Reproduzo artigo de Stanley Burburinho, publicado no sítio Pátria Latina:
No dia 9 de dezembro de 2010, em artigo escrito por Maria Luisa Rivera, traduzido por Natalia Viana, do WikiLeaks (a íntegra está após minhas observações), o embaixador americano no Chile, Craig Kelly, escreveu uma lista secreta de estratégias para minar o poder político do presidente venezuelano Hugo Chavez no continente:
“Conheça o inimigo: nós temos que entender melhor como Chavez pensa e o que ele pretende; — Engajamento direto: temos que reforçar nossa presença na região e nos aproximar fortemente, em especial com as “não-elites”;
“— Aumentar as relações militares: Nós devemos continuar a fortalecer os laços com esses líderes militares na região que compartilham as nossas preocupações sobre Chavez”;
“Para ele, os militares latinoamericanos ainda são vistos como aliados, por causa da sua admiração ao poderio militar dos EUA”;
“Os militares do cone sul continuam sendo instituições-chave nos seus respectivos países, e aliados importantes para os EUA. Esses militares geralmente são organizados e tecnicamente competentes. O seu desejo de manter a interoperabilidade e o acesso à tecnologia e treinamento americanos são algo que podemos usar em nosso favor”, diz o documento.
Curiosamente, na continuação, os americanos têm o mesmo discurso dos partidos políticos da oposição. Confiram:
“… e pressionar os vizinhos a se voltarem contra ele, por exemplo, excluindo a Venezuela de acordos de livre comércio.”
“Também sugere que os EUA ameacem reduzir o comércio como os países sulamericanos se a Venezuela conseguir ingressar no Mercosul.”
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WikiLeaks – Os esforços dos EUA para minar a influência de Chavez
Por Maria Luisa Rivera
Traduzido por Natalia Viana, do WikiLeaks
No dia 15 de junho de 2007, o embaixador americano no Chile, Craig Kelly, escreveu uma lista secreta de estratégias para minar o poder político do presidente venezuelano Hugo Chavez no continente.
“Conheça o inimigo: nós temos que entender melhor como Chavez pensa e o que ele pretende; —Engajamento direto: temos que reforçar nossa presença na região e nos aproximar fortemente, em especial com as “não-elites”; —Mudar o cenário político: Devemos oferecer uma mensagem de esperança e apoiá-la com projetos financiados adequadamente; —Aumentar as relações militares: Nós devemos continuar a fortalecer os laços com esses líderes militares na região que compartilham as nossas preocupações sobre Chavez”, resumiu.
Kelly propõe ainda reforçar as operações de inteligência na America Latina para entender melhor os objetivos de Chavez a longo prazo, e pressionar os vizinhos a se voltarem contra ele, por exemplo, excluindo a Venezuela de acordos de livre comércio.
Kelly, que acabou de se aposentar como o número dois para temas do hemisfério ocidental no Departamento do Estado, reconheceu no seu telegrama que “Chavez conseguiu muitos avanços, em especial para as populações locais, ao fornecer programas para os desprivilegiados”.
Mas também disse que o venezuelano tem uma visão “distorcida” e que “a boca de Chavez frequentemente se abre antes que o seu cérebro esteja funcionando”. Kelly recommenda a Washington simplesmente dizer “ a verdade” sobre Chavez e “a sua visão estreita, suas promessas vazias, suas relações internacionais perigosas, começando pelo Irã”.
Mesmo assim, o documento alerta que Chavez tem que ser levado a sério. “Seria um erro considerar Chavez apenas um palhaço ou um caudilho. Ele tem uma visão, mesmo que deturpada, e está tomando medidas calculadas para conseguir”.
Para ele, países pobres como o Uruguai não conseguem resistir às ofertas de ajuda do Venezuelano. A Argentina, depois da crise, também teria sido vítima dos “petrobolívares” de Chavez.
Passo a passo
Para reduzir a sua influência nos temas regionais, Kelly propõe que o Brasil e o Chile sejam estudados como “países que têm governos esquerdistas mas são democráticos e responsáveis na política fiscal”. Também sugere que os EUA ameacem reduzir o comércio como os países sulamericanos se a Venezuela conseguir ingressar no Mercosul.
O telegrama mostra como a diplomacia americana propõe desestabilizar o poder de Chavez internamente. Kelly recomenda usar “a diplomacia pública” para vencer o que seria uma “batalha de idéias e visões”. Além disso, diz ele, vale explorar o medo de lideres anti-chavistas e formadores de opinião que “apreciam a importância da relação com os EUA”
Visitas do alto escalão americano, como a de Bush em março de 2007, também podem ajudar o país a se aproximar das populações dos países hostis aos EUA. ”Mostrar nossa bandeira e explicar diretamente para as populações nossa visão de democracia e progresso pode mudar a visão sobre os EUA”.
Usando os militares
Outro dado interessante é que Kelly recomenda aumentar o financiamento para programas de parceria militar como o Military Education and Training (IMET) e Commander Activities (TCA).
Para ele, os militares latinoamericanos ainda são vistos como aliados, por causa da sua admiração ao poderio militar dos EUA.
“Os militares do cone sul continuam sendo instituições-chave nos seus respectivos países, e aliados importantes para os EUA. Esses militares geralmente são organizados e tecnicamente competentes. O seu desejo de manter a interoperabilidade e o acesso à tecnologia e treinamento americanos são algo que podemos usar em nosso favor”, diz o documento.
Ele também recomenda o corte de financiamento de outros programas, o que estaria sendo usaodo como uma retaliação à recusa dos países de assinar o Artigo 98, um contrato que impede cidadãos americanos de serem extraditado à Corte Penal Internacional se estiverem nesses países.
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sábado, 18 de dezembro de 2010
Para onde vai a Europa?
Reproduzo artigo de Sami Nair, publicado no sítio Carta Maior:
Depois da Grécia, a Irlanda. E depois, provavelmente, Portugal. Na sequência, não sabemos. O que é certo é que vários países estão ameaçados pelos mercados. A Espanha já está sob a alça da mira. Mas com o devido respeito pelos demais, o caso da Espanha é diferente. Trata-se da quarta economia da Europa (12% do PIB europeu) e é um peso pesado da política europeia. A dívida espanhola é três vezes superior à grega, seu déficit está, há dois anos, em torno de 10% do PIB, e o desemprego, que atinge todas as faixas de idade, está acima dos 20%. Se a Espanha recorrer ao fundo de resgate europeu, isso abriria também, de maneira inevitável, o caminho para ações especulativas contra Itália e França, o que significaria um giro decisivo para a Europa.
