O presidente do PT, José Eduardo Dutra, anunciou na semana passada que o partido vai entrar com representação no Ministério Público para apuração de crimes eleitorais contra Eduardo Graeff, ex-secretário-geral da Presidência no reinado de FHC, atual tesoureiro nacional do PSDB e coordenador da campanha na internet do demotucano José Serra. A decisão foi tomada somente após as corajosas denúncias do deputado Brizola Neto (PDT-RJ) em plena tribuna da Câmara Federal. Ele provou que Graeff é o responsável por vários sítios com baixarias contra a pré-candidata Dilma Rousseff.
Caso a investigação do Ministério Público confirme as denúncias – o que não será difícil, já que o patético Graeff registrou várias destas páginas em nome do PSDB –, Dutra garante que partido entrará imediatamente com ação por danos morais contra o “brucutu” tucano. “O que a gente está vendo é uma tentativa vil de desclassificação, de ataques pessoais, de tudo aquilo que a gente não gostaria de ver numa campanha. A oposição fica entrando com ações para nos caracterizar como a margem da lei, mas por debaixo dos panos comete esses crimes”, justifica o presidente do PT.
A arrogância de Eduardo Graeff
Em entrevista ao portal Terra Magazine, Eduardo Graeff tentou aparentar tranqüilidade diante da representação petista. Segundo a reportagem, ele deu gargalhas e fez provocações. Arrogante, ele até se jactou da página “Gente que mente”, que divulga baixarias e ataques pessoais, e confessou o registro do domínio “Petralhas” – que está inativo, talvez aguardando o melhor momento para o bote. “Eles [os petistas] tiraram do ar o anúncio dos 45 anos da TV Globo. Agora eles querem tirar a nossa página”, lamentou, evidenciando a santa aliança com a famíglia Marinho.
O sítio “Petralhas” nasceu sob inspiração do psicopata Reinaldo Azevedo, “colunista” da revista Veja, e foi registrado pelo Instituto Social-Democrata, fundado pelo ex-presidente FHC. Graeff não esconde que está disposto a tudo na guerra suja deflagrada na globosfera. “A política tem um lado que é muito bruto, as piores coisas que as pessoas são capazes de fazer. A internet torna a difusão desse tipo de coisa mais rápido, mas também desconstrói”. Ele afirma que não teme as críticas. “Vão me atacar. Desespero. Não me importo’. E outra vez gargalha”, relata o Terra.
A tática diversionista dos tucanos
Toda esta arrogância, porém, parece ser sinal de fraqueza. Há indícios de que a sua agressividade não agrada nem o comando demotucano. Segundo Leandro Fortes, da CartaCapital, “Graeff organizou um grupo de tuiteiros e blogueiros para inserir mensagens na internet, inicialmente com conteúdo partidário a favor de Serra. A realidade, no entanto, tem sido outra. Em vez de militantes tucanos formais, a rede de Graeff virou um ninho de brucutus que preferem os palavrões e baixarias. O objetivo dessa turma é espalhar insultos ou replicar mentiras na rede mundial de computadores”.
Temendo o efeito negativo deste jogo sujo, “a assessoria jurídica de Serra o teria aconselhado a se afastar de Graeff e a impedir que o nome do ex-secretário seja associado, organicamente, à campanha presidencial”. Há boatos, inclusive, de que capacho de FHC poderia ser defenestrado. Afinal, os marqueteiros do demotucano continuam tentando vender a imagem do “Serrinha paz e amor”. Ele até elogiou o presidente Lula pelo título de líder mundial conferido pela revista Time. A tática do “Serra assopra e os delinqüentes mordem” correria riscos com os exageros de Graeff.
A guerra suja é inevitável
Para o deputado Brizola Neto, ninguém pode se iludir com esse diversionismo. “Nas entrevistas, Serra diz que vai manter o alto nível e não faz ataques ao presidente Lula, porque ele é popular. Mas a campanha no site do PSDB é o inverso do que Serra diz, desmente tudo isso. Na internet, eles usam de baixarias contra Dilma”. Para ele, o ex-secretário-geral de FHC é o “brucutu chefe da guerra suja tucana” e segue as orientações do comando de Serra. Ela lamenta que partido do presidente Lula e da candidata Dilma Rousseff seja tão brando no combate a estas baixarias.
Correta e corajosamente, o deputado insiste que é preciso “desafiar o discurso de bom-moço de Serra. Toda esta sujeira é feita pelos seus homens de confiança”. É urgente partir para a ofensiva para desmascarar a tática dos tucanos. A decisão do PT de ingressar com uma representação no Ministério Público Federal é apenas o primeiro passo – mas ainda tímido. As forças que apóiam a candidatura Dilma Rousseff precisarão de muito mais combatividade para enfrentar o jogo sujo dos demotucanos nesta verdadeira guerra eleitoral. Do contrário, o desastre será inevitável.
.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
terça-feira, 4 de maio de 2010
Ho Chi Minh quer ser locomotiva da Ásia
Quarto artigo de Breno Altman, publicado no sítio Opera Mundi:
As avenidas amplas no centro da cidade e a arquitetura de seus prédios mais antigos remontam ao passado colonial, quando Saigon era parte da Indochina francesa. Fundado há mais de 300 anos, às beiras do rio que deu origem a seu nome, o município também foi tocado pelo dedo planificador de Georges-Eugène Haussmann, o barão que remodelou Paris entre 1852 e 1870.
Mas nas colônias tudo era impuro. Os funcionários do império, com suas roupas elegantes e costumes ocidentais, se misturavam à massa de camponeses que circundava e alimentava a cidade. A arquitetura que se pretendia imponente estava ilhada pelos campos de arroz e borracha.
A longa guerra pela independência, contra franceses e americanos, quebrou os muros que separavam aristocratas e camponeses na paisagem urbana. O desenvolvimento econômico, antes e bem depois do conflito, fez a sua parte. Os vietnamitas encravaram na antiga capital do sul seus edifícios estreitos e cumpridos, de dois ou três andares, sua lojinhas acanhadas, o comércio ambulante.
Depois que todas as levas de invasores foram empurradas da porta para fora, Saigon virou Cidade de Ho Chi Minh. Quando os últimos americanos escaparam de helicóptero, do telhado de sua embaixada, em 1975, pela primeira vez deixou de ter donos estrangeiros.
Os primeiros momentos foram dramáticos. Os empresários sulistas, ligados aos norte-americanos, levaram embora seu capital, tecnologia e muitos funcionários. O bloqueio ocidental interrompeu as artérias da economia. A miséria e a fome pareciam ser a vingança dos derrotados contra o burgo colonial que ganhara o nome do líder comunista.
Apenas o período de renovação, iniciado em 1986, tiraria Ho Chi Minh do cadafalso. Mais de 20 anos depois, transformou-se no principal centro econômico e urbano do país. Não disputa a primazia política com Hanói, a capital, mas é nas suas ruas que o mundo voltou a falar com o país da estrela dourada.
Um quinto do produto interno bruto do Vietnã sai da cidade. Um terço do orçamento federal por aqui é arrecadado. Quase 8 milhões de pessoas trabalham ou vivem em Ho Chi Minh, uma espetacular densidade demográfica de 3,4 mil habitantes por quilômetro quadrado. As bicicletas foram praticamente substituídas por vespas e pequenas motocicletas. Cinco milhões desses veículos com duas rodas transitam todos os dias.
A apenas 60 quilômetros do Mar da China, o porto fluvial de Ho Chi Minh tornou-se um atrativo para a instalação de grandes empresas importadoras e exportadoras. Os novos investimentos, associados às mudanças da vida no campo, promoveram a expansão de um amplo setor de serviços, da atividade turística e da produção industrial.
Motor do país
Hotéis de todas as categorias espetam a paisagem. Centros comerciais são construídos sem pausa. Ho Chi Minh pode não ter a elegância ou a organização de outras grandes cidades do mundo, mas não há nada no portifólio de suas congêneres que também não exista na velha Saigon.
Mais de 300 mil empresas foram criadas, algumas de grande porte, que atuam nas áreas de alta tecnologia, eletrônica, processamento de alimentos, construção civil e produtos agrícolas. Quinze parques industriais e zonas de exportação concentram as iniciativas de caráter estratégico.
Enquanto o Vietnã cresceu 5,3% em 2009, a cidade bateu nos 8%, repetindo a performance dos anos anteriores. Dos 3 milhões de turistas que visitaram o país, mais de 70% passaram pela ex-capital colonial.
“Nós somos o motor do país”, afirma Nguyen Trung Truc, integrante da comissão política do Partido Comunista. “Temos a responsabilidade de executar os principais projetos de infraestrutura e desenvolvimento”.
Os objetivos são ousados. O comitê popular da cidade, responsável por sua administração, desenvolveu um plano diretor que vai até o ano 2050, mas está detalhado para a próxima década. De acordo com esse planejamento, Ho Chi Minh terá de 20 a 22 milhões de habitantes em dez anos. Chegará ao fim do período estudado com 30 milhões de moradores.
Reforma
Além de sua área atual, a região do município passaria a abarcar imediatamente oito províncias ao sul, formando uma área de 30,4 mil km2 – atualmente são apenas 2 mil km2. Esse território hoje responde por 57% da produção industrial vietnamita, 60% das exportações e 47% do orçamento estatal. A meta, nada modesta, é fazer de Ho Chi Minh o maior polo econômico da Ásia.
Toda a nova megalópole seria distritalizada, fixando distintas atividades econômicas e projetos habitacionais para cada núcleo. A região central, transformada em centro financeiro, seria descongestionada. Bairros industriais seriam construídos nos arredores, perto da moradia dos trabalhadores que atualmente se deslocam quilômetros para seus empregos. As fábricas mais poluentes ficariam distantes.
Sistemas de metrô e ônibus constituiriam uma alternativa de transporte coletivo entre os distritos. Grandes parques e jardins seriam erguidos, como espaços de lazer e para reduzir os danos ambientais. A área central acabaria esvaziada sem afetar a paisagem, os locais históricos e a herança arquitetônica.
Pressão demográfica
A ambiciosa reforma urbana permitiria à cidade acomodar a pressão demográfica e estabelecer novos satélites de desenvolvimento. Desde que começou a abertura, muitos vietnamitas migram para Ho Chi Minh atrás de emprego, formando cinturões de residências precárias. O atual desenho do município não permite mais a expansão da economia em ritmo adequado e a construção de moradias decentes.
Alguns criticam a solução que está sendo estudada. Alegam que milhares de camponeses dos anéis periféricos perderiam o usufruto da terra. Ainda que recebessem compensações financeiras, como é previsto, teriam seu futuro ameaçado.
As autoridades, no entanto, afirmam que a produção agrícola estaria preservada na reorganização dos distritos. Mas enfatizam que os agricultores menos produtivos, ou seus filhos, irão preferir trabalhar nas novas empresas, aproveitando a indenização prometida para investir em algum pequeno negócio paralelo ou na construção de casas. Além do mais, apostam suas fichas nos polos tecnológicos do distrito de Go Vap, já em funcionamento, e que incluem terras para agricultura orgânica e de alta tecnologia.
Imóveis
Outro perigo atende pelo nome de especulação. Os mais ricos poderiam promover uma forte concentração imobiliária. O governo relativiza essa hipótese. “Nós temos uma estrutura de impostos crescentes para quem compra mais de uma residência”, afirma Truc. “Além do mais, o direito ao usufruto de terras e terrenos só pode ser adquirido mediante projetos de investimentos aprovados pela administração.”
As intenções dos administradores de Ho Chi Minh ainda dependem do governo central. Depois de concluídos os estudos, Hanói precisa dar sua concordância. Apesar de arrecadar impostos sobre moradia e serviços, a cidade depende do orçamento nacional para implementar seus fabulosos planos.
Não é só isso. Os chefes do país vão ter de aceitar o risco de criar uma megalópole que pode desequilibrar a relativa harmonia entre as distintas regiões. Apesar da reunificação do país, o norte parece seguir vigilante para que o sul, ao erguer a ponte principal em direção ao ocidente e ao capitalismo, não acabe abrindo caminho para novos dissabores ao Vietnã socialista.
.
Vietnã cresce em ritmo de guerra
Terceiro artigo de Breno Altman sobre o Vietnã, publicado no sítio Opera Mundi:
Bat Trang é um pequeno vilarejo na zona suburbana ao sudeste de Hanói. Lá vivem cerca de mil famílias. Conhecida por muitos turistas e comerciantes, desde o século XIV é um centro de artesanato, especializado em cerâmica. Depois da guerra, como tantas outras cidades e regiões do país, sua vida econômica estava destruída.
Durante dez anos, até 1986, os artesãos eram obrigados a trabalhar em uma cooperativa, rompendo a tradição local da produção familiar. Era a fase que os vietnamitas chamam de “período do subsídio”: a economia funcionava de forma centralizada e a propriedade só podia ser estatal ou coletiva. Todas atividades eram comandadas pelo Estado, com seus planos anuais e quinquenais.
Na prática, não havia qualquer compensação tecnológica, financeira ou comercial para quem fosse cooperativizado. Os trabalhadores de Bat Trang foram perdendo o estímulo para a produção. Muitos voltaram para o campo, ao menos para tentar plantar o que comer. O povoado correu o risco de virar uma cidade fantasma.
Tudo começou a mudar no final dos anos 1980. Com o país vivendo uma profunda crise, incapaz de se reconstruir e afetado pela desagregação da União Soviética, o Vietnã socialista teve que se repensar. Adotou medidas de abertura econômica, permitindo outras formas de propriedade. O velho modelo estava com os dias contados.
As famílias de Bat Trang puderam voltar a produzir e vender com liberdade. Os mais bem-sucedidos foram os Minh Hai. Seu pequeno negócio, no ano 2000, cresceu a ponto de se transformar em uma pequena empresa privada, a Minh Hai Ceramic. “Hoje faturamos 1 milhão de dólares por ano”, conta o gerente Nguyen Mạnh Hung, 34 anos, formado em administração. “Setenta por cento de nossa produção é para exportação. Empregamos 65 trabalhadores. Crescemos 20% ao ano”.
Um desses operários é a jovem Nguyen Thi Thanh, 24 anos. Casada, com uma filha de 10 anos, é a primeira pessoa de sua família a sair do campo. Nas épocas de plantio e colheita do arroz ainda ajuda os pais, mas sua vida começou a mudar. “Estou na fábrica há sete meses”, conta Thanh. “É a primeira vez que trabalho apenas oito horas por dia e tenho um salário”.
Ela estudou até o ensino médio e planeja fazer faculdade de contabilidade. Ganha apenas 1,5 milhão de dongs por mês (algo como 85 dólares). O chefe da fábrica, Hung, salário mais alto da empresa, recebe cinco vezes esse valor. Ambos estão convencidos, porém, de que a vida está melhorando.
A história de Bac Trang, dos Min Hai, de Thanh e Hung é um retrato do Vietnã atual. O país escolheu um modelo para se desenvolver que seus dirigentes chamam de “economia de mercado orientada ao socialismo”. Ao lado de pequenas empresas convivem companhias estatais, propriedades familiares, cooperativas e corporações estrangeiras. O Estado tem um forte papel regulador, mas os velhos métodos aprendidos com os soviéticos estão enterrados.
