Após a Guerra dos Trinta anos (1618-1648), quando as tensões religiosas (católicos e protestantes) contaminavam intensamente o território europeu, a Paz de Westfália lançou as bases do sistema soberano dos Estados Nacionais (Interestatal) que perdura até os dias de hoje.
Organizados de forma centralizada e detentores de moeda e sistemas nacionais próprios como as forças armadas, os Estados passaram atuar gradualmente sem mais contar com o suporte da Igreja Católica, até então responsável pelo sistema mundial de equilíbrio dos poderes em curso desde o ano de 380, quando o Império Romano assumiu o cristianismo como a religião oficial.
Mas foi somente no final da segunda Guerra Mundial (1939-45), com a centralidade capitalista assentada nos Estados Unidos, que o sistema interestatal substituiu as relações internacionais herdadas da ordem inglesa assentada preferencialmente nos impérios e colônias.
Com a dissolução do colonialismo, o sistema interestatal evoluiu mais rapidamente para alcançar a cerca de 200 países em vigor atualmente, após lenta evolução de menos de 10 Estados nacionais, em 1648, para quase 60, em 1948.
Desde os anos de 1980, com o esgotamento do sistema de Bretton Woodos (1944-1973) e o final da Guerra Fria (1947-1991), os Estados Unidos assumiram posição cada vez mais próxima de um novo império no governo do mundo.
A generalização do receituário neoliberal impulsionador da perspectiva do “fim da história” contribuiu para a compressão do sistema interestatal.
Da mesma forma, o salto tecnológico conduzido por grandes corporações transnacionais, a maioria sem controle estatal, tem apontado para uma espécie de cancelamento do futuro dos países.
O próprio enfraquecimento das instituições de regulação mundial pertencentes ao Sistema das Nações Unidas introduzidas desde o segundo pós-guerra do século passado revela a continuidade da existência países, não necessariamente Estados nacionais plenamente soberanos.
As guerras aumentaram, a instabilidade econômica se acelerou e o poder das grandes corporações tem reduzido o grau de autonomia dos Estados Nacionais. Prevalecem países com limites crescentes ao exercício da soberania frente aos avanços tecnológicos, informacionais e de comunicações, entre outros.
Diante do avanço privado, alguns Estados Nacionais passaram a desencadear uma contraofensiva apoiada em, pelo menos, três eixos principais. Inicialmente, o fortalecimento da política nacional de formatação de grandes corporações transnacionais estatais que representavam 11% das maiores empresas por receita, em 2005, para 47%, em 2020, segundo a lista Fortune Global.
Além disso, constata-se também que dos 10 maiores conglomerados econômicos do mundo por valor total de ativo, seis já são empresas de capital estatal.
Em plena globalização, operam atualmente mais de 1,5 mil corporações estatais transnacionais que contam com quase 90 mil filiais atuando em diversos setores das atividades econômicas.
Após a onda de generalizada privatização no mundo durante os anos de 1990, passou-se a observar um movimento de sentido inverso, referente ao segundo eixo de reação estatal.
A reestatização tem sido crescente desde o início do século 21, com cerca de 900 empresas públicas reassumido o controle do exercício privado de atividades essenciais (saneamento, iluminação, habitação, coleta de lixo e outros) em diversos países no mundo devido à ausência de investimentos empresariais a contento, à elevação das tarifas e à queda na qualidade dos serviços prestados.
A retomada do papel do setor público tem ganho mais força na atualidade com o terceiro eixo de reação estatal expresso pela nova trajetória da transnacionalização dos capitais operacionalizados através dos fundos soberanos controlados pelos governos nacionais.
Assiste-se, assim, ao novo processo de estatização viabilizado no interior da globalização neoliberal, com o avanço dos investimentos internacionais cada vez mais comandados pelo Estado em diversos países.
Em síntese, o capitalismo de gestão de ativos dominada pela governança corporativa de natureza privada sofre intensa alteração de rumo, sobretudo com o fracasso do neoliberalismo desde a crise de 2008.
De lá para cá, o Estado tem assumido diferentes estratégias que visam ampliar a taxa de retorno dos investimentos realizados no interior das fronteiras nacionais dos países.
Por isso, novos laços de propriedades públicas aparecem sob o controle do Estado no âmbito da globalização. Destaca-se, por exemplo, a presença chinesa que mais recentemente se caracteriza pela intervenção direta na compra de empresas privadas e estatais em vários países.
Ao se somar o total dos fluxos de investimentos estatais transnacionais no mundo, percebe-se que apenas dois países, a Noruega (21%) e a China (20%), controlam 41% do montante global.
Países como a Alemanha, Inglaterra e EUA compreendem apenas 10% do total do capital estatal transnacional investido, seguidos por Cingapura e Holanda.
Os novos laços de propriedades públicas que aparecem cada vez mais sob o controle do Estado indica o quanto a globalização iniciada no final do século passado conduzida pela grande corporação privada transnacional persegue, nos dias de hoje, outro rumo.
O inédito tributo global anunciado neste ano por líderes dos países ricos para ser imposto às corporações transnacionais de no mínimo de 15% constitui mais um dos elementos que materializam o curso estatal reativo ao cenário capitalista no primeiro quartel do século 21.
* Marcio Pochmann é professor e pesquisador do Cesit/Unicamp e da Ufabc.
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