Por Manuel Castells, no sítio Outras Palavras:
O capital financeiro e seus altos executivos enfrentam um sério problema: as pessoas não gostam deles. Mais que isso, são odiados por muita gente. E a raiva atinge também os políticos, que são vistos como marionetes dos bancos e que não duvidam em protegê-los com o dinheiro dos contribuintes, sem que as instituições financeiras retribuam o favor quando vão bem e o país vai mal. Afinal, argumentam, o dinheiro pertence aos acionistas.
Ninguém acredita nisso, porque nos conselhos de acionistas está tudo bem amarrado. Com uma minoritária participação de controle, alguns poucos acionistas mandam e desmandam. Some-se a isso os investimentos cruzados entre bancos e o sistema se fecha em si mesmo, com escassa utilidade social e máxima captação de fundos em benefício dos banqueiros, com ganhos exorbitantes para eles mesmos, ainda que quebrem suas entidades. E nada de pagar mais impostos. Para isso servem nos paraísos fiscais.
Daí o movimento Occupy Wall Street, iniciado no coração do capitalismo financeiro, ter conseguido tanto apoio popular nos Estados Unidos e no mundo. A ideia foi lançada na internet em julho de 2011 pela revista Adbuster, uma publicação de crítica à publicidade, editada em Vancouver. A proposta de ocupar Wall Street em 17 de setembro, dia da Constituição, para protestar contra o controle da política pelo dinheiro, foi incorporada por diversos grupos em todo o país, mais ou menos organizada na rede e finalmente levada a cabo por cerca de mil manifestantes que acabaram acampando no Zuccotti Park, nas imediações do distrito financeiro novayorquino.
O silêncio da mídia e a ausência de apoio organizado pareceu confinar o movimento ao ostracismo. Suas demandas eram variadas, mas coincidiam na crítica a um sistema financeiro que provocou a crise e que continua exercendo poder de vida e morte sobre a economia e a política. Mas, onde não chegam os meios de comunicação tradicionais, chega a internet, e a iniciativa ganhou apoio dos cidadãos cansados de tudo — mas especialmente dos bancos. E quando a polícia intensificou a repressão, os sindicatos estadunidenses, que estão sofrendo uma campanha de extermínio por parte dos governadores republicanos e das grandes empresas, decidiram se unir ao movimento e ajudar as manifestações. Os hackers também entraram em ação. Anonymous publicou os nomes e senhas pessoais dos policiais responsáveis por ferir os manifestantes.
O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg ordenou que os manifestantes desmontassem o acampamento por “razões de higiene” (soa familiar?), mas volto atrás após a massiva mobilização para impedir a desocupação. Em 1º de outubro, os manifestantes marcharam até a ponte do Brooklyn, e a polícia os deixou passar. Era uma armadilha: finalmente, tinham pretexto legal para deter centenas de manifestantes. Mas a brutalidade da polícia oferece aos meios de comunicação uma oportunidade espetacular para filmar tudo — e, pela pela primeira vez, a imprensa, mesmo criticando, cobre amplamente o movimento.
Rompe-se a barreira do silêncio. O movimentos, então, estendeu-se por todo o país. Centenas de cidades, e numerosos bairros e ruas, têm sua própria ocupação, tanto no espaço urbano quanto numa rede que relata a ação cotidiana e se conecta com outras redes que vão tecendo uma geografia virtual e espacial da mudança de mentalidade num país capitalista por excelência: 82% das pessoas no Estado de Nova York e 46% em todo o país apoiam as críticas do movimento Wall Street, frente a 34% que se opõe. O movimento se autoproclama representante de 99% dos cidadãos, em oposição a 1% que detém 20% da riqueza. E começa a ter impacto na opinião política: enquanto 68% da população pede que os ricos paguem mais impostos, 69% pensa que os republicanos favorecem os ricos.
Como o presidente dos EUA, Barack Obama, também aparece como prisioneiro de Wall Street, o efeito eleitoral direto é incerto, a menos que Obama faça uma mudança em relação a isso. Conforme o movimento aumenta em popularidade e em número de ocupações, acentua-se a repressão policial, centenas de pessoas são detidas em todo o país, as acusações policiais endurecem.
