mais controlado pelo mesmo grupo político, e hoje ele se curva as decisões do governo estadual.
O uso comercial do acervo da Cultura não ajudaria como fontes de recursos?
Ela já faz isso. Mas é uma renda que atinge um percentual muito pequeno. Por mais que você invista nisso, em relação ao custo numa emissora, nunca vai passar dos 5%. É importante, mas não é suficiente.
Então, como você disse, os Conselhos não mudam...
As mudanças são feitas, mas sempre em torno do mesmo grupo político. Não é que são os mesmos, eles têm uma alternância. O problema é que esses membros são escolhidos pelo próprio Conselho. Os representantes da sociedade são escolhidos pelo próprio Conselho. E eles acabam escolhendo pessoas alinhadas sempre com o mesmo grupo político.
Então, isso faz com que esse Conselho não seja, efetivamente, representativo da sociedade paulista. E ele tem um diálogo muito restrito com a sociedade. A sociedade tem dificuldade de ter acesso a esse Conselho, de se manifestar....de levar suas demandas.
Na verdade, um conselho curador tem que ser o canal da sociedade para junto da emissora. Esse Conselho [da TV Cultura] é muito distante da sociedade.
É possível dar exemplo de uma TV Pública que aproxime o Conselho da sociedade?
Acho que a TV Brasil está indo bem nesse caminho. O Conselho da TV Brasil, da EBC, é bastante diversificado e as suas indicações, agora, são feitas através de consultas públicas. Na última renovação de três membros, havia sessenta e poucos indicados por setores representativos da sociedade, organizações da sociedade. Ele está caminhando para ser um conselho bastante representativo. E avança muito em relação ao Conselho da TV Cultura.
Qual foi a melhor gestão que a TV Cultura já teve?
As gestões melhores são aquelas que o governo do estado se afasta e dá autonomia ao gestor. Então, em alguns momentos, por exemplo, no governo Montoro, nos anos 80, houve um certo afastamento e os gestores puderam criar mais, tiveram liberdade pra criar mais, pra poder diversificar, sem muitas interferências.
Um dos momentos melhores da TV Cultura foi entre o final dos anos 80 e começo dos anos 90, quando chegou a ter 12 pontos de audiência no Ibope, com sua grade de programação infantil, que até hoje é lembrada pelos adultos que eram crianças na época. Era uma referência de qualidade.
Aquilo mostrou que a TV Cultura, quando ela tem recursos, liberdade e competência... Porque é esse o trinômio, se você consegue juntar esses três fatores, a TV Cultura tem condições até de competir com qualidade pela audiência. No início dos anos 90 a TV Cultura chegou a dar 12 pontos de audiência no Ibope e obrigou as emissoras comerciais, o SBT, por exemplo, a mudar sua grade de programação infantil, a melhorar a grade de programação, porque estava perdendo pontos pra TV Cultura.
Então, veja a importância da TV pública, ela tem a obrigação e a missão de apresentar, de dar bons produtos de televisão pro público. E, ao fazer isso, ela cria no público um novo conceito de televisão, e esse público vai exigir da emissora comercial a mesma qualidade que ele vê na TV pública.
Então, não só produz e oferece programa de qualidade, mas acaba, como que quase um subproduto desse trabalho, fazendo com que a TV comercial também se veja obrigada a melhorar a qualidade da programação. Um bom investimento numa TV publica, dando a ela liberdade e trazendo profissionais qualificados, faz com que toda a televisão, no final, melhore.
O que o faltou para o Brasil ser uma BBC?
Faltou uma política no início do rádio aqui no Brasil. Na década de 30, era quando era só rádio, faltou uma política de incentivo à rádio difusão pública. E se entregou esse setor da sociedade para a iniciativa privada.
Só foi se pensar efetivamente numa TV pública na década de 50, quando o Getúlio Vargas cogitou de criar a TV Nacional, dando um canal de televisão para a rádio nacional do Rio de Janeiro, mas ele sofreu uma carga brutal contrária de empresários que já tinham constituído suas emissoras que eram dominantes. E que são eles mesmos que estão aí até hoje, salvo o Chateaubriand, que faliu e morreu.
Como não houve, no início, um empenho do estado de impulsionar o rádio e a televisão pública, os empresários foram ocupando esse setor. E quando o Estado tenta voltar a ter alguma ação protagonista nesse setor, recebe uma carga contrária muito grande, porque os empresários não querem abrir mão do privilégio que é ocupar esse setor.
Na Europa foi o contrário, o estado, desde o começo, foi quem criou as emissoras. As emissoras públicas sempre deram a linha, a tônica, e só foram ter concorrentes privados agora a partir da década de 80, majoritariamente.
Aqui no Brasil o que ocorreu foi o inverso do que ocorreu na Europa. Lá a prioridade foi dada, desde o início ao serviço público. Aqui no Brasil, quando surgiu o rádio, com o Roquette Pinto, a ideia era fazer que nem a BBC, os ouvintes se quotizavam pra manter a rádio, que era a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
A BBC também é assim, só que é assim até hoje. São os telespectadores e ouvintes que mantém, com uma taxa, o funcionamento dela, pra que tenha liberdade em relação ao estado e não dependa, também, da propaganda.
Provavelmente porque os governantes europeus já viam a comunicação como um quarto poder?
Os estados já sabiam da importância, claro! Por isso já tinham que preservar a independência em relação a interesses comerciais, por exemplo. Agora, eles foram fazendo de tal forma que o estado criou, montou, mas abriu mão do controle.
O controle, em quase todos esse países, nas TVs Públicas, é um controle da sociedade. Como está se tentando fazer com a TV Brasil. Os conselhos são conselhos que saem da sociedade, não é o Estado que determina. Não é o Estado que impõe. O Estado às vezes até financia, mas ele não manda, não dirige. Quem deve dirigir é a sociedade através desses conselhos.
Você acredita que o que ocorre com a TV Cultura, neste momento, é decorrência de falhas no gerenciamento na maneira como foram implementadas as programações, que poderiam não ser tão “atraentes”, ou o problema está restrito ao âmbito político?
Acho que são as duas coisas. De um lado, uma série de falhas nos últimos 15 anos em que o PSDB está no governo do estado de São Paulo, e que indicou sempre os seus gestores. A TV Cultura não conseguiu, nesses últimos 15 anos, o sucesso que teve anteriormente. São comportamentos que chamo de erráticos: vai por um lado, vai para o outro, tenta se popularizar... Chegou-se a criar programas popularescos para atrair audiência. Ou então, sendo usado, nitidamente, pelo governo do estado pra fazer política, pra difundir os interesses do partido que está no governo.
A solução não é cortar, é o contrário. Porque a solução que se apresenta agora, é cortar tudo, pelo que estou lendo, é cortar salários, é cortar recursos...
Sendo que a solução é exatamente o contrário: é investir em equipamento, investir em tecnologia. Mas, principalmente, investir em capacidade, em competência profissional, em profissionais de qualidade, que existem nesse mercado e estão loucos pra produzir alternativas a essa televisão comercial que está aí.
E a TV Cultura tem, apesar de todas essas crises, um patrimônio físico, cultural e histórico, que não pode ser, de maneira alguma, jogado fora. É a televisão pública mais bem equipada do Brasil. A mais bem instalada do Brasil. Só isso dá condições pra ela de receber incentivos financeiros e receber impulsos criativos, e se tornar uma televisão imbatível do ponto de vista da qualidade.
Mas a solução, que está me parecendo, é a solução neoliberal de cortar, de reduzir, de enxugar. Quando a política pública que a sociedade necessita é de investir, de ampliar, de ousar, de criar...
Sobre essa dicotomia entre a cultura popular e a cultura erudita, não seria necessário mudar a programação para atrair as massas...