O paradoxo é que a estratégia europeia de saída da crise mundial (desregulamentação do mercado de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, cortes orçamentários e privatizações) mostra os mercados cada vez mais vorazes. Daqui em diante, eles querem tudo. Essa estratégia, fundamentalmente recessiva, provoca um aumento legítimo das reivindicações sociais e políticas e dá lugar a perguntas que começam a ser formuladas espontaneamente pelas opiniões públicas. Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, expressa assim esse estado de ânimo: “Para Atenas, Madri ou Lisboa, se colocará seriamente a questão de saber se interessa continuar o plano de austeridade imposto pelo FMI e por Bruxelas, ou se, ao contrário, é melhor a voltar a serem donos de suas políticas monetárias” (Le Monde, 23-24 de maio de 2010).
Ainda não chegamos a esse ponto, mas se não mudarmos as regras do jogo, a divisão da zona euro se tornará uma hipótese séria. Pois está claro que não poderemos resolver esta crise somente com medidas restritivas que atingem as populações mais expostas (classes médias e populares), e menos ainda com medidas técnicas vinculantes como as apoiadas por Alemanha e França para ativar o fundo de resgate. O presidente do Banco Central alemão, Axel Weber, deu a entender, durante uma visita recente a Paris, que os 750 bilhões de euros deveriam ser de todo modo aumentados se a Espanha recorresse ao fundo. Isso não deve ter agradado muito ao ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, que, em uma entrevista ao Der Spiegel (08/11/2010), informou: durante a fase crítica, prolongação da vida dos créditos; se isso não bastar, os investidores privados deverão aceitar uma depreciação de seus empréstimos em troca de garantias para o restante. Isso é o mesmo que agitar a capa vermelha diante dos investidores privados.
Estes reagiram imediatamente, colocando a Irlanda de joelhos e cercando Portugal antes de assinalar os alvos na Bélgica e na Espanha. Quanto falta para que passem ao ataque? A margem de confiança que concedem aos diferentes países da zona euro já é insustentável: a Alemanha encontra compradores de seus bônus a uma média de 2,7%, enquanto que a Espanha os negocia no melhor dos casos em torno de 5% e Portugal a 6,7%. Os países endividados emprestam, pois, a taxas cada vez mais proibitivas e, se às vezes conseguem ganhar uns pontos, é só porque o Banco Central compra alguns bônus, coisa que não poderá durar muito tempo.
Na verdade, estamos assistindo a uma verdadeira guerra dos mercados contra os Estados. Quando a crise começou, apontei (“A vitória dos mercados financeiros”, El País, 08/05/2010) que os mercados iam submeter à prova a capacidade de resistência dos Estados e dos movimentos sociais, e quem em caso de uma debilidade comprovada dos europeus para definir uma estratégia progressista comum frente à crise, os investidores iam incrementar sua vantagem atacando frontalmente os Estados mais fracos. Objetivos: desregulamentar ainda mais os mercados internos e exigir mais privatizações. É exatamente o que está ocorrendo hoje. O que estamos vendo é uma contrarrevolução social “thatchero-reaganiana”. A questão é saber se as sociedades europeias vão aceitar isso. Neste contexto, o estatuto do euro é um teste definitivo: será, finalmente, posto a serviço da promoção de um modelo social sustentável ou se tornará o vetor da destruição dos restos do Estado de bem estar europeu?
A partir de agora, o problema para a Europa já não é econômico, mas sim político. Se as medidas técnicas adotadas não conseguirem resolver as dificuldades dos países europeus, veremos a divisão da zona do euro anunciada por Stiglitz? E qual será a forma dessa divisão? Uma zona reduzida a seis, sem a Espanha? Uma zona baseada no desacoplamento entre uma moeda única para o casal franco-alemão e alguns outros países, e uma moeda comum para o resto? Um retorno às moedas nacionais? E, neste caso, o que será do mercado único? Ouvimos todos os dias dirigentes políticos afirmarem que estas hipóteses são impensáveis: mas estamos seguros de que controlam os fluxos monetários? Não estão submetidos ao uníssono da Bolsa? Tudo pode ocorrer?
Na verdade, está em jogo o futuro do projeto europeu. As regras de funcionamento do euro previstas pelo Tratado de Lisboa entram cada vez mais em contradição flagrante com as divergências de desenvolvimento dos diversos países da zona. Nenhum governo se atreve, aparentemente, a colocar em dúvida os dogmas que sustentam o Pacto de Estabilidade, ainda que, na prática, ninguém os respeite. Mas, se queremos salvar o euro, é preciso flexibilizar essas regras. E talvez mudá-las. É vital estabelecer, daqui em diante, uma coordenação forte das políticas econômicas europeias, ainda que a Alemanha, tutora do Banco Central, não queira ouvir falar de um “governo econômico”. Aqui está o coração da batalha para a sobrevivência da zona euro e não nas medidas coercitivas previstas pelo acordo adotado em 28 de outubro, em Bruxelas.
Para relançar a Europa, essa coordenação deverá enfrentar pelo menos quatro grandes tarefas; 1) Uma proteção do espaço monetário europeu, regulando efetivamente, como foi previsto na reunião da UE de 18/05/10, os fundos de investimento alternativos e sobretudo os instrumentos ultraespeculativos (hedge funds, private equity, CDS). Isso supõe que se pode pedir explicações ao Reino Unido para que ponha fim à política desestabilizadora da City, principal praça especulativa mundial. 2) Uma mutualização das dívidas públicas europeias com a criação de “bônus europeus” para os países endividados que recorrerem ao fundo de resgate. Para evitar que aumente a desconfiança dos mercados, a Alemanha deve aceitar que a ativação do mecanismo de resgate seja, sob condições precisas, mecânico e não negociável a cada caso, como ocorre agora. 3) A realização de um empréstimo para financiar uma grande política pública europeia de crescimento, de criação de emprego e de pesquisa-inovação, o que supõe uma reforma dos estatutos do Banco Central. 4) Uma harmonização fiscal comum da zona do euro apoiada por um reforço dos fundos de coesão para os países em dificuldades.
