Da revista britânica Economist, no sítio Viomundo:
É o único país que jogou todas as fases finais da Copa do Mundo e ganhou cinco vezes, mais que qualquer outro. E assim o Brasil se sente meio dono do torneio, que vai sediar em 2014. Outra vitória, bom futebol e uma atmosfera de festa satisfariam as demandas dos fãs locais, assim como de muitos dos esperados 600 mil turistas de fora. Mas, para o governo brasileiro, o período que antecede o torneio não está indo bem.
Está ficando claro que as melhorias prometidas nos precários sistemas de transporte não vão significar muito. Dos 49 planejados sistemas de transporte urbano nas cidades-sede o trabalho começou em apenas nove. As reformas dos aeroportos também estão fora do prazo e mais da metade será de ajustes temporários. O governo está tentando reduzir as expectativas. Numa entrevista a CartaCapital, uma revista semanal, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, disse que as melhorias do sistema de transporte urbano não eram essenciais para o sucesso do campeonato. Miriam Belchior, a ministra do Planejamento, sugeriu que o governo poderia decretar feriado nos dias de jogos para evitar congestionamentos.
Sepp Blatter, o presidente da FIFA, o órgão que governa o futebol mundial, escreveu para a sra. Rousseff demonstrando preocupação. Mas a sra. Rousseff é que tem motivo para se preocupar com a FIFA. Justamente quando ela está fazendo o melhor que pode para limpar a política do país — demitiu quatro ministros sob acusação de corrupção — a Copa do Mundo está sendo administrada por uma das figuras mais manchadas. E as alegações de sujeira continuam surgindo.
Ricardo Teixeira, que é presidente do Comitê Organizador Local e membro do comitê executivo da FIFA, tem sido o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) desde 1989. Ele é protegido de João Havelange, que comandou a FIFA por quase um quarto de século, até 1998. O sr. Teixeira tem enfrentado acusações de corrupção por anos. Em 2001 investigações do Congresso brasileiro sobre corrupção no futebol encontraram irregularidades num acordo arranjado pelo sr. Teixeira pelo qual a Nike, uma empresa de material esportivo norte-americana, patrocina a seleção nacional. A CPI do Congresso sugeriu ao promotor público o indiciamento dele sob 13 acusações, inclusive desfalque, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos. Todas foram subsequentemente abandonadas. (A Nike diz que o contrato “era totalmente legal em essência e espírito”).
O Panorama, um programa de TV da BBC, acusou o sr. Teixeira e o sr. Havelange de terem recebido propinas nos anos 90 relacionadas a direitos de marketing em jogos. No início deste ano Lord (David) Triesman, o homem que comandou a candidatura fracassada da Inglaterra para sediar a Copa do Mundo de 2018, disse que o sr. Teixeira pediu dinheiro em troca de voto.
Numa entrevista à revista Piauí, uma publicação mensal brasileira, o sr. Teixeira negou as acusações da BBC. Ele disse que os ingleses estavam “putos porque perderam” e que ele teria sua vingança contra a BBC: enquanto estiver na CBF e na FIFA, “eles não vão passar da porta”. Ele se gabou que em 2014 faria “as coisas mais escorregadias, impensáveis, maquiavélicas, como negar credenciais de imprensa, barrar o acesso, mudar o horário de jogos”. O ministro dos Esportes, Orlando Silva, prometeu aos jornalistas que todos serão tratados com justiça e terão permissão para fazer seu trabalho.
Uma investigação da FIFA absolveu o sr. Teixeira das alegações feitas pelo Lord Triesman. O sr. Havelange não respondeu às alegações da BBC. Mas o Comitê Olímpico Internacional, do qual o sr. Havelange é membro e que tem padrões éticos mais estritos que a FIFA, está investigando. Nesta semana um promotor brasileiro declarou que vai pedir à polícia para verificar se o sr. Teixeira é culpado de lavagem de dinheiro e crimes fiscais.
Vendendo jogos
Outro escândalo em andamento se refere a um jogo amistoso entre Brasil e Portugal em Brasília em novembro de 2008. Associados do sr. Teixeira receberam milhões pelo evento. Na mesma época alguns deles assinaram contratos se comprometendo a pagar grandes somas ao sr. Teixeira por motivos que permanecem obscuros. Seis meses antes da partida Sandro Rosell, que agora é presidente do Barcelona, o campeão da Europa, se tornou diretor da Ailanto, uma firma de marketing esportivo fundada no Rio de Janeiro pouco antes.
O sr. Rosell tem feito negócios com o sr. Teixeira por muitos anos: ele se mudou para o Brasil como diretor de marketing esportivo da Nike em 1999 para gerenciar as relações da empresa com a CBF. Uma semana antes do jogo de Brasília, o governo do Distrito Federal assinou um contrato para pagar à Ailanto cerca de 9 milhões de reais (4 milhões de dólares, na época) pelos direitos de marketing e outros serviços não muito bem definidos, inclusive transporte e acomodação dos jogadores dos dois times. (O então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, foi mais tarde preso e acusado pela Polícia Federal de corrupção relacionada a outras questões).