“A economia de mercado é produto da História, não uma invenção do capitalismo”, afirma Nguyen Viet Thong, secretário-geral do Conselho Teórico do Partido Comunista. “Para nós é um instrumento de desenvolvimento. Não se pode falar a sério em socialismo e igualdade com pobreza e atraso. Não abdicamos das ideias marxistas, ao contrário. Apenas julgamos que o igualitarismo não é o melhor caminho. Já o experimentamos. Foi um fracasso”.
Na primeira década do pós-guerra, o Vietnã quase sucumbiu. Asfixiado pelo bloqueio norte-americano e da maioria dos países europeus, convivia também com o ocaso da União Soviética e seus aliados. O custo da reunificação tinha sido muito elevado. Os empresários do sul, com seu capital, fugiram depois da vitória comunista. A política de coletivização geral da propriedade, abaixo do paralelo 17, repetindo a receita aplicada no norte, não era capaz de impulsionar a economia.
O país cresceu, entre 1976-1986, abaixo de 1% ao ano. Mais de 50% dos vietnamitas viviam na miséria, ganhando menos de 1 dólar ao dia. A produção agrícola, desorganizada, deixou a população de várias regiões sem ter o que comer. Centenas de milhares lançaram-se ao mar em barcos improvisados, desesperados pela sobrevivência. A nação heróica, que tinha vencido inúmeras guerras impossíveis, corria o risco de ser derrotada na paz.
Veio, então, a grande virada de 1986. Os comunistas, no sexto congresso de seu partido, decidiram aplicar uma política chamada dao moi (renovação, em vietnamita). A primeira medida tomada foi uma reforma agrária. Os camponeses, que compunham mais de 90% da população, receberam parcelas de terra em usufruto privado. Ganhavam também liberdade para plantar, vender e aplicar como quisessem o eventual lucro de suas atividades.
Logo essas reformas se difundiram para outros setores, como serviços e certos ramos da indústria. Os pequenos negócios se multiplicaram no país. Dentro de uma mesma família várias atividades passaram a se cruzar. Os camponeses capazes de extrair excedentes de sua produção começaram a construir casas de dois pisos nas cidades que abrigavam suas cotas de terra, quase sempre na margem das estradas. Viviam no segundo andar e abriam lojinhas ou artesanatos no primeiro.
Os filhos das famílias com menor produtividade agrária eram contratados pelas empresas recém-abertas. A indústria, impulsionada também por esse nascente mercado interno, entrou em uma etapa de florescimento. Mas a alavanca primordial veio da abertura de portas para o investimento estrangeiro. As reservas naturais do Vietnã, sua privilegiada posição geográfica e o baixo custo da mão de obra foram atrativos irrecusáveis para vários empresários.
Os resultados da política de dao moi provam que a pátria de Ho Chi Minh foi redesenhada. O produto interno bruto, entre 1990 e 1997, prosperou a uma média anual de 8%, um ritmo que seguiria ao redor de 7% até 2008. O Vietnã, mesmo com a crise mundial, cresceu 5,3% em 2009. Somente a China suplanta esse padrão de expansão econômica.
A pobreza extrema caiu, em 23 anos, para 12,3%. A taxa de desemprego não chega a 3%. A agricultura ainda emprega 51,8% dos vietnamitas, cujo lastro é a pequena propriedade familiar inferior a 3 hectares, mas não representa mais que 20,7% da economia. A fatia industrial é de 40,3%; a de serviços, 39,1%. Mais de 30 mil empresas foram criadas, com diferentes tipos de propriedade.
A queda relativa da produção agrícola deriva da rápida industrialização. O país é hoje o segundo maior exportador mundial de arroz, o maior de caju e pimenta negra, além de desempenho relevante na venda de chá, café, borracha e peixe. A fome rondava o Vietnã nos anos 1980. Hoje o país exporta comida.
Planejamento
O Estado ainda controla 45% da economia, através de empresas próprias ou em sociedades acionárias (nas quais geralmente os trabalhadores de cada companhia detêm 49% das ações, contra 51% que pertencem ao governo). O restante das formas de propriedade se divide entre privada, estrangeira ou cooperativa.
O poder público, além de predominar sobre setores estratégicos como o sistema financeiro, a produção de energia e a indústria militar, exerce a direção prática da economia. Qualquer projeto de investimento privado ou associativo tem que ser negociado com o Ministério do Planejamento, que determina a região e as demais condições de implantação do negócio, incluindo compensações ambientais e sociais.
“Quando ressaltamos nossa orientação ao socialismo, estamos definindo que a lógica de nosso modelo é determinada pelo controle social sobre a acumulação de renda e riqueza”, afirma Thong. “Não somos uma economia de livre mercado. O papel do Estado é colocar os métodos capitalistas a serviço do desenvolvimento, do combate à pobreza e do enriquecimento dos vietnamitas”.
Não é um caminho fácil. O Vietnã sofre das dores de parir um crescimento tão acelerado. Os problemas de corrupção, tráfico de drogas e contaminação ambiental alarmam seus dirigentes. A taxa de inflação, atualmente mais domesticada, chega perto de 8%. A balança comercial registra déficits crescentes, pois o país exporta cerca de 57 bilhões de dólares em produtos agrícolas e de baixo valor agregado, mas importa 70 bilhões de dólares em máquinas e equipamentos para garantir seu desenvolvimento. O rombo só é coberto porque os investimentos internacionais continuam a trazer divisas.
Novos ricos
O desequilíbrio comercial também se explica pelo consumo cada vez maior de bens luxuosos, adquiridos pelos novos ricos vietnamitas, que o governo busca sustar com elevação de taxas e impostos. Mas esse quadro é revelador de que o país, hoje mais desenvolvido que no período anterior, é também mais desigual.
“A desigualdade não nos assusta. É possível atenuá-la com a intervenção do Estado”, diz Thong. “Uma certa diferenciação social é inevitável em nosso modelo, e até positiva. O estímulo material é uma força propulsora do crescimento. Quem produzir mais e melhor, deve ganhar mais e viver melhor”.
Muitos comunistas ortodoxos se assustam com a posição dos vietnamitas. Não são poucos que insinuam um suposto abandono das ideias socialistas. Pode ser. Mas também não faltava quem, durante a guerra contra franceses e americanos, achasse absurda a estratégia de enfrentar exércitos poderosos com armas de caça, emboscadas na selva e deslocamento de tropas debaixo da terra.
.
Leitor da Veja ataca Lula na internet
Reproduzido do sítio Conversa Afiada
.
O mais plebeu dos barões
No dia 14 de maio, às 19 horas, será lançado em São Paulo o Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé”. O nome é uma homenagem a um dos criadores da imprensa alternativa no país e o “pai do humorismo brasileiro”. Reproduzo abaixo a singela biografia redigida pelo jornalista e cartunista Gilberto Maringoni, publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional:
- O que o senhor deseja?
- Trabalhar no seu jornal.
- E o que o senhor sabe fazer?
- Tudo, desde varrer o chão até dirigir o jornal, mesmo porque não há muita diferença.
Testemunhas desse diálogo, acontecido em meados de 1925 na redação de O Globo, no Rio de Janeiro, garantem que um dos protagonistas era o diretor da empresa, Irineu Marinho. As mesmas testemunhas dividem-se quanto à identidade de seu interlocutor. Algumas dizem tratar-se de um gaúcho baixo, um tanto rechonchudo, e muito abusado, chamado Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly. Outros juram ser aquele nada mais, nada menos que o ilustre fidalgo Barão de Itararé, o Brando, senhor feudal de Bangu-sur-Mer.
É possível que os primeiros tivessem mais razão, por um pequeno detalhe. O Barão de Itararé só chegaria ao mundo seis anos depois. Já Apparício nascera em 29 de janeiro de 1895, no Rio Grande do Sul, perto da fronteira com o Uruguai. A imprecisão do local tem sua razão de ser. Ele próprio conta: “Minha mãe queria ter o parto na fazenda do meu avô”, em Pueblo Vergara, no país vizinho. Ela e o marido saíram da cidade de Rio Grande de barco, até Artigas. “De lá até a fazenda viajaram de diligência. No meio do caminho, uma das rodas se partiu e houve um tremendo choque. Com todo aquele barulho e movimento, nada mais natural que eu me apressasse a sair, para ver o que se passava”.
O Barão só viria à luz bem mais tarde, no ano seguinte da Revolução de 1930. O nome foi dado em homenagem a um dos episódios mais dramáticos dos conflitos entre as tropas legalistas, de Washington Luís, e as forças leais a Getúlio Vargas, que subiam do Rio Grande do Sul em direção ao Rio de Janeiro. A cidadezinha de Itararé, no sul do estado de São Paulo, se desenhava como o palco da mais sangrenta batalha na disputa pelo poder. Rota natural para a Capital Federal, todas as suas casas foram evacuadas e tomadas pelas tropas da Força Pública paulista, no início de outubro de 1930. Os batalhões rebeldes, liderados pelo ex-comandante da Coluna Prestes, Miguel Costa, com maior efetivo, cercam o lugar por mais de duas semanas, à espera do melhor momento para atacar. No dia marcado para o confronto, chega a notícia de que Washington Luís fora deposto. A batalha de Itararé jamais aconteceu.
Pacifista e acompanhando a situação com humor, Apparício aproveita para se autoconceder o título de duque de Itararé, logo rebaixado para barão, “como prova de modéstia”. Assim, as duas personalidades passaram a conviver numa só pessoa, um dos mais criativos e irreverentes humoristas de que o Brasil tem notícia, um “herói que a Pátria chora em vida e há de sorrir incrédula quando o souber morto”, segundo suas próprias palavras.
Mas voltemos a fita. Quando trava aquele diálogo com Irineu Marinho, o jovem Apparício havia abandonado há pouco seus estudos de medicina na capital gaúcha – onde já se dedicava ao jornalismo – e se aventurava pela então sede da República. Para sua surpresa, é admitido em O Globo, no qual assina uma crônica por alguns meses, sob o pseudônimo de Apporelly.
Depois de passar por A Manhã, de Mario Rodrigues, Apparício junta dinheiro para lançar seu próprio jornal, em 13 de maio de 1926. O nome é uma óbvia gozação com o diário do pai do dramaturgo Nelson Rodrigues: A Manha. Sob o dístico “quem não chora não mama”, o Barão fez uma verdadeira revolução no jornalismo de humor brasileiro, superando as já gastas fórmulas das revistas O Malho, Careta e Fon-fon, lançadas na primeira década do século.
Enquanto as três praticavam um gênero de sátira política e de costumes bastante comportados – apesar de contarem com a colaboração de caricaturistas geniais, como J. Carlos, Raul Pederneiras e K. Lixto Cordeiro – Apporelly voltava-se contra o lado conservador da sociedade. Demolindo falsos mitos, tripudiando sobre a pompa de fraque e casaca do mundo político, Itararé praticou um gênero de humor que buscava laços com quem estava por baixo na sociedade.
A Manha, tablóide que alcançava quase todo o país, torna-se um sucesso editorial, num tempo em que não existiam pesquisas de opinião, estratégias de marketing ou verificação de circulação. Era “o único quinta-feirino que sai às sextas”, alardeava seu editor, fazendo troça das dificuldades de produzir praticamente sozinho o jornal inteiro. Graficamente, além de apresentar desenhos de Nássara, Mendez e Martiniano, A Manha publicava colagens e fotos retocadas de políticos e personalidades, numa molecagem editorial que os expunha ao ridículo a cada edição. A contrapartida era clara: ao contrário da maioria dos órgãos de imprensa, a folha de Apparício não recebia nenhum tipo de verba governamental.
As notícias primavam pelo absurdo. “A Manha propõe a regularização dos horários dos desastres da Central do Brasil”, “Foi admitido nos quadros de redatores desta folha o simpático senador Lauro Müller, general de divisão e profundo conhecedor das outras três operações de guerra – adição, multiplicação e subtração” e “O dia é hoje consagrado a Tiradentes, uma das grandes vítimas da política mineira” são exemplos de que os disparos verbais de seu editor quase não tinham limites.
Na edição de 5 de julho de 1930, ao comentar o manifesto de Luiz Carlos Prestes aderindo ao comunismo, A Manha assegurava que “as teorias explanadas pelo chefe revolucionário estão muito aquém das idéias vigorosas e radicais predicadas e praticadas pelo talentoso homem de letras que está à frente desta empresa”. O jornal classificava de "ridícula, simplesmente ridícula" a parte do manifesto que reivindicava a redução da jornada de trabalho para oito horas, perguntando “por que não pleiteia, como nosso chefe, a abolição completa do trabalho?”
A irreverência do Barão levou-o inúmeras vezes à cadeia, após a chegada de Getúlio ao poder. A primeira delas se deu em 2 de setembro de 1932 e durou apenas um dia. Mas inauguraria uma série de agressões que se repetiriam pelos anos seguintes. Se ainda não era um homem claramente de esquerda, o Barão, por essa época, já exibia sua forte ojeriza ao integralismo, movimento de extrema-direita que se espelhava no fascismo europeu.
Em outubro de 1934, o editor d’A Manha partia para uma nova empreitada. Juntamente com Aníbal Machado, Pedro Mota Lima e Osvaldo Costa, lança o Jornal do Povo. As tensões políticas se acentuavam. Em São Paulo, no dia 7, integralistas e comunistas haviam se enfrentado numa batalha campal na Praça da Sé. Quatro dias depois, vários militantes aqui radicados há anos são expulsos do país. No meio desse torvelinho, o novo diário sobrevive por dez dias. A publicação de uma série sobre a Revolta da Chibata (1910), dos marinheiros no Rio de Janeiro, foi o que bastou para o Barão ser seqüestrado e espancado por seis oficiais da Marinha. Após cuidar dos ferimentos, ele volta para A Manha. Coloca na porta a tabuleta: “Entre sem bater”.
Cada vez mais simpático ao Partido Comunista do Brasil (PCB), o “talentoso homem de letras” é preso novamente em dezembro de 1935. A acusação é ser fundador e militante da Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente política liderada pelos comunistas. Agora a repressão é dura: são encarcerados, também, centenas de militantes e simpatizantes do PCB, como o escritor Graciliano Ramos, a cronista Eneida de Moraes e o jornalista Moacir Werneck de Castro, além de Luiz Carlos Prestes, sua esposa Olga Benario e boa parte da cúpula do partido.
O Barão foi interrogado pelo juiz Castro Nunes, da Vara Federal, na Polícia Central, que lhe perguntou a que atribuía sua prisão.
– Tenho pensado muito, excelência, e só posso atribuí-la ao cafezinho.
– Ao cafezinho?
– Vou explicar, excelência. Eu estava sentado num bar, na avenida Rio Branco, tomando meu oitavo cafezinho e pensando em minha mãe, que sempre me advertia contra o consumo excessivo do café. Nesse momento chegaram os policiais e me deram voz de prisão... Só pode ter sido isso, por eu ter desobedecido aos conselhos de mamãe.
Apesar do humor, a situação era séria. Vários presos foram barbaramente torturados. Olga Benario seria entregue aos nazistas. Graciliano recorda-se do Barão em numerosas passagens de seu Memórias do Cárcere como um companheiro afável e bem humorado. A Manha, por motivos evidentes, deixa de circular. Por um ano seu editor permanece encarcerado, sem culpa formal.