Estas medidas teriam um efeito de arrasto prodigioso. Elas fariam os investidores refletir e criariam um impacto psicológico salvador para mobilizar os povos europeus. Na verdade, a escolha é simples: ou bem a Europa sairá desta crise reforçada e capaz de enfrentar a nova geopolítica da economia mundial opondo aos mercados um interesse geral europeu, baseado em estratégias cooperativas entre as nações europeias, ou bem, atolada em seus egoísmos nacionais, terminará ardendo em cinzas moribundas.
(*) Sami Nair é professor convidado da Universidade Pablo de Olavide, Sevilha. Publicado originalmente no jornal El País (16/12/2010)
Tradução: Katarina Peixoto/Carta Maior
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Depois da Grécia, a Irlanda. E depois, provavelmente, Portugal. Na sequência, não sabemos. O que é certo é que vários países estão ameaçados pelos mercados. A Espanha já está sob a alça da mira. Mas com o devido respeito pelos demais, o caso da Espanha é diferente. Trata-se da quarta economia da Europa (12% do PIB europeu) e é um peso pesado da política europeia. A dívida espanhola é três vezes superior à grega, seu déficit está, há dois anos, em torno de 10% do PIB, e o desemprego, que atinge todas as faixas de idade, está acima dos 20%. Se a Espanha recorrer ao fundo de resgate europeu, isso abriria também, de maneira inevitável, o caminho para ações especulativas contra Itália e França, o que significaria um giro decisivo para a Europa.
O paradoxo é que a estratégia europeia de saída da crise mundial (desregulamentação do mercado de trabalho, deflação salarial, desemprego estrutural, cortes orçamentários e privatizações) mostra os mercados cada vez mais vorazes. Daqui em diante, eles querem tudo. Essa estratégia, fundamentalmente recessiva, provoca um aumento legítimo das reivindicações sociais e políticas e dá lugar a perguntas que começam a ser formuladas espontaneamente pelas opiniões públicas. Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, expressa assim esse estado de ânimo: “Para Atenas, Madri ou Lisboa, se colocará seriamente a questão de saber se interessa continuar o plano de austeridade imposto pelo FMI e por Bruxelas, ou se, ao contrário, é melhor a voltar a serem donos de suas políticas monetárias” (Le Monde, 23-24 de maio de 2010).
Ainda não chegamos a esse ponto, mas se não mudarmos as regras do jogo, a divisão da zona euro se tornará uma hipótese séria. Pois está claro que não poderemos resolver esta crise somente com medidas restritivas que atingem as populações mais expostas (classes médias e populares), e menos ainda com medidas técnicas vinculantes como as apoiadas por Alemanha e França para ativar o fundo de resgate. O presidente do Banco Central alemão, Axel Weber, deu a entender, durante uma visita recente a Paris, que os 750 bilhões de euros deveriam ser de todo modo aumentados se a Espanha recorresse ao fundo. Isso não deve ter agradado muito ao ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, que, em uma entrevista ao Der Spiegel (08/11/2010), informou: durante a fase crítica, prolongação da vida dos créditos; se isso não bastar, os investidores privados deverão aceitar uma depreciação de seus empréstimos em troca de garantias para o restante. Isso é o mesmo que agitar a capa vermelha diante dos investidores privados.
Estes reagiram imediatamente, colocando a Irlanda de joelhos e cercando Portugal antes de assinalar os alvos na Bélgica e na Espanha. Quanto falta para que passem ao ataque? A margem de confiança que concedem aos diferentes países da zona euro já é insustentável: a Alemanha encontra compradores de seus bônus a uma média de 2,7%, enquanto que a Espanha os negocia no melhor dos casos em torno de 5% e Portugal a 6,7%. Os países endividados emprestam, pois, a taxas cada vez mais proibitivas e, se às vezes conseguem ganhar uns pontos, é só porque o Banco Central compra alguns bônus, coisa que não poderá durar muito tempo.
Na verdade, estamos assistindo a uma verdadeira guerra dos mercados contra os Estados. Quando a crise começou, apontei (“A vitória dos mercados financeiros”, El País, 08/05/2010) que os mercados iam submeter à prova a capacidade de resistência dos Estados e dos movimentos sociais, e quem em caso de uma debilidade comprovada dos europeus para definir uma estratégia progressista comum frente à crise, os investidores iam incrementar sua vantagem atacando frontalmente os Estados mais fracos. Objetivos: desregulamentar ainda mais os mercados internos e exigir mais privatizações. É exatamente o que está ocorrendo hoje. O que estamos vendo é uma contrarrevolução social “thatchero-reaganiana”. A questão é saber se as sociedades europeias vão aceitar isso. Neste contexto, o estatuto do euro é um teste definitivo: será, finalmente, posto a serviço da promoção de um modelo social sustentável ou se tornará o vetor da destruição dos restos do Estado de bem estar europeu?
A partir de agora, o problema para a Europa já não é econômico, mas sim político. Se as medidas técnicas adotadas não conseguirem resolver as dificuldades dos países europeus, veremos a divisão da zona do euro anunciada por Stiglitz? E qual será a forma dessa divisão? Uma zona reduzida a seis, sem a Espanha? Uma zona baseada no desacoplamento entre uma moeda única para o casal franco-alemão e alguns outros países, e uma moeda comum para o resto? Um retorno às moedas nacionais? E, neste caso, o que será do mercado único? Ouvimos todos os dias dirigentes políticos afirmarem que estas hipóteses são impensáveis: mas estamos seguros de que controlam os fluxos monetários? Não estão submetidos ao uníssono da Bolsa? Tudo pode ocorrer?
Na verdade, está em jogo o futuro do projeto europeu. As regras de funcionamento do euro previstas pelo Tratado de Lisboa entram cada vez mais em contradição flagrante com as divergências de desenvolvimento dos diversos países da zona. Nenhum governo se atreve, aparentemente, a colocar em dúvida os dogmas que sustentam o Pacto de Estabilidade, ainda que, na prática, ninguém os respeite. Mas, se queremos salvar o euro, é preciso flexibilizar essas regras. E talvez mudá-las. É vital estabelecer, daqui em diante, uma coordenação forte das políticas econômicas europeias, ainda que a Alemanha, tutora do Banco Central, não queira ouvir falar de um “governo econômico”. Aqui está o coração da batalha para a sobrevivência da zona euro e não nas medidas coercitivas previstas pelo acordo adotado em 28 de outubro, em Bruxelas.