Isso já ocorreu, quando o Alckmin era governador, as pessoas colocadas por ele lá [Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta] foram nessa direção, de fazer programas popularescos pra nivelar por baixo a TV Cultura. Quando o papel dela é jogar um pouquinho para cima, em termos de qualidade, mas de uma forma atraente que faça com que o público vá gradativamente descobrindo que há uma alternativa na televisão. Não é pra ficar dando aula de alemão, nem fazendo alta literatura, mas é fazer programas musicais, até dramaturgia, seriados. Enfim, que atraiam o público também.
E já foi demonstrado que, se isso for feito, há audiência para a televisão. Não é pra fazer nada erudito e que vá só atender uma parcela insignificante da população. Não é isso. Mas descobrir um meio termo entre isso e o que a televisão comercial faz. Você tem que ir além do que a televisão comercial faz, sem necessidade de ficar num gueto, que só algumas pessoas entendem e assistem.
Esse é o desafio da TV pública. Ela não pode ficar refém de índices de audiência, mas também não pode desprezar a audiência. Não pode ser refém do Ibope, como são as emissoras comerciais, mas também não pode desprezar esses índices, porque tem que levar em conta que trabalha com dinheiro público e esse dinheiro público deve ser usado pra atender os interesses da população. Se ela dá traços de audiência, não está atendendo os interesses da população.
A TV pública tem que trabalhar nesse limite, que é estreito, mas é fabuloso pensar que pode caminhar para uma alternativa que está aí, sem ser erudito, sem ficar no Olimpo, longe da realidade.
Até importante você ter falado disso, porque lembro de, em domingos, ter tentando assistir a programação da TV Cultura e ver programas de ópera... uma coisa muito rebuscada no horário da tarde...
Você pode fazer perfeitamente um programa agradável, alegre, no domingo à tarde, já que o público brasileiro está acostumado a ver programas de auditório - porque é Gugu, Faustão, Silvio Santos, sempre a mesma coisa... - e perfeitamente fazer um bom programa de auditório, agradável, estimulante, sem cair naquela baixaria...
Dou um exemplo claro: a TV Bandeirantes colocou no ar um programa chamado 'É tudo improviso', nas férias do CQC, e agora estão colocando no ar, me parece que na terça-feira, umas 11 horas da noite... É um grupo de teatro que faz improviso, trabalha com humor mas improvisando sempre, mas de alto nível. Esse grupo se colocado numa TV pública, num domingo a tarde, estaria conquistando um público de telespectadores acostumados a esses programas de variedades, pra um outro nível de produção artística, até trazendo gente pro teatro, ou pra música mais elaborada. Enfim, é esse o desafio, buscar a partir do referencial que a sociedade se acostumou, algo a mais.
Audiência incomoda os demais canais que, por sua vez, podem pressionar as TVs públicas para não melhorarem a programação?
Um papel dos conselhos é defender a TV pública das ameaças da TV comercial. Porque se a TV pública começa a ter maiores índices de audiência, a TV comercial pode se adapta e melhorar para concorrer, ou começa a fazer pressões políticas sobre a televisão pra não deixá-la conquistar esses índices de audiência. Esse talvez é um dos maiores desafios.
Porque a questão ideal seria ajudar a transformar os outros canais. Entretanto, todos os outros canais, em vez de prezarem pela mudança, acabam exercendo pressões sobre o governo. Enfim, sobre quem tem algum tipo de poder sobre a TV pública para evitar que ela concorra efetivamente pelos índices de audiência.
Talvez um dos maiores desafios que uma TV pública de qualidade tem a frente quando começa a melhorar, é enfrentar as pressões dos empresários das emissoras comerciais.
Existe algum exemplo da participação pública da sociedade além da TV Brasil?
Vou te dar um que conheço, mas que está em processo de formação que é a TV Pernambuco. Ela está sendo reestruturada e foram chamados para reestruturação pessoas e movimentos que vêm há muito tempo trabalhando pela democratização da comunicação em Pernambuco. Eles fizeram um processo de três meses - terminou agora no começo de julho - de discussão na sociedade. Eu fui convidado e participei de um desses debates em que tinha 200, 300 pessoas discutindo o que esperavam de uma TV pública. Fizeram um projeto e entregaram para o governador, em julho. E é bem possível que até o final do ano eles passem a implementar esse projeto. Então há uma luz no fim do túnel. A TV Pernambuco é uma luz no fim do túnel e não um trem que vem no sentido contrário.
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As recentes declarações do presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, sobre a necessidade de reestruturação e renovação na programação da TV Cultura, além das possíveis demissões, trouxeram à tona, novamente, a discussão a respeito da gestão das TV’s Públicas no Brasil. Diante da exposição dos percalços da emissora paulista, uma série de questionamentos emergiu em meio às especulações sobre o futuro da TV Cultura. Comparações entre a formação histórica da TV pública brasileira e os modelos criados, por exemplo, na Europa e nos EUA ganham espaço no debate e procuram levantar explicações para a crise.
Para o sociólogo e jornalista Laurindo Leal Filho, a TV Cultura “fica ao sabor das decisões do governo do momento”, não funcionando sob a lógica do investimento público. Em entrevista à equipe do Brasilianas.org, Lalo, como é mais conhecido, parte do caso da TV Cultura e investe numa reflexão que perpassa pelos principais problemas da gestão pública da comunicação no Brasil. “A TV Pública tem a obrigação e a missão de apresentar e de dar bons produtos de televisão para o público, e ao fazer isso, ela cria no público um novo conceito de televisão e esse público vai exigir da emissora comercial a mesma qualidade que ele vê na TV pública”.
A TV Cultura necessitava passar por um processo de reformulação nos moldes decididos recentemente pela Fundação Padre Anchieta reduzindo, por exemplo, o quadro de funcionários?
A Fundação Padre Anchieta é um patrimônio da população do Estado de São Paulo, construído há várias décadas e que precisa ser preservado de qualquer maneira. A TV Cultura é, até hoje, o principal, o mais bem acabado modelo de TV pública no Brasil. E ele – este modelo - não pode ser, de maneira alguma, ser destruído.
Eu tenho estudado a TV Cultura desde o seu início. Ela sempre passa sempre por fases difíceis em função das ingerências de governos estaduais sobre a administração. E nós estamos vivendo outra vez esse tipo de problema. O Conselho Curador, da Fundação Padre Anchieta, tem muito pouca autonomia em relação aos governos do estado e acaba sofrendo esse tipo de ingerência.
E, isso se deve à questão orçamentária...
A questão financeira deve ser vista sobre a ótica de que é obrigação do Estado investir numa televisão pública de qualidade. Porque, no Brasil, a televisão tem um poder muito forte na educação, na cultura, na informação das pessoas. A maioria da população brasileira, e mesmo no estado de São Paulo, se informa e se entretêm através da televisão.
Então, a TV Cultura não pode ficar sob a lógica do mercado, de que ela deve ser superavitária, sob a lógica de que os seus investimentos devem ser cortados de acordo com as orientações do governo do estado. Ela tem que ter autonomia financeira, deveria ter um orçamento garantido pela legislação do estado de São Paulo. Um orçamento que dê conta das suas necessidades.
O que não pode acontecer é se tratar um serviço público de rádiofusão como se o mesmo pudesse funcionar sob a lógica do mercado. Não. Eu tenho que funcionar sob a lógica do investimento público.
Assim, como é fundamental o governo investir em saúde, em educação, ele tem que investir em televisão pública. E, nesse sentido, é importante que os recursos sejam, fundamentalmente, do estado. Claro que você pode ter outras fontes alternativas, mas elas, no caso brasileiro, devem ser complementares aos orçamentos do estado.
E quais seriam os instrumentos financeiros das TVs públicas?
Acho que a TV pública pode até, no máximo, ser mantida com algum tipo de financiamento de apoios culturais. Nunca publicidade, porque a publicidade desvirtua o papel da TV pública. Ela joga a televisão no mesmo saco das televisões comerciais. E, aí, ela passa a disputar audiência para conseguir publicidade. Em consequência disso, tende a abaixar a qualidade da programação.
No máximo, uma fonte alternativa seria a dos apoios culturais. Ou seja, uma determinada empresa patrocina um programa e o nome dela aparece como patrocinadora. Acho que esse é o limite máximo que a gente pode fazer de concessão para uma TV pública receber um auxílio externo.
