Por Michael Roberts, no site Carta Maior:
A recente reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em Washington, mostrou mais uma vez que a economia mundial se está desacelerando, e a perspectiva de uma recessão é muito mais provável do que se imagina. Os economistas do FMI reduziram sua previsão para o crescimento mundial ao nível mais baixo desde a grande crise financeira mundial de 2009, quando o planeta vivia em meio ao panorama mais sombrio na maioria das principais economias avançadas. Sinal de que o aumento nas tarifas comerciais está prejudicando o cenário como um todo, e poderia provocar “uma desaceleração do crescimento e uma recuperação precária”, segundo o FMI.
O Fundo estima que a economia mundial crescerá 3,3% este ano, abaixo do 3,5% que havia previsto inicialmente (em janeiro) para este 2019. É a terceira vez, em seis meses, que o FMI diminui sua previsão. A nova economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, acredita que a economia mundial passa por “um momento delicado”, e ofereceu um perspicaz prognóstico: “se os riscos de uma desaceleração não se materializarem, e a política de apoio impulsada for eficaz, o crescimento global deveria ser recuperado. Entretanto, se qualquer desses principais riscos sim se materializar, as esperadas recuperações das economias estressadas, das economias dependentes das exportações e das economias altamente endividadas podem perder o completamente o rumo”. Assim que, de uma forma ou de outra…
Junto com a perspectiva do FMI, o Instituto Brookings (privado) também publicou sua análise sobre a situação da economia mundial, concluindo – através do seu índice de seguimento da atividade econômica – que o mundo entrou numa fase de “desaceleração sincronizada” que pode ser difícil de reverter no futuro. O índice de seguimento Brookings-FT para a recuperação econômica mundial compara indicadores da atividade real, dos mercados financeiros e da confiança dos investidores, com suas médias históricos para a economia global, e para países concretos. Os principais índices vêm retrocedendo significativamente desde o fim do ano passado, e estão em seus níveis mais baixos desde 2016 (ano que registrou o rendimento econômico mundial mais fraco desde a crise financeira), tanto para as economias emergentes como para as avançadas.
O Instituto Brookings não acredita que a recessão é iminente, mas afirma que “todos os setores da economia mundial estão perdendo impulso”. Embora ainda não estejamos numa recessão global, é evidente, a partir dos últimos dados das principais economias que continuamos sofrendo as consequências da Longa Depressão, como costumo definir este período iniciado em 2009. Frances Coppola, conhecida economista heterodoxa, também escreveu que o capitalismo está bloqueado em uma longa depressão, e faz uma série de observações similares às minhas, sobre as consequências desse fato. Porém, com respeito às causas, Coppola e outros keynesianos se aferram à ideia de uma “estagnação secular”, ou seja, que a depressão se deve a uma falta crônica de demanda. Os leitores habituais dos meus artigos sabem que não considero que esta seja uma explicação adequada das crises e depressões. Numa economia baseada no lucro, o que importa é a rentabilidade do capital.
O novo Informe de Estabilidade Global do FMI oferece mais apoio à minha interpretação causal da longa depressão. Confirmando o que demostrei empiricamente antes, o FMI considera que a rentabilidade empresarial (medida pelos lucros corporativos em relação ao balanço de ativos) nas principais economias não recuperou os níveis de 2008. Aliás, a rentabilidade do capital está muito abaixo dos níveis do final de 1990.
Esta longa depressão tem características similares à depressão do final do Século XIX, e à Grande Depressão dos Anos 30 do século passado. A primeira foi superada após uma série de crises, que finalmente fizeram aumentar a rentabilidade, enquanto a segunda precisou de uma guerra mundial. Creio que a atual depressão terá uma evolução mais parecida à do Século XIX.
A queda da rentabilidade explica, sobretudo porque o investimento empresarial tem sido tão fraco desde 2009. Os benefícios obtidos são destinados à especulação financeira: para fusões e aquisições, a compra de ações e o pagamento de dividendos. Também há uma acumulação dinheiro vivo. Tudo isso porque a rentabilidade dos investimentos produtivos continua sendo historicamente baixa.
Como o resume Gillian Tett, em artigo para o Financial Times: “o FMI calcula que, no ano passado, as empresas estadunidenses pagaram dividendos aos acionistas e recompras de ações que supunham ser um 0,9% dos ativos, o dobro do nível de 2010. Não é de se estranhar que os mercados de ações tenham disparado (deixando de lado as oscilações do final de 2018). As empresas também têm utilizado este arsenal para aumentar significativamente as fusões e aquisições: este tipo de acordo absorve os fluxos de dinheiro vivo, que são equivalentes a 0,4% dos ativos em 2019, em comparação com um nível de praticamente zero em 2011. Entretanto, o volume de fluxo em dinheiro gasto como investimento de capital, pelo contrário, se mantém plano desde 2012, situando-se em torno de 0,7% de todos os ativos – menos que o fluxo em dinheiro destinado ao pagamento de dividendos aos acionistas”. Ou, como mostra o informe do FMI: “as grandes rendas nos Estados Unidos foram utilizadas para o pagamento de dividendos e para aumentar os riscos financeiros”. E não – ao que parece – para aumentar o volume de investimentos.
