Reproduzo entrevista concedida à jornalista Vera Saavedra Durão e publicada no jornal Valor Econômico:
Formado em engenharia e com especialização em economia, Ricardo Paes de Barros, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde já atuou como coordenador de avaliação de políticas públicas, é reconhecido internacionalmente como um especialista em pobreza. Ele considera que a presidente eleita, Dilma Rousseff, poderá reduzir ainda mais a pobreza no Brasil.
No governo Lula, segundo o Ipea, onde Paes de Barros trabalha como técnico de planejamento e pesquisa, o número de pobres caiu de 30,4 milhões em 2003 para 17 milhões no ano passado. "A pobreza foi reduzida a mais da metade em cinco anos", avalia.
De acordo com Paes de Barros, o Bolsa Família contribuiu com 20% para essa performance. A meta de erradicação da miséria é, na verdade, conseguir baixar cada vez mais o número de pobres, explica. "O difícil, porém, é mensurar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a extrema pobreza foi erradicada." Em um cálculo preliminar, Paes de Barros avalia que, se o país conseguir reduzir de quase 10 milhões para 2 milhões o número de pessoas com renda familiar per capita abaixo de US$ 1 por dia (R$ 50 ao mês), poderá se vangloriar de ter atingido tal objetivo.
Para ele, apesar dos avanços, o Brasil continua um país extremamente desigual e a luta pela eliminação da pobreza não será vencida no curto prazo. "Somente daqui a 15 ou 20 anos, o Brasil poderá atingir níveis de pobreza na casa dos R$ 100 de renda familiar per capita, como ocorre na Turquia e na Tunísia." A seguir a entrevista de Paes de Barros.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, elegeu a erradicação da miséria como uma prioridade do seu governo. Isso será possível?
A erradicação da miséria é tão possível quanto a do analfabetismo. Porém, acabar com a pobreza é, na verdade, conseguir levá-la a níveis muito baixos. Isto, sim, é possível ser feito. A questão é saber quão baixo temos que chegar para considerar a missão cumprida.
No caso brasileiro, teríamos que reduzir a pobreza em quanto?
Ninguém até hoje, não só no Brasil, mas no mundo, conseguiu convencionar a partir de que nível de renda se considera possível dizer que a pobreza foi erradicada. Reduzir abaixo de quanto? O Brasil já levou a pobreza para níveis muito baixos, para linhas de pobreza mais altas a partir de 2003. A proporção da população brasileira que vive hoje em famílias com uma renda abaixo de US$ 1 por dia deve estar abaixo de 5%. Numa população de quase 200 milhões de habitantes, significa que menos de 10 milhões de pessoas têm renda diária abaixo de US$ 1 (equivalente a cerca de R$ 1,7 por dia ou cerca de R$ 50 mensais). Os mais pobres se localizam no entorno das regiões metropolitanas, na área rural e no Nordeste.
Será possível avançar mais nesse processo?
Daí para frente vai começar a ficar mais complicado zerar. É difícil zerar, como já disse. Mas podemos considerar como erradicada a extrema pobreza no país se esse percentual (da população que vive em famílias com renda per capita inferior a US$ 1) baixar de 5% para 1%. Vamos considerar que a meta da erradicação é 1% (2 milhões de habitantes) da população com renda per capita abaixo de US$ 1.
Para chegar a esse patamar o que é preciso fazer?
Se o governo quer estabelecer uma meta clara de redução da pobreza seria bom ajustar o medidor. Falo em definir uma linha oficial de pobreza e uma de extrema pobreza. Eu fecharia questão na linha de pobreza que o IBGE tem hoje. São ao todo 20 linhas diferentes que variam de Estado para Estado.
O senhor conseguiu medir, com base nas linhas de pobreza do Ipea, em quanto foi reduzida a extrema pobreza no Brasil durante o governo Lula?
Usando nossas linhas de pobreza, que são mais elevadas que as de US$ 1 por dia, conseguimos calcular que 8,5% da população brasileira (uns 17 milhões) vivem atualmente em extrema pobreza. Em 2003, esse percentual era de quase 17% (30,4 milhões). No período entre os anos 2003 e 2009, o percentual de pobres na população caiu abaixo da metade.
Como o senhor avalia essa performance?
A primeira meta do Milênio da ONU é reduzir a pobreza à metade em 25 anos. O Brasil conseguiu isso em cinco anos. Estamos caminhando nesse processo a uma velocidade de cinco vezes a meta do Milênio, o que é muito bom.
Qual é a contribuição do programa Bolsa Família para essa queda nos níveis de pobreza?
O Bolsa Família contribuiu com 20% .Outras políticas públicas também ajudaram a reduzir a extrema pobreza, como o Programa Nacional de Apoio à agricultura familiar (Pronaf), a interiorização da economia, a melhoria da educação.
O aumento real do salário mínimo também contribuiu?
O aumento do mínimo reduziu a desigualdade entre a classe média e os ricos. Não ajuda muito, no entanto, a diminuir a extrema pobreza, mas é útil para, no geral, reduzir a desigualdade. Aproxima a classe média dos ricos.
O que o senhor considera como classe média?