Mas acho que, majoritariamente, tem que ser investimento público. Mas, investimento público gerido não pelo estado, gerido pela sociedade através, no caso da TV Cultura, de um conselho curador autônomo, independente, e não subordinado ao estado.
Infelizmente a TV Cultura, nos últimos anos, o Conselho foi cada vez mais controlado pelo mesmo grupo político, e hoje ele se curva as decisões do governo estadual.
O uso comercial do acervo da Cultura não ajudaria como fontes de recursos?
Ela já faz isso. Mas é uma renda que atinge um percentual muito pequeno. Por mais que você invista nisso, em relação ao custo numa emissora, nunca vai passar dos 5%. É importante, mas não é suficiente.
Então, como você disse, os Conselhos não mudam...
As mudanças são feitas, mas sempre em torno do mesmo grupo político. Não é que são os mesmos, eles têm uma alternância. O problema é que esses membros são escolhidos pelo próprio Conselho. Os representantes da sociedade são escolhidos pelo próprio Conselho. E eles acabam escolhendo pessoas alinhadas sempre com o mesmo grupo político.
Então, isso faz com que esse Conselho não seja, efetivamente, representativo da sociedade paulista. E ele tem um diálogo muito restrito com a sociedade. A sociedade tem dificuldade de ter acesso a esse Conselho, de se manifestar....de levar suas demandas.
Na verdade, um conselho curador tem que ser o canal da sociedade para junto da emissora. Esse Conselho [da TV Cultura] é muito distante da sociedade.
É possível dar exemplo de uma TV Pública que aproxime o Conselho da sociedade?
Acho que a TV Brasil está indo bem nesse caminho. O Conselho da TV Brasil, da EBC, é bastante diversificado e as suas indicações, agora, são feitas através de consultas públicas. Na última renovação de três membros, havia sessenta e poucos indicados por setores representativos da sociedade, organizações da sociedade. Ele está caminhando para ser um conselho bastante representativo. E avança muito em relação ao Conselho da TV Cultura.
Qual foi a melhor gestão que a TV Cultura já teve?
As gestões melhores são aquelas que o governo do estado se afasta e dá autonomia ao gestor. Então, em alguns momentos, por exemplo, no governo Montoro, nos anos 80, houve um certo afastamento e os gestores puderam criar mais, tiveram liberdade pra criar mais, pra poder diversificar, sem muitas interferências.
Um dos momentos melhores da TV Cultura foi entre o final dos anos 80 e começo dos anos 90, quando chegou a ter 12 pontos de audiência no Ibope, com sua grade de programação infantil, que até hoje é lembrada pelos adultos que eram crianças na época. Era uma referência de qualidade.
Aquilo mostrou que a TV Cultura, quando ela tem recursos, liberdade e competência... Porque é esse o trinômio, se você consegue juntar esses três fatores, a TV Cultura tem condições até de competir com qualidade pela audiência. No início dos anos 90 a TV Cultura chegou a dar 12 pontos de audiência no Ibope e obrigou as emissoras comerciais, o SBT, por exemplo, a mudar sua grade de programação infantil, a melhorar a grade de programação, porque estava perdendo pontos pra TV Cultura.
Então, veja a importância da TV pública, ela tem a obrigação e a missão de apresentar, de dar bons produtos de televisão pro público. E, ao fazer isso, ela cria no público um novo conceito de televisão, e esse público vai exigir da emissora comercial a mesma qualidade que ele vê na TV pública.
Então, não só produz e oferece programa de qualidade, mas acaba, como que quase um subproduto desse trabalho, fazendo com que a TV comercial também se veja obrigada a melhorar a qualidade da programação. Um bom investimento numa TV publica, dando a ela liberdade e trazendo profissionais qualificados, faz com que toda a televisão, no final, melhore.
O que o faltou para o Brasil ser uma BBC?
Faltou uma política no início do rádio aqui no Brasil. Na década de 30, era quando era só rádio, faltou uma política de incentivo à rádio difusão pública. E se entregou esse setor da sociedade para a iniciativa privada.
Só foi se pensar efetivamente numa TV pública na década de 50, quando o Getúlio Vargas cogitou de criar a TV Nacional, dando um canal de televisão para a rádio nacional do Rio de Janeiro, mas ele sofreu uma carga brutal contrária de empresários que já tinham constituído suas emissoras que eram dominantes. E que são eles mesmos que estão aí até hoje, salvo o Chateaubriand, que faliu e morreu.
Como não houve, no início, um empenho do estado de impulsionar o rádio e a televisão pública, os empresários foram ocupando esse setor. E quando o Estado tenta voltar a ter alguma ação protagonista nesse setor, recebe uma carga contrária muito grande, porque os empresários não querem abrir mão do privilégio que é ocupar esse setor.
Na Europa foi o contrário, o estado, desde o começo, foi quem criou as emissoras. As emissoras públicas sempre deram a linha, a tônica, e só foram ter concorrentes privados agora a partir da década de 80, majoritariamente.
Aqui no Brasil o que ocorreu foi o inverso do que ocorreu na Europa. Lá a prioridade foi dada, desde o início ao serviço público. Aqui no Brasil, quando surgiu o rádio, com o Roquette Pinto, a ideia era fazer que nem a BBC, os ouvintes se quotizavam pra manter a rádio, que era a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
A BBC também é assim, só que é assim até hoje. São os telespectadores e ouvintes que mantém, com uma taxa, o funcionamento dela, pra que tenha liberdade em relação ao estado e não dependa, também, da propaganda.
Provavelmente porque os governantes europeus já viam a comunicação como um quarto poder?
Os estados já sabiam da importância, claro! Por isso já tinham que preservar a independência em relação a interesses comerciais, por exemplo. Agora, eles foram fazendo de tal forma que o estado criou, montou, mas abriu mão do controle.
O controle, em quase todos esse países, nas TVs Públicas, é um controle da sociedade. Como está se tentando fazer com a TV Brasil. Os conselhos são conselhos que saem da sociedade, não é o Estado que determina. Não é o Estado que impõe. O Estado às vezes até financia, mas ele não manda, não dirige. Quem deve dirigir é a sociedade através desses conselhos.
Você acredita que o que ocorre com a TV Cultura, neste momento, é decorrência de falhas no gerenciamento na maneira como foram implementadas as programações, que poderiam não ser tão “atraentes”, ou o problema está restrito ao âmbito político?
Acho que são as duas coisas. De um lado, uma série de falhas nos últimos 15 anos em que o PSDB está no governo do estado de São Paulo, e que indicou sempre os seus gestores. A TV Cultura não conseguiu, nesses últimos 15 anos, o sucesso que teve anteriormente. São comportamentos que chamo de erráticos: vai por um lado, vai para o outro, tenta se popularizar... Chegou-se a criar programas popularescos para atrair audiência. Ou então, sendo usado, nitidamente, pelo governo do estado pra fazer política, pra difundir os interesses do partido que está no governo.
A solução não é cortar, é o contrário. Porque a solução que se apresenta agora, é cortar tudo, pelo que estou lendo, é cortar salários, é cortar recursos...
Sendo que a solução é exatamente o contrário: é investir em equipamento, investir em tecnologia. Mas, principalmente, investir em capacidade, em competência profissional, em profissionais de qualidade, que existem nesse mercado e estão loucos pra produzir alternativas a essa televisão comercial que está aí.
E a TV Cultura tem, apesar de todas essas crises, um patrimônio físico, cultural e histórico, que não pode ser, de maneira alguma, jogado fora. É a televisão pública mais bem equipada do Brasil. A mais bem instalada do Brasil. Só isso dá condições pra ela de receber incentivos financeiros e receber impulsos criativos, e se tornar uma televisão imbatível do ponto de vista da qualidade.
Mas a solução, que está me parecendo, é a solução neoliberal de cortar, de reduzir, de enxugar. Quando a política pública que a sociedade necessita é de investir, de ampliar, de ousar, de criar...