Quando volta às ruas, percebe que os tempos andam difíceis. No plano pessoal, Itararé havia perdido sua esposa, pouco antes da prisão, vítima de câncer. No mundo à sua volta, avançava o nazi-fascismo na Europa e o regime lançava as bases para um endurecimento. Mesmo assim, tentou relançar A Manha, que circula precariamente em 1937. No fim daquele ano, Getúlio dá novo golpe e instaura a ditadura do Estado Novo, com suspensão de direitos constitucionais, banimento dos partidos políticos e censura à imprensa. Para o nosso humorista, esse era apenas “o estado a que chegamos”.
Tentando sobreviver, mantém uma crônica regular no Diário de Notícias por seis anos. Evita provocar a direita enquanto dura a colaboração, voltando suas baterias para temas mais amenos. Algo mudara radicalmente no Barão desde que saíra da cadeia. Era sua aparência. Agora exibia uma vasta barba, precocemente grisalha, o que lhe dava ainda mais aparência de um nobre dos tempos da monarquia. Sua figura fica ainda mais popular.
Em abril de 1945, A Manha é relançada. Aproveitando-se do clima de mobilizações populares pelo fim do regime ditatorial, contando com a sociedade do político Arnon de Mello (pai de Fernando Collor de Mello) e a colaboração de intelectuais como José Lins do Rego, Marques Rebelo, Rubem Braga, Raymundo Magalhães Júnior e outros, o sucesso é ainda maior que na fase anterior. Quem escrevia e editava a maior parte das matérias, além de fazer a direção de arte, era mesmo o ilustre fidalgo, que por seu talento, chegou a ser chamado de o "Bernard Shaw do Brasil", em referência ao dramaturgo inglês. “Seria mais lógico que se considerasse a Shaw como o Itararé da Inglaterra”, respondeu nossa ilustre figura.
Suas posições políticas o aproximam do PCB. Depois de participar ativamente da campanha presidencial do comunista Yedo Fiúza, em dezembro de 1945, o Barão candidata-se a vereador pelo Distrito Federal. Na ocasião, duas denúncias inquietavam a população: a constante falta d´água e as adulterações no leite. O slogan da campanha não poderia ser mais certeiro: “Mais água, mais leite, mas menos água no leite”. Ainda candidato, seu primeiro ato foi promover seus cabos eleitorais a sargentos. É eleito com relativa folga.
Na Câmara Municipal, o Barão caracteriza-se como um parlamentar combativo e espirituoso na defesa dos interesses da população pobre. Divide seu tempo entre o legislativo e a direção d´A Manha, o que significa uma jornada exaustiva. Mas sua carreira parlamentar dura pouco tempo. Influenciado pelos ventos da guerra fria, o Tribunal Superior Eleitoral suspende o registro do PCB, em maio de 1947. Sete meses depois, todos os parlamentares do partido são cassados, incluindo Itararé.
Nesse meio tempo, apesar da grande aceitação popular, seu jornal não ia bem das pernas. Sem capital e estrutura empresarial para garantir a regularidade, A Manha é novamente suspensa, em 1948. Mas o último nobre da República não desiste e logo vem com mais uma novidade. Chama seu antigo colaborador, o artista gráfico paraguaio Andres Guevara, para lançar o primeiro de seus Almanhaques, em 1949. Aproveitando o sucesso que faziam os almanaques populares com dicas, conselhos e curiosidades astrológicas, o Barão acrescenta à fórmula seu humor anárquico. Essa edição traz logo na abertura uma biografia da impoluta personalidade, cuja “vida pública é uma continuidade da privada”. Ali ficamos sabendo que Itararé, “cioso como ninguém da pureza de sua estirpe, é o único nobre do mundo que, pelo menos uma vez por mês, injeta, por via endovenosa, uma certa quantidade de azul de metileno, para manter inalterada a cor da nobreza do sangue”.
O que era para ser uma publicação semestral só voltou a circular por duas vezes, em 1955. Aos 60 anos, cansado, o Barão colabora por algum tempo na Última Hora, de Samuel Wainer. Quando vem o golpe de 1964, com a volta da repressão, cassações e prisões, Apparício vê repetir-se um filme já conhecido. “Esse mundo é redondo”, dizia ele, “mas está ficando chato”.
Nos últimos anos, Itararé torna-se um recluso em seu apartamento no bairro de Laranjeiras. Lê vorazmente e estuda matemática, biologia e eletrônica, paixões desde a juventude. Cercado de livros, vivia também rodeado de baratas, tratadas por ele como “companheiras”, por terem exercido tarefas importantes nos tempos de cadeia, levando amarrados nas costas papeizinhos com mensagens para seus colegas de cárcere. Com a saúde abalada e só – sua quarta mulher se suicidara anos antes e seus filhos não moravam com ele – Apparício Torelly morre em casa, aos 76 anos, em 27 de novembro de 1971. Era o fim do herói de dois séculos”, como se autodenominava, parodiando o revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi (1807-1882), que lutara em seu país, no Brasil e Uruguai, conhecido como “o herói de dois mundos”.
.
Por que Serra não foi ao 1º de Maio?
Nas comemorações do Dia Internacional dos Trabalhadores, o presidente Lula e a pré-candidata Dilma Rousseff participaram dos três principais atos em São Paulo. Ambos foram recebidos com entusiasmo por mais de 1,5 milhão de pessoas nestas festividades, que tiveram como bandeira central a luta pela redução da jornada de 44 para 40 horas semanais. Já o presidenciável demotucano José Serra preferiu não participar das manifestações do 1º de Maio.
Rechaçado pelas seis centrais sindicais legalizadas no país, o candidato da oposição neoliberal-conservadora aproveitou a data para participar de um culto religioso organizado pela Assembléia de Deus em Santa Catarina. O evento foi bancado pela prefeitura de Camboriú e pelo governo do estado, ambos administrados por tucanos. Eles destinaram R$ 540 mil para o evento, nos quais alguns pastores fizeram orações em apoio explícito a José Serra. A mídia demotucana, que critica tanto as centrais sindicais por receberem recursos públicos, preferiu ocultar a doação “sagrada”.
Teste de múltipla escolha
Mas por que José Serra não foi aos atos do 1º de Maio? Afinal, como ex-governador, ele até foi convidado oficialmente pela Força Sindical. Para o presidente da central, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT), o Paulinho, a resposta é simples: “Ele tem medo dos trabalhadores”. Há outras hipóteses e o leitor pode votar numa das cinco elencadas abaixo neste teste de múltipla escolha:
1) Como ex-deputado na Assembléia Nacional Constituinte, em 1987/88, ele votou contra vários direitos dos trabalhadores, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), e temia ser lembrado por seu nefasto passado e vaiado pelos manifestantes;
2) Como ex-ministro de FHC, ele foi cúmplice da regressão trabalhista promovida nos oito anos de reinado tucano, que gerou recordes de desemprego, arrocho salarial, informalidade da mão-de-obra e precarizaçao do trabalho. Serra, cupincha de FHC, seria lembrando por esta tragédia;
3) Como ex-governador de São Paulo, Serra reprimiu violentamente todas as mobilizações dos trabalhadores, como a recente greve dos professores. Intransigente, ele nunca aceitou negociar com os sindicatos ou com o MST. A vingança poderia ser maligna nos atos do 1º de Maio;
4) Como candidato à presidente, o tucano representa o que há de mais reacionário no patronato e expressa suas idéias de flexibilização selvagem das leis trabalhistas. Será que ele teria coragem de defender a redução da jornada de trabalho? Do contrário, tome mais vaias;
5) Todas as alternativas anteriores – e muitas outras.
.
Rechaçado pelas seis centrais sindicais legalizadas no país, o candidato da oposição neoliberal-conservadora aproveitou a data para participar de um culto religioso organizado pela Assembléia de Deus em Santa Catarina. O evento foi bancado pela prefeitura de Camboriú e pelo governo do estado, ambos administrados por tucanos. Eles destinaram R$ 540 mil para o evento, nos quais alguns pastores fizeram orações em apoio explícito a José Serra. A mídia demotucana, que critica tanto as centrais sindicais por receberem recursos públicos, preferiu ocultar a doação “sagrada”.
Teste de múltipla escolha
Mas por que José Serra não foi aos atos do 1º de Maio? Afinal, como ex-governador, ele até foi convidado oficialmente pela Força Sindical. Para o presidente da central, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT), o Paulinho, a resposta é simples: “Ele tem medo dos trabalhadores”. Há outras hipóteses e o leitor pode votar numa das cinco elencadas abaixo neste teste de múltipla escolha:
1) Como ex-deputado na Assembléia Nacional Constituinte, em 1987/88, ele votou contra vários direitos dos trabalhadores, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), e temia ser lembrado por seu nefasto passado e vaiado pelos manifestantes;
2) Como ex-ministro de FHC, ele foi cúmplice da regressão trabalhista promovida nos oito anos de reinado tucano, que gerou recordes de desemprego, arrocho salarial, informalidade da mão-de-obra e precarizaçao do trabalho. Serra, cupincha de FHC, seria lembrando por esta tragédia;
3) Como ex-governador de São Paulo, Serra reprimiu violentamente todas as mobilizações dos trabalhadores, como a recente greve dos professores. Intransigente, ele nunca aceitou negociar com os sindicatos ou com o MST. A vingança poderia ser maligna nos atos do 1º de Maio;
4) Como candidato à presidente, o tucano representa o que há de mais reacionário no patronato e expressa suas idéias de flexibilização selvagem das leis trabalhistas. Será que ele teria coragem de defender a redução da jornada de trabalho? Do contrário, tome mais vaias;
5) Todas as alternativas anteriores – e muitas outras.
.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
My Lai, o massacre que marcou a guerra
Reproduzo a segunda reportagem de Breno Altman sobre o Vietnã, publicada no Opera Mundi:
O vilarejo de Son Ly, na província de Quang Ngai, na região central do Vietnã, é de difícil acesso. Poucos turistas incluem esse povoado em seus planos de viagem. Quem vem para essa zona do país prefere os belos resorts de Da Nang, com seus campos de golfe, ou a bela cidade de Hoi An, declarada patrimônio histórico pela Unesco.
A estrada estreita e pedregosa que parte de Da Nang é percorrida por poucos estrangeiros. Possivelmente apenas por aqueles que resolveram prestar uma homenagem ou simplesmente conhecer o cenário de um dos mais bárbaros crimes de guerra.
A cidade de Son Ly é dividida em diversas aldeias. Uma delas atende pelo nome de My Lai. Ali, no dia 16 de março de 1968, tropas norte-americanas mataram entre 347 (versão do agressor) e 504 civis desarmados (segundo o cálculo vietnamita). A maioria era de velhos, mulheres e crianças. Não foram bombas ou mísseis sem rumo. A chacina foi realizada com fuzis e metralhadoras. A sangue frio. Olho no olho.
Atualmente, no lugar do massacre, fica o Memorial a My Lai. Além de um museu com fotos e imagens, os escombros da aldeia foram reconstruidos para que o visitante saiba onde está pisando. Pode-se ver as choupanas queimadas. As pisadas dos soldados norte-americanos e dos pequenos vietnamitas no cimento. Os animais mortos. As habitações simples em que os camponeses viviam.
Uma estátua de concreto homenageia os caídos. Um mural semelhante ao quadro Guernica, de Pablo Picasso, faz pensar como My Lai foi uma atrocidade parecida com a do bombardeio nazi-fascista sobre a cidade espanhola, durante a Guerra Civil entre 1936-1939.
A operação, conduzida pela Companhia Charlie, célula da 23ª Divisão de Infantaria dos EUA, foi planejada para responder aos ataques e baixas sofridos pelos norte-americanos dois meses antes, durante a chamada Ofensiva do Tet (o ano novo vietnamita). Seu serviço de inteligência tinha identicado que o 48º Batalhão da Frente Nacional de Libertação, atuante na província, teria encontrado refúgio nas aldeias de Son Ly.
A ordem do coronel Oran K. Henderson, comandante do 11º Brigada de Infantaria, foi expressa: “Entrem agressivamente. Encontrem o inimigo e o destruam.” O tenente-coronel Frank A. Barker repassou a ordem ao 1º Batalhão, ao qual se subordinava a Companhia Charlie, determinando que as casas dos moradores fossem queimadas, seus estoques de comida e poços d’água destruídos, seu rebanho aniquilado.
Coube ao capitão Ernest Medina, chefe da Companhia, dar o comando final, atendendo seus superiores. Seu raciocínio foi de uma terrível simplicidade: “Todos os habitantes das aldeias saem para o mercado às 7h. Quem não tiver saído é vietcong escondido e deve ser liquidado.” Um de seus subordinados perguntou se sua ordem incluía idosos, mulheres e crianças. Medina repetiu sua ordem anterior.
Essas declarações constam do procresso que investigou o que ocorreu em My Lai. A Companhia Charlie entrou em Son Ly apoiada por uma pequena artilheria e alguns helicópteros. O primeiro pelotão, liderado pelo segundo-tenente William Calley, determinou a seus homens que atirassem contra tudo que se mexesse. Começava a chacina de My Lai.
Outros dois pelotões se juntaram ao massacre. Além de My Lai, também a aldeia vizinha de My Khe foi atacada. Um piloto de helicóptero, Hugh Thompson, viu parte da chacina quando sobrevoava o local. Corpos de mulheres e crianças estavam no solo, alguns ainda com vida. Nenhum combatente inimigo.
Pousou sua aeronave e pediu a um dos soldados, David Mitchell, sargento do primeiro pelotão, que o ajudasse a retirar os feridos da fossa na qual estavam jogadas. A resposta foi que ele o ajudaria a “mandá-los para o inferno”. Chocado, Thompson procurou Calley. Foi rechaçado pelo tenente, que dizia aos gritos estar cumprindo ordens.
O piloto resolveu levantar vôo, não sabia o que fazer. Foi a principal testemunha contra os responsáveis diretos pela chacina.
Um fotógrafo do próprio exército dos Estados Unidos, Ronald L. Haeberle, tirou as fotos que chocariam o mundo. Depois de passar para a reserva, vendeu os negativos para um pequeno jornal de Cleveland, Estado de Ohio, chamado The Plain Dealer, que as publicou em novembro de 1969. No mês seguinte a revista Life reproduziria as fotos.
O primeiro relatório sobre My Lai noticiava a morte de 128 guerrilheiros vietnamitas e 22 civis durante ”combate feroz”. Os oficiais encarregados da ação foram cumprimentados pelo general William C. Westermoreland.
O massacre só não foi varrido para debaixo do tapete porque um soldado da Companhia Charlie, Ron Ridenhour, que não participou da operação, escreveu uma carta ao presidente da República e membros do Parlamento norte-americano.
Um ano depois do genocídio, uma investigação foi aberta. O exército tentou esconder o quanto pode os acontecimentos de My Lai. Mas o escândalo veio a público e foi determinante para a escalada da mobilização contra a guerra. Além das crescentes perdas humanas, que abalavam a sociedade norte-americana, tinha ido para o fundo do poça a credibilidade dos senhores das armas.