Acontecem feitos inéditos: em 22 de outubro, devido a uma ação policial em Nova York, um robusto sargento dos marines, ex-combatente no Afeganistão, repreendeu os policiais e os acusou de desonrar os ideais estadunidenses ao atacar os cidadãos. A polícia não se atreve com ele. O vídeo do incidente foi visto por três milhões de pessoas. Então surge um movimento, Ocupar os Marines, feito pelos próprios fuzileiros navais, que se dispõe a dar apoio tático e liderança aos manifestantes. Em 25 de outubro, a polícia de Oakland, na Califórnia, ataca durante a noite o acampamento em frente à Prefeitura. Uma granada de gás lacrimogêneo fratura o crânio do marine Scott Olsen, participante da ocupação. A prefeita pede desculpas.
Os protestos intensificam-se em todos os EUA. Em Nova York, uma tempestade de neve cobre a região. Alguns dias antes, o prefeito havia cortado toda a calefação em Zuccotti Park por “razões de segurança”. Os acampados aguentam o frio intenso com o apoio dos vizinhos do bairro e de redes de solidariedade.
Após sete semanas, as ocupações se proliferam e se reforçam. Os bancos seguem na mira dos manifestantes. Uma jovem de 22 anos em Washington, Molly Katchpole, reage contra a imposição do Bank of America de cobrar 5 dólares de seus clientes por cada utilização do cartão de débito — medida que os outros bancos iriam imitar. Molly publicou seu protesto na internet e em algumas horas 300 mil pessoas se juntam ao protesto. Os bancos cancelaram a medida, com ampla repercussão da mídia.
Move.Org, com 5 milhões de afiliados, lança uma campanha para que as pessoas retirem seu dinheiro dos grandes bancos e o depositem em cooperativas de crédito e bancos comunitários. Da internet à rua e da rua à conta bancária. Os executivos, que há algumas semanas brindavam com champanha, provocando os manifestantes que passavam em frente às suas janelas em Wall Street, começam a esconder sua identidade em público.
* Tradução de Daniela Frabasile.
O capital financeiro e seus altos executivos enfrentam um sério problema: as pessoas não gostam deles. Mais que isso, são odiados por muita gente. E a raiva atinge também os políticos, que são vistos como marionetes dos bancos e que não duvidam em protegê-los com o dinheiro dos contribuintes, sem que as instituições financeiras retribuam o favor quando vão bem e o país vai mal. Afinal, argumentam, o dinheiro pertence aos acionistas.
Ninguém acredita nisso, porque nos conselhos de acionistas está tudo bem amarrado. Com uma minoritária participação de controle, alguns poucos acionistas mandam e desmandam. Some-se a isso os investimentos cruzados entre bancos e o sistema se fecha em si mesmo, com escassa utilidade social e máxima captação de fundos em benefício dos banqueiros, com ganhos exorbitantes para eles mesmos, ainda que quebrem suas entidades. E nada de pagar mais impostos. Para isso servem nos paraísos fiscais.
Daí o movimento Occupy Wall Street, iniciado no coração do capitalismo financeiro, ter conseguido tanto apoio popular nos Estados Unidos e no mundo. A ideia foi lançada na internet em julho de 2011 pela revista Adbuster, uma publicação de crítica à publicidade, editada em Vancouver. A proposta de ocupar Wall Street em 17 de setembro, dia da Constituição, para protestar contra o controle da política pelo dinheiro, foi incorporada por diversos grupos em todo o país, mais ou menos organizada na rede e finalmente levada a cabo por cerca de mil manifestantes que acabaram acampando no Zuccotti Park, nas imediações do distrito financeiro novayorquino.
O silêncio da mídia e a ausência de apoio organizado pareceu confinar o movimento ao ostracismo. Suas demandas eram variadas, mas coincidiam na crítica a um sistema financeiro que provocou a crise e que continua exercendo poder de vida e morte sobre a economia e a política. Mas, onde não chegam os meios de comunicação tradicionais, chega a internet, e a iniciativa ganhou apoio dos cidadãos cansados de tudo — mas especialmente dos bancos. E quando a polícia intensificou a repressão, os sindicatos estadunidenses, que estão sofrendo uma campanha de extermínio por parte dos governadores republicanos e das grandes empresas, decidiram se unir ao movimento e ajudar as manifestações. Os hackers também entraram em ação. Anonymous publicou os nomes e senhas pessoais dos policiais responsáveis por ferir os manifestantes.