Para relançar a Europa, essa coordenação deverá enfrentar pelo menos quatro grandes tarefas; 1) Uma proteção do espaço monetário europeu, regulando efetivamente, como foi previsto na reunião da UE de 18/05/10, os fundos de investimento alternativos e sobretudo os instrumentos ultraespeculativos (hedge funds, private equity, CDS). Isso supõe que se pode pedir explicações ao Reino Unido para que ponha fim à política desestabilizadora da City, principal praça especulativa mundial. 2) Uma mutualização das dívidas públicas europeias com a criação de “bônus europeus” para os países endividados que recorrerem ao fundo de resgate. Para evitar que aumente a desconfiança dos mercados, a Alemanha deve aceitar que a ativação do mecanismo de resgate seja, sob condições precisas, mecânico e não negociável a cada caso, como ocorre agora. 3) A realização de um empréstimo para financiar uma grande política pública europeia de crescimento, de criação de emprego e de pesquisa-inovação, o que supõe uma reforma dos estatutos do Banco Central. 4) Uma harmonização fiscal comum da zona do euro apoiada por um reforço dos fundos de coesão para os países em dificuldades.
Estas medidas teriam um efeito de arrasto prodigioso. Elas fariam os investidores refletir e criariam um impacto psicológico salvador para mobilizar os povos europeus. Na verdade, a escolha é simples: ou bem a Europa sairá desta crise reforçada e capaz de enfrentar a nova geopolítica da economia mundial opondo aos mercados um interesse geral europeu, baseado em estratégias cooperativas entre as nações europeias, ou bem, atolada em seus egoísmos nacionais, terminará ardendo em cinzas moribundas.
(*) Sami Nair é professor convidado da Universidade Pablo de Olavide, Sevilha. Publicado originalmente no jornal El País (16/12/2010)
Tradução: Katarina Peixoto/Carta Maior
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Ainda há muita desigualdade no Brasil
Reproduzo entrevista concedida à jornalista Vera Saavedra Durão e publicada no jornal Valor Econômico:
Formado em engenharia e com especialização em economia, Ricardo Paes de Barros, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde já atuou como coordenador de avaliação de políticas públicas, é reconhecido internacionalmente como um especialista em pobreza. Ele considera que a presidente eleita, Dilma Rousseff, poderá reduzir ainda mais a pobreza no Brasil.
No governo Lula, segundo o Ipea, onde Paes de Barros trabalha como técnico de planejamento e pesquisa, o número de pobres caiu de 30,4 milhões em 2003 para 17 milhões no ano passado. "A pobreza foi reduzida a mais da metade em cinco anos", avalia.
De acordo com Paes de Barros, o Bolsa Família contribuiu com 20% para essa performance. A meta de erradicação da miséria é, na verdade, conseguir baixar cada vez mais o número de pobres, explica. "O difícil, porém, é mensurar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a extrema pobreza foi erradicada." Em um cálculo preliminar, Paes de Barros avalia que, se o país conseguir reduzir de quase 10 milhões para 2 milhões o número de pessoas com renda familiar per capita abaixo de US$ 1 por dia (R$ 50 ao mês), poderá se vangloriar de ter atingido tal objetivo.
Para ele, apesar dos avanços, o Brasil continua um país extremamente desigual e a luta pela eliminação da pobreza não será vencida no curto prazo. "Somente daqui a 15 ou 20 anos, o Brasil poderá atingir níveis de pobreza na casa dos R$ 100 de renda familiar per capita, como ocorre na Turquia e na Tunísia." A seguir a entrevista de Paes de Barros.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, elegeu a erradicação da miséria como uma prioridade do seu governo. Isso será possível?
A erradicação da miséria é tão possível quanto a do analfabetismo. Porém, acabar com a pobreza é, na verdade, conseguir levá-la a níveis muito baixos. Isto, sim, é possível ser feito. A questão é saber quão baixo temos que chegar para considerar a missão cumprida.
No caso brasileiro, teríamos que reduzir a pobreza em quanto?
Ninguém até hoje, não só no Brasil, mas no mundo, conseguiu convencionar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a pobreza foi erradicada. Reduzir abaixo de quanto? O Brasil já levou a pobreza para níveis muito baixos, para linhas de pobreza mais altas a partir de 2003. A proporção da população brasileira que vive hoje em famílias com uma renda abaixo de US$ 1 por dia deve estar abaixo de 5%. Numa população de quase 200 milhões de habitantes, significa que menos de 10 milhões de pessoas têm renda diária abaixo de US$ 1 (equivalente a cerca de R$ 1,7 por dia ou cerca de R$ 50 mensais). Os mais pobres se localizam no entorno das regiões metropolitanas, na área rural e no Nordeste.
Será possível avançar mais nesse processo?
Daí para frente vai começar a ficar mais complicado zerar. É difícil zerar, como já disse. Mas podemos considerar como erradicada a extrema pobreza no país se esse percentual (da população que vive em famílias com renda per capita inferior a US$ 1) baixar de 5% para 1%. Vamos considerar que a meta da erradicação é 1% (2 milhões de habitantes) da população com renda per capita abaixo de US$ 1.
Para chegar a esse patamar o que é preciso fazer?
Se o governo quer estabelecer uma meta clara de redução da pobreza seria bom ajustar o medidor. Falo em definir uma linha oficial de pobreza e uma de extrema pobreza. Eu fecharia questão na linha de pobreza que o IBGE tem hoje. São ao todo 20 linhas diferentes que variam de Estado para Estado.
O senhor conseguiu medir, com base nas linhas de pobreza do Ipea, em quanto foi reduzida a extrema pobreza no Brasil durante o governo Lula?
Usando nossas linhas de pobreza, que são mais elevadas que as de US$ 1 por dia, conseguimos calcular que 8,5% da população brasileira (uns 17 milhões) vivem atualmente em extrema pobreza. Em 2003, esse percentual era de quase 17% (30,4 milhões). No período entre os anos 2003 e 2009, o percentual de pobres na população caiu abaixo da metade.
Como o senhor avalia essa performance?
A primeira meta do Milênio da ONU é reduzir a pobreza à metade em 25 anos. O Brasil conseguiu isso em cinco anos. Estamos caminhando nesse processo a uma velocidade de cinco vezes a meta do Milênio, o que é muito bom.
Qual é a contribuição do programa Bolsa Família para essa queda nos níveis de pobreza?
O Bolsa Família contribuiu com 20% .Outras políticas públicas também ajudaram a reduzir a extrema pobreza, como o Programa Nacional de Apoio à agricultura familiar (Pronaf), a interiorização da economia, a melhoria da educação.
O aumento real do salário mínimo também contribuiu?
