Reproduzo artigo de Natália Viana, publicado no sítio Opera Mundi:
Fui convidada por Julian Assange e sua equipe para trazer ao público brasileiro os documentos que interessam ao nosso país. Para esse fim, o Wikileaks decidiu elaborar conteúdo próprio também em português. Todos os dias haverá no site matérias fresquinhas sobre os documentos da embaixada e consulados norte-americanos no Brasil.
Por trás dessa nova experiência está a vontade de democratizar ainda mais o acesso à informação. O Wikileaks quer ter um canal direto de comunicação com os internautas brasileiros, um dos maiores grupos do mundo, e com os ativistas no Brasil que lutam pela liberdade de imprensa e de informação. Nada mais apropriado para um ano em que a liberdade de informação dominou boa parte da pauta da campanha eleitoral.
Buscando jornalistas independentes, Assange busca furar o cerco de imprensa internacional e da maneira como ela acabada dominando a interpretação que o público vai dar aos documentos. Por isso, além dos cinco grandes jornais estrangeiros, somou-se ao projeto um grupo de jornalistas independentes. Numa próxima etapa, o Wikileaks vai começar a distribuir os documentos para veículos de imprensa e mídia nas mais diversas partes do mundo.
Assange e seu grupo perceberam que a maneira concentrada como as notícias são geradas – no nosso caso, a maior parte das vezes, apenas traduzindo o que as grandes agências escrevem – leva um determinado ângulo a ser reproduzido ao infinito. Não é assim que esses documentos merecem ser tratados: “São a coisa mais importante que eu já vi”, disse ele.
Não foi fácil. O Wikileaks já é conhecido por misturar técnicas de hackers para manter o anonimato das fontes, preservar a segurança das informações e se defender dos inevitáveis ataques virtuais de agências de segurança do mundo todo.
Assange e sua equipe precisam usar mensagens criptografadas e fazer ligações redirecionados para diferentes países que evitam o rastreamento. Os documentos são tão preciosos que qualquer um que tem acesso a eles tem de passar por um rígido controle de segurança. Além disso, Assange está sendo investigado por dois governos e tem um mandado de segurança internacional contra si por crimes sexuais na Suécia. Isso significou que Assange e sua equipe precisam ficar isolados enquanto lidam com o material. Uma verdadeira operação secreta.
Documentos sobre Brasil
No caso brasileiro, os documentos são riquíssimos. São 2.855 no total, sendo 1.947 da embaixada em Brasília, 12 do Consulado em Recife, 119 no Rio de Janeiro e 777 em São Paulo.
Nas próximas semanas, eles vão mostrar ao público brasileiro histórias pouco conhecidas de negociações do governo por debaixo do pano, informantes que costumam visitar a embaixada norte-americana, propostas de acordo contra vizinhos, o trabalho de lobby na venda dos caças para a Força Aérea Brasileira e de empresas de segurança e petróleo.
O Wikileaks vai publicar muitas dessas histórias a partir do seu próprio julgamento editorial. Também vai se aliar a veículos nacionais para conseguir seu objetivo – espalhar ao máximo essa informação. Assim, o público brasileiro vai ter uma oportunidade única: vai poder ver ao mesmo tempo como a mesma história exclusiva é relatada por um grande jornal e pelo Wikileaks. Além disso, todos os dias os documentos serão liberados no site do Wikileaks. Isso significa que todos os outros veículos e os próprios internautas, bloggers, jornalistas independentes vão poder fazer suas próprias reportagens. Democracia radical – também no jornalismo.
Impressões
A reação desesperada da Casa Branca ao vazamento mostra que os Estados Unidos erraram na sua política mundial – e sabem disso. Hillary Clinton ligou pessoalmente para diversos governos, inclusive o chinês, para pedir desculpas antecipadamente pelo que viria. Para muitos, não explicou direto do que se tratava, para outros narrou as histórias mais cabeludas que podiam constar nos 251 mil telegramas de embaixadas.