O negócio agora está sendo investigado por superfaturamento e corrupção. O promotor público de Brasília disse que recebeu relatórios de gastos para o jogo de cerca de 1 milhão de reais — e que de qualquer forma tinha sido a Federação Brasiliense de Futebol (FBF), uma afiliada da CBF, que tinha feito os gastos. Também diz que apesar do governo do Distrito Federal ter comprado os direitos do jogo, o dinheiro da venda de ingressos foi para a FBF. A força policial de Brasília foi aos endereços da Ailanto no Rio de Janeiro e apreendeu documentos.
Além destes negócios foram feitos outros três cujos objetivos não são imediatamente óbvios. A Economist tem cópias do que parecem ser os contratos dos três negócios. Um datado de março de 2009 é o compromisso de Vanessa Precht, uma brasileira que já trabalhou no Barcelona FC e que era sócia do sr. Rosell na Ailanto, de alugar uma fazenda do sr. Teixeira no Rio de Janeiro por 10 mil reais mensais por cinco anos. A Rede Record, uma rede de TV do Brasil, visitou a fazenda em junho e não conseguiu encontrar ninguém que tinha ouvido falar da srta. Precht. Dois congressistas brasileiros pediram uma investigação para estabelecer se o negócio foi uma forma da srta. Precht devolver ao sr. Teixeira parte do dinheiro que a Ailanto ganhou no amistoso Brasil-Portugal.
Os outros dois contratos foram assinados separadamente em julho de 2008 pelo srs. Teixeira e Rosell com Cláudio Honigman, um financista que é sócio do sr. Rosell numa outra empresa de marketing esportivo brasileira, Brasil 100% Marketing. O sr. Honigman se comprometia a pagar 22,5 milhões de reais a cada parceiro para comprar de volta opções de 10% das ações da Alpes Corretora, uma empresa de São Paulo, que de acordo com os contratos teria vendido as opções anteriormente aos dois. Um porta-voz da Alpes Corretora disse à Economist que o sr. Honigman nunca teve qualquer direito sobre qualquer ação da companhia. Os srs. Rosell e Teixeira se negaram a responder a este artigo. O advogado do sr. Honigman disse que não tinha conseguido contatar o cliente. A srta. Precht não respondeu ao nosso pedido de entrevista.
Os pomposos líderes do futebol internacional tradicionalmente são intocáveis: a FIFA é a própria lei. O sr. Teixeira manteve sua posição no topo de futebol brasileiro apesar de alegações anteriores de corrupção. Mas desta vez pode ser diferente.
Os advogados da FIFA estão tentando bloquear a publicação de um relatório do promotor público do cantão suiço de Zug sobre uma investigação criminal a respeito de pagamentos recebidos por autoridades do alto escalão da FIFA nos anos 90. A defesa oficial é de que receber comissões então não era ilegal sob a lei suiça. Mas uma vez que o dinheiro era da FIFA, o promotor investigou indivíduos que o embolsaram por má administração e apropriação indébita. A investigação foi suspensa quando dois acusados pagaram de volta 5,5 milhões de francos suiços (6,2 milhões de dólares) ao cantão, que repassou o dinheiro à FIFA e a instituições de caridade. Os dois acusados negaram que tenham cometido crimes.
O relatório foi arquivado a pedido dos advogados dos acusados. Assim, a identidade deles não foi revelada, embora o advogado de um deles tenha dito que seu cliente é um homem velho de saúde frágil que não tem mais cargo oficial. Isso parece descrever o sr. Havelange, que tem 95 anos de idade e é o presidente honorário da FIFA. A suprema corte de Zug vai decidir nas próximas semanas sobre petições de jornalistas que querem a divulgação do relatório. A Economist entrou em contato com o escritório do sr. Havelange no Rio de Janeiro para tratar destas questões, mas ele se negou a conversar conosco.
Também dentro do Brasil o solo está se movendo sob o sr. Teixeira. A sra. Rousseff nomeou Pelé, o jogador mais famoso do Brasil, como embaixador honorário do governo para a Copa do Mundo e está tentando congelar o sr. Teixeira. O comitê organizador deixou Pelé de fora da lista de convidados para o sorteio da Copa do Mundo em julho. A sra. Rousseff trouxe Pelé com ela e também fez muito da cerimônia de 16 de setembro que marcou 1000 dias antes do pontapé inicial. “Com todo respeito à FIFA e à CBF”, a sra. Rousseff disse à CartaCapital, “o rosto [do torneio] no Exterior será o de Pelé”.
* Tradução de Luiz Carlos Azenha.