Vários oficiais foram processados. Mas apenas William Calley foi condenado. Saiu da corte marcial com uma sentença de prisão perpétua. No dia seguinte à condeção, o presidente Richard Nixon determinou que cumprisse sua pena em prisão domiciliar, dentro do Forte Benning, enquanto corresse sua apelação. A sentença original foi comutada para 20 anos, depois para dez.
Mas Calley cumpriria pouco mais de três por sua participação em My Lai.
.
O vilarejo de Son Ly, na província de Quang Ngai, na região central do Vietnã, é de difícil acesso. Poucos turistas incluem esse povoado em seus planos de viagem. Quem vem para essa zona do país prefere os belos resorts de Da Nang, com seus campos de golfe, ou a bela cidade de Hoi An, declarada patrimônio histórico pela Unesco.
A estrada estreita e pedregosa que parte de Da Nang é percorrida por poucos estrangeiros. Possivelmente apenas por aqueles que resolveram prestar uma homenagem ou simplesmente conhecer o cenário de um dos mais bárbaros crimes de guerra.
A cidade de Son Ly é dividida em diversas aldeias. Uma delas atende pelo nome de My Lai. Ali, no dia 16 de março de 1968, tropas norte-americanas mataram entre 347 (versão do agressor) e 504 civis desarmados (segundo o cálculo vietnamita). A maioria era de velhos, mulheres e crianças. Não foram bombas ou mísseis sem rumo. A chacina foi realizada com fuzis e metralhadoras. A sangue frio. Olho no olho.
Atualmente, no lugar do massacre, fica o Memorial a My Lai. Além de um museu com fotos e imagens, os escombros da aldeia foram reconstruidos para que o visitante saiba onde está pisando. Pode-se ver as choupanas queimadas. As pisadas dos soldados norte-americanos e dos pequenos vietnamitas no cimento. Os animais mortos. As habitações simples em que os camponeses viviam.
Uma estátua de concreto homenageia os caídos. Um mural semelhante ao quadro Guernica, de Pablo Picasso, faz pensar como My Lai foi uma atrocidade parecida com a do bombardeio nazi-fascista sobre a cidade espanhola, durante a Guerra Civil entre 1936-1939.
A operação, conduzida pela Companhia Charlie, célula da 23ª Divisão de Infantaria dos EUA, foi planejada para responder aos ataques e baixas sofridos pelos norte-americanos dois meses antes, durante a chamada Ofensiva do Tet (o ano novo vietnamita). Seu serviço de inteligência tinha identicado que o 48º Batalhão da Frente Nacional de Libertação, atuante na província, teria encontrado refúgio nas aldeias de Son Ly.
A ordem do coronel Oran K. Henderson, comandante do 11º Brigada de Infantaria, foi expressa: “Entrem agressivamente. Encontrem o inimigo e o destruam.” O tenente-coronel Frank A. Barker repassou a ordem ao 1º Batalhão, ao qual se subordinava a Companhia Charlie, determinando que as casas dos moradores fossem queimadas, seus estoques de comida e poços d’água destruídos, seu rebanho aniquilado.
Coube ao capitão Ernest Medina, chefe da Companhia, dar o comando final, atendendo seus superiores. Seu raciocínio foi de uma terrível simplicidade: “Todos os habitantes das aldeias saem para o mercado às 7h. Quem não tiver saído é vietcong escondido e deve ser liquidado.” Um de seus subordinados perguntou se sua ordem incluía idosos, mulheres e crianças. Medina repetiu sua ordem anterior.
Essas declarações constam do procresso que investigou o que ocorreu em My Lai. A Companhia Charlie entrou em Son Ly apoiada por uma pequena artilheria e alguns helicópteros. O primeiro pelotão, liderado pelo segundo-tenente William Calley, determinou a seus homens que atirassem contra tudo que se mexesse. Começava a chacina de My Lai.
Outros dois pelotões se juntaram ao massacre. Além de My Lai, também a aldeia vizinha de My Khe foi atacada. Um piloto de helicóptero, Hugh Thompson, viu parte da chacina quando sobrevoava o local. Corpos de mulheres e crianças estavam no solo, alguns ainda com vida. Nenhum combatente inimigo.
Pousou sua aeronave e pediu a um dos soldados, David Mitchell, sargento do primeiro pelotão, que o ajudasse a retirar os feridos da fossa na qual estavam jogadas. A resposta foi que ele o ajudaria a “mandá-los para o inferno”. Chocado, Thompson procurou Calley. Foi rechaçado pelo tenente, que dizia aos gritos estar cumprindo ordens.
O piloto resolveu levantar vôo, não sabia o que fazer. Foi a principal testemunha contra os responsáveis diretos pela chacina.
Um fotógrafo do próprio exército dos Estados Unidos, Ronald L. Haeberle, tirou as fotos que chocariam o mundo. Depois de passar para a reserva, vendeu os negativos para um pequeno jornal de Cleveland, Estado de Ohio, chamado The Plain Dealer, que as publicou em novembro de 1969. No mês seguinte a revista Life reproduziria as fotos.
O primeiro relatório sobre My Lai noticiava a morte de 128 guerrilheiros vietnamitas e 22 civis durante ”combate feroz”. Os oficiais encarregados da ação foram cumprimentados pelo general William C. Westermoreland.
O massacre só não foi varrido para debaixo do tapete porque um soldado da Companhia Charlie, Ron Ridenhour, que não participou da operação, escreveu uma carta ao presidente da República e membros do Parlamento norte-americano.
Um ano depois do genocídio, uma investigação foi aberta. O exército tentou esconder o quanto pode os acontecimentos de My Lai. Mas o escândalo veio a público e foi determinante para a escalada da mobilização contra a guerra. Além das crescentes perdas humanas, que abalavam a sociedade norte-americana, tinha ido para o fundo do poça a credibilidade dos senhores das armas.
Vários oficiais foram processados. Mas apenas William Calley foi condenado. Saiu da corte marcial com uma sentença de prisão perpétua. No dia seguinte à condeção, o presidente Richard Nixon determinou que cumprisse sua pena em prisão domiciliar, dentro do Forte Benning, enquanto corresse sua apelação. A sentença original foi comutada para 20 anos, depois para dez.
Mas Calley cumpriria pouco mais de três por sua participação em My Lai.
.
Os 35 anos da vitória contra os EUA
Reproduzo a excelente série de reportagens de Breno Altman sobre o heróico Vietnã, publicada no sítio Opera Mundi:
Ainda amanhecia quando milhares de vietnamitas, organizados em colunas, começaram a se aproximar do Parque 30 de Abril, diante do antigo palácio presidencial, na cidade de Ho Chi Minh. Sindicatos, universidades, fábricas e organizações camponesas enviaram suas delegações, além das forças armadas. Respondiam à convocação para a manifestação que celebraria o triunfo do Vietnã socialista contra o governo de Saigón (velho nome da cidade) e seus aliados norte-americanos.
Não foi um comício de tipo ocidental. O horário já era extravagante. Todos estavam avisados que as atividades começariam pontualmente às 6h30 e estariam encerradas três horas depois, antes que o calor alucinante de Ho Chi Minh vencesse o dia. Quem ocupava as arquibancadas armadas no caminho central do parque eram as autoridades e os convidados. Os cidadãos, com seus agrupamentos, foram os responsáveis pelo espetáculo.
Poucos discursos, apenas quatro – e religiosamente cronometrados. O primeiro secretário do Partido Comunista do município falou por 20 minutos. Depois vieram o presidente da Associação dos Veteranos de Guerra, o secretário-geral da federação sindical local e o presidente da Juventude Comunista de Ho Chi Minh – cada qual com direito a 10 minutos de discurso. O presidente da República, Nguyen Minh Triet, 68, um sulista que teve participação discreta na guerra e está no cargo desde 2006, apenas assistiu, junto com outros dirigentes.
Aproximadamente 50 mil pessoas desfilaram diante das tribunas. Grupos teatrais representaram momentos da guerra de 21 anos contra os norte-americanos e o então Vietnã do Sul. Muita música, até com um pouco de ritmo pop, além dos acordes previsíveis da Internacional (o histórico hino socialista) e de canções revolucionárias. Depois, uma longa marcha, com militares, trabalhadores, mulheres, intelectuais, estudantes, camponesesm com suas faixas e bandeiras, além de modestas coreografias.
Mas a maior emoção estava no rosto dos veteranos de guerra. Um deles era o coronel Nguyen Van Bach, de 74 anos, cabelos inteiramente brancos. Nascido na província de Binh Duong, no sul do país, integrou-se à luta armada em 1947, aos 11 anos. Ainda era a época da guerra contra os franceses, que não aceitavam a independência conquistada em 1945, sob a liderança do líder comunista Ho Chi Minh.
Van Bach ainda combatia no final de abril de 1975. Fazia parte das tropas guerrilheiras. Estava em um destacamento que já controlava a cidade de Tan An, na província de Long An, localizada no delta do rio Mekong. Foi lá que soube da queda de Saigon nas mãos de seus camaradas. “Tive uma alegria tão grande que provocava lágrimas”, lembra-se. Ainda se emociona, como vários de seus amigos, quando se recorda dessa data.
Afinal, no dia 30 de abril de 1975, encerravam-se mais de 30 anos de guerra regular ininterrupta. Desde que fora formado o primeiro pelotão da guerrilha comunista, em dezembro de 1944, sob o comando de Vo Nguyen Giap, braço direito de Ho Chi Minh, os vietnamitas enfrentaram sucessivamente invasores japoneses, franceses e norte-americanos.
Colonia francesa desde 1856, o Vietnã foi ocupado pelas tropas nipônicas durante a Segunda Guerra Mundial. Os comunistas assumiram a linha de frente na luta contra os soldados de Hiroito, aproveitando o colapso de Paris às voltas com a ocupação nazista. Lideraram uma frente de várias correntes políticas, denominada Vietminh, e declararam a independência do país depois da capitulação japonesa, em agosto de 1945. No dia 2 de setembro do mesmo ano nascia a República Democrática do Vietnã.
Guerra da Indochina
O general De Gaulle, presidente da França, assim que viu derrotado o nazismo, ordenou que suas tropas sufocassem os rebeldes vietnamitas. Foram oito anos de sangrentos combates. Os homens de Ho Chi Minh e Giap organizaram uma poderosa resistência guerrilheira, que progressivamente aterrorizou e desgastou os franceses. Mais de 90 mil gauleses perderam a vida nos campos de batalha.
A estocada final contra os colonizadores foi em 1954. Ficou conhecida como a batalha de Dien Bien Phu, uma região no noroeste do Vietnã, perto da fronteira com o Laos. Os franceses imaginavam-se invulneráveis nessa posição estratégica, da qual planejavam sua contra-ofensiva a partir de uma grande concentração de recursos humanos e materiais. Mas o Vietminh, através de trilhas na selva e túneis, foi cercando o local sem ser percebido.
Depois de oito semanas, entre 13 de março e 7 de maio, as tropas do general Christian De Castries estavam destruídas e desmoralizadas. Foi o derradeiro capítulo da chamada Guerra da Indochina. Os franceses, derrotados, aceitaram as negociações que levariam aos acordos de Genebra, em 1954. Pelos termos desse tratado, o Vietnã ficaria provisoriamente dividido em dois, ao norte e ao sul do paralelo 17. Mas eleições gerais teriam lugar em 1956 para reunificar o país.
Quando se consolidaram as perspectivas de vitória eleitoral comunista, os grupos conservadores chefiados pelo católico Ngo Dinh Diem deram um golpe de Estado no sul e cancelaram as eleições. Os Estados Unidos, que já tinham sido os principais financiadores das operações francesas, assumiram a defesa do regime de Saigon. Forneceram, a princípio, recursos, armas e assessores militares.
Guerra do Vietnã
Os comunistas reagiram e lideraram, a partir de 1960, um levante popular e guerrilheiro contra Diem, articulado pela Frente de Libertação Nacional com o apoio do norte. Os norte-americanos, diante da fragilidade de seus aliados, enviaram tropas para defendê-los. Era o início da Guerra do Vietnã.
A participação direta dos Estados Unidos durou até 1973. Acabaram asfixiados e quebrados como os franceses. “A supremacia deles era tecnológica”, recorda outro veterano, o general Do Xuan Cong, 72. “Mas o armamento deles era para guerra à distância, com aviões, foguetes e bombas. Nós reduzimos o espaço, forçamos o combate no quintal de suas tropas. As armas modernas não tiveram serventia nem substituíram sua falta de moral para a luta”.
A casa começou a cair depois da chamada Ofensiva do Tet (o ano novo vietnamita), em 1968, quando as forças guerrilheiras atacaram dezenas de objetivos ao mesmo tempo, incluindo a própria embaixada norte-americana em Saigon. A Casa Branca já tinha mais de 500 mil homens em combate. A sociedade estrilava com as mortes, derrotas e mentiras.
Os EUA, durante os quatro anos seguintes, despejaram uma quantidade de bombas superior a que foi empregada em todas as batalhas da Segunda Guerra Mundial. No final de 1972 submeteram Hanói a 12 dias e noites de terror. Utilizaram armas químicas para destruir a capacidade alimentar dos vietnamitas e anular as forças guerrilheiras. Mas suas tropas estavam cada vez mais tomadas pelo medo e incapazes de defender suas posições territoriais.
Derrota norte-americana
Washington se viu forçado às negociações de Paris, que levariam à retirada de seus soldados em 1973. O regime de Saigon ficou por sua própria conta. Não permaneceu de pé por muito tempo. Em 1975, o Vietnã reconquistava sua unidade nacional e os comunistas venciam a mais duradoura guerra do século 20.
Os mortos vietnamitas, civis e militares, chegaram a três milhões, contra apenas 50 mil “sobrinhos” do tio Sam. Dois milhões de cidadãos, incluindo filhos e netos da geração do conflito, padecem de alguma deformação genética provocada pela dioxina, subproduto cancerígeno presente no agente laranja, fartamente empregado pelos norte-americanos. Além das perdas humanas, a economia do país foi quase levada à idade de pedra, como preconizava o general norte-americano Curtis LeMay.
Mas quem desfila a vitória, ainda assim, é o Vietnã. Os norte-americanos foram ocupar o mesmo lugar na galeria de fotos que japoneses e franceses, para não falar dos chineses: o de agressores colocados para correr. “Nossa estratégia se baseou em uma ideia simples: a da guerra de todo o povo”, enfatiza o general Cong. “Não havia um centímetro de nosso território no qual os norte-americanos podiam ficar tranquilos. Eles perderam para o medo.”
Essas são águas passadas, porém. Das quais ficam lições, estímulos e valores, é certo, além de grandes livros, fotos e filmes. Mas não resolvem os desafios da paz. Os vietnamitas, nesses 35 anos, tiveram que cuidar de outro problema, para o qual a guerrilha e seus inventos não eram solução. Como alimentar e desenvolver uma nação tão pobre e destruída? Essa é a outra história do Vietnã indomável.
.