Ainda assim, não conseguiu frear o impacto do vazamento. O conteúdo dos telegramas é tão importante que nem o gerenciamento de crise de Washington nem a condenação do lançamento por regimes em todo o mundo – da Austrália ao Irã – vai conseguir reduzir o choque.
Como disse um internauta, Wikileaks é o que acontece quando a superpotência mundial é obrigada a passar por uma revista completa dessas de aeroporto. O que mais surpreende é que se trata de material de rotina, corriqueiro, do leva-e-traz da diplomacia dos EUA. Como diz Assange, eles mostram “como o mundo funciona”.
O Wikileaks tem causado tanto furor porque defende uma ideia simples: toda informação relevante deve ser distribuída. Talvez por isso os governos e poderes atuais não saibam direito como lidar com ele. Assange já foi taxado de espião, terrorista, criminoso. Outro dia, foi chamado até de pedófilo.
Wikileaks e o grupo e colaboradores que se reuniu para essa empreitada acreditam que injustiça em qualquer lugar é injustiça em todo lugar. E que, com a ajuda da internet, é possível levar a democracia a um patamar nunca imaginado, em que todo e qualquer poder tem de estar preparado para prestar contas sobre seus atos.
O que Assange traz de novo é a defesa radical da transparência. O raciocínio do grupo de jornalistas investigativos que se reúne em torno do projeto é que, se algum governo ou poder fez algo de que deveria se envergonhar, então o público deve saber. Não cabe aos governos, às assessorias de imprensa ou aos jornalistas esconder essa ou aquela informação por considerar que ela “pode gerar insegurança” ou “atrapalhar o andamento das coisas”. A imprensa simplesmente não tem esse direito.
É por isso que, enquanto o Wikileaks é chamado de “irresponsável”, “ativista”, “antiamericano” e Assange é perseguido, os cinco principais jornais do mundo que se associaram ao lançamento do Cablegate continuam sendo vistos como exemplos de bom jornalismo – objetivo, equilibrado, responsável e imparcial.
Uma ironia e tanto.
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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Rádios comunitárias entrevistam Lula
Por Altamiro Borges
Depois da histórica entrevista dada aos blogueiros progressistas, o presidente Lula quebra novamente o monopólio midiático e concede a sua primeira entrevista às rádios comunitárias. Ela ocorrerá nesta quinta-feira, 2 de dezembro, a partir das 9 horas, no Palácio do Planalto, e será transmitida ao vivo pelo Blog do Planalto. Estarão presentes comunicadores sociais de 10 rádios comunitárias de várias partes do país.
A coletiva é promovida pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço). Ela representa uma importante vitória deste movimento, que sempre foi duramente criminalizado. Pode sinalizar para uma nova política de estímulo às rádios comunitárias no país, num novo passo para a democratização da comunicação. Ela ainda ajuda a fortalecer o congresso nacional da Abraço, que ocorrerá em dezembro.
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Depois da histórica entrevista dada aos blogueiros progressistas, o presidente Lula quebra novamente o monopólio midiático e concede a sua primeira entrevista às rádios comunitárias. Ela ocorrerá nesta quinta-feira, 2 de dezembro, a partir das 9 horas, no Palácio do Planalto, e será transmitida ao vivo pelo Blog do Planalto. Estarão presentes comunicadores sociais de 10 rádios comunitárias de várias partes do país.
A coletiva é promovida pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço). Ela representa uma importante vitória deste movimento, que sempre foi duramente criminalizado. Pode sinalizar para uma nova política de estímulo às rádios comunitárias no país, num novo passo para a democratização da comunicação. Ela ainda ajuda a fortalecer o congresso nacional da Abraço, que ocorrerá em dezembro.
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WikiLeaks e agressão imperialista dos EUA
Por Altamiro Borges
Para os que acham que não existe mais imperialismo, a revelação do sítio Wikileaks de mais de 250 mil novos documentos sobre as atividades de espionagem dos EUA em todo o planeta representa o fim das ilusões de classe. Os textos “confidenciais” mostram a face verdadeira da diplomacia ianque, que trabalha diuturnamente com o objetivo de prolongar seu domínio imperial sobre mundo.