O aumento do mínimo reduziu a desigualdade entre a classe média e os ricos. Não ajuda muito, no entanto, a diminuir a extrema pobreza, mas é útil para, no geral, reduzir a desigualdade. Aproxima a classe média dos ricos.
O que o senhor considera como classe média?
Para mim, é o pessoal que se situa no meio da distribuição de renda brasileira, entre o 4º e o 6º decil. No sentido coloquial, a classe média fica mais para cima que isso. Mas quem ganha mais de R$ 3 mil por mês no Brasil está dentro dos 10% mais ricos (classificação com base na renda do trabalho, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE).
Qual a melhor estratégia para erradicar a extrema pobreza no país?
Se mantivermos a velocidade em que estamos (cinco vezes a meta do Milênio), vamos erradicar a pobreza, reduzi-la bastante. A presidente Dilma quer acelerar um pouco mais a erradicação. Há um monte de opções na mesa para fazer isso, mas não está claro quais o novo governo escolherá.
O que o senhor considera mais urgente?
Para mim, a prioridade máxima é incluir no programa as famílias mais pobres que ainda não são beneficiadas por eles. O Bolsa Família tem de chegar a todas as famílias realmente pobres do Brasil para reduzirmos ao máximo a extrema pobreza.
E o que a presidente Dilma Rousseff pretende fazer?
O que a presidente Dilma quer não é só erradicar a pobreza com o Bolsa Família e com isso dar um alívio para quem é extremamente pobre. Ela quer modificar a capacidade de geração de renda dos extremamente pobres. O Bolsa Família pode incorporar um leque de oportunidades para os pobres e elevar os benefícios dessas pessoas a outro patamar de renda.
O que significa esse leque de oportunidades?
Significa dar oportunidade para as pessoas se capacitarem para uma profissão, dar melhores habilidades e condições aos pobres de usar suas capacidades de maneira mais produtiva. O que inclui dar mais educação formal aos jovens e aos não tão jovens, formação profissional, formação técnica por um lado e por outro lado oferecer para as pessoas condições concretas de usarem suas capacidades, ou seja, criar oportunidades de emprego, microcrédito e apoio à comercialização de produtos.
O Bolsa Família vai incorporar alguns desses benefícios?
A ideia é aproveitar os beneficiários cadastrados no Bolsa Família e usar o mesmo canal para levar uma cesta de oportunidades aos mais pobres. Uns vão precisar mais de capacitação, outros de crédito. As necessidades são diversas.
O senhor defende a criação de um exército de agentes de desenvolvimento social para trabalhar no Bolsa Família tornando o programa mais efetivo. Como atuariam os agentes?
Os agentes (de desenvolvimento social) atuariam descobrindo um leque de oportunidades e iriam aplicá-lo de acordo com a necessidade de cada família. Eles poderiam atuar para viabilizar projetos de capacitação profissional, educação, criação de empregos, financiamento e oportunidades para as famílias ampliarem sua renda. A ideia do agente funciona.
O senhor trabalha com um cenário de fim do Bolsa Família?
Na minha concepção o Bolsa Família deve continuar, porque a função do programa não é acabar com a pobreza absoluta, mas reduzir desigualdades e a pobreza relativa. O Bolsa Família deve continuar e procurar elevar a renda das famílias a patamares mais altos na medida em que outras políticas forem efetivas.
Qual é a proporção da renda dos mais pobres na população brasileira?
O ganho dos 10% mais pobres representa um oitavo da renda média familiar per capita do país, que deve estar na casa de R$ 700. A renda per capita dos até 10% mais pobres alcança R$ 50 (no Nordeste) e R$ 80 (na média Brasil da PNAD [Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio]). Um ganho per capita razoável para as famílias mais pobres seria de no mínimo R$ 100.
Até quando será necessário manter o Bolsa Família?
Mesmo que a renda suba no Bolsa Família ainda há espaço para se chegar a R$ 100. E daí podemos trabalhar para elevá-la para R$ 150. Com a desigualdade que o Brasil tem, o governo não vai deixar de precisar do Bolsa Família. Sempre vai ter gente com renda muito baixa. Não creio que o Bolsa Família vá sumir daqui a 20 anos. O programa pode até perder importância, mas contar com uma rede de proteção social que garanta a renda mínima das pessoas mais pobres é sempre bom.
Mas a situação da pobreza não melhorou nos últimos anos?
Melhorou muito. Mas para o Brasil ficar no nível de desigualdade de países como Turquia e Tunísia, que têm uma renda média per capita das mais pobres, em patamar equivalente a R$ 100, vamos precisar de mais 15 a 20 anos. Nosso nível de desigualdade é tristemente alto.
As Unidades de Política Pacificadora (UPPs) podem ser um instrumento de erradicação da pobreza?
As favelas não são as áreas mais pobres do Rio. As UPPs servem mais para resolver os problemas de segurança e garantir o respeito a direitos e deveres dos cidadãos que nelas residem.
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Formado em engenharia e com especialização em economia, Ricardo Paes de Barros, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde já atuou como coordenador de avaliação de políticas públicas, é reconhecido internacionalmente como um especialista em pobreza. Ele considera que a presidente eleita, Dilma Rousseff, poderá reduzir ainda mais a pobreza no Brasil.
No governo Lula, segundo o Ipea, onde Paes de Barros trabalha como técnico de planejamento e pesquisa, o número de pobres caiu de 30,4 milhões em 2003 para 17 milhões no ano passado. "A pobreza foi reduzida a mais da metade em cinco anos", avalia.
De acordo com Paes de Barros, o Bolsa Família contribuiu com 20% para essa performance. A meta de erradicação da miséria é, na verdade, conseguir baixar cada vez mais o número de pobres, explica. "O difícil, porém, é mensurar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a extrema pobreza foi erradicada." Em um cálculo preliminar, Paes de Barros avalia que, se o país conseguir reduzir de quase 10 milhões para 2 milhões o número de pessoas com renda familiar per capita abaixo de US$ 1 por dia (R$ 50 ao mês), poderá se vangloriar de ter atingido tal objetivo.
Para ele, apesar dos avanços, o Brasil continua um país extremamente desigual e a luta pela eliminação da pobreza não será vencida no curto prazo. "Somente daqui a 15 ou 20 anos, o Brasil poderá atingir níveis de pobreza na casa dos R$ 100 de renda familiar per capita, como ocorre na Turquia e na Tunísia." A seguir a entrevista de Paes de Barros.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, elegeu a erradicação da miséria como uma prioridade do seu governo. Isso será possível?