Vitória dos torturadores: STF na contramão
Reproduzo o editorial do Vermelho sobre a lamentável decisão do Supremo na questão das torturas:
O fim da tarde desta quinta-feira (29) foi de festa e alívio para ex-agentes da repressão que atuaram à margem da lei durante a ditadura militar (1964-1985). Por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a ação que pedia a inconstitucionalidade da Lei nº 6.638/79, conhecida como Lei da Anistia.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) — que moveu a ação — questionava o 1º parágrafo do artigo 1º da lei. Por meio dele, os militares resolveram “autoanistiar-se” ainda em 1979. Tornaram impunes todos os agentes públicos que “cometeram crimes políticos” ou “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.
Não se pode afirmar que a deliberação do STF surpreende. Desde quarta-feira, quando se iniciou o histórico julgamento, a sessão apontava para deixar tudo como está. Ouvidos na tribuna do Supremo, representantes da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República (PGR) defenderam a validade da anistia como “instrumento necessário para permitir a transição segura para regimes democráticos”.
O ministro Eros Grau, relator do processo, afirmou que o Estado precisa reconhecer seus erros, sobretudo os crimes que cometeu em períodos de arbítrio. Mas, para justificar seu voto contrário à ação, ponderou que é de competência do Legislativo — e não do Judiciário — uma eventual revisão da Lei da Anistia. Seu voto, lido durante cinco horas, foi seguido por mais seis ministros e considerado “brilhante” pelo polêmico Gilmar Mendes.
Não há nada de “brilhante” numa interpretação da História que nega punição a autores de crimes hediondos. A Lei da Anistia concedeu perdão aos responsáveis por escabrosas práticas de tortura nos porões da ditadura. “É lícito e honesto que governantes e seus comandados que tenham cometido crimes de profunda violência sejam perdoados por uma lei votada por um Congresso submisso?”, perguntou o jurista Fábio Konder Comparato, no Supremo, quando falava em nome da OAB.
Com a Lei nº 9.140, de 1995, o Brasil reconheceu a responsabilidade do Estado pelos mortos e desaparecidos políticos do regime. Foi um avanço para fazer valer o “direito à memória e à verdade” — mas é pouco se comparado à reação de outros países do Cone Sul que enfrentaram governos autoritários na segunda metade do século 20. Mais de 25 anos após o fim de regime militar, os brasileiros sequer podem conhecer a justa dimensão do que era o aparato repressor.
Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile, ao contrário, lutaram para responsabilizar e punir as altas autoridades políticas que cometeram crimes contra a humanidade. Por sinal, o julgamento da Lei da Anistia no STF começou uma semana depois de a Justiça argentina condenar Reynaldo Bignone, último presidente da ditadura militar do país (1976-1983), a 25 anos de prisão, por envolvimento em sequestro, roubo agravado, privação ilegítima de liberdade e imposição de torturas.
Decisões do gênero são quase impossíveis no Brasil, onde todos os generais-presidentes já estão mortos, de Castello Branco a João Baptista Figueiredo. Mas há centenas de brasileiros e até estrangeiros que patrocinaram, ordenaram ou efetivamente praticaram a tortura — e seus nomes são desconhecidos. Não temer o passado é um pré-requisito para a consolidação da democracia.
Mesmo depois de terem implantado um portentoso e clandestino aparato de repressão, os torturadores fracassaram ao tentar privar o Brasil de aspirações progressistas, democráticas e socialistas. Esses ideais continuam vivos e se expandem na sociedade brasileira — nos movimentos organizados, nos partidos políticos de esquerda, nos meios acadêmicos, culturais e artísticos, até mesmo nos grotões do país. Apesar dos torturadores. Apesar do Supremo.
.
O fim da tarde desta quinta-feira (29) foi de festa e alívio para ex-agentes da repressão que atuaram à margem da lei durante a ditadura militar (1964-1985). Por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a ação que pedia a inconstitucionalidade da Lei nº 6.638/79, conhecida como Lei da Anistia.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) — que moveu a ação — questionava o 1º parágrafo do artigo 1º da lei. Por meio dele, os militares resolveram “autoanistiar-se” ainda em 1979. Tornaram impunes todos os agentes públicos que “cometeram crimes políticos” ou “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.
Não se pode afirmar que a deliberação do STF surpreende. Desde quarta-feira, quando se iniciou o histórico julgamento, a sessão apontava para deixar tudo como está. Ouvidos na tribuna do Supremo, representantes da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República (PGR) defenderam a validade da anistia como “instrumento necessário para permitir a transição segura para regimes democráticos”.
O ministro Eros Grau, relator do processo, afirmou que o Estado precisa reconhecer seus erros, sobretudo os crimes que cometeu em períodos de arbítrio. Mas, para justificar seu voto contrário à ação, ponderou que é de competência do Legislativo — e não do Judiciário — uma eventual revisão da Lei da Anistia. Seu voto, lido durante cinco horas, foi seguido por mais seis ministros e considerado “brilhante” pelo polêmico Gilmar Mendes.
Não há nada de “brilhante” numa interpretação da História que nega punição a autores de crimes hediondos. A Lei da Anistia concedeu perdão aos responsáveis por escabrosas práticas de tortura nos porões da ditadura. “É lícito e honesto que governantes e seus comandados que tenham cometido crimes de profunda violência sejam perdoados por uma lei votada por um Congresso submisso?”, perguntou o jurista Fábio Konder Comparato, no Supremo, quando falava em nome da OAB.
Com a Lei nº 9.140, de 1995, o Brasil reconheceu a responsabilidade do Estado pelos mortos e desaparecidos políticos do regime. Foi um avanço para fazer valer o “direito à memória e à verdade” — mas é pouco se comparado à reação de outros países do Cone Sul que enfrentaram governos autoritários na segunda metade do século 20. Mais de 25 anos após o fim de regime militar, os brasileiros sequer podem conhecer a justa dimensão do que era o aparato repressor.
Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile, ao contrário, lutaram para responsabilizar e punir as altas autoridades políticas que cometeram crimes contra a humanidade. Por sinal, o julgamento da Lei da Anistia no STF começou uma semana depois de a Justiça argentina condenar Reynaldo Bignone, último presidente da ditadura militar do país (1976-1983), a 25 anos de prisão, por envolvimento em sequestro, roubo agravado, privação ilegítima de liberdade e imposição de torturas.
Decisões do gênero são quase impossíveis no Brasil, onde todos os generais-presidentes já estão mortos, de Castello Branco a João Baptista Figueiredo. Mas há centenas de brasileiros e até estrangeiros que patrocinaram, ordenaram ou efetivamente praticaram a tortura — e seus nomes são desconhecidos. Não temer o passado é um pré-requisito para a consolidação da democracia.
Mesmo depois de terem implantado um portentoso e clandestino aparato de repressão, os torturadores fracassaram ao tentar privar o Brasil de aspirações progressistas, democráticas e socialistas. Esses ideais continuam vivos e se expandem na sociedade brasileira — nos movimentos organizados, nos partidos políticos de esquerda, nos meios acadêmicos, culturais e artísticos, até mesmo nos grotões do país. Apesar dos torturadores. Apesar do Supremo.
.
A mídia alternativa e o Barão de Itararé
No dia 14 de maio, às 19 horas, no auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (Rua Genebra, 25, próximo à Câmara Municipal de São Paulo), ocorrerá o lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé”. A nova entidade, que reúne em seu conselho jornalistas progressistas e lutadores sociais, tem como objetivos principais contribuir na luta pela democratização da comunicação, fortalecer a mídia alternativa e comunitária, promover estudos sobre a estratégica frente midiática e investir na formação dos novos comunicadores.
Uma justa homenagem
O nome “Barão de Itararé” é uma justa homenagem ao jornalista Aparício Torelli (1895-1971), considerado um dos criadores da imprensa alternativa no país e o “pai do humorismo brasileiro”, segundo a biografia elaborada pelo filósofo Leandro Konder. Criador dos jornais “A Manha” e “Almanhaque”, ele ironizou as elites, criticou a exploração e enfrentou os governos autoritários. Preso várias vezes, nunca perdeu o seu humor. Itararé é o nome da batalha que não houve entre a oligarquia cafeeira e as forças vitoriosas da Revolução de 1930.
Frasista genial, ele cunhou várias pérolas. Cansado de apanhar da polícia secreta do Estado Novo, colocou na porta do seu escritório uma placa com a hoje famosa frase “entre sem bater”. Político sagaz, ele percebeu a guinada nacionalista de Getúlio Vargas e respondeu aos críticos udenistas: “Não é triste mudar de idéias; triste é não ter idéias para mudar”. Militante do Partido Comunista do Brasil (PCB), Apparício foi eleito vereador pelo Rio de Janeiro em 1946 com o lema “mais leite, mais água e menos água no leite” – denunciando fraudes da indústria leiteira.
Crítico ácido dos jornais golpistas
Seu mandato foi combativo e irreverente. Segundo o então senador Luiz Carlos Prestes, “o Barão não só fez a Câmara rir, como as lavadeiras e os trabalhadores. As favelas suspendiam as novelas para ouvir as sessões que eram transmitidas pela rádio”. Teve o seu mandato cassado juntamente com a cassação do registro do PCB, em 1947, e declarou solenemente: “Saio da vida pública para entrar na privada”. Seu jornal, A Manha, foi novamente empastelado e, com dificuldades financeiras, ele escreveu: “Devo tanto que, se eu chamar alguém de ‘meu bem’, o banco toma”. Passou a colaborar com o jornal getulista A Última Hora e lançou ainda mais dois Almanhaque.
Diante da grave crise política que resultou no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, afirmou: “Há qualquer coisa no ar, além dos aviões de carreira”. Barão de Itararé denunciou as manipulações da imprensa, foi um crítico ácido dos jornais golpistas de Assis Chateaubriand e Carlos Lacerda e um entusiasta do jornalismo alternativo. Após o golpe militar de 1964, ele passou por inúmeras privações. Faleceu em 27 de novembro de 1971. Em sua lápide poderia estar inscrita uma de suas frases prediletas. “Nunca desista de seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra”.
Entidade ampla e plural
A criação da nova entidade, que atuará em parceria com várias outras que já priorizam a luta pela democratização da comunicação, empolgou jornalistas e lutadores sociais. Entre outros, integram seu conselho os jornalistas Luis Nassif, Leandro Fortes, Luiz Carlos Azenha, Maria Inês Nassif, Rodrigo Vianna, Beto Almeida, Gilberto Maringoni; os professores Venício A. de Lima, Marcos Dantas, Dênis de Moraes, Laurindo Lalo Leal Filho, Gilson Caroni, Igor Fuser, Sérgio Amadeu.
Visando fortalecer a mídia alternativa já existente, também participam os responsáveis de vários veículos progressistas – Breno Altman (Opera Mundi), Carlos Lopes (Hora do Povo), Ermanno Allegri (Adital), Wagner Nabuco (Caros Amigos), Joaquim Palhares (Carta Maior), Eduardo Guimarães (Cidadania), Renato Rovai (Fórum), Nilton Viana (Brasil de Fato), Paulo Salvador (Revista do Brasil), Oswaldo Colibri (Rádio Brasil Atual), José Reinaldo Carvalho (Vermelho).
O conselho reúne ainda lideranças dos movimentos sociais, dirigentes de entidades vinculadas à comunicação pública e comunitária – Edivaldo Farias (Abccom), Regina Lima (Abepec), José Sóter (Abraço), Orlando Guilhon (Arpub) – e integrantes de instituições engajadas na luta pela democratização da mídia – João Brant (Intervozes), João Franzin (Agência Sindical), Sérgio Gomes (Oboré), Vito Giannotti (NPC), Rita Freire (Ciranda).
Seminário "A mídia e as eleições de 2010"
O lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé” se dará durante a realização do seminário nacional “A mídia e as eleições de 2010”. As inscrições para o evento se encerram em 12 de maio e custam R$ 20,00. As vagas são limitadas. Os interessados devem entrar em contato com Danielli Penha pelo telefone (11) 3054-1829 ou pelo endereço eletrônico britarare@gmail.com. Abaixo a programação:
Dia 14 de maio, sexta-feira, às 18h30
A cobertura jornalística da sucessão presidencial
- Maria Inês Nassif – Jornal Valor Econômico;
- Leandro Fortes – Revista CartaCapital;
- Paulo Henrique Amorim – Sítio Conserva Afiada;
- Altamiro Borges – Portal Vermelho;
Dia 14 de maio, sexta-feira, às 21 horas.
Coquetel de lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Local: Auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (Rua Genebra, 25)
Dia 15 de maio, sábado, 9 horas:
Plataforma democrática para a comunicação.
- Marcos Dantas – professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro;
- Luiza Erundina – deputada federal do PSB-SP;
- Manuela D’Ávila – deputada federal do PCdoB-RS;
- Igor Felippe – assessoria de imprensa do MST;
Dia 15 de maio, 14 horas:
Políticas públicas para democratização da comunicação.
- Ottoni Fernandes – secretário executivo da Secom;
- Regina Lima (Abepec) – presidente da Abepec;
- Jandira Feghali – ex-secretária de Cultura do Rio de Janeiro;
- José Soter (Abraço) – coordenador nacional da Abraço.
Dia 15 de maio, 17 horas:
Lançamento do livro “Vozes em cena – Análise das estratégias discursivas da mídia sobre os escândalos políticos”, de Regina Lima.
- Local: Salão nobre da Câmara Municipal de São Paulo (Viaduto Maria Paula).
.
domingo, 2 de maio de 2010
Conferências de Domenico Losurdo no Brasil
Reproduzo release enviado por Ivana Jinkings, da Boitempo Editorial:
Marcando o lançamento de “A linguagem do Império - léxico da ideologia estadunidense”, a Boitempo traz ao Brasil o filósofo Domenico Losurdo para uma série de conferências em universidades. Losurdo debaterá com intelectuais de peso como Antonio Carlos Mazzeo, Marcos Del Roio, João Quartim de Morais, Ruy Braga, Giovanni Semeraro e Gaudêncio Frigotto, entre outros, passando, a partir de 3 de maio, por São Paulo (USP e PUC), Marília (Unesp), Campinas (Unicamp), Belo Horizonte (UFMG), Fortaleza (parceria com a Prefeitura) e Rio de Janeiro (UFF e Uerj). Confira a programação completa abaixo.
Estudioso de Nietszche e Heidegger, mas também crítico do pensamento liberal suposta e pretensamente universalista, o autor busca neste livro definir raízes, bases e fronteiras do discurso ideológico estadunidense, que atualmente dirige suas armas para o chamado Oriente. Segundo Losurdo, os Estados Unidos utilizam-se de categorias como "terrorismo", "fundamentalismo", "ódio ao Ocidente" e "antiamericanismo" como "armas de guerra" para rotular não só seus inimigos como também os que não mostram disposição em cerrar fileiras neste combate aos que ameaçam seu modelo de sociedade. "Quem não estiver com a América é automaticamente inimigo da paz e da civilização", aponta Losurdo, que busca nesta importante obra refletir sobre os perigos desta política, a partir da qual "a lista dos possíveis alvos pode ser continuamente atualizada e aumentada".
Programação
São Paulo (USP) - 03/05, 18h
Com a participação de Ruy Braga (USP) e Antonio Carlos Mazzeo (Unesp)
Local: Casa de Cultura Japonesa (USP). Av. Prof. Lineu Prestes, 159 - Cidade Universitária.