Para manter a sua hegemonia econômica, política, militar e ideológica, os EUA não vacilam em espionar dezenas de nações, orquestram planos para desestabilizar e derrubar governos eleitos democraticamente, financiam organizações e operações “terroristas” e vigiam até mesmo o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O império não tem qualquer escrúpulo para manter o seu domínio.
Confissão do golpe em Honduras
Os documentos revelados pelo Wikileaks contêm informações levantadas por centenas de diplomatas sobre as prioridades da política externa dos EUA, como as ocupações do Afeganistão e Iraque, o Irã e o Paquistão. Além disso, estão incluídas avaliações sobre negociações bilaterais, conversas privadas e avaliações sobre líderes de vários países. Fica evidente a investida contra o Irã para “cortar a cabeça da cobra”, numa das referências ao presidente Mahmud Ahmadinejad. O esforço para derrubar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, também aparece em vários textos.
A base de dados a que o jornal britânico The Guardian teve acesso revela a atividade de espionagem das embaixadas dos EUA em busca de informação que possa ser usada em chantagem contra dezenas de países, alguns deles aliados. Índia, Afeganistão, Paquistão, países árabes e africanos, assim como Honduras, Colômbia, Paraguai, Brasil e Venezuela, na América Latina, foram objeto de espionagem. No caso de Honduras, telegramas de diplomatas confirmam que houve um golpe militar no país – que os EUA e a mídia colonizada tentaram esconder.
Nelson Jobim, o "aliado"
No caso brasileiro, conversas confirmam o desconforto dos EUA com a política externa soberana praticada pelo Itamaraty. O ministro Celso Amorim e o ex-secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães são encarados como inimigos do império. Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim – que infelizmente a presidente Dilma Rousseff pretende manter no posto – é tratado como um “aliado” dos EUA.
A vasta documentação tornada pública, num serviço inestimável da ONG Wikileaks, confirma que a luta contra a agressão imperialista é a principal batalha dos povos na atualidade para superar a opressão e a exploração.
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Para os que acham que não existe mais imperialismo, a revelação do sítio Wikileaks de mais de 250 mil novos documentos sobre as atividades de espionagem dos EUA em todo o planeta representa o fim das ilusões de classe. Os textos “confidenciais” mostram a face verdadeira da diplomacia ianque, que trabalha diuturnamente com o objetivo de prolongar seu domínio imperial sobre mundo.
Para manter a sua hegemonia econômica, política, militar e ideológica, os EUA não vacilam em espionar dezenas de nações, orquestram planos para desestabilizar e derrubar governos eleitos democraticamente, financiam organizações e operações “terroristas” e vigiam até mesmo o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O império não tem qualquer escrúpulo para manter o seu domínio.
Confissão do golpe em Honduras
Os documentos revelados pelo Wikileaks contêm informações levantadas por centenas de diplomatas sobre as prioridades da política externa dos EUA, como as ocupações do Afeganistão e Iraque, o Irã e o Paquistão. Além disso, estão incluídas avaliações sobre negociações bilaterais, conversas privadas e avaliações sobre líderes de vários países. Fica evidente a investida contra o Irã para “cortar a cabeça da cobra”, numa das referências ao presidente Mahmud Ahmadinejad. O esforço para derrubar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, também aparece em vários textos.
A base de dados a que o jornal britânico The Guardian teve acesso revela a atividade de espionagem das embaixadas dos EUA em busca de informação que possa ser usada em chantagem contra dezenas de países, alguns deles aliados. Índia, Afeganistão, Paquistão, países árabes e africanos, assim como Honduras, Colômbia, Paraguai, Brasil e Venezuela, na América Latina, foram objeto de espionagem. No caso de Honduras, telegramas de diplomatas confirmam que houve um golpe militar no país – que os EUA e a mídia colonizada tentaram esconder.