Sobre essa dicotomia entre a cultura popular e a cultura erudita, não seria necessário mudar a programação para atrair as massas...
Isso já ocorreu, quando o Alckmin era governador, as pessoas colocadas por ele lá [Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta] foram nessa direção, de fazer programas popularescos pra nivelar por baixo a TV Cultura. Quando o papel dela é jogar um pouquinho para cima, em termos de qualidade, mas de uma forma atraente que faça com que o público vá gradativamente descobrindo que há uma alternativa na televisão. Não é pra ficar dando aula de alemão, nem fazendo alta literatura, mas é fazer programas musicais, até dramaturgia, seriados. Enfim, que atraiam o público também.
E já foi demonstrado que, se isso for feito, há audiência para a televisão. Não é pra fazer nada erudito e que vá só atender uma parcela insignificante da população. Não é isso. Mas descobrir um meio termo entre isso e o que a televisão comercial faz. Você tem que ir além do que a televisão comercial faz, sem necessidade de ficar num gueto, que só algumas pessoas entendem e assistem.
Esse é o desafio da TV pública. Ela não pode ficar refém de índices de audiência, mas também não pode desprezar a audiência. Não pode ser refém do Ibope, como são as emissoras comerciais, mas também não pode desprezar esses índices, porque tem que levar em conta que trabalha com dinheiro público e esse dinheiro público deve ser usado pra atender os interesses da população. Se ela dá traços de audiência, não está atendendo os interesses da população.
A TV pública tem que trabalhar nesse limite, que é estreito, mas é fabuloso pensar que pode caminhar para uma alternativa que está aí, sem ser erudito, sem ficar no Olimpo, longe da realidade.
Até importante você ter falado disso, porque lembro de, em domingos, ter tentando assistir a programação da TV Cultura e ver programas de ópera... uma coisa muito rebuscada no horário da tarde...
Você pode fazer perfeitamente um programa agradável, alegre, no domingo à tarde, já que o público brasileiro está acostumado a ver programas de auditório - porque é Gugu, Faustão, Silvio Santos, sempre a mesma coisa... - e perfeitamente fazer um bom programa de auditório, agradável, estimulante, sem cair naquela baixaria...
Dou um exemplo claro: a TV Bandeirantes colocou no ar um programa chamado 'É tudo improviso', nas férias do CQC, e agora estão colocando no ar, me parece que na terça-feira, umas 11 horas da noite... É um grupo de teatro que faz improviso, trabalha com humor mas improvisando sempre, mas de alto nível. Esse grupo se colocado numa TV pública, num domingo a tarde, estaria conquistando um público de telespectadores acostumados a esses programas de variedades, pra um outro nível de produção artística, até trazendo gente pro teatro, ou pra música mais elaborada. Enfim, é esse o desafio, buscar a partir do referencial que a sociedade se acostumou, algo a mais.
Audiência incomoda os demais canais que, por sua vez, podem pressionar as TVs públicas para não melhorarem a programação?
Um papel dos conselhos é defender a TV pública das ameaças da TV comercial. Porque se a TV pública começa a ter maiores índices de audiência, a TV comercial pode se adapta e melhorar para concorrer, ou começa a fazer pressões políticas sobre a televisão pra não deixá-la conquistar esses índices de audiência. Esse talvez é um dos maiores desafios.
Porque a questão ideal seria ajudar a transformar os outros canais. Entretanto, todos os outros canais, em vez de prezarem pela mudança, acabam exercendo pressões sobre o governo. Enfim, sobre quem tem algum tipo de poder sobre a TV pública para evitar que ela concorra efetivamente pelos índices de audiência.
Talvez um dos maiores desafios que uma TV pública de qualidade tem a frente quando começa a melhorar, é enfrentar as pressões dos empresários das emissoras comerciais.
Existe algum exemplo da participação pública da sociedade além da TV Brasil?
Vou te dar um que conheço, mas que está em processo de formação que é a TV Pernambuco. Ela está sendo reestruturada e foram chamados para reestruturação pessoas e movimentos que vêm há muito tempo trabalhando pela democratização da comunicação em Pernambuco. Eles fizeram um processo de três meses - terminou agora no começo de julho - de discussão na sociedade. Eu fui convidado e participei de um desses debates em que tinha 200, 300 pessoas discutindo o que esperavam de uma TV pública. Fizeram um projeto e entregaram para o governador, em julho. E é bem possível que até o final do ano eles passem a implementar esse projeto. Então há uma luz no fim do túnel. A TV Pernambuco é uma luz no fim do túnel e não um trem que vem no sentido contrário.
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Movimento em defesa da TV Cultura
Nesta quinta-feira (dia 12), a partir das 19h30, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo realiza, no auditório Vladimir Herzog (Rua Rego Freitas, 530 - sobreloja), reunião com todas as pessoas e entidades da sociedade civil que pretendam se aliar ao “Movimento Salve a Rádio e TV Cultura”, que será criado durante o encontro. Várias entidades já iniciaram movimentos de preservação da RTV Cultura e o que se pretende é criar um espaço para que todas as iniciativas sejam unificadas.
O movimento será amplo, plural e apartidário, composto por todos aqueles que pretendem resistir às (más) intenções do governo de São Paulo e do presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, de liquidar com a única emissora pública de São Paulo e demitir cerca de 1.500 funcionários, entre jornalistas, radialistas e setor administrativo. Reproduzo abaixo o manifesto de criação do movimento:
Salve a Rádio e TV Cultura
Há duas décadas sob crises financeiras periódicas, que variam de duração e intensidade conforme a "vontade" do governo estadual de liberar recursos, a TV Cultura vive agora sua primeira crise institucional e de identidade em 40 anos de funcionamento. Efeito dos dois primeiros meses da errática administração do economista João Sayad na presidência da Fundação Padre Anchieta.
Conduzido ao cargo por um processo político constrangedor, com apoio governamental que atropelou o acordo de reeleição do presidente anterior, João Sayad não só protagonizou método intervencionista novo na história da troca de comando na Fundação Padre Anchieta como também se apresentou como o encarregado de um projeto casuístico destinado a resolver os problemas financeiros da entidade através da amputação orgânica da Instituição.
Plantou com isso a raiz de uma crise que assume contorno institucional uma vez que a proposta confunde e busca mudar a natureza da Instituição, cria uma dúvida de identidade que nunca houve, e coloca em risco o patrimônio material e imaterial da emissora, ao desconsiderar os fundamentos que deram origem e vida à TV Cultura.
É preciso lembrar, em voz alta, que a TV Cultura não é um órgão público da administração direta do governo do Estado de São Paulo. Não é autarquia. Não é secretaria estadual. Não pode nem deve responder a regras do poder. Não pertence ao governo. Pertence ao público de São Paulo, posto que é emissora pública, de interesse público. Não pode ser desfeita, não pode ser adulterada por simples vontade ou “implicância” de sua diretoria executiva. Tem estrutura jurídica específica, é supervisionada por um Conselho Curador que, por única razão de existir, é o representante da sociedade civil na Fundação. E a vontade da sociedade civil precisa ser consultada.
A TV Cultura tem problemas e eles resultam de acúmulos de erros administrativos e de um modelo de gestão vazio e descontinuado, fruto do cíclico apoderamento político da emissora nos últimos vinte anos. Não foi o “conteúdo” da programação da emissora o causador desses problemas. Mas a má gestão contábil, que precisa ser corrigida dentro de seus limites, sem prejuízo do caráter educativo, social e cultural da TV Pública Paulista, de seu funcionamento, de seu passado de realizações, de seu significado na memória paulista.
Não basta a atual administração fazer o uso repetitivo da reafirmação desse caráter. Qualquer projeto novo deve explicitar compromisso claro com a missão, vocação e aptidão da emissora para a formação de cidadãos, para a oferta de conteúdos que se contraponha à programação homogeneizada das emissoras comerciais, atreladas às regras do mercado. Só uma TV pública é capaz de tratar o telespectador como cidadão, e não como consumidor. Preceito que ainda não foi compreendido e assimilado pela nova administração da Fundação Padre Anchieta.