Organização: Boitempo e Cenedic-USP
Marília - 04/05, 20h
Apresentação e coordenação de Marcos Del Roio (Unesp)
Local: Anfiteatro I da FFC- UNESP / Marília. Av. Hygino Muzzi Filho, 737
Organização: Boitempo; GP Cultura e Política do Mundo do Trabalho; Programa de PG em Ciências Sociais; Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da UNESP
Campinas - 05/05, 14h
Debatedor: João Quartim de Morais (Unicamp)
Local: Auditório do IFCH. Rua Cora Coralina S/N. Cidade Universitária Zeferino Vaz”
Organização: Boitempo e Cemarx/IFCH-Unicamp
Belo Horizonte - 06/05, 15h
Debate: Nietzsche e o marxismo, com: Antonio Julio Menezes, Rosemary Dore, Rogério Antonio Lopes
Local: Sala de Teleconferência da Faculdade de Educação da UFMG. Av. Antônio Carlos, 6627
Organização: Linhas de pesquisa Política, Trabalho e Formação Humana e Políticas Públicas de Educação: Concepção, Implementação e Avaliação do Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFMG
São Paulo (PUC) - 10/05, 19h30
Apresentação de Maria Margarida Cavalcanti Limena (PUC)
Local: Auditório 239 - Prédio Novo. Entrada Rua Ministro Godoi, 969, Perdizes.
Organização: Boitempo e Núcleo de Estudos de História: trabalho, ideologia e poder, da graduação e pós da História, das Faculdades de Ciências Sociais e Serviço Social da PUC-SP
Fortaleza - 12/05, 17h30
Conferência de Domenico Losurdo
Local: Mercado dos Pinhões - Pça. Visconde de Pelotas
Promoção: Prefeitura Municipal de Fortaleza (Comissão de Participação Popular e Secretaria de Cultura Municipal) e Boitempo Editorial
Rio de Janeiro (UFF) - 13/05, 18h30
Coordenação e apresentação de Giovanni Semeraro (UFF)
Local: Auditório Florestan Fernandes, Bloco D, Campus do Gragoatá. Av. Visconde de Rio Branco, s/n
Organização: Boitempo e Programa de PG em Educação e Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia Política e Educação (NUFIPE/UFF)
Rio de Janeiro (UERJ) - 14/05, 18h
Com a participação de Gaudêncio Frigotto (UERJ e UFF)
Local: Capela Ecumênica. Rua São Francisco Xavier, 524.
Organização: Boitempo, PPFH e LPP-UERG
Os Bric e a globalização da pobreza
Reproduzo artigo de Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado no jornal Valor Econômico:
Os mais recentes indicadores a respeito da evolução da pobreza global revelam uma crescente desconexão entre o que o mundo poderia ser e o que realmente é. Em grande medida, a maior fragilidade da governança global conduzida pelas nações ricas durante as duas últimas décadas tem apontado para maior polarização social entre riqueza e pobreza.
Em parte, essa polarização se deve ao agravamento da questão social em quase dois terços da população do planeta. Não fosse o desempenho de alguns poucos países como Brasil e China, por exemplo, na redução da quantidade de miseráveis e pobres, o retrocesso poderia ser ainda mais grave. Na comparação de 2005 com 1981, percebe-se, por exemplo, que o universo de miseráveis do mundo com renda mensal per capita atual de até R$ 61,20, passou de 1,9 bilhão (52,2% da população em 1981) para 1,4 bilhão de pessoas (25,7% da população em 2005). A diminuição de 26,8% na quantidade de miseráveis globais (meio milhão de indivíduos) ocorreu fundamentalmente pelo fator China, com a saída de 627,4 milhões de pessoas da condição de miseráveis entre 1981 (835,1 milhões) e 2005 (207,7 milhões).
Essa fantástica queda de 75,1% no número de miseráveis chineses foi acompanhada pelo aumento da quantidade de pessoas na condição de miseráveis no resto do mundo. Ou seja, sem a China, o mundo apresenta uma adição de 114 milhões de pessoas miseráveis, tendo em vista o aumento de 1,1 bilhão de pessoas nessa condição em 1981 para 1,2 bilhão em 2005. Mesmo com o aumento médio anual de quase 5 milhões de miseráveis no mundo sem a China, a taxa de miseráveis caiu 29%. Entre os anos de 1981 e 2005, a taxa de miseráveis do mundo baixou de 40,4% para 28,7% da população, sem a China, em virtude do crescimento demográfico para o segmento fora da condição de miserabilidade.
Se avançar no conceito de miserável para o de pobreza mundial, o que significa ter como parâmetro a insuficiência de renda per capita para viver com até R$ 122 mensais atuais, a quantidade de pobres pulou de 2,7 bilhões (74,8% da população em 1981) para 3,1 bilhões (57,6% da população em 2005). Embora a taxa de pobreza no mundo tenha caído 23%, a quantidade de pobres aumentou em cerca de 402 milhões. A China registrou a queda de 342 milhões de pobres entre 1981 e 2005. Isso não foi suficiente para compensar a elevação do número de pobres na parte restante do mundo em 743 milhões de indivíduos.
Em 24 anos, o mundo, sem a China, teria mantido seis a cada grupo de dez pessoas na condição de pobreza. Em 2005, a taxa de pobreza foi de 60,1%, enquanto em 1981 era de 65,6%, com medíocre redução acumulada de 8,4%.
Esse conjunto de dados sintetizados na evolução dos miseráveis e pobres globais merece ser analisado à luz dos principais acontecimentos políticos, econômicos e sociais a partir do final da década de 1970. O esgotamento do padrão de desenvolvimento do segundo pós-guerra foi acompanhado pela desgovernança mundial. O fim da bipolaridade (EUA e URSS), a queda do muro de Berlim e a decadência mais recente dos Estados Unidos foram acompanhados simultaneamente pela expansão inédita do poder econômico da grande corporação transnacional e pela perda de eficiência do sistema das Nações Unidas (ONU, Bird, FMI, OMC) na administração dos conflitos e construção de grandes e efetivas convergências globais.
Por consequência, há maior polarização entre ricos e pobres. O ciclo de expansão econômica, comercial e tecnológica parece ter sido muito bem aproveitado por grandes corporações transnacionais e pela superelite global. Enquanto as 500 maiores corporações já respondem por mais de 40% do PIB mundial, com força econômica superior à de países, 1,2 milhão de clãs de famílias apropriam-se de 55% da riqueza do planeta.
Reorganizar a governança global tornou-se tarefa inequívoca do esforço de construção de uma nova realidade que permita aproximar o mundo superior que se pode ter do que atualmente existe. A medida de miseráveis e pobres não deixa de ser um indicador que poderia ser perfeitamente revertido, dados os ganhos fantásticos de riqueza, conforme a experiência de países como a China e, mais recentemente, o Brasil. Uma nova globalização precisa ser reinventada, com espaço crescente da liderança das nações que constituem os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).
.
Os mais recentes indicadores a respeito da evolução da pobreza global revelam uma crescente desconexão entre o que o mundo poderia ser e o que realmente é. Em grande medida, a maior fragilidade da governança global conduzida pelas nações ricas durante as duas últimas décadas tem apontado para maior polarização social entre riqueza e pobreza.
Em parte, essa polarização se deve ao agravamento da questão social em quase dois terços da população do planeta. Não fosse o desempenho de alguns poucos países como Brasil e China, por exemplo, na redução da quantidade de miseráveis e pobres, o retrocesso poderia ser ainda mais grave. Na comparação de 2005 com 1981, percebe-se, por exemplo, que o universo de miseráveis do mundo com renda mensal per capita atual de até R$ 61,20, passou de 1,9 bilhão (52,2% da população em 1981) para 1,4 bilhão de pessoas (25,7% da população em 2005). A diminuição de 26,8% na quantidade de miseráveis globais (meio milhão de indivíduos) ocorreu fundamentalmente pelo fator China, com a saída de 627,4 milhões de pessoas da condição de miseráveis entre 1981 (835,1 milhões) e 2005 (207,7 milhões).
Essa fantástica queda de 75,1% no número de miseráveis chineses foi acompanhada pelo aumento da quantidade de pessoas na condição de miseráveis no resto do mundo. Ou seja, sem a China, o mundo apresenta uma adição de 114 milhões de pessoas miseráveis, tendo em vista o aumento de 1,1 bilhão de pessoas nessa condição em 1981 para 1,2 bilhão em 2005. Mesmo com o aumento médio anual de quase 5 milhões de miseráveis no mundo sem a China, a taxa de miseráveis caiu 29%. Entre os anos de 1981 e 2005, a taxa de miseráveis do mundo baixou de 40,4% para 28,7% da população, sem a China, em virtude do crescimento demográfico para o segmento fora da condição de miserabilidade.
Se avançar no conceito de miserável para o de pobreza mundial, o que significa ter como parâmetro a insuficiência de renda per capita para viver com até R$ 122 mensais atuais, a quantidade de pobres pulou de 2,7 bilhões (74,8% da população em 1981) para 3,1 bilhões (57,6% da população em 2005). Embora a taxa de pobreza no mundo tenha caído 23%, a quantidade de pobres aumentou em cerca de 402 milhões. A China registrou a queda de 342 milhões de pobres entre 1981 e 2005. Isso não foi suficiente para compensar a elevação do número de pobres na parte restante do mundo em 743 milhões de indivíduos.
Em 24 anos, o mundo, sem a China, teria mantido seis a cada grupo de dez pessoas na condição de pobreza. Em 2005, a taxa de pobreza foi de 60,1%, enquanto em 1981 era de 65,6%, com medíocre redução acumulada de 8,4%.
Esse conjunto de dados sintetizados na evolução dos miseráveis e pobres globais merece ser analisado à luz dos principais acontecimentos políticos, econômicos e sociais a partir do final da década de 1970. O esgotamento do padrão de desenvolvimento do segundo pós-guerra foi acompanhado pela desgovernança mundial. O fim da bipolaridade (EUA e URSS), a queda do muro de Berlim e a decadência mais recente dos Estados Unidos foram acompanhados simultaneamente pela expansão inédita do poder econômico da grande corporação transnacional e pela perda de eficiência do sistema das Nações Unidas (ONU, Bird, FMI, OMC) na administração dos conflitos e construção de grandes e efetivas convergências globais.
Por consequência, há maior polarização entre ricos e pobres. O ciclo de expansão econômica, comercial e tecnológica parece ter sido muito bem aproveitado por grandes corporações transnacionais e pela superelite global. Enquanto as 500 maiores corporações já respondem por mais de 40% do PIB mundial, com força econômica superior à de países, 1,2 milhão de clãs de famílias apropriam-se de 55% da riqueza do planeta.
Reorganizar a governança global tornou-se tarefa inequívoca do esforço de construção de uma nova realidade que permita aproximar o mundo superior que se pode ter do que atualmente existe. A medida de miseráveis e pobres não deixa de ser um indicador que poderia ser perfeitamente revertido, dados os ganhos fantásticos de riqueza, conforme a experiência de países como a China e, mais recentemente, o Brasil. Uma nova globalização precisa ser reinventada, com espaço crescente da liderança das nações que constituem os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).
.
As eleições e a campanha Globo-Serra
Reproduzo artigo de Marcelo Salles, publicado no sítio Fazendo Media:
A campanha da TV Globo para o seu candidato do coração, José Serra, merece atenção especial ainda que já tenha sido retirada de circulação. Para quem não viu, um resumo: a pretexto de comemorar seus 45 anos de vida, um vídeo de trinta segundos reúne os principais “astros” da emissora que, com frases curtas, enviam uma mensagem na linha de “o Brasil pode mais”, slogan da campanha serrista, cuja legenda é a de número 45. “Muito mais vontade de querer ainda mais qualidade” e “é por você que a gente faz sempre mais”, dizem os “artistas” e “jornalistas” da empresa. Reparem a ênfase no “mais”, a que Serra tem se prendido para convencer os brasileiros de que é o “Pós-Lula”.
A Globo iniciou as transmissões, de fato, há 45 anos, no glorioso ano de 1965. Ou seja, apenas um ano depois do golpe de Estado que, sob a batuta da CIA, seqüestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros. A Globo apoiou a ditadura e foi apoiada por ela. Daí Armando Falcão, um dos ministro da Justiça da época, ter dito no documentário “Muito Além do Cidadão Kane”: “Roberto Marinho foi revolucionário de primeira hora”.
No entanto, vale ressaltar, em nome da História, que os primeiros dois contratos entre Roberto Marinho e o grupo Time Life foram assinados em 1962, em Nova York, segundo registra Daniel Herz no livro “A história secreta da Rede Globo”. No papel, a emissora tem, portanto, 48 anos.
Voltando à peça publicitária em favor de José Serra: o PT enxergou o óbvio e exigiu a retirada da campanha do ar. Foi atendido. Só que essa história não pode terminar aqui. Esse fato é extremamente grave e vai além, muito além, do uso de uma concessão pública para fins privados. Também vai além do uso de uma concessão pública em favor de um grupo político neoliberal que, em última análise, defende a exploração do povo brasileiro e legitima o assalto às riquezas do país.
A peça publicitária da TV Globo é uma poderosa arma simbólica, que só pôde ser percebida como tal porque contém elementos passíveis de serem relacionados à campanha de José Serra: o ano eleitoral, o número 45 e a repetição da palavra “mais”. Por isso, ela rompeu a fina barreira entre a programação regular da emissora e aquela destinada ao “horário eleitoral gratuito”, invariavelmente anunciado com fado por apresentadores de telejornal.
Agora, quem luta pela democracia no Brasil não pode achar que essa história termina aqui. E nem acreditar que essa batalha foi vencida só porque a peça Globo-Serra foi retirada do ar. O que devemos fazer é avançar. A esquerda, como um todo, deve compreender a importância das disputas simbólicas, entendendo, por exemplo, que toda a programação das emissoras comerciais está repleta de mensagens a serviço do projeto neoliberal: egoísmo, individualismo, racismo, preconceitos, segregacionismo, medo, Estado fraco. O sistema capitalista nunca é questionado – para as corporações de mídia, é como se não existisse outra maneira de organizar a vida.
Esse enfrentamento não pode ocorrer apenas nos períodos eleitorais. A mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, a mídia é essencial para determinar formas de sentir, pensar, agir e viver tanto de indivíduos quanto de instituições. Se queremos formar uma sociedade democrática, todo o sistema midiático deve ser reformulado. E esta é uma batalha de todos os dias.
.
A campanha da TV Globo para o seu candidato do coração, José Serra, merece atenção especial ainda que já tenha sido retirada de circulação. Para quem não viu, um resumo: a pretexto de comemorar seus 45 anos de vida, um vídeo de trinta segundos reúne os principais “astros” da emissora que, com frases curtas, enviam uma mensagem na linha de “o Brasil pode mais”, slogan da campanha serrista, cuja legenda é a de número 45. “Muito mais vontade de querer ainda mais qualidade” e “é por você que a gente faz sempre mais”, dizem os “artistas” e “jornalistas” da empresa. Reparem a ênfase no “mais”, a que Serra tem se prendido para convencer os brasileiros de que é o “Pós-Lula”.