A erradicação da miséria é tão possível quanto a do analfabetismo. Porém, acabar com a pobreza é, na verdade, conseguir levá-la a níveis muito baixos. Isto, sim, é possível ser feito. A questão é saber quão baixo temos que chegar para considerar a missão cumprida.
No caso brasileiro, teríamos que reduzir a pobreza em quanto?
Ninguém até hoje, não só no Brasil, mas no mundo, conseguiu convencionar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a pobreza foi erradicada. Reduzir abaixo de quanto? O Brasil já levou a pobreza para níveis muito baixos, para linhas de pobreza mais altas a partir de 2003. A proporção da população brasileira que vive hoje em famílias com uma renda abaixo de US$ 1 por dia deve estar abaixo de 5%. Numa população de quase 200 milhões de habitantes, significa que menos de 10 milhões de pessoas têm renda diária abaixo de US$ 1 (equivalente a cerca de R$ 1,7 por dia ou cerca de R$ 50 mensais). Os mais pobres se localizam no entorno das regiões metropolitanas, na área rural e no Nordeste.
Será possível avançar mais nesse processo?
Daí para frente vai começar a ficar mais complicado zerar. É difícil zerar, como já disse. Mas podemos considerar como erradicada a extrema pobreza no país se esse percentual (da população que vive em famílias com renda per capita inferior a US$ 1) baixar de 5% para 1%. Vamos considerar que a meta da erradicação é 1% (2 milhões de habitantes) da população com renda per capita abaixo de US$ 1.
Para chegar a esse patamar o que é preciso fazer?
Se o governo quer estabelecer uma meta clara de redução da pobreza seria bom ajustar o medidor. Falo em definir uma linha oficial de pobreza e uma de extrema pobreza. Eu fecharia questão na linha de pobreza que o IBGE tem hoje. São ao todo 20 linhas diferentes que variam de Estado para Estado.
O senhor conseguiu medir, com base nas linhas de pobreza do Ipea, em quanto foi reduzida a extrema pobreza no Brasil durante o governo Lula?
Usando nossas linhas de pobreza, que são mais elevadas que as de US$ 1 por dia, conseguimos calcular que 8,5% da população brasileira (uns 17 milhões) vivem atualmente em extrema pobreza. Em 2003, esse percentual era de quase 17% (30,4 milhões). No período entre os anos 2003 e 2009, o percentual de pobres na população caiu abaixo da metade.
Como o senhor avalia essa performance?
A primeira meta do Milênio da ONU é reduzir a pobreza à metade em 25 anos. O Brasil conseguiu isso em cinco anos. Estamos caminhando nesse processo a uma velocidade de cinco vezes a meta do Milênio, o que é muito bom.
Qual é a contribuição do programa Bolsa Família para essa queda nos níveis de pobreza?
O Bolsa Família contribuiu com 20% .Outras políticas públicas também ajudaram a reduzir a extrema pobreza, como o Programa Nacional de Apoio à agricultura familiar (Pronaf), a interiorização da economia, a melhoria da educação.
O aumento real do salário mínimo também contribuiu?
O aumento do mínimo reduziu a desigualdade entre a classe média e os ricos. Não ajuda muito, no entanto, a diminuir a extrema pobreza, mas é útil para, no geral, reduzir a desigualdade. Aproxima a classe média dos ricos.
O que o senhor considera como classe média?
Para mim, é o pessoal que se situa no meio da distribuição de renda brasileira, entre o 4º e o 6º decil. No sentido coloquial, a classe média fica mais para cima que isso. Mas quem ganha mais de R$ 3 mil por mês no Brasil está dentro dos 10% mais ricos (classificação com base na renda do trabalho, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE).
Qual a melhor estratégia para erradicar a extrema pobreza no país?
Se mantivermos a velocidade em que estamos (cinco vezes a meta do Milênio), vamos erradicar a pobreza, reduzi-la bastante. A presidente Dilma quer acelerar um pouco mais a erradicação. Há um monte de opções na mesa para fazer isso, mas não está claro quais o novo governo escolherá.
O que o senhor considera mais urgente?
Para mim, a prioridade máxima é incluir no programa as famílias mais pobres que ainda não são beneficiadas por eles. O Bolsa Família tem de chegar a todas as famílias realmente pobres do Brasil para reduzirmos ao máximo a extrema pobreza.
E o que a presidente Dilma Rousseff pretende fazer?
O que a presidente Dilma quer não é só erradicar a pobreza com o Bolsa Família e com isso dar um alívio para quem é extremamente pobre. Ela quer modificar a capacidade de geração de renda dos extremamente pobres. O Bolsa Família pode incorporar um leque de oportunidades para os pobres e elevar os benefícios dessas pessoas a outro patamar de renda.
O que significa esse leque de oportunidades?
Significa dar oportunidade para as pessoas se capacitarem para uma profissão, dar melhores habilidades e condições aos pobres de usar suas capacidades de maneira mais produtiva. O que inclui dar mais educação formal aos jovens e aos não tão jovens, formação profissional, formação técnica por um lado e por outro lado oferecer para as pessoas condições concretas de usarem suas capacidades, ou seja, criar oportunidades de emprego, microcrédito e apoio à comercialização de produtos.
O Bolsa Família vai incorporar alguns desses benefícios?
A ideia é aproveitar os beneficiários cadastrados no Bolsa Família e usar o mesmo canal para levar uma cesta de oportunidades aos mais pobres. Uns vão precisar mais de capacitação, outros de crédito. As necessidades são diversas.
O senhor defende a criação de um exército de agentes de desenvolvimento social para trabalhar no Bolsa Família tornando o programa mais efetivo. Como atuariam os agentes?
Os agentes (de desenvolvimento social) atuariam descobrindo um leque de oportunidades e iriam aplicá-lo de acordo com a necessidade de cada família. Eles poderiam atuar para viabilizar projetos de capacitação profissional, educação, criação de empregos, financiamento e oportunidades para as famílias ampliarem sua renda. A ideia do agente funciona.
O senhor trabalha com um cenário de fim do Bolsa Família?
Na minha concepção o Bolsa Família deve continuar, porque a função do programa não é acabar com a pobreza absoluta, mas reduzir desigualdades e a pobreza relativa. O Bolsa Família deve continuar e procurar elevar a renda das famílias a patamares mais altos na medida em que outras políticas forem efetivas.
Qual é a proporção da renda dos mais pobres na população brasileira?