Para mim, é o pessoal que se situa no meio da distribuição de renda brasileira, entre o 4º e o 6º decil. No sentido coloquial, a classe média fica mais para cima que isso. Mas quem ganha mais de R$ 3 mil por mês no Brasil está dentro dos 10% mais ricos (classificação com base na renda do trabalho, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE).
Qual a melhor estratégia para erradicar a extrema pobreza no país?
Se mantivermos a velocidade em que estamos (cinco vezes a meta do Milênio), vamos erradicar a pobreza, reduzi-la bastante. A presidente Dilma quer acelerar um pouco mais a erradicação. Há um monte de opções na mesa para fazer isso, mas não está claro quais o novo governo escolherá.
O que o senhor considera mais urgente?
Para mim, a prioridade máxima é incluir no programa as famílias mais pobres que ainda não são beneficiadas por eles. O Bolsa Família tem de chegar a todas as famílias realmente pobres do Brasil para reduzirmos ao máximo a extrema pobreza.
E o que a presidente Dilma Rousseff pretende fazer?
O que a presidente Dilma quer não é só erradicar a pobreza com o Bolsa Família e com isso dar um alívio para quem é extremamente pobre. Ela quer modificar a capacidade de geração de renda dos extremamente pobres. O Bolsa Família pode incorporar um leque de oportunidades para os pobres e elevar os benefícios dessas pessoas a outro patamar de renda.
O que significa esse leque de oportunidades?
Significa dar oportunidade para as pessoas se capacitarem para uma profissão, dar melhores habilidades e condições aos pobres de usar suas capacidades de maneira mais produtiva. O que inclui dar mais educação formal aos jovens e aos não tão jovens, formação profissional, formação técnica por um lado e por outro lado oferecer para as pessoas condições concretas de usarem suas capacidades, ou seja, criar oportunidades de emprego, microcrédito e apoio à comercialização de produtos.
O Bolsa Família vai incorporar alguns desses benefícios?
A ideia é aproveitar os beneficiários cadastrados no Bolsa Família e usar o mesmo canal para levar uma cesta de oportunidades aos mais pobres. Uns vão precisar mais de capacitação, outros de crédito. As necessidades são diversas.
O senhor defende a criação de um exército de agentes de desenvolvimento social para trabalhar no Bolsa Família tornando o programa mais efetivo. Como atuariam os agentes?
Os agentes (de desenvolvimento social) atuariam descobrindo um leque de oportunidades e iriam aplicá-lo de acordo com a necessidade de cada família. Eles poderiam atuar para viabilizar projetos de capacitação profissional, educação, criação de empregos, financiamento e oportunidades para as famílias ampliarem sua renda. A ideia do agente funciona.
O senhor trabalha com um cenário de fim do Bolsa Família?
Na minha concepção o Bolsa Família deve continuar, porque a função do programa não é acabar com a pobreza absoluta, mas reduzir desigualdades e a pobreza relativa. O Bolsa Família deve continuar e procurar elevar a renda das famílias a patamares mais altos na medida em que outras políticas forem efetivas.
Qual é a proporção da renda dos mais pobres na população brasileira?
O ganho dos 10% mais pobres representa um oitavo da renda média familiar per capita do país, que deve estar na casa de R$ 700. A renda per capita dos até 10% mais pobres alcança R$ 50 (no Nordeste) e R$ 80 (na média Brasil da PNAD [Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio]). Um ganho per capita razoável para as famílias mais pobres seria de no mínimo R$ 100.
Até quando será necessário manter o Bolsa Família?
Mesmo que a renda suba no Bolsa Família ainda há espaço para se chegar a R$ 100. E daí podemos trabalhar para elevá-la para R$ 150. Com a desigualdade que o Brasil tem, o governo não vai deixar de precisar do Bolsa Família. Sempre vai ter gente com renda muito baixa. Não creio que o Bolsa Família vá sumir daqui a 20 anos. O programa pode até perder importância, mas contar com uma rede de proteção social que garanta a renda mínima das pessoas mais pobres é sempre bom.
Mas a situação da pobreza não melhorou nos últimos anos?
Melhorou muito. Mas para o Brasil ficar no nível de desigualdade de países como Turquia e Tunísia, que têm uma renda média per capita das mais pobres, em patamar equivalente a R$ 100, vamos precisar de mais 15 a 20 anos. Nosso nível de desigualdade é tristemente alto.
As Unidades de Política Pacificadora (UPPs) podem ser um instrumento de erradicação da pobreza?
As favelas não são as áreas mais pobres do Rio. As UPPs servem mais para resolver os problemas de segurança e garantir o respeito a direitos e deveres dos cidadãos que nelas residem.
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1 comentários:
Caro concidadão,
Como achar normal, legal, moral entregar 370 bilhões de reais - apenas com juros e amortizações da Dívida Pública - para rentistas especuladores (cerca de 20 mil famílias), "honrando os compromissos financeiros" do País, e para honrar a Saúde Pública dísponibiliza-se 55 bi, a Educação, 35 bi, Defesa Nacional, 3 bi... e , finalmente, para o Bolsa-Família, que dizem beneficiar 20/30 (?) milhões de cidadãos, destina-se 10/15 (?)bilhões... isso é redistribuir renda ?!?! Até quando suportaremos tamanha sangria?!
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