A Globo iniciou as transmissões, de fato, há 45 anos, no glorioso ano de 1965. Ou seja, apenas um ano depois do golpe de Estado que, sob a batuta da CIA, seqüestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros. A Globo apoiou a ditadura e foi apoiada por ela. Daí Armando Falcão, um dos ministro da Justiça da época, ter dito no documentário “Muito Além do Cidadão Kane”: “Roberto Marinho foi revolucionário de primeira hora”.
No entanto, vale ressaltar, em nome da História, que os primeiros dois contratos entre Roberto Marinho e o grupo Time Life foram assinados em 1962, em Nova York, segundo registra Daniel Herz no livro “A história secreta da Rede Globo”. No papel, a emissora tem, portanto, 48 anos.
Voltando à peça publicitária em favor de José Serra: o PT enxergou o óbvio e exigiu a retirada da campanha do ar. Foi atendido. Só que essa história não pode terminar aqui. Esse fato é extremamente grave e vai além, muito além, do uso de uma concessão pública para fins privados. Também vai além do uso de uma concessão pública em favor de um grupo político neoliberal que, em última análise, defende a exploração do povo brasileiro e legitima o assalto às riquezas do país.
A peça publicitária da TV Globo é uma poderosa arma simbólica, que só pôde ser percebida como tal porque contém elementos passíveis de serem relacionados à campanha de José Serra: o ano eleitoral, o número 45 e a repetição da palavra “mais”. Por isso, ela rompeu a fina barreira entre a programação regular da emissora e aquela destinada ao “horário eleitoral gratuito”, invariavelmente anunciado com fado por apresentadores de telejornal.
Agora, quem luta pela democracia no Brasil não pode achar que essa história termina aqui. E nem acreditar que essa batalha foi vencida só porque a peça Globo-Serra foi retirada do ar. O que devemos fazer é avançar. A esquerda, como um todo, deve compreender a importância das disputas simbólicas, entendendo, por exemplo, que toda a programação das emissoras comerciais está repleta de mensagens a serviço do projeto neoliberal: egoísmo, individualismo, racismo, preconceitos, segregacionismo, medo, Estado fraco. O sistema capitalista nunca é questionado – para as corporações de mídia, é como se não existisse outra maneira de organizar a vida.
Esse enfrentamento não pode ocorrer apenas nos períodos eleitorais. A mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, a mídia é essencial para determinar formas de sentir, pensar, agir e viver tanto de indivíduos quanto de instituições. Se queremos formar uma sociedade democrática, todo o sistema midiático deve ser reformulado. E esta é uma batalha de todos os dias.
.
A velha cantiga de FHC
Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, do blog Cidadania.com:
Nos últimos cerca de 80 primeiros domingos de cada mês, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vem entoando a mesma cantiga em vários dos maiores jornais de todo país. É óbvio, também, que foi ele quem impôs o primeiro domingo de cada mês para ser publicado. Não é possível que todos os jornais para os quais ele escreve uma vez por mês escolhessem coincidentemente a mesma data.
Mas não é só aí que reside a homogeneidade dessas manifestações por escrito do tucano. É, sobretudo, no conteúdo. Há cerca de sete anos que FHC escreve todo mês a mesma coisa, tentando, de forma interminável, vender uma tese que o Brasil já se recusou a comprar repetidas vezes, seja em eleições, seja na avaliação que faz do governo do ex-presidente, seja na que faz do governo de seu sucessor.
A finalidade desses escritos mensais – e invariavelmente vastamente repercutidos por uma imprensa servil ao cacique político paulista – é a de tentar convencer a alguém de que tudo de bom que está acontecendo no Brasil é mérito do governo de oito anos anterior e de que tudo de ruim que persiste é demérito do atual governo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que terá a mesma duração.
Mais uma vez, por exemplo, FHC repete, entre outras auto-atribuições de feitos memoráveis e responsáveis pela atual bonança econômica, a cantilena de que os bancos brasileiros não tiveram problemas durante a recente crise econômica internacional porque são sólidos devido ao seu governo ter feito o Proer.
Dá vontade de rir. O Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro) foi feito porque os bancos tiveram difuculdades com o “fim” da Inflação – que retornaria ao longo do governo tucano. Sem a receita gerada por aquele “imposto inflacionário”, ou seja, por uma ciranda financeira calcada em mini desvalorizações diárias da moeda, a banca tupiniquim entrou em crise de abstinência.
O Proer simplesmente serviu para isso, para resolver um problema causado pela intempestividade eleitoral com que o Plano Real foi adotado, que, como se tornaria norma no governo FHC, obedeceu ao calendário eleitoral.
O Plano Real deveria ter sido lançado após um programa igual ao Proer, o qual prepararia o sistema financeiro para o baque que sofreria ao ter que se acostumar a ganhar um volume menos indecente de dinheiro e em espaços de tempo mais decentes. Mas 1994 era ano eleitoral e o plano econômico era a única possibilidade de barrar a segunda tentativa de Lula de se eleger presidente.
O Proer vigorou entre o fim de 1995 e meados de 2001 para consertar um problema específico, causado, em grande parte, por quem implantou tal programa. Não tem nenhuma relação com a economia hoje simplesmente porque de lá para cá decorreram cerca de nove anos, durante os quais o que fez os bancos ganharem dinheiro e se solidificarem foi a adoção de regras estritas deste governo que impediram que os banqueiros fizessem suas diabruras suicidas.
Tão intragável quanto essa reiterada conversa fiada do impopular ex-presidente, reprovada por nada mais, nada menos do que por 76% dos brasileiros, é a conversa dele sobre metas de inflação e lei de responsabilidade fiscal serem méritos seus quando, na verdade, foram imposições do FMI durante as auditorias mensais que a instituição vinha fazer da economia brasileira à época em que FHC governava.
Mas o que causa engulhos mesmo é o séquito de bajuladores da imprensa aliada do PSDB que nos próximos dias tratará de tentar obter êxito onde o bibelô dos chefes desse séquito irá falhar mais uma vez. Assim, essa velha cantiga que os jornais publicam hoje será repetida intensamente e à exaustão por mais uma semana, no mínimo. Depois, voltará ao ritmo normal e mais lento de repetições diárias nessa mesma imprensa.
A despeito disso, FHC continuará repudiado pela sociedade, que se nega a acreditar no discurso dele e de seus jornais, revistas, rádios, TVs e portais de internet, como vem demonstrando a cada pesquisa de opinião e a cada eleição presidencial nos últimos quase oito anos. Por mais que FHC, seu partido e sua imprensa entoem essa velha cantiga sem parar, o povo se recusa a ouvi-la.
.
Nos últimos cerca de 80 primeiros domingos de cada mês, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vem entoando a mesma cantiga em vários dos maiores jornais de todo país. É óbvio, também, que foi ele quem impôs o primeiro domingo de cada mês para ser publicado. Não é possível que todos os jornais para os quais ele escreve uma vez por mês escolhessem coincidentemente a mesma data.
Mas não é só aí que reside a homogeneidade dessas manifestações por escrito do tucano. É, sobretudo, no conteúdo. Há cerca de sete anos que FHC escreve todo mês a mesma coisa, tentando, de forma interminável, vender uma tese que o Brasil já se recusou a comprar repetidas vezes, seja em eleições, seja na avaliação que faz do governo do ex-presidente, seja na que faz do governo de seu sucessor.
A finalidade desses escritos mensais – e invariavelmente vastamente repercutidos por uma imprensa servil ao cacique político paulista – é a de tentar convencer a alguém de que tudo de bom que está acontecendo no Brasil é mérito do governo de oito anos anterior e de que tudo de ruim que persiste é demérito do atual governo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que terá a mesma duração.
Mais uma vez, por exemplo, FHC repete, entre outras auto-atribuições de feitos memoráveis e responsáveis pela atual bonança econômica, a cantilena de que os bancos brasileiros não tiveram problemas durante a recente crise econômica internacional porque são sólidos devido ao seu governo ter feito o Proer.
Dá vontade de rir. O Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro) foi feito porque os bancos tiveram difuculdades com o “fim” da Inflação – que retornaria ao longo do governo tucano. Sem a receita gerada por aquele “imposto inflacionário”, ou seja, por uma ciranda financeira calcada em mini desvalorizações diárias da moeda, a banca tupiniquim entrou em crise de abstinência.
O Proer simplesmente serviu para isso, para resolver um problema causado pela intempestividade eleitoral com que o Plano Real foi adotado, que, como se tornaria norma no governo FHC, obedeceu ao calendário eleitoral.
O Plano Real deveria ter sido lançado após um programa igual ao Proer, o qual prepararia o sistema financeiro para o baque que sofreria ao ter que se acostumar a ganhar um volume menos indecente de dinheiro e em espaços de tempo mais decentes. Mas 1994 era ano eleitoral e o plano econômico era a única possibilidade de barrar a segunda tentativa de Lula de se eleger presidente.
O Proer vigorou entre o fim de 1995 e meados de 2001 para consertar um problema específico, causado, em grande parte, por quem implantou tal programa. Não tem nenhuma relação com a economia hoje simplesmente porque de lá para cá decorreram cerca de nove anos, durante os quais o que fez os bancos ganharem dinheiro e se solidificarem foi a adoção de regras estritas deste governo que impediram que os banqueiros fizessem suas diabruras suicidas.
Tão intragável quanto essa reiterada conversa fiada do impopular ex-presidente, reprovada por nada mais, nada menos do que por 76% dos brasileiros, é a conversa dele sobre metas de inflação e lei de responsabilidade fiscal serem méritos seus quando, na verdade, foram imposições do FMI durante as auditorias mensais que a instituição vinha fazer da economia brasileira à época em que FHC governava.
Mas o que causa engulhos mesmo é o séquito de bajuladores da imprensa aliada do PSDB que nos próximos dias tratará de tentar obter êxito onde o bibelô dos chefes desse séquito irá falhar mais uma vez. Assim, essa velha cantiga que os jornais publicam hoje será repetida intensamente e à exaustão por mais uma semana, no mínimo. Depois, voltará ao ritmo normal e mais lento de repetições diárias nessa mesma imprensa.
A despeito disso, FHC continuará repudiado pela sociedade, que se nega a acreditar no discurso dele e de seus jornais, revistas, rádios, TVs e portais de internet, como vem demonstrando a cada pesquisa de opinião e a cada eleição presidencial nos últimos quase oito anos. Por mais que FHC, seu partido e sua imprensa entoem essa velha cantiga sem parar, o povo se recusa a ouvi-la.
.
A segunda tortura de Eros Grau
Reproduzo artigo enviado pelo amigo Gilson Caroni:
Por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu arquivar a ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que contestava a Lei da Anistia, mantendo vedada a possibilidade de processar torturadores. Já que, tal como tal como no poema de Bandeira, a decisão assegura que a única coisa a fazer é tocar "um tango argentino", vale a pena analisar a lógica do voto do relator, ministro Eros Grau que, na ditadura, foi preso e torturado nas dependências do DOI-CODI.
Para ele, a lei foi fiadora de uma "transição pacífica para a democracia" e não pode ser julgada com lógica de outra época, senão a do regime militar. Talvez, mesmo invocando o poeta Mario Benedetti, Eros Grau tenha se esquecido de alguns detalhes sobre a “lógica da época”. Vivíamos uma ditadura que nasceu e se afirmou como contra-revolução. Um golpe que expressou a reação de um bloco de poder às reivindicações, lutas e conquistas de operários, mineiros, camponeses e outras categorias do mundo do trabalho.
Em geral, os golpistas também estavam combatendo as propostas e realizações de movimentos e governos de cunho reformista. A ascensão das classes sociais subalternas, tanto agrárias como urbanas, como possíveis sujeitos de reformas sociais e democráticas, precipitou a reação em moldes militaristas. Para atingir seus propósitos, principalmente a partir de 1968, o poder estatal, enquanto monopólio da violência, alargou sua ação por todos os círculos da vida privada, anulando, na prática, o espaço do privado. O terror e a barbárie espalharam-se pelo tecido social da sociedade civil até os mais distantes recantos e poros. Como falar em negociação nesse cenário? Quais os termos em que se daria? Há pacto possível entre algozes e totalidades desconstruídas pela negação de sua própria humanidade?
A questão da legalidade da ditadura torna-se crucial porque o terror não foi excesso de funcionários sádicos – embora, óbvio, eles existissem-, mas metodologia de Estado. Foi para viabilizar um modelo de capitalismo monopolista dependente que se estruturou a Doutrina da Segurança Nacional e a Lei de Segurança que dela decorreu. Os comandos militares, com apoio de conhecidos grupos empresariais, fizeram do anticomunismo paranóico a razão em nome da qual procuraram justificar os crimes perpetrados. Para empreender a luta contra o que chamavam de subversão, instalou-se no país uma desapiedada máquina repressiva, capaz de todas as violências e de todos os horrores.
Seqüestrou-se á vontade, sumiu-se com muita gente, torturou-se, e matou-se sob o pretexto de dar combate ao comunismo. A isso tudo, uma parcela da esquerda se opôs tanto em 1968 e na década de 1970, com a resistência armada, como posteriormente, a partir de 1974, com a ascensão do movimento democrático de massas. Estava claro que o terror era instrumento imprescindível para a imposição de uma política de concentração de renda e da entrega da economia nacional ao estrangeiro.
O ex-militante do PCB, hoje juiz do Supremo, está correto quando pondera que “era ceder e sobreviver ou não ceder em continuar a viver em angústia. Em alguns casos, nem mesmo viver". Mas incorre em erro ao afirmar que “quando se deseja negar o acordo político que efetivamente existiu, resultam fustigados os que manifestaram politicamente em nome dos subversivos". Com efeito, Eros Grau parece não se dar conta de que para acalentar esperanças, fica-nos o dado da experiência. Parece ter desaprendido que, em política, o formal não corresponde ao real. A realidade, a nova realidade, pode, de repente, impor ritmos e decisões que uma análise puramente formalista da situação não só não apreende como acaba por produzir um equívoco deplorável.
Nos novos tempos, o jogo político aberto, que só é aprofundado com a permanente participação popular, demonstra sua força de condutor concreto da vida nacional. Evitar bloqueios e desvios que tantos já começam a temer era o papel que se esperava do STF. Ao não rever, dentro de sua competência constitucional, a Lei da Anistia, absolveu o regime militar de suas mais tenebrosas patologias.
Talvez, além de Benedetti, o relator devesse ter lido um trecho de belo artigo de Hélio Pellegrino: “O corpo, na tortura, nos acua para que nos neguemos enquanto sujeitos humanos, fiéis aos valores que compõem o nosso sistema de crenças".
Com seu voto, Eros Grau quedou-se frente ao passado, garantindo ao torturador seu segundo êxito. Há fantasmas que sempre reaparecem com recados políticos claros. Não é de bom tom rezar as orações que eles pedem. O antigo militante revisitou, togado, as dependências do terror. Um retorno tramado por capitulação que se disfarça de consciência jurídico-política.
.
Por sete votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu arquivar a ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que contestava a Lei da Anistia, mantendo vedada a possibilidade de processar torturadores. Já que, tal como tal como no poema de Bandeira, a decisão assegura que a única coisa a fazer é tocar "um tango argentino", vale a pena analisar a lógica do voto do relator, ministro Eros Grau que, na ditadura, foi preso e torturado nas dependências do DOI-CODI.