Nelson Jobim, o "aliado"
No caso brasileiro, conversas confirmam o desconforto dos EUA com a política externa soberana praticada pelo Itamaraty. O ministro Celso Amorim e o ex-secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães são encarados como inimigos do império. Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim – que infelizmente a presidente Dilma Rousseff pretende manter no posto – é tratado como um “aliado” dos EUA.
A vasta documentação tornada pública, num serviço inestimável da ONG Wikileaks, confirma que a luta contra a agressão imperialista é a principal batalha dos povos na atualidade para superar a opressão e a exploração.
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O diploma e os desafios contemporâneos
Reproduzo artigo de Venício Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
São raras as atividades das quais participei nos últimos dois ou três anos nas quais, independente do tema sendo discutido, não aparecesse alguém e cobrasse minha posição sobre a obrigatoriedade do diploma de curso superior em jornalismo para o exercício da profissão de jornalista profissional.
Tenho constatado que a resposta a essa pergunta provoca inesperadas paixões e, em geral, serve como critério para colocar quem a responde no céu ou no inferno. Se a audiência for, majoritariamente, composta de estudantes de jornalismo e/ou militantes de sindicatos de jornalistas, relativizar a importância do diploma e chamar a atenção para as transformações radicais pelas quais passa o campo das comunicações – e as incontornáveis conseqüências desse fato para o jornalismo e a profissão de jornalista – pode ser o caminho seguro para hostilidades e intolerância.
Assumo, mais uma vez, o risco e boto a minha mão no vespeiro.
Transformações radicais
Nos Estados Unidos, como se sabe, não há exigência de diploma para o exercício profissional de jornalista. Aliás, a exigência não é encontrada em nenhum país de tradição democrática.
Em artigo publicado neste Observatório há cerca de três anos, comentei que o College of Communications, na minha alma mater, a Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, estava mudando seu nome para College of Media (ver "Ensino & Pesquisa: Mídia versus comunicação").
Reproduzi a justificativa oferecida pelo então dean do College, Ronald Yates, para a troca de communications por media. Disse ele:
"O que nos realmente fazemos é estudar e ensinar ‘comunicação midiatizada’ [mediated communications] (...). Nós estudamos e ensinamos mídia – mídia velha, mídia nova, mídia emergente, mídia futura. Em resumo, o College of Communications é sobre mídia. O mais importante de tudo isso (…) não é encontrar uma nomenclatura precisa, mas dar conta das mudanças que estão ocorrendo (...). A enorme mudança que produz informação e entretenimento a qualquer hora, em qualquer lugar, tem forçado as pessoas a se adaptarem constantemente. O resultado é que elas estão ficando mais sábias e discernindo melhor como gastar o dinheiro e o tempo delas, como buscar as notícias e como responder à mídia. Essas mudanças nas formas de distribuição [de informação e entretenimento] e na maneira como as pessoas pensam a respeito da mídia provocaram mudanças no escopo das comunicações como disciplina."
Na ocasião comentei também que, guardadas as diferenças, o "mercado" brasileiro demanda hoje um profissional que lembra os velhos pioneiros, isto é, um profissional que compreende a mídia em suas variadas dimensões, sua importância no mundo contemporâneo, e é capaz de produzir "comunicação" que possa ser distribuída em diferentes tecnologias. Em resumo: o profissional de hoje é multimídia, não é um especialista.
Apesar disso, afirmava, entre nós continuam a predominar cursos de graduação em unidades acadêmicas ainda vinculadas às divisões das velhas tecnologias, enquanto na pós-graduação prevalece uma tendência de forte fragmentação do campo de estudos (ver, neste OI, "Fragmentação versus convergência na comunicação").