Como é possível imaginar uma TV Cultura reduzida a uma "administradora de terceirizados", trocando sua produção própria, trocando sua capacidade específica de formular programação de TV pública por conteúdos de produtoras independentes que em geral buscam nas regras do mercado a qualificação para a venda de seus produtos?
O desafio de João Sayad vai muito além da contabilidade. E muito além de sua visão pessoal e particular do que é "chato", do que fica e do que deve sair da programação da Cultura. Não é agora, mas sempre, que uma emissora precisa se "renovar". Se ela - no dizer de Sayad - “perdeu audiência, qualidade e se tornou cara e ineficiente", qual é, explicitamente, a fórmula, o projeto que a atual administração tem para a TV Cultura "ganhar audiência, qualidade e se tornar barata e eficiente"?
Quais programas - mais baratos e eficientes - se pretende oferecer a crianças, a jovens, a jovens adultos, e ao respeitável público em geral? É entretenimento? É educação? É complementação cultural? Quais seriam esses conteúdos e seus formatos? Quem virá a público detalhar e esclarecer isso?
O “Movimento Salve a TV Cultura” não se ergue para defender o emprego dos funcionários da emissora, ameaçados de demissão em massa. Isso é tarefa sindical. A defesa que se embute aqui é a da missão e do legado da TV pública paulista, de seu significado sócio- cultural, de manutenção de uma TV alternativa que reflita viés humanista de vida e de mundo em sua programação.
O Movimento surge como teia espontânea de uma rede social multiplicadora entre funcionários, ex-funcionários, telespectadores, artistas, intelectuais, setores ligados à produção de pensamento e de cultura. E que já articula com os Sindicatos dos Radialistas e Jornalistas de São Paulo, personalidades políticas e da vida cultural, institutos e entidades afins, a abertura de um debate público em defesa da idéia original da Instituição TV Cultura.
A troca inicial e pública de reflexões sobre a TV Pública Paulista tem, como alvo principal, a cúpula administrativa da emissora e seu Conselho Curador, instância superior que deve proteger os destinos da emissora e que tem sido omisso nesse papel . A eles devem ser dirigidas, inicialmente, - através do site da TV Cultura e seus contatos disponibilizados- reflexões, críticas e propostas de retomada de princípios e rumos que administradores perdem de vista diante do recurso fácil do corte de custos e do desmanche.
O Movimento busca criar junto a sociedade civil as premissas que serão reunidas e organizadas para dar base a esse necessário debate público.
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O movimento será amplo, plural e apartidário, composto por todos aqueles que pretendem resistir às (más) intenções do governo de São Paulo e do presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, de liquidar com a única emissora pública de São Paulo e demitir cerca de 1.500 funcionários, entre jornalistas, radialistas e setor administrativo. Reproduzo abaixo o manifesto de criação do movimento:
Salve a Rádio e TV Cultura
Há duas décadas sob crises financeiras periódicas, que variam de duração e intensidade conforme a "vontade" do governo estadual de liberar recursos, a TV Cultura vive agora sua primeira crise institucional e de identidade em 40 anos de funcionamento. Efeito dos dois primeiros meses da errática administração do economista João Sayad na presidência da Fundação Padre Anchieta.
Conduzido ao cargo por um processo político constrangedor, com apoio governamental que atropelou o acordo de reeleição do presidente anterior, João Sayad não só protagonizou método intervencionista novo na história da troca de comando na Fundação Padre Anchieta como também se apresentou como o encarregado de um projeto casuístico destinado a resolver os problemas financeiros da entidade através da amputação orgânica da Instituição.
Plantou com isso a raiz de uma crise que assume contorno institucional uma vez que a proposta confunde e busca mudar a natureza da Instituição, cria uma dúvida de identidade que nunca houve, e coloca em risco o patrimônio material e imaterial da emissora, ao desconsiderar os fundamentos que deram origem e vida à TV Cultura.
É preciso lembrar, em voz alta, que a TV Cultura não é um órgão público da administração direta do governo do Estado de São Paulo. Não é autarquia. Não é secretaria estadual. Não pode nem deve responder a regras do poder. Não pertence ao governo. Pertence ao público de São Paulo, posto que é emissora pública, de interesse público. Não pode ser desfeita, não pode ser adulterada por simples vontade ou “implicância” de sua diretoria executiva. Tem estrutura jurídica específica, é supervisionada por um Conselho Curador que, por única razão de existir, é o representante da sociedade civil na Fundação. E a vontade da sociedade civil precisa ser consultada.
A TV Cultura tem problemas e eles resultam de acúmulos de erros administrativos e de um modelo de gestão vazio e descontinuado, fruto do cíclico apoderamento político da emissora nos últimos vinte anos. Não foi o “conteúdo” da programação da emissora o causador desses problemas. Mas a má gestão contábil, que precisa ser corrigida dentro de seus limites, sem prejuízo do caráter educativo, social e cultural da TV Pública Paulista, de seu funcionamento, de seu passado de realizações, de seu significado na memória paulista.
Não basta a atual administração fazer o uso repetitivo da reafirmação desse caráter. Qualquer projeto novo deve explicitar compromisso claro com a missão, vocação e aptidão da emissora para a formação de cidadãos, para a oferta de conteúdos que se contraponha à programação homogeneizada das emissoras comerciais, atreladas às regras do mercado. Só uma TV pública é capaz de tratar o telespectador como cidadão, e não como consumidor. Preceito que ainda não foi compreendido e assimilado pela nova administração da Fundação Padre Anchieta.
Como é possível imaginar uma TV Cultura reduzida a uma "administradora de terceirizados", trocando sua produção própria, trocando sua capacidade específica de formular programação de TV pública por conteúdos de produtoras independentes que em geral buscam nas regras do mercado a qualificação para a venda de seus produtos?
O desafio de João Sayad vai muito além da contabilidade. E muito além de sua visão pessoal e particular do que é "chato", do que fica e do que deve sair da programação da Cultura. Não é agora, mas sempre, que uma emissora precisa se "renovar". Se ela - no dizer de Sayad - “perdeu audiência, qualidade e se tornou cara e ineficiente", qual é, explicitamente, a fórmula, o projeto que a atual administração tem para a TV Cultura "ganhar audiência, qualidade e se tornar barata e eficiente"?
Quais programas - mais baratos e eficientes - se pretende oferecer a crianças, a jovens, a jovens adultos, e ao respeitável público em geral? É entretenimento? É educação? É complementação cultural? Quais seriam esses conteúdos e seus formatos? Quem virá a público detalhar e esclarecer isso?
O “Movimento Salve a TV Cultura” não se ergue para defender o emprego dos funcionários da emissora, ameaçados de demissão em massa. Isso é tarefa sindical. A defesa que se embute aqui é a da missão e do legado da TV pública paulista, de seu significado sócio- cultural, de manutenção de uma TV alternativa que reflita viés humanista de vida e de mundo em sua programação.
O Movimento surge como teia espontânea de uma rede social multiplicadora entre funcionários, ex-funcionários, telespectadores, artistas, intelectuais, setores ligados à produção de pensamento e de cultura. E que já articula com os Sindicatos dos Radialistas e Jornalistas de São Paulo, personalidades políticas e da vida cultural, institutos e entidades afins, a abertura de um debate público em defesa da idéia original da Instituição TV Cultura.
A troca inicial e pública de reflexões sobre a TV Pública Paulista tem, como alvo principal, a cúpula administrativa da emissora e seu Conselho Curador, instância superior que deve proteger os destinos da emissora e que tem sido omisso nesse papel . A eles devem ser dirigidas, inicialmente, - através do site da TV Cultura e seus contatos disponibilizados- reflexões, críticas e propostas de retomada de princípios e rumos que administradores perdem de vista diante do recurso fácil do corte de custos e do desmanche.
