"Trumpealo", jogo criado criado pela empresa mexicana KaraOkulta |
Quem acompanha a mídia, em especial a norte-americana, imagina que as perspectivas para as eleições presidenciais nos Estados Unidos [marcadas para 2016] revelam uma mudança no tom e no processo maior que qualquer outra antes vista. Não acredito que isso seja verdade. Para compreender por que, proponho revermos as supostas características especiais deste último ciclo eleitoral.
São duas as principais características apontadas pela mídia, ao construir esse argumento: primeiro, o percentual incomum de intenção de votos apontado pelas pesquisas, até agora, para dois “outsiders” na campanha – Donald Trump no lado republicano e Bernie Sanders no lado democrata. A segunda é o impasse aparentemente infinito no Congresso dos EUA, onde conciliação parece ter se tornado uma palavra suja - especialmente para um grupo considerável de membros republicanos da Câmara dos Deputados, bem como para alguns senadores republicanos.
Trump e Sanders têm programas bem diferentes. Trump concorre com uma plataforma antiimigrante. Sanders apresenta-se com a promessa de ampliar o estado de bem-estar social, propondo despesas que requerem aumento de tributos, bloqueados pelo rígido grupo “anti-negociação” do legislativo.
A despeito das plataformas opostas, eles têm recebido apoio consistentemente altos nas pesquisas e atraem audiências muito numerosas em seus comícios. Além disso, parecem não apenas quebrar todas as chamadas “regras de comportamento” que regem as campanhas, mas tirar proveito disso. Por isso, a mídia parece concluir que estamos numa espécie de cenário político novo, onde os resultados são bastante imprevisíveis, mas provavelmente deixarão marcas duradouras na política norte-americana.
Comecemos pela estrutura da política eleitoral. Nos Estados Unidos e na maioria dos países, especialmente do Norte, o normal tem sido, há muito tempo, eleições periódicas disputadas por dois partidos principais: um de centro-direita e outro de centro-esquerda. Claro, em todos estes países emerge, de tempos em tempos, um terceiro partido cujos votos igualam-se, numa eleição especifica, com os de um desses dois partidos principais. Mas em lugar nenhum a estrutura bipartidária foi afetada, exceto por um breve período – embora, em alguns casos, o chamado terceiro partido tenha substituído uma das duas agremiações principais anteriores e se tornado membro do grupo bipartidário. Um bom exemplo dessa mudança em quem são os dois partidos principais é a ascensão do Partido Trabalhista no Reino Unido, um “terceiro partido” que substituiu o Partido Liberal como um dos dois principais.
Claro, todo sistema eleitoral tem suas peculiaridades, que tornam mais fácil ou mais difícil participar o jogo. Mas, em resumo, o sistema com dois partidos que têm entre si diferenças muito limitadas (em geral, principalmente no volume de recursos destinado ao “estado de bem-estar social”) tem sido excepcionalmente resiliente durante um longo tempo.
Nos Estados Unidos, em 2015, não há sequer um sopro de terceiro partido sério. Ao contrário, os dissidentes parecem ter decidido buscar seus objetivos por dentro dos dois partidos, ao invés de romper com eles. Onde estarão esses ativistas depois das eleições atuais, se seus candidatos preferidos não vencerem as eleições primárias? Provavelmente retornarão para onde estavam antes – ou seja: elegendo, embora relutantes, candidatos mais convencionais ou abstendo-se do processo eleitoral.
A mídia tambem assegura que a campanha eleitoral dos EUA parece estar se prolongando demais, como se isso fosse incomum de alguma forma. Mas não ocorre o mesmo na França, Reino Unido, Japão ou Grécia? A razão parece óbvia. Mesmo que um sistema de dois partidos ofereça aos eleitores uma escolha muito limitada, ela parece importar para grande parte dos eleitores. Assim, os potenciais candidatos e os dois principais partidos não podem nunca parar de buscar vantagens eleitorais, quaisquer que sejam as restrições formais da campanha.
O fenômeno Trump/Sanders não reflete uma significativa ansiedade da parte do eleitorado? Sim, com certeza. Mas a ansiedade é um fenômeno mundial, e não exclusividade dos EUA. Quando olhamos para o mundo, constatamos que cresce, em quase toda parte, o apoio a partidos e/ou indivíduos que falam a linguagem da ansiedade e do descontentamento.
A realidade econômica do sistema-mundo é marcada hoje pelo crescimento duradouro do desemprego e por flutuações cada vez mais selvagens dos preços do mercado e cotação das moedas. A resposta mais comum para isso tem sido um grande crescimento da retórica anti-imigrante. É difícil pensar num país onde isso não seja verdade. A retórica protecionista veio para dominar a cena política, não apenas nos Estados Unidos.
Mas então vem a resposta final da mídia: suponha que um desses candidatos “outsiders” vença de fato e/ou se torne parte do governo? A resposta a isso parece muito simples: já vimos tais partidos tornarem-se governo (como na Hungria) ou serem parte do governo (Noruega). Não muda muita coisa. Se um partido antiimigrantes vai bem, há algum aperto na entrada de estrangeiros e alguma redução dos gastos com o estado de bem-estar para os setores mais pobres da população. Há algum aumento da violência anti-minorias no país. São todos fatos muito negativos. Mas ao final, nem a geopolítica do país, nem as opções econômicas de médio prazo parecem mudar. Por que isso não seria verdade para os Estados Unidos em 2016?
Não quero sugerir que as eleições não importam. Elas importam, especialmente em termos do curto prazo. Mas importam muito menos do que frequentemente pensamos. Para ser mais preciso, há batalhas políticas reais ocorrendo. Mas elas se dão principalmente fora dos processos eleitorais.
Por isso, volto ao meu tema de sempre. Vivemos uma crise estrutural do sistema-mundo moderno. Precisamos ter duas noções de tempo: uma é de muito curto prazo, na qual devemos travar batalhas eleitorais, a fim de “minimizar a dor” para o enorme contingente de pessoas que estão sofrendo. Mas também temos de travar, no longo e médio prazo (20-40 anos) a batalha que visa substituir o sistema capitalista para um pós-capitalismo que seja melhor, e não pior, que o sistema atual.
* Tradução de Inês Castilho.
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