Posição explicitada
Em pequeno livro concluído antes da decisão do STF, de junho de 2009, que considerou "não recepcionado" pela Constituição de 1988 o decreto que requer a obrigatoriedade do diploma de curso superior em jornalismo para o registro profissional, afirmei:
"Essa é uma questão sobre a qual tenho pensado há muito tempo. Mais recentemente, o surgimento da internet e o aparecimento dos blogs fizeram com que eu consolidasse uma posição amadurecida. Acredito que a melhor solução, aliás, já adotada em muitos países, inclusive no país que sempre é tido como referência na discussão sobre o jornalismo – os EUA – é a seguinte: existem os cursos de jornalismo nas escolas, nas universidades. As entidades profissionais fazem o ranking de qualidade desses cursos, que é amplamente divulgado. Os alunos que passam pelos melhores cursos acabam sendo valorizados no mercado profissional. Apesar disso, não há Lei impedindo alguém que não tenha feito o curso oferecido nessas escolas de exercer a profissão. Isso significa que ter freqüentado cursos de jornalismo, ter diploma, não é critério para o exercício da profissão. Mas também significa, evidentemente, que as escolas de jornalismo não devem deixar de existir. Ao contrário, elas devem existir. As melhores formarão os melhores profissionais" (cf. Bernardo Kucinski e Venício A. de Lima; Diálogos da Perplexidade – reflexões sobre a mídia; Editora Fundação Perseu Abramo, 2009; p. 27).
Formação profissional
Ao longo dos últimos três anos, os fatos parecem confirmar as tendências apontadas e a posição explicitada.
Noticiou-se recentemente que "a Universidade do Colorado estuda fechar seu curso de graduação em Jornalismo para criar um programa que combine preceitos jornalísticos e de ciência da computação". O novo curso seria algo próximo de uma "graduação em mídias". Além disso, informa-se que não é só a Universidade do Colorado "que estuda mudanças drásticas na grade de Jornalismo ou até mesmo a extinção do curso. Ao menos outras trinta escolas no país, entre elas Wisconsin, Cornell, Rutgers e Berkeley, consideram modificar os cursos para que se adequem às novas tendências do mercado de trabalho".
No Brasil, aos poucos, vai desaparecendo a tradição de formação crítica e humanista das universidades públicas. Ela vem sendo substituída pelo comprometimento exclusivo com o "mercado", predominante nos cursos oferecidos nas escolas privadas. Mais recentemente identifica-se uma clara movimentação por parte de setores do empresariado tradicional de mídia no sentido de atuar diretamente na formação profissional de jornalistas.
Além do conhecido e controvertido "Master em Jornalismo" (sic), que há mais de dez anos é oferecido no Brasil em associação com a Universidade de Navarra, recentemente a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) anunciou que iniciará, no próximo ano, cursos de graduação e pós-graduação em jornalismo. Os cursos terão a parceria do Instituto de Altos Estudos em Jornalismo (IAEJ), criado em 2010 por Roberto Civita, principal executivo do grupo Abril. A pós-graduação terá ênfase em "Direção Editorial", será coordenada pelo jornalista e professor Eugênio Bucci e, nas palavras do diretor-presidente da ESPM, deverá "aliar os valores e práticas do jornalismo independente a noções avançadas de gestão. Vamos desenvolver nos alunos a capacidade de coordenar a produção de conteúdos multimídia de qualidade" (cf. "Um impulso extra para a carreira de jornalistas" in Imprensa, nº 262, pp. 22-25).
Desafios imediatos
Não seria o caso de outros setores da sociedade – além de empresários e grupos ligados a doutrinas religiosas – também se preocuparem com a formação do profissional em "jornalismo independente"? Por exemplo, os sindicatos de trabalhadores?
A questão da obrigatoriedade ou não do diploma, inevitavelmente passará para segundo plano se considerarmos a indiscutível centralidade da mídia nas sociedades contemporâneas e a necessidade que a sociedade civil organizada tem de utilizar plenamente os enormes potenciais democratizantes que a internet oferece para tornar públicas suas posições e travar a cotidiana "batalha das idéias".
Esse é um desafio concreto e imediato que torna mais importante – e não menos – a profissão de jornalista, mas que, ao mesmo tempo, torna inevitável a rediscussão (a) das profundas transformações que ocorrem no campo das comunicações; (b) de suas implicações na redefinição do jornalismo e do jornalista profissional; e, também, (c) do que significa a conquista do pleno exercício do direito à comunicação.