O outro fator crucial na longa depressão tem sido o aumento da dívida, especialmente a dívida empresarial. Diante da queda na rentabilidade, as empresas passaram a acumular mais dívida, para financiar projetos ou para especular. As grandes empresas, como Apple e Microsoft, podem fazê-lo tranquilamente, porque possuem reservas nas quais se apoiar de algo errado acontece. Já as empresas menores só podem suportar esse espiral de dívida porque as taxas de juros se mantêm em mínimos históricos, e portanto esses juros continuam sendo viáveis – sempre que não aconteça, também, uma diminuição das vendas e dos lucros.
De novo, o Informe sobre a Estabilidade Global do FMI resume a situação: “na maioria das economias avançadas, a capacidade de pagar as dívidas no setor empresarial melhorou durante a recente recuperação cíclica. Os balanços parecem ser suficientemente fortes para sustentar uma desaceleração econômica moderada, ou um endurecimento gradual das condições financeiras. Entretanto, os riscos financeiros e níveis de dívida em geral têm aumentado, e a solvência dos prestamistas vem se deteriorando com relação à qualificação dos bonos de investimento, e os mercados de empréstimos estão travados. Uma desaceleração significativa ou um endurecimento importante das condições financeiras poderia levar a uma forte revisão dos preços dos riscos de crédito, e tornar mais difícil o pagamento da dívida das empresas. Na medida em que as condições monetárias e financeiras sigam sendo favoráveis, é provável que a dívida continue aumentando a médio prazo, na ausência de maiores iniciativas de política econômica, aumentando o risco de um ajuste mais duro no futuro”.
Cada crise tem um disparador diferente ou causa aproximada. A recessão internacional entre 1974 e 1975 foi provocada por um forte aumento dos preços do petróleo, e após os Estados Unidos abandonarem o padrão dólar-ouro. A crise entre 1980 e 1982 foi provocada por uma bolha imobiliária na Europa e uma crise industrial nas principais economias. A recessão entre 1990 e 1992 foi causada pelos preços do petróleo e pela Guerra do Kuwait. Já a leve recessão de 2001 foi resultado da explosão da bolha dot.com. E por sua vez, Grande Recessão começou com o colapso da bolha imobiliária nos Estados Unidos e a conseguinte restrição ao crédito provocada pela diversificação internacional dos derivados de crédito. Mas por trás de cada uma dessas crises se encontra o movimento de queda na rentabilidade do capital produtivo e, logo, uma desaceleração ou diminuição do potencial de lucro (o nexo entre investimento e lucro).
Desta vez, creio que o detonante será a dívida empresarial, já que as empresas conseguem acumular um excesso de créditos baratos e quando os benefícios caem e o custo dos juros subirem, elas se tornaram insolventes. O economista marxista Eric Toussaint, do Comitê para a Abolição das Dívidas Ilegítimas (CADTM, por sua sigla original) está de acordo com este raciocínio. “Esta montanha de dívida corporativa privada será um elemento primordial da próxima crise financeira”. E destaca que “à medida que as taxas de juros sobem, o valor da dívida corporativa cai. Quanto maior é a proporção da dívida corporativa diminuída com relação aos ativos de uma empresa, maior será seu impacto negativo no balanço da empresa. O valor do capital corporativo também cai, e pode chegar a um ponto em que já não cobre suas obrigações. Em 2016 a Apple informou às autoridades dos Estados Unidos que caso houvesse um aumento de 1% nas taxas de juros a empresa perderia 4,9 bilhões de dólares. Claro que, assim como as outras companhias, a Apple pediu créditos para financiar a compras de dívidas. Em 2017, a Apple já havia acumulado compromissos de mais 28 bilhões, situando o total de sua dívida em $ 75 bilhões. Isto, por efeito dominó, poderia produzir uma crise de dimensão similar à crise financeira dos Estados Unidos no período entre 2007 e 2008”.
Como disse a economista-chefe do FMI: o capitalismo passa por um momento delicado.
* Michael Roberts é um conhecido economista marxista britânico, que trabalhou por 30 anos na City londrina como analista econômico, e publica seus artigos no blog The Next Recession
* Publicado originalmente em sinpermiso.info. Tradução de Victor Farinelli.