O ganho dos 10% mais pobres representa um oitavo da renda média familiar per capita do país, que deve estar na casa de R$ 700. A renda per capita dos até 10% mais pobres alcança R$ 50 (no Nordeste) e R$ 80 (na média Brasil da PNAD [Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio]). Um ganho per capita razoável para as famílias mais pobres seria de no mínimo R$ 100.
Até quando será necessário manter o Bolsa Família?
Mesmo que a renda suba no Bolsa Família ainda há espaço para se chegar a R$ 100. E daí podemos trabalhar para elevá-la para R$ 150. Com a desigualdade que o Brasil tem, o governo não vai deixar de precisar do Bolsa Família. Sempre vai ter gente com renda muito baixa. Não creio que o Bolsa Família vá sumir daqui a 20 anos. O programa pode até perder importância, mas contar com uma rede de proteção social que garanta a renda mínima das pessoas mais pobres é sempre bom.
Mas a situação da pobreza não melhorou nos últimos anos?
Melhorou muito. Mas para o Brasil ficar no nível de desigualdade de países como Turquia e Tunísia, que têm uma renda média per capita das mais pobres, em patamar equivalente a R$ 100, vamos precisar de mais 15 a 20 anos. Nosso nível de desigualdade é tristemente alto.
As Unidades de Política Pacificadora (UPPs) podem ser um instrumento de erradicação da pobreza?
As favelas não são as áreas mais pobres do Rio. As UPPs servem mais para resolver os problemas de segurança e garantir o respeito a direitos e deveres dos cidadãos que nelas residem.
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Serra, o pré-sal e a falsa surpresa
Reproduzo artigo de Mino Carta, intitulado "Falsa surpresa, outra verdadeira e a revelação", publicado no sítio da revista CartaCapital:
Registro neste derradeiro mês de 2010 uma falsa surpresa, outra verdadeira e uma revelação. A surpresa que não houve vem do WikiLeaks e é de amplo raio. O WikiLeaks demonstra apenas no plano mundial o baixo QI da diplomacia americana e, em perfeita afinação em relação ao Brasil, que os representantes de Tio Sam aqui sediados baseiam seus despachos na leitura de Veja, Estadão, Folha e Globo. Seria esta razão de espanto? De maneira alguma, está claro. E seria verificar que Washington, como informa o WikiLeaks, faz lobby contra a lei do pré-sal a favor das irmãs do petróleo?
O petróleo é deles? – Telegramas confidenciais remetidos pelos diplomatas americanos para o Departamento de Estado mostram profunda contrariedade diante das mudanças introduzidas pelo governo Lula nos sistemas de exploração do nosso petróleo. E surge em cena uma certa Patricia Pedral, diretora da Chevron no Brasil. Ela acusa o governo de fazer uso “político” do modelo, mas não perde as esperanças. “As regras sempre podem mudar depois”, teria afirmado, o que também implica confiança no poder de persuasão das irmãs petroleiras e do próprio Tio Sam. Os métodos deste poder são bastante conhecidos, passam pela chantagem e pelo tilintar dos dólares.
Surpresa? Nem pensar. Segundo dona Patricia, em novembro do ano passado ela teria recebido de José Serra a garantia de que, eleito, mudaria as regras. Não sei até que ponto dona Patricia é confiável. Pergunto, de todo modo: se a promessa de Serra existiu, cabe espanto? Obviamente, não. Eleito em lugar de Dilma Rousseff, ele faria a vontade da sua turma e da mídia nativa. O tucanato é assim mesmo. É do conhecimento até do mundo mineral que Fernando Henrique sonhou em privatizar a Petrobras até onde fosse possível. Difícil é imaginar que Serra presidente deixaria por menos. Vejam só do que nos livramos.
O escândalo é outro – Surpresa autêntica é proporcionada por um livro publicado, O Escândalo Daniel Dantas. Poderia ser da autoria dos advogados do banqueiro orelhudo, e não nos deixaria de queixo caído. Dá-se que quem escreve, e não há defensor de Dantas habilitado a realizar trabalho melhor, é um jornalista, Raymundo Rodrigues Pereira, de hábito empenhado em nobres causas, a me merecer desde sempre amizade como indivíduo e respeito como profissional.
Raymundo me presenteou recentemente com seu livro e com uma coletânea de ensaios sobre a obra de um criador de cinema que ambos admiramos, John Ford. Eu já estava informado a respeito do conteúdo de O Escândalo Daniel Dantas e cuidei de não lê-lo para evitar que ventos malignos soprassem entre o fígado e a alma. Disse apenas ao velho amigo e companheiro de algumas aventuras: “Concordamos quanto a Ford, discordamos quanto a Dantas”. No livro ele aponta CartaCapital como uma publicação que perseguiu Dantas injustamente e eu fingi ignorar.
Na Folha de S.Paulo, de 10 de dezembro, entrevistado por Frederico Vasconcelos, ele volta à carga. Diz que por trás das reportagens publicadas contra o banqueiro do Opportunity – e no caso de CartaCapital, segundo ele teriam sido cem, número talvez exagerado, mas pouco importa – “estavam os fundos de pensão, a canadense TIW, a Telecom Italia e Luiz Roberto Demarco (ex-sócio de Dantas)”, conforme relata Vasconcelos. Ou, por outra: CartaCapital prestou-se a um jogo sujo, não se esclarece a que preço. Vale soletrar o contrário: o orelhudo, que assim chamamos por sua comprovadíssima obsessão no uso desbragado do grampo, tentou amansar CartaCapital por meio de polpudo contrato de publicidade, obviamente ineficaz. Que fazer, a gente não está à venda.
Não me permito ilações sobre as razões de Raymundo e até que ponto ele se dispôs a servir aos interesses de amigos chegados ao orelhudo. Diante da grave ofensa, cometida contra esta revista e vários honrados jornalistas, declaro meu suspanto, misto de susto e espanto, como diria o próprio Raymundo, desta vez entregue a um gênero de jornalismo que sequer posso classificar como de péssima qualidade. Não há dúvidas de que ele conversou longamente com seu herói e apaniguados. Não procurou, contudo, os vilões, os profissionais que ofende, a começar por Rubens Glasberg, dono de um arquivo completo a respeito de Dantas e suas façanhas.