Apesar de todas as paixões que o tema desperta, não podemos esquecer que mais importante do que a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o registro profissional é a universalização da liberdade de expressão e o aprimoramento da democracia.
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São raras as atividades das quais participei nos últimos dois ou três anos nas quais, independente do tema sendo discutido, não aparecesse alguém e cobrasse minha posição sobre a obrigatoriedade do diploma de curso superior em jornalismo para o exercício da profissão de jornalista profissional.
Tenho constatado que a resposta a essa pergunta provoca inesperadas paixões e, em geral, serve como critério para colocar quem a responde no céu ou no inferno. Se a audiência for, majoritariamente, composta de estudantes de jornalismo e/ou militantes de sindicatos de jornalistas, relativizar a importância do diploma e chamar a atenção para as transformações radicais pelas quais passa o campo das comunicações – e as incontornáveis conseqüências desse fato para o jornalismo e a profissão de jornalista – pode ser o caminho seguro para hostilidades e intolerância.
Assumo, mais uma vez, o risco e boto a minha mão no vespeiro.
Transformações radicais
Nos Estados Unidos, como se sabe, não há exigência de diploma para o exercício profissional de jornalista. Aliás, a exigência não é encontrada em nenhum país de tradição democrática.
Em artigo publicado neste Observatório há cerca de três anos, comentei que o College of Communications, na minha alma mater, a Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, estava mudando seu nome para College of Media (ver "Ensino & Pesquisa: Mídia versus comunicação").
Reproduzi a justificativa oferecida pelo então dean do College, Ronald Yates, para a troca de communications por media. Disse ele:
"O que nos realmente fazemos é estudar e ensinar ‘comunicação midiatizada’ [mediated communications] (...). Nós estudamos e ensinamos mídia – mídia velha, mídia nova, mídia emergente, mídia futura. Em resumo, o College of Communications é sobre mídia. O mais importante de tudo isso (…) não é encontrar uma nomenclatura precisa, mas dar conta das mudanças que estão ocorrendo (...). A enorme mudança que produz informação e entretenimento a qualquer hora, em qualquer lugar, tem forçado as pessoas a se adaptarem constantemente. O resultado é que elas estão ficando mais sábias e discernindo melhor como gastar o dinheiro e o tempo delas, como buscar as notícias e como responder à mídia. Essas mudanças nas formas de distribuição [de informação e entretenimento] e na maneira como as pessoas pensam a respeito da mídia provocaram mudanças no escopo das comunicações como disciplina."
Na ocasião comentei também que, guardadas as diferenças, o "mercado" brasileiro demanda hoje um profissional que lembra os velhos pioneiros, isto é, um profissional que compreende a mídia em suas variadas dimensões, sua importância no mundo contemporâneo, e é capaz de produzir "comunicação" que possa ser distribuída em diferentes tecnologias. Em resumo: o profissional de hoje é multimídia, não é um especialista.
Apesar disso, afirmava, entre nós continuam a predominar cursos de graduação em unidades acadêmicas ainda vinculadas às divisões das velhas tecnologias, enquanto na pós-graduação prevalece uma tendência de forte fragmentação do campo de estudos (ver, neste OI, "Fragmentação versus convergência na comunicação").
