Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
O caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo Dias de Souza, que nunca mais foi visto após ser detido por policiais militares, no dia 14 de julho, está para ser desvendado. Segundo os jornais dea sexta-feira (4/10), ele foi torturado até a morte por agentes responsáveis pela Unidade de Polícia Pacificadora da favela da Rocinha, no Rio, onde morava. O delegado que investiga o caso não chegou a uma conclusão sobre o destino dado aos seus restos mortais, mas vai indiciar dez policiais militares que se encontravam em serviço na UPP naquele dia, inclusive o comandante.
Os detalhes trazidos à luz pela imprensa são extremamente preocupantes: praticamente todo o contingente de policiais lotados na unidade no dia 14 de julho será indiciado. Houve uma sucessão de manobras, depois do crime, para dificultar a investigação e incriminar a vítima, com alegações de relações do pedreiro ou de sua mulher com traficantes, e suspeita-se que as câmeras de vigilância instaladas no local em que ele teria sido assassinado foram desligadas ou danificadas. Mas o aspecto mais emblemático do caso é o envolvimento de praticamente todo o contingente, sem uma só voz que pudesse se opor à sequência do crime.
O noticiário induz o leitor a entender que o major comandante da UPP tinha seus comandados sob total controle, o que explicaria a permanência do mistério por mais de dois meses e meio.
A análise das reportagens que se sucederam depois do desaparecimento do pedreiro mostra que os três principais jornais do país deixaram o assunto em segundo plano apenas no período em que ocorriam manifestações diárias no Rio, com episódios seguidos de violência policial.
Uma intensa campanha pelas redes sociais digitais provocou a volta do interesse no destino da vítima. A pergunta dos ativistas entrou na agenda dos protestos e influenciou a pauta: “Onde está Amarildo?” O caso também levou os jornais a constatar que nem tudo é pacificação nas unidades pacificadoras e na estratégia da Polícia Militar do Rio.
Uma atenção maior à ação da Polícia Militar permitiu, por exemplo, flagrar as muitas tentativas de incriminar manifestantes, forjando o porte de explosivos e outros artefatos, como aconteceu nesta semana.
O brasileiro brutal
O desaparecimento de Amarildo seria provavelmente mais um episódio esquecido no persistente histórico da violência policial – uma chaga que se recusa a cicatrizar, passado um quarto de século da redemocratização do país –, se não tivesse ocorrido no contexto da onda de manifestações.
Há uma cultura da arbitrariedade em muitos setores do serviço público, que se reflete em casos de negligência no atendimento da saúde, no baixo compromisso com a eficiência e a qualidade do ensino, no abuso dos pequenos grandes poderes que as normas entregam nas mãos dos burocratas.
Da violência sutil representada pelo funcionário que esconde a ficha de um paciente até o assassinato brutal de um homem indefeso e a posterior ocultação de seus restos mortais parece haver uma distância imensurável. Mas, se prestarmos atenção ao noticiário dos jornais, poderemos concluir que se processa no Brasil um estado de animosidade oposto ao espírito que se costuma creditar aos brasileiros.
É certo que a ideia do “brasileiro cordial”, popularizada com o livro Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, não se refere exatamente a uma predisposição amistosa da nossa sociedade, mas à tendência do cidadão a resolver tudo com o coração, não com o raciocínio.
Acontece que a sociedade contemporânea exige decisões cada vez mais racionais, e o novo tempo dos fatos cotidianos pressupõe uma intuição aguçada para ações adequadas e imediatas. Assim, da mesma forma como alguém se lança a um abraço, pode sofrer o impulso contrário, no sentido da agressão, com a mesma intensidade. Essa impulsividade pode estar na origem, por exemplo, dos indicadores de violência contra mulheres.
O noticiário dos jornais está repleto de casos chocantes, sendo o mais ruidoso deles o linchamento de um estudante de 21 anos durante uma festa no campus da Universidade Estadual de Campinas, no estado de São Paulo. Supõe o senso comum que o ambiente acadêmico seja um espaço para o diálogo, mesmo numa circunstância festiva banhada em álcool. Por isso, choca a leitura dos detalhes desse crime, para o qual contribuíram não apenas a extrema agressividade dos autores, como a passividade das dezenas de testemunhas que se encontravam no local.