Não há uma única, escassa reportagem de CartaCapital que não tenha sido baseada em documentos irrefutáveis para provar as inúmeras mazelas dantescas e as condenações que colecionou, em Cayman, em Nova York, em Londres, por uma corte internacional. E é muito estranho que jornalistas, mercenários segundo Raymundo, processados pelo orelhudo, cinco vezes Glasberg, duas vezes o acima assinado, incontáveis Paulo Henrique Amorim, tenham saído vencedores destes embates judiciários.
Papai Noel a risco – E agora a revelação, que devemos agradecer à revista Veja: Papai Noel existe. Trata-se de um milagre. Metido naquelas fartas roupas de lã, botas e capuz, arrastado para o trópico a bordo de um trenó puxado por renas à espera da neve impossível, ele resiste impávido ao nosso verão. Na minha infância, celebrava-se Jesus Menino, que, como todos, veio ao mundo nu. Em um Natal desses, Papai Noel bate literalmente as botas. Coisas de um país onde há quem gostaria de privatizar a Petrobras e acha DD um capitalista exemplar.
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Registro neste derradeiro mês de 2010 uma falsa surpresa, outra verdadeira e uma revelação. A surpresa que não houve vem do WikiLeaks e é de amplo raio. O WikiLeaks demonstra apenas no plano mundial o baixo QI da diplomacia americana e, em perfeita afinação em relação ao Brasil, que os representantes de Tio Sam aqui sediados baseiam seus despachos na leitura de Veja, Estadão, Folha e Globo. Seria esta razão de espanto? De maneira alguma, está claro. E seria verificar que Washington, como informa o WikiLeaks, faz lobby contra a lei do pré-sal a favor das irmãs do petróleo?
O petróleo é deles? – Telegramas confidenciais remetidos pelos diplomatas americanos para o Departamento de Estado mostram profunda contrariedade diante das mudanças introduzidas pelo governo Lula nos sistemas de exploração do nosso petróleo. E surge em cena uma certa Patricia Pedral, diretora da Chevron no Brasil. Ela acusa o governo de fazer uso “político” do modelo, mas não perde as esperanças. “As regras sempre podem mudar depois”, teria afirmado, o que também implica confiança no poder de persuasão das irmãs petroleiras e do próprio Tio Sam. Os métodos deste poder são bastante conhecidos, passam pela chantagem e pelo tilintar dos dólares.
Surpresa? Nem pensar. Segundo dona Patricia, em novembro do ano passado ela teria recebido de José Serra a garantia de que, eleito, mudaria as regras. Não sei até que ponto dona Patricia é confiável. Pergunto, de todo modo: se a promessa de Serra existiu, cabe espanto? Obviamente, não. Eleito em lugar de Dilma Rousseff, ele faria a vontade da sua turma e da mídia nativa. O tucanato é assim mesmo. É do conhecimento até do mundo mineral que Fernando Henrique sonhou em privatizar a Petrobras até onde fosse possível. Difícil é imaginar que Serra presidente deixaria por menos. Vejam só do que nos livramos.
O escândalo é outro – Surpresa autêntica é proporcionada por um livro publicado, O Escândalo Daniel Dantas. Poderia ser da autoria dos advogados do banqueiro orelhudo, e não nos deixaria de queixo caído. Dá-se que quem escreve, e não há defensor de Dantas habilitado a realizar trabalho melhor, é um jornalista, Raymundo Rodrigues Pereira, de hábito empenhado em nobres causas, a me merecer desde sempre amizade como indivíduo e respeito como profissional.
Raymundo me presenteou recentemente com seu livro e com uma coletânea de ensaios sobre a obra de um criador de cinema que ambos admiramos, John Ford. Eu já estava informado a respeito do conteúdo de O Escândalo Daniel Dantas e cuidei de não lê-lo para evitar que ventos malignos soprassem entre o fígado e a alma. Disse apenas ao velho amigo e companheiro de algumas aventuras: “Concordamos quanto a Ford, discordamos quanto a Dantas”. No livro ele aponta CartaCapital como uma publicação que perseguiu Dantas injustamente e eu fingi ignorar.
Na Folha de S.Paulo, de 10 de dezembro, entrevistado por Frederico Vasconcelos, ele volta à carga. Diz que por trás das reportagens publicadas contra o banqueiro do Opportunity – e no caso de CartaCapital, segundo ele teriam sido cem, número talvez exagerado, mas pouco importa – “estavam os fundos de pensão, a canadense TIW, a Telecom Italia e Luiz Roberto Demarco (ex-sócio de Dantas)”, conforme relata Vasconcelos. Ou, por outra: CartaCapital prestou-se a um jogo sujo, não se esclarece a que preço. Vale soletrar o contrário: o orelhudo, que assim chamamos por sua comprovadíssima obsessão no uso desbragado do grampo, tentou amansar CartaCapital por meio de polpudo contrato de publicidade, obviamente ineficaz. Que fazer, a gente não está à venda.
Não me permito ilações sobre as razões de Raymundo e até que ponto ele se dispôs a servir aos interesses de amigos chegados ao orelhudo. Diante da grave ofensa, cometida contra esta revista e vários honrados jornalistas, declaro meu suspanto, misto de susto e espanto, como diria o próprio Raymundo, desta vez entregue a um gênero de jornalismo que sequer posso classificar como de péssima qualidade. Não há dúvidas de que ele conversou longamente com seu herói e apaniguados. Não procurou, contudo, os vilões, os profissionais que ofende, a começar por Rubens Glasberg, dono de um arquivo completo a respeito de Dantas e suas façanhas.
Não há uma única, escassa reportagem de CartaCapital que não tenha sido baseada em documentos irrefutáveis para provar as inúmeras mazelas dantescas e as condenações que colecionou, em Cayman, em Nova York, em Londres, por uma corte internacional. E é muito estranho que jornalistas, mercenários segundo Raymundo, processados pelo orelhudo, cinco vezes Glasberg, duas vezes o acima assinado, incontáveis Paulo Henrique Amorim, tenham saído vencedores destes embates judiciários.
Papai Noel a risco – E agora a revelação, que devemos agradecer à revista Veja: Papai Noel existe. Trata-se de um milagre. Metido naquelas fartas roupas de lã, botas e capuz, arrastado para o trópico a bordo de um trenó puxado por renas à espera da neve impossível, ele resiste impávido ao nosso verão. Na minha infância, celebrava-se Jesus Menino, que, como todos, veio ao mundo nu. Em um Natal desses, Papai Noel bate literalmente as botas. Coisas de um país onde há quem gostaria de privatizar a Petrobras e acha DD um capitalista exemplar.
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