O Movimento busca criar junto a sociedade civil as premissas que serão reunidas e organizadas para dar base a esse necessário debate público.
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STF confirma "erro histórico" da TV Digital
Reproduzo artigo de Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
Poucos dias antes de completar três anos, quase quatorze meses após receber parecer favorável da Procuradoria Geral da República (PGR) e depois de ter entrado na pauta três vezes e não ter sido julgada, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3944 foi finalmente considerada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 5 de agosto.
Ajuizada pelo PSOL em 21 de agosto de 2007, a ADI 3944 sustentava a inconstitucionalidade de quatro artigos (7º, 8º, 9º e 10º) do Decreto nº 5820, de 29 de junho de 2006. O Decreto 5820/2006 é, na verdade, uma continuação do Decreto nº 4901/2003 e, ambos, instituem e definem as regras de implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital no Brasil (SBTVD).
Basicamente o relator, ministro Ayres Brito, considerou que se trata apenas da mudança da tecnologia analógica para a digital e que não há (a) novas concessões; (b) renovação de concessões por mais 10 anos; (c) favorecimento ao controle das concessões por uns poucos concessionários e (d) ofensa ao direito à informação nem ao princípio da publicidade. Outros seis ministros acompanharam o voto do relator, com uma única discordância: a do ministro Marco Aurélio de Mello.
Liberdade de expressão
Entre as razões apresentadas pela ADI 3944 e acatadas pelo parecer da PGR existe uma que merece especial atenção. Ela se refere à possibilidade de multiprogramação oferecida pelo Decreto 5820/2006 aos atuais concessionários do serviço público de radiodifusão. A multiprogramação favorece a concentração da propriedade. Dito de outra forma, restringe a possibilidade de que mais vozes sejam ouvidas ou, ainda, a universalização da liberdade de expressão individual. Diz a ADI:
"Num canal de 6 megahertz, várias programações podem ser transmitidas simultaneamente, no que se convencionou denominar multiprogramação. Ao ‘consignar’ às emissoras um canal com tamanha capacidade, está-se, paralelamente, impedindo a entrada de outros atores na programação. Ao invés de se ampliarem as possibilidades de ingresso de outros canais, incluindo novas emissoras e permitindo acesso a programações variadas (...) tem-se uma verdadeira outorga de espaço maior às concessionárias que já atuam no mercado. O que provavelmente ocorrerá é o que a norma constitucional visa a impedir: o oligopólio, ou, melhor dizendo, um aprofundamento do oligopólio já existente."
No seu voto o relator responde afirmando:
"Se monopólio ou oligopólio estão a ocorrer nos meios de comunicação brasileiros, tal fato não é de ser debitado ao decreto ora impugnado, é algo preexistente (...) Que a imprensa e o governo se façam dignos da nossa decisão, atuando no campo da proibição da oligopolização e da monopolização. Nós atuamos no campo do ‘dever ser’, no campo do ‘ser’ não atuamos".
Não foi essa a opinião do único voto divergente. Para o ministro Marco Aurélio "toda concentração é perniciosa, daí a Carta da República prever trato de matéria mediante atos seqüenciais com a participação de instituições diversas".
A decisão do STF, todavia, implica em ignorar o "efeito silenciador" de que fala o jurista Owen Fiss e que se aplica perfeitamente à grande mídia brasileira. Conforme a decisão, não compete ao STF julgar se existe monopólio ou oligopólio na mídia brasileira. Essa seria tarefa da própria "imprensa ou do governo" (sic).
Erro histórico
Tomo a liberdade de repetir aqui trechos da conclusão de artigo publicado na edição nº 581 deste Observatório. Dizia, então, que "uma das maneiras de se identificar os interesses em jogo em determinada decisão é verificar como se manifestam sobre ela os principais atores envolvidos ou seus representantes. No caso da adoção pelo Brasil do modelo japonês para a TV digital, não poderia haver clareza maior sobre quem ganhou e quem perdeu ou sobre quais, de fato, foram os interesses atendidos".
Agora, bastaria verificar o que disseram os amicus curiae aceitos para apresentar suas razões contra a ADI 3944 no julgamento do STF.
O que sempre esteve em jogo foi a oportunidade ímpar para se democratizar o mercado brasileiro de televisão. A opção feita pelo Decreto nº 5820 – agora confirmada pela decisão do STF – favorece inquestionavelmente aos atuais concessionários deste serviço público e impede a ampliação do número de concessionários. Contraria, portanto, o princípio da "máxima dispersão da propriedade" (maximum dispersal of ownership), vale dizer, da pluralidade e da diversidade.
Mais do que isso: impede a extensão da liberdade de expressão a um maior número de brasileiros. A liberdade de expressão – pedra angular da estratégia de combate da grande mídia no Brasil – seguirá sendo exercida prioritariamente por aqueles poucos grupos empresariais que equacionam liberdade de expressão com sua liberdade de imprensa.
Às vésperas da assinatura do Decreto 5820/2006, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, que reunia cerca de 40 entidades, divulgou um manifesto que terminava com a afirmação: "O governo estará cometendo um erro histórico, que não poderá ser revertido nas próximas décadas".
Com a decisão do STF o erro histórico está consumado.
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Poucos dias antes de completar três anos, quase quatorze meses após receber parecer favorável da Procuradoria Geral da República (PGR) e depois de ter entrado na pauta três vezes e não ter sido julgada, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3944 foi finalmente considerada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 5 de agosto.
Ajuizada pelo PSOL em 21 de agosto de 2007, a ADI 3944 sustentava a inconstitucionalidade de quatro artigos (7º, 8º, 9º e 10º) do Decreto nº 5820, de 29 de junho de 2006. O Decreto 5820/2006 é, na verdade, uma continuação do Decreto nº 4901/2003 e, ambos, instituem e definem as regras de implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital no Brasil (SBTVD).
Basicamente o relator, ministro Ayres Brito, considerou que se trata apenas da mudança da tecnologia analógica para a digital e que não há (a) novas concessões; (b) renovação de concessões por mais 10 anos; (c) favorecimento ao controle das concessões por uns poucos concessionários e (d) ofensa ao direito à informação nem ao princípio da publicidade. Outros seis ministros acompanharam o voto do relator, com uma única discordância: a do ministro Marco Aurélio de Mello.
Liberdade de expressão
Entre as razões apresentadas pela ADI 3944 e acatadas pelo parecer da PGR existe uma que merece especial atenção. Ela se refere à possibilidade de multiprogramação oferecida pelo Decreto 5820/2006 aos atuais concessionários do serviço público de radiodifusão. A multiprogramação favorece a concentração da propriedade. Dito de outra forma, restringe a possibilidade de que mais vozes sejam ouvidas ou, ainda, a universalização da liberdade de expressão individual. Diz a ADI:
"Num canal de 6 megahertz, várias programações podem ser transmitidas simultaneamente, no que se convencionou denominar multiprogramação. Ao ‘consignar’ às emissoras um canal com tamanha capacidade, está-se, paralelamente, impedindo a entrada de outros atores na programação. Ao invés de se ampliarem as possibilidades de ingresso de outros canais, incluindo novas emissoras e permitindo acesso a programações variadas (...) tem-se uma verdadeira outorga de espaço maior às concessionárias que já atuam no mercado. O que provavelmente ocorrerá é o que a norma constitucional visa a impedir: o oligopólio, ou, melhor dizendo, um aprofundamento do oligopólio já existente."
No seu voto o relator responde afirmando:
"Se monopólio ou oligopólio estão a ocorrer nos meios de comunicação brasileiros, tal fato não é de ser debitado ao decreto ora impugnado, é algo preexistente (...) Que a imprensa e o governo se façam dignos da nossa decisão, atuando no campo da proibição da oligopolização e da monopolização. Nós atuamos no campo do ‘dever ser’, no campo do ‘ser’ não atuamos".
Não foi essa a opinião do único voto divergente. Para o ministro Marco Aurélio "toda concentração é perniciosa, daí a Carta da República prever trato de matéria mediante atos seqüenciais com a participação de instituições diversas".