Para ele, a lei foi fiadora de uma "transição pacífica para a democracia" e não pode ser julgada com lógica de outra época, senão a do regime militar. Talvez, mesmo invocando o poeta Mario Benedetti, Eros Grau tenha se esquecido de alguns detalhes sobre a “lógica da época”. Vivíamos uma ditadura que nasceu e se afirmou como contra-revolução. Um golpe que expressou a reação de um bloco de poder às reivindicações, lutas e conquistas de operários, mineiros, camponeses e outras categorias do mundo do trabalho.
Em geral, os golpistas também estavam combatendo as propostas e realizações de movimentos e governos de cunho reformista. A ascensão das classes sociais subalternas, tanto agrárias como urbanas, como possíveis sujeitos de reformas sociais e democráticas, precipitou a reação em moldes militaristas. Para atingir seus propósitos, principalmente a partir de 1968, o poder estatal, enquanto monopólio da violência, alargou sua ação por todos os círculos da vida privada, anulando, na prática, o espaço do privado. O terror e a barbárie espalharam-se pelo tecido social da sociedade civil até os mais distantes recantos e poros. Como falar em negociação nesse cenário? Quais os termos em que se daria? Há pacto possível entre algozes e totalidades desconstruídas pela negação de sua própria humanidade?
A questão da legalidade da ditadura torna-se crucial porque o terror não foi excesso de funcionários sádicos – embora, óbvio, eles existissem-, mas metodologia de Estado. Foi para viabilizar um modelo de capitalismo monopolista dependente que se estruturou a Doutrina da Segurança Nacional e a Lei de Segurança que dela decorreu. Os comandos militares, com apoio de conhecidos grupos empresariais, fizeram do anticomunismo paranóico a razão em nome da qual procuraram justificar os crimes perpetrados. Para empreender a luta contra o que chamavam de subversão, instalou-se no país uma desapiedada máquina repressiva, capaz de todas as violências e de todos os horrores.
Seqüestrou-se á vontade, sumiu-se com muita gente, torturou-se, e matou-se sob o pretexto de dar combate ao comunismo. A isso tudo, uma parcela da esquerda se opôs tanto em 1968 e na década de 1970, com a resistência armada, como posteriormente, a partir de 1974, com a ascensão do movimento democrático de massas. Estava claro que o terror era instrumento imprescindível para a imposição de uma política de concentração de renda e da entrega da economia nacional ao estrangeiro.
O ex-militante do PCB, hoje juiz do Supremo, está correto quando pondera que “era ceder e sobreviver ou não ceder em continuar a viver em angústia. Em alguns casos, nem mesmo viver". Mas incorre em erro ao afirmar que “quando se deseja negar o acordo político que efetivamente existiu, resultam fustigados os que manifestaram politicamente em nome dos subversivos". Com efeito, Eros Grau parece não se dar conta de que para acalentar esperanças, fica-nos o dado da experiência. Parece ter desaprendido que, em política, o formal não corresponde ao real. A realidade, a nova realidade, pode, de repente, impor ritmos e decisões que uma análise puramente formalista da situação não só não apreende como acaba por produzir um equívoco deplorável.
Nos novos tempos, o jogo político aberto, que só é aprofundado com a permanente participação popular, demonstra sua força de condutor concreto da vida nacional. Evitar bloqueios e desvios que tantos já começam a temer era o papel que se esperava do STF. Ao não rever, dentro de sua competência constitucional, a Lei da Anistia, absolveu o regime militar de suas mais tenebrosas patologias.
Talvez, além de Benedetti, o relator devesse ter lido um trecho de belo artigo de Hélio Pellegrino: “O corpo, na tortura, nos acua para que nos neguemos enquanto sujeitos humanos, fiéis aos valores que compõem o nosso sistema de crenças".
Com seu voto, Eros Grau quedou-se frente ao passado, garantindo ao torturador seu segundo êxito. Há fantasmas que sempre reaparecem com recados políticos claros. Não é de bom tom rezar as orações que eles pedem. O antigo militante revisitou, togado, as dependências do terror. Um retorno tramado por capitulação que se disfarça de consciência jurídico-política.
.
sábado, 1 de maio de 2010
O “extremismo desestabilizador” da mídia
Reproduzo artigo do professor Venício Lima, publicado no sítio Carta Maior:
Tenho dito e escrito reiteradas vezes que, apesar da inequívoca ampliação do espaço público do debate sobre a mídia no Brasil, sobretudo ao longo de 2009, a diversidade das posições e opiniões tem diminuído e há uma clara polarização e radicalização do processo.
São muitos os exemplos nos últimos anos. Lembro a proposta de criação de um Conselho Nacional de Jornalismo; a transformação da Ancine em Ancinav; o Decreto das RTVIs (retransmissoras de TV institucionais); o desequilíbrio evidente na cobertura sobre as novas regulamentações da mídia aprovadas em países latino-americanos e, talvez, os dois mais emblemáticos, a 1ª. Conferencia Nacional de Comunicação (Confecom) e a única diretriz de comunicação do PNDH-3.
No caso da Confecom, como se sabe, os principais empresários do setor, através de suas entidades representativas, se retiraram da comissão organizadora; omitiram a cobertura do rico processo de preparação e construção do evento em todo o país; e, ao final, satanizaram os resultados da Conferencia, em alguns casos, referindo-se a propostas que sequer existiam. Em relação ao PNDH3, da mesma forma, houve - e ainda prossegue - uma violenta reação da grande mídia a propostas que, em boa parte, apenas se referem à regulamentação das normas da Constituição de 1988.
A realização, no início de março, em São Paulo, do “Fórum Democracia e Liberdade de Expressão” pelo Instituto Millenium - uma espécie de “think tank” da direita brasileira - que reuniu a nata dos empresários da grande mídia e de seus colunistas; e as recentes declarações da presidente da ANJ, assumindo, de maneira explícita, o papel de oposição ao governo que vem sendo exercido pela imprensa, revelam bem o tom de polarização e radicalização que alcançamos.
No Fórum, um dos expositores disse literalmente: “a imprensa tem que acabar com o isentismo e o outroladismo, essa história de dar o mesmo espaço a todos”. Outro afirmou: “a questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”.
No bojo deste processo, a liberdade de expressão tem sido não só identificada, sem mais, com a liberdade de imprensa, como a tese de que esta constitui um valor absoluto, passou a ser defendida, inclusive, pelo ministro Ayres Britto do STF. E tudo isso, sempre, em nome da liberdade de expressão e da democracia.
Fenômeno universal?
Parece que o fenômeno da radicalização política, todavia, não está a ocorrer somente no Brasil. Juan Luiz Cebrián, fundador do El País, respondendo sobre o futuro dos meios de comunicação e o “fenômeno da desintermediação” trazido pela internet, comentou em entrevista recente ao O Estado de São Paulo:
“Estamos assistindo a um processo de radicalização das idéias políticas, que afeta o jornalismo. O que dizer do alinhamento da Fox com os republicanos para fazer oposição a Obama? O envolvimento da imprensa com a política é um fenômeno antigo. O que é novo é a instantaneidade, a globalidade e a capacidade de transmissão de dados que, por si só, configura um poder fabuloso”.
Estaria a radicalização política afetando o jornalismo ou estaria a crise generalizada porque passam os jornais - e consequentemente, o jornalismo - provocando alterações no comportamento da própria mídia dentro do processo político. Ou ambos?
Em entrevista publicada no Valor Econômico (9 de abril de 2010), o historiador e cientista político Luiz Felipe de Alencastro, professor de História do Brasil na Sorbonne, falando sobre a atual conjuntura política brasileira, constata:
“O discurso (...) contra o sistema de cotas raciais nas universidades públicas indica uma guinada à direita da direita parecida com a dos republicanos nos Estados Unidos. Lá, esse extremismo empolgou o partido inteiro e pode desestabilizar o país. A falta de perspectiva da oposição cria um vácuo para o radicalismo. (...) Novamente, o exemplo americano: fico impressionado não só com o radicalismo, mas com a histeria. Obama é chamado de Anticristo... O Brasil pode enveredar por aí. Brasil e Estados Unidos são países conservadores e precisam ter um partido conservador à altura. A desarticulação da direita não é bom sinal. É preciso uma alternativa conservadora que mantenha a insatisfação no jogo eleitoral”.
E especificamente sobre a grande mídia, disse ele:
“Normalmente, a imprensa defende a Constituição, reformas políticas, idéias. Não há nada errado, por exemplo, em apoiar candidatos. O "New York Times" apoiou Obama, mas tem um trabalho jornalístico sério e equilibrado. Esse é o papel da imprensa, o que é diferente de querer substituir partidos políticos. Fiquei perplexo com o texto de uma coluna regular num grande jornal carioca que continha uma proposta partidária para o PSDB. O papel do jornalista não é redigir programas partidários”.
Extremismo desestabilizador?
Será que existem condições para que o Brasil possa enveredar para um extremismo desestabilizador, fora do jogo eleitoral, como já ocorreu com a ativa participação de grupos conservadores da grande mídia, por exemplo, na Venezuela, em 2002? A quem poderia interessar esse caminho não democrático?
A importância da grande mídia no mundo contemporâneo fez dela não só um ator fundamental, mas palco de disputas políticas e, sobretudo, eleitorais. Independentemente das estratégias de sobrevivência no mercado adotadas pelos grupos de mídia - uma delas, assumir a própria partidarização - os tempos são outros. É necessário que a grande mídia não continue na escalada da intolerância, estimulando o processo de polarização e radicalização da política.
Em ano de eleições, mais do que nunca, parece apropriado que se discutam publicamente essas questões. Ou o compromisso maior de todos, inclusive ou, sobretudo, da grande mídia, não é com a democracia?
.
Tenho dito e escrito reiteradas vezes que, apesar da inequívoca ampliação do espaço público do debate sobre a mídia no Brasil, sobretudo ao longo de 2009, a diversidade das posições e opiniões tem diminuído e há uma clara polarização e radicalização do processo.
São muitos os exemplos nos últimos anos. Lembro a proposta de criação de um Conselho Nacional de Jornalismo; a transformação da Ancine em Ancinav; o Decreto das RTVIs (retransmissoras de TV institucionais); o desequilíbrio evidente na cobertura sobre as novas regulamentações da mídia aprovadas em países latino-americanos e, talvez, os dois mais emblemáticos, a 1ª. Conferencia Nacional de Comunicação (Confecom) e a única diretriz de comunicação do PNDH-3.
No caso da Confecom, como se sabe, os principais empresários do setor, através de suas entidades representativas, se retiraram da comissão organizadora; omitiram a cobertura do rico processo de preparação e construção do evento em todo o país; e, ao final, satanizaram os resultados da Conferencia, em alguns casos, referindo-se a propostas que sequer existiam. Em relação ao PNDH3, da mesma forma, houve - e ainda prossegue - uma violenta reação da grande mídia a propostas que, em boa parte, apenas se referem à regulamentação das normas da Constituição de 1988.
A realização, no início de março, em São Paulo, do “Fórum Democracia e Liberdade de Expressão” pelo Instituto Millenium - uma espécie de “think tank” da direita brasileira - que reuniu a nata dos empresários da grande mídia e de seus colunistas; e as recentes declarações da presidente da ANJ, assumindo, de maneira explícita, o papel de oposição ao governo que vem sendo exercido pela imprensa, revelam bem o tom de polarização e radicalização que alcançamos.
No Fórum, um dos expositores disse literalmente: “a imprensa tem que acabar com o isentismo e o outroladismo, essa história de dar o mesmo espaço a todos”. Outro afirmou: “a questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”.
No bojo deste processo, a liberdade de expressão tem sido não só identificada, sem mais, com a liberdade de imprensa, como a tese de que esta constitui um valor absoluto, passou a ser defendida, inclusive, pelo ministro Ayres Britto do STF. E tudo isso, sempre, em nome da liberdade de expressão e da democracia.
Fenômeno universal?
Parece que o fenômeno da radicalização política, todavia, não está a ocorrer somente no Brasil. Juan Luiz Cebrián, fundador do El País, respondendo sobre o futuro dos meios de comunicação e o “fenômeno da desintermediação” trazido pela internet, comentou em entrevista recente ao O Estado de São Paulo:
“Estamos assistindo a um processo de radicalização das idéias políticas, que afeta o jornalismo. O que dizer do alinhamento da Fox com os republicanos para fazer oposição a Obama? O envolvimento da imprensa com a política é um fenômeno antigo. O que é novo é a instantaneidade, a globalidade e a capacidade de transmissão de dados que, por si só, configura um poder fabuloso”.
Estaria a radicalização política afetando o jornalismo ou estaria a crise generalizada porque passam os jornais - e consequentemente, o jornalismo - provocando alterações no comportamento da própria mídia dentro do processo político. Ou ambos?
Em entrevista publicada no Valor Econômico (9 de abril de 2010), o historiador e cientista político Luiz Felipe de Alencastro, professor de História do Brasil na Sorbonne, falando sobre a atual conjuntura política brasileira, constata:
“O discurso (...) contra o sistema de cotas raciais nas universidades públicas indica uma guinada à direita da direita parecida com a dos republicanos nos Estados Unidos. Lá, esse extremismo empolgou o partido inteiro e pode desestabilizar o país. A falta de perspectiva da oposição cria um vácuo para o radicalismo. (...) Novamente, o exemplo americano: fico impressionado não só com o radicalismo, mas com a histeria. Obama é chamado de Anticristo... O Brasil pode enveredar por aí. Brasil e Estados Unidos são países conservadores e precisam ter um partido conservador à altura. A desarticulação da direita não é bom sinal. É preciso uma alternativa conservadora que mantenha a insatisfação no jogo eleitoral”.
E especificamente sobre a grande mídia, disse ele:
“Normalmente, a imprensa defende a Constituição, reformas políticas, idéias. Não há nada errado, por exemplo, em apoiar candidatos. O "New York Times" apoiou Obama, mas tem um trabalho jornalístico sério e equilibrado. Esse é o papel da imprensa, o que é diferente de querer substituir partidos políticos. Fiquei perplexo com o texto de uma coluna regular num grande jornal carioca que continha uma proposta partidária para o PSDB. O papel do jornalista não é redigir programas partidários”.
Extremismo desestabilizador?
Será que existem condições para que o Brasil possa enveredar para um extremismo desestabilizador, fora do jogo eleitoral, como já ocorreu com a ativa participação de grupos conservadores da grande mídia, por exemplo, na Venezuela, em 2002? A quem poderia interessar esse caminho não democrático?
A importância da grande mídia no mundo contemporâneo fez dela não só um ator fundamental, mas palco de disputas políticas e, sobretudo, eleitorais. Independentemente das estratégias de sobrevivência no mercado adotadas pelos grupos de mídia - uma delas, assumir a própria partidarização - os tempos são outros. É necessário que a grande mídia não continue na escalada da intolerância, estimulando o processo de polarização e radicalização da política.
Em ano de eleições, mais do que nunca, parece apropriado que se discutam publicamente essas questões. Ou o compromisso maior de todos, inclusive ou, sobretudo, da grande mídia, não é com a democracia?
.
Assinar:
Postagens (Atom)