Reproduzo artigo do amigo Artur Araújo, publicado no jornal Página 13:
A cobertura jornalística do IV Congresso do PT, cometida pelos principais veículos de comunicação, foi impedida, pelos fatos, de bater nas gastas teclas da ”divisão interna petista”, da “incapacidade de gestão” ou da “ética perdida” (afinal, em tempos de panetones, parece que essa pauta não é tão atrativa...). Resolveu, então, defender a “modernidade”.
Ignorando a profunda crise mundial provocada pelo modo neoliberal de gestão do capitalismo – crise que só não se agrava ainda mais pela gigantesca injeção de recursos financeiros públicos e pela aberta intervenção estatal nos mercados – elegeram o “estatismo” como centro de seu ataque ao partido e à sua pré-candidata.
“Todos os adversários do totalitarismo devem ser unir na luta contra o que consideramos uma nova forma implacável de capitalismo: a estatização, em que os técnicos, os burocratas e os políticos profissionais se apossam do Estado como sua propriedade privada, metamorfoseando-se numa nova casta social mais dominante. Mais perigosa de que o fascismo e o comunismo é a abdicação da responsabilidade de cada cidadão, pelo constante apelo ao Estado-providencial, ao Estado-pai-de-todas-as-coisas.”
Você está tentando se lembrar do jornal, revista ou emissora em que viu ou ouviu isso? Precisa ter, no mínimo, uns 70 anos: são trechos do manifesto do “Movimento Renovador” (sic), lançado em novembro de 1946, por Carlos Lacerda, da UDN, entre outros antivarguistas, o mesmo cavalheiro que, alguns anos depois, afirmava que “o sr. Getúlio Vargas não pode ser eleito; se eleito, não deve tomar posse; se empossado, não pode governar; se governar, deve ser deposto”.
A UDN fazia a seguinte avaliação das vitórias eleitorais de Dutra, Vargas e Juscelino: “uma boa parte da população se acha ainda bem distante do elevado nível de educação política que a prática de um verdadeiro regime democrático pressupõe. O povo mostrou-se despreparado para o exercício do voto e não consegue distinguir o homem público autêntico do demagogo vulgar”. Apoiaram Jânio Quadros nas eleições de 1960.
A pretexto de indicar à opinião pública “caminhos modernos” para o país – que teriam no PT e seus aliados o maior obstáculo de aplicação – a dita mídia retorna à defesa de proposições que décadas de experiência demonstram ser a rota mais eficaz para conduzir a nação ao atraso, ao crescimento da desigualdade, ao baixo desenvolvimento e à redução da democracia.
Que nada têm de jornalísticas as matérias sobre o IV Congresso não é novidade: há muito que os grandes meios de comunicação no Brasil transmutaram-se em principal partido político de oposição ao governo federal e ao povo, com a enorme vantagem de não estarem submetidos nem à legislação eleitoral, nem ao direito de contraditório, nem ao respeito à realidade. O que chama atenção, no entanto, é o quanto é mofada e falaciosa a linha que adotam.
Ao longo do período republicano, todos os ciclos longos de desenvolvimento econômico no Brasil, sem exceção, acompanhados ou não por redução das desigualdades, ocorreram com uma forte presença do Estado, fosse como indutor, fosse via a combinação da indução com investimento direto. Em todos os períodos em que se reduziu o papel estatal, nosso país viveu a estagnação e caiu muito a participação dos menos ricos na renda nacional. Minimizar a presença do Estado sempre significou o aprofundamento da dependência externa, a baixa diversificação agrícola e industrial, a carência tecnológica, a concentração da renda e da propriedade, o agravamento das disparidades regionais, o desmonte dos serviços públicos essenciais, particularmente os de educação e saúde.
Os bravos arautos do mercado liberto sabem perfeitamente disso. Fazem de conta que desconhecem a história e os fatos para dar voz às opções pela dependência econômica estrita em relação ao grande capital internacional e por um modelo interno de atendimento exclusivo dos setores agrário-monocultor, minerador e financeiro, prescindindo do consumo interno, das famílias, como centro de geração de lucros.
É um projeto de capitalismo para pouquíssimos, que elimina do cenário a formação de um parque produtivo próprio, que rebaixa as condições de desenvolvimento científico e tecnológico, que associa baixos salários à ausência de serviços públicos, que só viabiliza a criação de infraestruturas de saneamento, habitação, transportes, energia e comunicações para uns poucos bolsões privilegiados ao longo do território nacional.
A proposição explícita de um programa como esse seria, todavia, um suicídio político. Afastaria, até, uma parte significativa dos capitalistas brasileiros, que têm, nos últimos anos, vivido a coleta de ótimas taxas de lucro, resultantes do desenvolvimento de um forte mercado interno de massas e de uma inserção soberana nas transações internacionais. Daí porque levantam as assombrações do “estatismo” e do “autoritarismo” para, pelo terror e pela enganação, eximirem-se de dizer às claras a que se propõe.
Dilma Rousseff, em sua intervenção no IV Congresso, e em declarações posteriores, demonstrou claramente que não vai cair na armadilha espertalhona da imprensa e que não marcará sua campanha à Presidência por uma discussão abstrata entre mercado e Estado. O que colocará para a escolha dos eleitores serão dois modos muito distintos de conduzir o Brasil. Há uma pergunta-chave que fará aos brasileiros: queremos inserir e enriquecermo-nos ou preferirmos excluir e empobrecer?
O programa do PT e de seus aliados tem como traço definidor a inclusão. A inclusão das grandes maiorias no acesso ao consumo, a melhores condições de vida, ao mundo da educação, da cultura e do bem-estar. A inclusão das empresas nacionais como as principais fornecedoras de um enorme mercado interno. A inclusão do Brasil como um agente firme e dinâmico no comércio mundial.
O programa dos grandes veículos de comunicação, é seu exato oposto: recusa a formação do mercado interno, rejeita a industrialização e a expansão de infraestrutura, contenta-se com um papel internacional em que substitui o café de seus avós por um bocadito de soja e ferro e um bocadão de taxas de juros.
O que as folhas e os globos, porém, ocultarão ainda mais decididamente é a razão de fundo de sua escolha de programa para o Brasil. Não se trata de um mero apetite pela injustiça social, ainda que uma parcela significativa de seus agentes e apoiadores não consiga se ver habitando o que não seja uma casa-grande. Não se trata, exclusivamente, de servir ao Império, ainda que muitos deles tenham a cabeça em Miami e os bolsos na senzala.
O redesenho do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, de acordo com o concebido e executado pelos governos Lula e Dilma, significa, no médio e longo prazos, a constituição de bases materiais, culturais, políticas e ideológicas para a superação do neoliberalismo, a forma hegemônica concreta que hoje organiza o capital em escala mundial. O sucesso na construção de uma sociedade de massas, essencialmente democrática, fortemente nacional, radicalmente popular e includente, em um país com as características geopolíticas do nosso, é capaz de provocar graves abalos no arranjo imperial e na credibilidade de doutrinas como a do fim-da-história e a da inexorável derrota das idéias de solidariedade, participação, coletividade e socialização.
Os dedicados asseclas dos Marinhos, Frias, Civitas e Mesquitas, os reais dirigentes do demo-tucanato, recorrem, sôfregos, ao modismo do mercado-senhor-da-razão para operar seu inconfessável repeteco: não podem permitir aos brasileiros a edificação dos alicerces de uma sociedade que venha a superar a exclusão, que confronte a lógica monolítica do lucro e da propriedade e que tenha nas maiorias, no povo, o seu centro dinâmico e sua razão de ser.
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