Posição explicitada
Em pequeno livro concluído antes da decisão do STF, de junho de 2009, que considerou "não recepcionado" pela Constituição de 1988 o decreto que requer a obrigatoriedade do diploma de curso superior em jornalismo para o registro profissional, afirmei:
"Essa é uma questão sobre a qual tenho pensado há muito tempo. Mais recentemente, o surgimento da internet e o aparecimento dos blogs fizeram com que eu consolidasse uma posição amadurecida. Acredito que a melhor solução, aliás, já adotada em muitos países, inclusive no país que sempre é tido como referência na discussão sobre o jornalismo – os EUA – é a seguinte: existem os cursos de jornalismo nas escolas, nas universidades. As entidades profissionais fazem o ranking de qualidade desses cursos, que é amplamente divulgado. Os alunos que passam pelos melhores cursos acabam sendo valorizados no mercado profissional. Apesar disso, não há Lei impedindo alguém que não tenha feito o curso oferecido nessas escolas de exercer a profissão. Isso significa que ter freqüentado cursos de jornalismo, ter diploma, não é critério para o exercício da profissão. Mas também significa, evidentemente, que as escolas de jornalismo não devem deixar de existir. Ao contrário, elas devem existir. As melhores formarão os melhores profissionais" (cf. Bernardo Kucinski e Venício A. de Lima; Diálogos da Perplexidade – reflexões sobre a mídia; Editora Fundação Perseu Abramo, 2009; p. 27).
Formação profissional
Ao longo dos últimos três anos, os fatos parecem confirmar as tendências apontadas e a posição explicitada.
Noticiou-se recentemente que "a Universidade do Colorado estuda fechar seu curso de graduação em Jornalismo para criar um programa que combine preceitos jornalísticos e de ciência da computação". O novo curso seria algo próximo de uma "graduação em mídias". Além disso, informa-se que não é só a Universidade do Colorado "que estuda mudanças drásticas na grade de Jornalismo ou até mesmo a extinção do curso. Ao menos outras trinta escolas no país, entre elas Wisconsin, Cornell, Rutgers e Berkeley, consideram modificar os cursos para que se adequem às novas tendências do mercado de trabalho".
No Brasil, aos poucos, vai desaparecendo a tradição de formação crítica e humanista das universidades públicas. Ela vem sendo substituída pelo comprometimento exclusivo com o "mercado", predominante nos cursos oferecidos nas escolas privadas. Mais recentemente identifica-se uma clara movimentação por parte de setores do empresariado tradicional de mídia no sentido de atuar diretamente na formação profissional de jornalistas.
Além do conhecido e controvertido "Master em Jornalismo" (sic), que há mais de dez anos é oferecido no Brasil em associação com a Universidade de Navarra, recentemente a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) anunciou que iniciará, no próximo ano, cursos de graduação e pós-graduação em jornalismo. Os cursos terão a parceria do Instituto de Altos Estudos em Jornalismo (IAEJ), criado em 2010 por Roberto Civita, principal executivo do grupo Abril. A pós-graduação terá ênfase em "Direção Editorial", será coordenada pelo jornalista e professor Eugênio Bucci e, nas palavras do diretor-presidente da ESPM, deverá "aliar os valores e práticas do jornalismo independente a noções avançadas de gestão. Vamos desenvolver nos alunos a capacidade de coordenar a produção de conteúdos multimídia de qualidade" (cf. "Um impulso extra para a carreira de jornalistas" in Imprensa, nº 262, pp. 22-25).
Desafios imediatos
Não seria o caso de outros setores da sociedade – além de empresários e grupos ligados a doutrinas religiosas – também se preocuparem com a formação do profissional em "jornalismo independente"? Por exemplo, os sindicatos de trabalhadores?
A questão da obrigatoriedade ou não do diploma, inevitavelmente passará para segundo plano se considerarmos a indiscutível centralidade da mídia nas sociedades contemporâneas e a necessidade que a sociedade civil organizada tem de utilizar plenamente os enormes potenciais democratizantes que a internet oferece para tornar públicas suas posições e travar a cotidiana "batalha das idéias".
Esse é um desafio concreto e imediato que torna mais importante – e não menos – a profissão de jornalista, mas que, ao mesmo tempo, torna inevitável a rediscussão (a) das profundas transformações que ocorrem no campo das comunicações; (b) de suas implicações na redefinição do jornalismo e do jornalista profissional; e, também, (c) do que significa a conquista do pleno exercício do direito à comunicação.
Apesar de todas as paixões que o tema desperta, não podemos esquecer que mais importante do que a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o registro profissional é a universalização da liberdade de expressão e o aprimoramento da democracia.
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