A decisão do STF, todavia, implica em ignorar o "efeito silenciador" de que fala o jurista Owen Fiss e que se aplica perfeitamente à grande mídia brasileira. Conforme a decisão, não compete ao STF julgar se existe monopólio ou oligopólio na mídia brasileira. Essa seria tarefa da própria "imprensa ou do governo" (sic).
Erro histórico
Tomo a liberdade de repetir aqui trechos da conclusão de artigo publicado na edição nº 581 deste Observatório. Dizia, então, que "uma das maneiras de se identificar os interesses em jogo em determinada decisão é verificar como se manifestam sobre ela os principais atores envolvidos ou seus representantes. No caso da adoção pelo Brasil do modelo japonês para a TV digital, não poderia haver clareza maior sobre quem ganhou e quem perdeu ou sobre quais, de fato, foram os interesses atendidos".
Agora, bastaria verificar o que disseram os amicus curiae aceitos para apresentar suas razões contra a ADI 3944 no julgamento do STF.
O que sempre esteve em jogo foi a oportunidade ímpar para se democratizar o mercado brasileiro de televisão. A opção feita pelo Decreto nº 5820 – agora confirmada pela decisão do STF – favorece inquestionavelmente aos atuais concessionários deste serviço público e impede a ampliação do número de concessionários. Contraria, portanto, o princípio da "máxima dispersão da propriedade" (maximum dispersal of ownership), vale dizer, da pluralidade e da diversidade.
Mais do que isso: impede a extensão da liberdade de expressão a um maior número de brasileiros. A liberdade de expressão – pedra angular da estratégia de combate da grande mídia no Brasil – seguirá sendo exercida prioritariamente por aqueles poucos grupos empresariais que equacionam liberdade de expressão com sua liberdade de imprensa.
Às vésperas da assinatura do Decreto 5820/2006, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, que reunia cerca de 40 entidades, divulgou um manifesto que terminava com a afirmação: "O governo estará cometendo um erro histórico, que não poderá ser revertido nas próximas décadas".
Com a decisão do STF o erro histórico está consumado.
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Globo "usa" Marina para fustigar Dilma
Reproduzo matéria de Ricardo Negrão, publicada na Rede Brasil Atual:
A candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva, foi a segunda entrevistada na série do Jornal Nacional, da Rede Globo, e não teve o mesmo tratamento dado à candidata do PT, Dilma Rousseff, que ouviu as perguntas dos apresentadores William Bonner e Fátima Bernardes em tom quase intimidatório.
No entanto, teve de falar sobre sua militância no PT antes de deixar o partido, principalmente sobre o escândalo do Mensalão. "Nem todos praticaram erros. E eu não pratiquei. Conheço milhares de pessoas que não praticaram o mesmo erro. E dentro do PT tinha muita gente que combatia junto comigo. Agora, para combater contra a falta de prioridade para as questões ambientais, aí eu era uma minoria. E foi por isso que eu saí. Eu saí porque não encontrava o apoio necessário para as políticas de meio ambiente que façam esse encontro entre desenvolver e entre proteger as riquezas naturais."
A entrevista começou também (assim como com Dilma) pela suposta falta de experiência da candidata, que é senadora e foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula. Depois, passou pelo fato de o seu partido, o PV, não ter nenhuma coligação nesta eleição e se isso comprometeria a governabilidade, caso ela vencesse as eleições.
Marina respondeu: "Eles (Dilma e Serra) já estão tão comprometidos com as alianças que fizeram que eles só podem repetir mais do mesmo, do mesmo quando foi o governo do presidente Fernando Henrique, que ficou refém do fisiologismo dos Democratas. E o presidente Lula, mesmo com toda a popularidade, acabou ficando refém do fisiologismo do PMDB", disse.
Quando o PT foi deixado de lado, Marina falou principalmente de meio ambiente e assuntos correlatos, como licenças ambientais.
A candidata esteve na bancada nesta terça-feira (10) a partir das 20h37 e teve 12min45seg para expor suas propostas. Logo em seguida, às 22h, Marina participou do Jornal das Dez, da GloboNews, e respondeu a questões como planejamento do setor elétrico, autonomia do Banco Central.
Mas também respondeu a questões sobre governabilidade e seu relacionamento com o Congresso Nacional. Dentre as perguntas, uma chamou a atenção, a disputa com os defensores do agronegócio ou ruralistas, ao qual Marina saiu-se com há "pessoas corretas em todos os partidos, inclusive no DEM."
Nesta quarta-feira será a vez do candidato do PSDB, José Serra.
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A candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva, foi a segunda entrevistada na série do Jornal Nacional, da Rede Globo, e não teve o mesmo tratamento dado à candidata do PT, Dilma Rousseff, que ouviu as perguntas dos apresentadores William Bonner e Fátima Bernardes em tom quase intimidatório.
No entanto, teve de falar sobre sua militância no PT antes de deixar o partido, principalmente sobre o escândalo do Mensalão. "Nem todos praticaram erros. E eu não pratiquei. Conheço milhares de pessoas que não praticaram o mesmo erro. E dentro do PT tinha muita gente que combatia junto comigo. Agora, para combater contra a falta de prioridade para as questões ambientais, aí eu era uma minoria. E foi por isso que eu saí. Eu saí porque não encontrava o apoio necessário para as políticas de meio ambiente que façam esse encontro entre desenvolver e entre proteger as riquezas naturais."
A entrevista começou também (assim como com Dilma) pela suposta falta de experiência da candidata, que é senadora e foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula. Depois, passou pelo fato de o seu partido, o PV, não ter nenhuma coligação nesta eleição e se isso comprometeria a governabilidade, caso ela vencesse as eleições.
Marina respondeu: "Eles (Dilma e Serra) já estão tão comprometidos com as alianças que fizeram que eles só podem repetir mais do mesmo, do mesmo quando foi o governo do presidente Fernando Henrique, que ficou refém do fisiologismo dos Democratas. E o presidente Lula, mesmo com toda a popularidade, acabou ficando refém do fisiologismo do PMDB", disse.
Quando o PT foi deixado de lado, Marina falou principalmente de meio ambiente e assuntos correlatos, como licenças ambientais.
A candidata esteve na bancada nesta terça-feira (10) a partir das 20h37 e teve 12min45seg para expor suas propostas. Logo em seguida, às 22h, Marina participou do Jornal das Dez, da GloboNews, e respondeu a questões como planejamento do setor elétrico, autonomia do Banco Central.
Mas também respondeu a questões sobre governabilidade e seu relacionamento com o Congresso Nacional. Dentre as perguntas, uma chamou a atenção, a disputa com os defensores do agronegócio ou ruralistas, ao qual Marina saiu-se com há "pessoas corretas em todos os partidos, inclusive no DEM."
Nesta quarta-feira será a vez do candidato do PSDB, José Serra.
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Eleições, nossa América e a comunicação
Reproduzo artigo de Marcelo Salles, publicado no blog "Escrevinhador":
Não há dúvidas de que o fato político mais importante na América Latina neste segundo semestre são as eleições gerais de outubro no Brasil. Ali será decidida a nova composição do Poderes Legislativo e Executivo em âmbito federal, além dos chefes dos governos estaduais e dos parlamentares para as assembléias legislativas.
O Brasil, por sua dimensão continental, seus quase 200 milhões de habitantes, além de possuir o maior PIB da região, seguramente é o maior responsável pela determinação dos rumos da região. Como disse o presidente venezuelano Hugo Chávez, quando recebeu a medalha Tiradentes, em 2007, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro: “Para onde for o Brasil vai a América Latina”.
No plano federal, são nove candidatos à presidência da República, sendo quatro com maior inserção social: Dilma, Serra, Marina e Plínio. A primeira tem o apoio do presidente Lula, cujo governo registra a maior aprovação popular de todos os tempos – entre 70% e 80%. Não à toa. Dezenas de milhões de pessoas saíram da miséria ou migraram para a chamada classe C, que alguns dizem ser a nova classe média. Dilma se apresenta como legítima sucessora do atual governo, que avançou em quase todas – senão em todas – as áreas na comparação com o governo anterior.