O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg ordenou que os manifestantes desmontassem o acampamento por “razões de higiene” (soa familiar?), mas volto atrás após a massiva mobilização para impedir a desocupação. Em 1º de outubro, os manifestantes marcharam até a ponte do Brooklyn, e a polícia os deixou passar. Era uma armadilha: finalmente, tinham pretexto legal para deter centenas de manifestantes. Mas a brutalidade da polícia oferece aos meios de comunicação uma oportunidade espetacular para filmar tudo — e, pela pela primeira vez, a imprensa, mesmo criticando, cobre amplamente o movimento.
Rompe-se a barreira do silêncio. O movimentos, então, estendeu-se por todo o país. Centenas de cidades, e numerosos bairros e ruas, têm sua própria ocupação, tanto no espaço urbano quanto numa rede que relata a ação cotidiana e se conecta com outras redes que vão tecendo uma geografia virtual e espacial da mudança de mentalidade num país capitalista por excelência: 82% das pessoas no Estado de Nova York e 46% em todo o país apoiam as críticas do movimento Wall Street, frente a 34% que se opõe. O movimento se autoproclama representante de 99% dos cidadãos, em oposição a 1% que detém 20% da riqueza. E começa a ter impacto na opinião política: enquanto 68% da população pede que os ricos paguem mais impostos, 69% pensa que os republicanos favorecem os ricos.
Como o presidente dos EUA, Barack Obama, também aparece como prisioneiro de Wall Street, o efeito eleitoral direto é incerto, a menos que Obama faça uma mudança em relação a isso. Conforme o movimento aumenta em popularidade e em número de ocupações, acentua-se a repressão policial, centenas de pessoas são detidas em todo o país, as acusações policiais endurecem.
Acontecem feitos inéditos: em 22 de outubro, devido a uma ação policial em Nova York, um robusto sargento dos marines, ex-combatente no Afeganistão, repreendeu os policiais e os acusou de desonrar os ideais estadunidenses ao atacar os cidadãos. A polícia não se atreve com ele. O vídeo do incidente foi visto por três milhões de pessoas. Então surge um movimento, Ocupar os Marines, feito pelos próprios fuzileiros navais, que se dispõe a dar apoio tático e liderança aos manifestantes. Em 25 de outubro, a polícia de Oakland, na Califórnia, ataca durante a noite o acampamento em frente à Prefeitura. Uma granada de gás lacrimogêneo fratura o crânio do marine Scott Olsen, participante da ocupação. A prefeita pede desculpas.
Os protestos intensificam-se em todos os EUA. Em Nova York, uma tempestade de neve cobre a região. Alguns dias antes, o prefeito havia cortado toda a calefação em Zuccotti Park por “razões de segurança”. Os acampados aguentam o frio intenso com o apoio dos vizinhos do bairro e de redes de solidariedade.
Após sete semanas, as ocupações se proliferam e se reforçam. Os bancos seguem na mira dos manifestantes. Uma jovem de 22 anos em Washington, Molly Katchpole, reage contra a imposição do Bank of America de cobrar 5 dólares de seus clientes por cada utilização do cartão de débito — medida que os outros bancos iriam imitar. Molly publicou seu protesto na internet e em algumas horas 300 mil pessoas se juntam ao protesto. Os bancos cancelaram a medida, com ampla repercussão da mídia.
Move.Org, com 5 milhões de afiliados, lança uma campanha para que as pessoas retirem seu dinheiro dos grandes bancos e o depositem em cooperativas de crédito e bancos comunitários. Da internet à rua e da rua à conta bancária. Os executivos, que há algumas semanas brindavam com champanha, provocando os manifestantes que passavam em frente às suas janelas em Wall Street, começam a esconder sua identidade em público.
* Tradução de Daniela Frabasile.
2 comentários:
Se o Banco do Brasil se prestasse para algo público poderiamos fazer o mesmo aqui. Mas se presta?
Acredito em tudo, menos que haja uma crise financeira, se houvesse crise mesmo haveria revolução e estamos muito longe disso.
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