Apesar de ser sempre uma coleção de fragmentos, o conteúdo da imprensa costuma trazer para o conhecimento público sintomas de que a brutalidade permanece como uma endemia renitente nas corporações policiais – e que grupos organizados que têm como única conexão o gosto pela agressão circulam livremente pelos espaços públicos.
O Brasil precisa colocar na pauta essa cultura da violência.
Os detalhes trazidos à luz pela imprensa são extremamente preocupantes: praticamente todo o contingente de policiais lotados na unidade no dia 14 de julho será indiciado. Houve uma sucessão de manobras, depois do crime, para dificultar a investigação e incriminar a vítima, com alegações de relações do pedreiro ou de sua mulher com traficantes, e suspeita-se que as câmeras de vigilância instaladas no local em que ele teria sido assassinado foram desligadas ou danificadas. Mas o aspecto mais emblemático do caso é o envolvimento de praticamente todo o contingente, sem uma só voz que pudesse se opor à sequência do crime.
O noticiário induz o leitor a entender que o major comandante da UPP tinha seus comandados sob total controle, o que explicaria a permanência do mistério por mais de dois meses e meio.
A análise das reportagens que se sucederam depois do desaparecimento do pedreiro mostra que os três principais jornais do país deixaram o assunto em segundo plano apenas no período em que ocorriam manifestações diárias no Rio, com episódios seguidos de violência policial.
Uma intensa campanha pelas redes sociais digitais provocou a volta do interesse no destino da vítima. A pergunta dos ativistas entrou na agenda dos protestos e influenciou a pauta: “Onde está Amarildo?” O caso também levou os jornais a constatar que nem tudo é pacificação nas unidades pacificadoras e na estratégia da Polícia Militar do Rio.
Uma atenção maior à ação da Polícia Militar permitiu, por exemplo, flagrar as muitas tentativas de incriminar manifestantes, forjando o porte de explosivos e outros artefatos, como aconteceu nesta semana.
O brasileiro brutal
O desaparecimento de Amarildo seria provavelmente mais um episódio esquecido no persistente histórico da violência policial – uma chaga que se recusa a cicatrizar, passado um quarto de século da redemocratização do país –, se não tivesse ocorrido no contexto da onda de manifestações.
Há uma cultura da arbitrariedade em muitos setores do serviço público, que se reflete em casos de negligência no atendimento da saúde, no baixo compromisso com a eficiência e a qualidade do ensino, no abuso dos pequenos grandes poderes que as normas entregam nas mãos dos burocratas.
Da violência sutil representada pelo funcionário que esconde a ficha de um paciente até o assassinato brutal de um homem indefeso e a posterior ocultação de seus restos mortais parece haver uma distância imensurável. Mas, se prestarmos atenção ao noticiário dos jornais, poderemos concluir que se processa no Brasil um estado de animosidade oposto ao espírito que se costuma creditar aos brasileiros.
É certo que a ideia do “brasileiro cordial”, popularizada com o livro Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, não se refere exatamente a uma predisposição amistosa da nossa sociedade, mas à tendência do cidadão a resolver tudo com o coração, não com o raciocínio.
Acontece que a sociedade contemporânea exige decisões cada vez mais racionais, e o novo tempo dos fatos cotidianos pressupõe uma intuição aguçada para ações adequadas e imediatas. Assim, da mesma forma como alguém se lança a um abraço, pode sofrer o impulso contrário, no sentido da agressão, com a mesma intensidade. Essa impulsividade pode estar na origem, por exemplo, dos indicadores de violência contra mulheres.
O noticiário dos jornais está repleto de casos chocantes, sendo o mais ruidoso deles o linchamento de um estudante de 21 anos durante uma festa no campus da Universidade Estadual de Campinas, no estado de São Paulo. Supõe o senso comum que o ambiente acadêmico seja um espaço para o diálogo, mesmo numa circunstância festiva banhada em álcool. Por isso, choca a leitura dos detalhes desse crime, para o qual contribuíram não apenas a extrema agressividade dos autores, como a passividade das dezenas de testemunhas que se encontravam no local.
Apesar de ser sempre uma coleção de fragmentos, o conteúdo da imprensa costuma trazer para o conhecimento público sintomas de que a brutalidade permanece como uma endemia renitente nas corporações policiais – e que grupos organizados que têm como única conexão o gosto pela agressão circulam livremente pelos espaços públicos.
O Brasil precisa colocar na pauta essa cultura da violência.
0 comentários:
Postar um comentário