A recente reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em Washington, mostrou mais uma vez que a economia mundial se está desacelerando, e a perspectiva de uma recessão é muito mais provável do que se imagina. Os economistas do FMI reduziram sua previsão para o crescimento mundial ao nível mais baixo desde a grande crise financeira mundial de 2009, quando o planeta vivia em meio ao panorama mais sombrio na maioria das principais economias avançadas. Sinal de que o aumento nas tarifas comerciais está prejudicando o cenário como um todo, e poderia provocar “uma desaceleração do crescimento e uma recuperação precária”, segundo o FMI.
O Fundo estima que a economia mundial crescerá 3,3% este ano, abaixo do 3,5% que havia previsto inicialmente (em janeiro) para este 2019. É a terceira vez, em seis meses, que o FMI diminui sua previsão. A nova economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, acredita que a economia mundial passa por “um momento delicado”, e ofereceu um perspicaz prognóstico: “se os riscos de uma desaceleração não se materializarem, e a política de apoio impulsada for eficaz, o crescimento global deveria ser recuperado. Entretanto, se qualquer desses principais riscos sim se materializar, as esperadas recuperações das economias estressadas, das economias dependentes das exportações e das economias altamente endividadas podem perder o completamente o rumo”. Assim que, de uma forma ou de outra…
Junto com a perspectiva do FMI, o Instituto Brookings (privado) também publicou sua análise sobre a situação da economia mundial, concluindo – através do seu índice de seguimento da atividade econômica – que o mundo entrou numa fase de “desaceleração sincronizada” que pode ser difícil de reverter no futuro. O índice de seguimento Brookings-FT para a recuperação econômica mundial compara indicadores da atividade real, dos mercados financeiros e da confiança dos investidores, com suas médias históricos para a economia global, e para países concretos. Os principais índices vêm retrocedendo significativamente desde o fim do ano passado, e estão em seus níveis mais baixos desde 2016 (ano que registrou o rendimento econômico mundial mais fraco desde a crise financeira), tanto para as economias emergentes como para as avançadas.
O Instituto Brookings não acredita que a recessão é iminente, mas afirma que “todos os setores da economia mundial estão perdendo impulso”. Embora ainda não estejamos numa recessão global, é evidente, a partir dos últimos dados das principais economias que continuamos sofrendo as consequências da Longa Depressão, como costumo definir este período iniciado em 2009. Frances Coppola, conhecida economista heterodoxa, também escreveu que o capitalismo está bloqueado em uma longa depressão, e faz uma série de observações similares às minhas, sobre as consequências desse fato. Porém, com respeito às causas, Coppola e outros keynesianos se aferram à ideia de uma “estagnação secular”, ou seja, que a depressão se deve a uma falta crônica de demanda. Os leitores habituais dos meus artigos sabem que não considero que esta seja uma explicação adequada das crises e depressões. Numa economia baseada no lucro, o que importa é a rentabilidade do capital.
O novo Informe de Estabilidade Global do FMI oferece mais apoio à minha interpretação causal da longa depressão. Confirmando o que demostrei empiricamente antes, o FMI considera que a rentabilidade empresarial (medida pelos lucros corporativos em relação ao balanço de ativos) nas principais economias não recuperou os níveis de 2008. Aliás, a rentabilidade do capital está muito abaixo dos níveis do final de 1990.
Esta longa depressão tem características similares à depressão do final do Século XIX, e à Grande Depressão dos Anos 30 do século passado. A primeira foi superada após uma série de crises, que finalmente fizeram aumentar a rentabilidade, enquanto a segunda precisou de uma guerra mundial. Creio que a atual depressão terá uma evolução mais parecida à do Século XIX.
A queda da rentabilidade explica, sobretudo porque o investimento empresarial tem sido tão fraco desde 2009. Os benefícios obtidos são destinados à especulação financeira: para fusões e aquisições, a compra de ações e o pagamento de dividendos. Também há uma acumulação dinheiro vivo. Tudo isso porque a rentabilidade dos investimentos produtivos continua sendo historicamente baixa.
Como o resume Gillian Tett, em artigo para o Financial Times: “o FMI calcula que, no ano passado, as empresas estadunidenses pagaram dividendos aos acionistas e recompras de ações que supunham ser um 0,9% dos ativos, o dobro do nível de 2010. Não é de se estranhar que os mercados de ações tenham disparado (deixando de lado as oscilações do final de 2018). As empresas também têm utilizado este arsenal para aumentar significativamente as fusões e aquisições: este tipo de acordo absorve os fluxos de dinheiro vivo, que são equivalentes a 0,4% dos ativos em 2019, em comparação com um nível de praticamente zero em 2011. Entretanto, o volume de fluxo em dinheiro gasto como investimento de capital, pelo contrário, se mantém plano desde 2012, situando-se em torno de 0,7% de todos os ativos – menos que o fluxo em dinheiro destinado ao pagamento de dividendos aos acionistas”. Ou, como mostra o informe do FMI: “as grandes rendas nos Estados Unidos foram utilizadas para o pagamento de dividendos e para aumentar os riscos financeiros”. E não – ao que parece – para aumentar o volume de investimentos.