José Serra, candidato da direita brasileira (PSDB-DEM), representa a parcela mais conservadora da população. Esse grupo é o mais refratário às transformações sociais e não se conforma, por exemplo, com o maior acesso do povo aos aeroportos. No plano externo, Serra representa o alinhamento servil às grandes potências, em oposição à integração Sul-Sul e à política externa multipolar implementada ao longo do governo Lula. Por isso Serra ataca países vizinhos como Bolívia e Venezuela, que geograficamente são fundamentais para o desenvolvimento da região.
Marina Silva (PV) se apresenta envolta na bandeira verde, uma pauta que vem sendo crescendo no cenário internacional. Apesar de seu histórico de vida – mulher negra, lutadora, criada na floresta – ainda não conseguiu convencer a maior parte do povo brasileiro, para quem as áreas mais emergenciais continuam sendo saúde, educação e segurança pública, conforme mostram diversas pesquisas.
Plínio de Arruda Sampaio, 80 anos, luta pelo Brasil desde o governo João Goulart. Especialista em reforma agrária, o socialista foi fundador do PT e agora concorre pelo PSOL. O partido, em tese, é o que mais reúne condições de apresentar uma proposta de governo mais à esquerda, o que forçaria o deslocamento do debate para esse lado.
As pesquisas de intenção de voto mostram Dilma com dez pontos à frente de Serra; Marina estagnada entre 7% e 10% e Plínio abaixo disso.
A centralidade da comunicação
Apesar das diferenças ideológicas entre os candidatos e os partidos políticos que representam, até agora nenhum deles apresentou um programa consistente para a comunicação.
A mídia, como sabemos, é a instituição com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, é ela a maior responsável pela determinação de formas de sentir, pensar e viver. Há outras instituições, como Família, Igreja, Forças Armadas e Universidade, mas só a mídia atravessa todas elas.
Além disso, basta olharmos para a América Latina e vamos ver que entre os países que mais avançaram socialmente estão também os que avançaram na democratização dos meios de comunicação. Venezuela, cuja política pode ser medida pelos investimentos na Telesur, que revolucionou a televisão latino-americana; a Bolívia, que impulsionou as rádios comunitárias e deu nova cara à emissora estatal; e a Argentina, que enfrentou o monopólio do grupo Clarin e aprovou uma legislação muito mais democrática para o setor.
Na área da comunicação, o governo Lula vive um paradoxo. Ao mesmo tempo em que pela primeira vez o Brasil ganhou uma TV Pública em escala nacional – a TV Brasil – e o Ministério da Cultura passou a premiar iniciativas de mídia livre, fato também inédito na nossa história – o país perdeu a chance proporcionada pela digitalização dos meios, o que poderia democratizar significativamente o setor com a entrada de sindicatos, universidades e movimentos sociais na transmissão do sinal aberto.
Essa é a pauta que falta ser discutida nessa campanha. Jornalões fecham ou perdem tiragem, sites e blogs crescem a cada ano, as mídias sociais pipocam e a Federação Nacional de Jornalistas acusa cerca de 20 mil profissionais desempregados. Não há lógica nisso. O que pretendem fazer os candidatos para incluir milhares de comunicadores formados num país que vive transformações profundas, inclusive na forma de se comunicar? Essa resposta nos dará uma boa indicação de como o Brasil vai se ver e como ele será nos próximos anos.
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Não há dúvidas de que o fato político mais importante na América Latina neste segundo semestre são as eleições gerais de outubro no Brasil. Ali será decidida a nova composição do Poderes Legislativo e Executivo em âmbito federal, além dos chefes dos governos estaduais e dos parlamentares para as assembléias legislativas.
O Brasil, por sua dimensão continental, seus quase 200 milhões de habitantes, além de possuir o maior PIB da região, seguramente é o maior responsável pela determinação dos rumos da região. Como disse o presidente venezuelano Hugo Chávez, quando recebeu a medalha Tiradentes, em 2007, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro: “Para onde for o Brasil vai a América Latina”.
No plano federal, são nove candidatos à presidência da República, sendo quatro com maior inserção social: Dilma, Serra, Marina e Plínio. A primeira tem o apoio do presidente Lula, cujo governo registra a maior aprovação popular de todos os tempos – entre 70% e 80%. Não à toa. Dezenas de milhões de pessoas saíram da miséria ou migraram para a chamada classe C, que alguns dizem ser a nova classe média. Dilma se apresenta como legítima sucessora do atual governo, que avançou em quase todas – senão em todas – as áreas na comparação com o governo anterior.
José Serra, candidato da direita brasileira (PSDB-DEM), representa a parcela mais conservadora da população. Esse grupo é o mais refratário às transformações sociais e não se conforma, por exemplo, com o maior acesso do povo aos aeroportos. No plano externo, Serra representa o alinhamento servil às grandes potências, em oposição à integração Sul-Sul e à política externa multipolar implementada ao longo do governo Lula. Por isso Serra ataca países vizinhos como Bolívia e Venezuela, que geograficamente são fundamentais para o desenvolvimento da região.
Marina Silva (PV) se apresenta envolta na bandeira verde, uma pauta que vem sendo crescendo no cenário internacional. Apesar de seu histórico de vida – mulher negra, lutadora, criada na floresta – ainda não conseguiu convencer a maior parte do povo brasileiro, para quem as áreas mais emergenciais continuam sendo saúde, educação e segurança pública, conforme mostram diversas pesquisas.
Plínio de Arruda Sampaio, 80 anos, luta pelo Brasil desde o governo João Goulart. Especialista em reforma agrária, o socialista foi fundador do PT e agora concorre pelo PSOL. O partido, em tese, é o que mais reúne condições de apresentar uma proposta de governo mais à esquerda, o que forçaria o deslocamento do debate para esse lado.
As pesquisas de intenção de voto mostram Dilma com dez pontos à frente de Serra; Marina estagnada entre 7% e 10% e Plínio abaixo disso.
A centralidade da comunicação
Apesar das diferenças ideológicas entre os candidatos e os partidos políticos que representam, até agora nenhum deles apresentou um programa consistente para a comunicação.
A mídia, como sabemos, é a instituição com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, é ela a maior responsável pela determinação de formas de sentir, pensar e viver. Há outras instituições, como Família, Igreja, Forças Armadas e Universidade, mas só a mídia atravessa todas elas.
Além disso, basta olharmos para a América Latina e vamos ver que entre os países que mais avançaram socialmente estão também os que avançaram na democratização dos meios de comunicação. Venezuela, cuja política pode ser medida pelos investimentos na Telesur, que revolucionou a televisão latino-americana; a Bolívia, que impulsionou as rádios comunitárias e deu nova cara à emissora estatal; e a Argentina, que enfrentou o monopólio do grupo Clarin e aprovou uma legislação muito mais democrática para o setor.
Na área da comunicação, o governo Lula vive um paradoxo. Ao mesmo tempo em que pela primeira vez o Brasil ganhou uma TV Pública em escala nacional – a TV Brasil – e o Ministério da Cultura passou a premiar iniciativas de mídia livre, fato também inédito na nossa história – o país perdeu a chance proporcionada pela digitalização dos meios, o que poderia democratizar significativamente o setor com a entrada de sindicatos, universidades e movimentos sociais na transmissão do sinal aberto.
Essa é a pauta que falta ser discutida nessa campanha. Jornalões fecham ou perdem tiragem, sites e blogs crescem a cada ano, as mídias sociais pipocam e a Federação Nacional de Jornalistas acusa cerca de 20 mil profissionais desempregados. Não há lógica nisso. O que pretendem fazer os candidatos para incluir milhares de comunicadores formados num país que vive transformações profundas, inclusive na forma de se comunicar? Essa resposta nos dará uma boa indicação de como o Brasil vai se ver e como ele será nos próximos anos.
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