O outro fator crucial na longa depressão tem sido o aumento da dívida, especialmente a dívida empresarial. Diante da queda na rentabilidade, as empresas passaram a acumular mais dívida, para financiar projetos ou para especular. As grandes empresas, como Apple e Microsoft, podem fazê-lo tranquilamente, porque possuem reservas nas quais se apoiar de algo errado acontece. Já as empresas menores só podem suportar esse espiral de dívida porque as taxas de juros se mantêm em mínimos históricos, e portanto esses juros continuam sendo viáveis – sempre que não aconteça, também, uma diminuição das vendas e dos lucros.
De novo, o Informe sobre a Estabilidade Global do FMI resume a situação: “na maioria das economias avançadas, a capacidade de pagar as dívidas no setor empresarial melhorou durante a recente recuperação cíclica. Os balanços parecem ser suficientemente fortes para sustentar uma desaceleração econômica moderada, ou um endurecimento gradual das condições financeiras. Entretanto, os riscos financeiros e níveis de dívida em geral têm aumentado, e a solvência dos prestamistas vem se deteriorando com relação à qualificação dos bonos de investimento, e os mercados de empréstimos estão travados. Uma desaceleração significativa ou um endurecimento importante das condições financeiras poderia levar a uma forte revisão dos preços dos riscos de crédito, e tornar mais difícil o pagamento da dívida das empresas. Na medida em que as condições monetárias e financeiras sigam sendo favoráveis, é provável que a dívida continue aumentando a médio prazo, na ausência de maiores iniciativas de política econômica, aumentando o risco de um ajuste mais duro no futuro”.
Cada crise tem um disparador diferente ou causa aproximada. A recessão internacional entre 1974 e 1975 foi provocada por um forte aumento dos preços do petróleo, e após os Estados Unidos abandonarem o padrão dólar-ouro. A crise entre 1980 e 1982 foi provocada por uma bolha imobiliária na Europa e uma crise industrial nas principais economias. A recessão entre 1990 e 1992 foi causada pelos preços do petróleo e pela Guerra do Kuwait. Já a leve recessão de 2001 foi resultado da explosão da bolha dot.com. E por sua vez, Grande Recessão começou com o colapso da bolha imobiliária nos Estados Unidos e a conseguinte restrição ao crédito provocada pela diversificação internacional dos derivados de crédito. Mas por trás de cada uma dessas crises se encontra o movimento de queda na rentabilidade do capital produtivo e, logo, uma desaceleração ou diminuição do potencial de lucro (o nexo entre investimento e lucro).
Desta vez, creio que o detonante será a dívida empresarial, já que as empresas conseguem acumular um excesso de créditos baratos e quando os benefícios caem e o custo dos juros subirem, elas se tornaram insolventes. O economista marxista Eric Toussaint, do Comitê para a Abolição das Dívidas Ilegítimas (CADTM, por sua sigla original) está de acordo com este raciocínio. “Esta montanha de dívida corporativa privada será um elemento primordial da próxima crise financeira”. E destaca que “à medida que as taxas de juros sobem, o valor da dívida corporativa cai. Quanto maior é a proporção da dívida corporativa diminuída com relação aos ativos de uma empresa, maior será seu impacto negativo no balanço da empresa. O valor do capital corporativo também cai, e pode chegar a um ponto em que já não cobre suas obrigações. Em 2016 a Apple informou às autoridades dos Estados Unidos que caso houvesse um aumento de 1% nas taxas de juros a empresa perderia 4,9 bilhões de dólares. Claro que, assim como as outras companhias, a Apple pediu créditos para financiar a compras de dívidas. Em 2017, a Apple já havia acumulado compromissos de mais 28 bilhões, situando o total de sua dívida em $ 75 bilhões. Isto, por efeito dominó, poderia produzir uma crise de dimensão similar à crise financeira dos Estados Unidos no período entre 2007 e 2008”.
Como disse a economista-chefe do FMI: o capitalismo passa por um momento delicado.
* Michael Roberts é um conhecido economista marxista britânico, que trabalhou por 30 anos na City londrina como analista econômico, e publica seus artigos no blog The Next Recession
* Publicado originalmente em sinpermiso.info. Tradução de Victor Farinelli.
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