Foto: Danielle Penha |
Não basta fazer a disputa de ideias apenas para ganhar eleições. É preciso que a comunicação seja o coração dos governos progressistas, defendeu Franklin Martins, na abertura do Seminário Os desafios da comunicação nos governos progressistas, na noite desta sexta-feira (27), em Maricá/RJ. "Quando um governo é conservador e está na mão das elites tradicionais, não precisam se comunicar, pois a grande imprensa já faz o trabalho para eles", opina o ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Por isso, opina, é urgente que as administrações públicas entendam a importância estratégica da disputa política na comunicação.
Para refletir sobre o assunto, Franklin Martins contou com a companhia da coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli; do editor da Revista Fórum, Renato Rovai; e da jornalista maricaense Izabel Oliveira para discutir o que tem sido feito e o que as administrações públicas podem fazer no campo da comunicação. A mediação da mesa foi feita por Altamiro Borges, jornalista e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Para Martins, quando se trata de um governo democrático, que busca melhorar a vida das pessoas, automaticamente se mexe no vespeiro dos interesses das elites. "Aí, há todo um esforço, por parte da mídia, para atacar este governo em defesa destes interesses", explica. "Em todas as políticas públicas aplicadas por Lula, as elites atacaram com apoio da mídia. Bolsa família? Era esmola. Cotas? Um absurdo. Aumento do salário mínimo? Vão quebrar o país. E por aí vai. É um bombardeio. Todas as medidas dos governos democráticos e populares são rebatidas pelo outro lado. Eles cumprem o papel deles, defendendo seus interesses. O que não pode é ficarmos quietos, achando que a verdade prevalecerá por si só".
"A gente não pode achar que um governante, ao conquistar uma prefeitura, um governo ou mesmo a presidência, só precisa tocar em frente 'que tudo vai se ajeitar'. A verdade só vai prevalecer com disputa política", ressalta. "Há pessoas competentes, sérias, que travam uma boa disputa política, mas passadas as eleições, abrem mão da disputa de ideias para governar. Governar é fazer a disputa política, a disputa de ideias".
Em analogia a um jogo de futebol, o ex-ministro argumenta que o jogo é duro, mas é preciso jogá-lo. "Nós jogamos uma partida de futebol onde a bola, o estádio, o juiz e a torcida são do adversário. Sempre perdemos por 5x0 ou até mesmo por WO. Fazendo a disputa, perdemos por 1x0, por 3x2, empatamos, às vezes ganhamos", compara. Ele usa o exemplo de Lula. Quando o então presidente o convidou para participar de seu governo, Martins conta que não achou boa ideia, pois em sua opinião Lula falava muito pouco com a imprensa. Lula topou falar mais. No segundo tempo, Lula intensificou sua presença na imprensa: respondeu, em média, oito perguntas por dia ao longo de 365 dias. "Mudou da água pro vinho", diz Martins.
Não há uma receita de bolo ou uma fórmula mágica para a questão, frisa o ex-ministro. Cada local e cada instância tem suas particularidades., mas seja como for, é preciso travar a disputa de ideias. "Não se pode só fazer publicidade. É preciso estar presente, é preciso ter um sistema integrado de comunicação, onde todos os membros dessa administração falem a mesma língua", acredita. "Fazer a disputa da comunicação não resolve todos os problemas, mas te faz ter uma percepção muito melhor dos problemas. É uma ferramenta para você, inclusive, resolver esses problemas".
Os caminhos para democratizar a comunicação
Coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), órgão que reúne dezenas de entidades e movimentos em torno da luta por uma mídia mais democrática, Renata Mielli recorda que os meios de comunicação de massa são o aparato ideológico do sistema capitalista no qual vivemos. É através da dominação monopolista dos meios, afirma a jornalista, que a elite política e econômica define padrões culturais, hábítos de consumo, valores comportamentais e matrizes de opinião.
"Os meios de comunicação não são desinteressados, não tem apenas o objetivo de entreter e informar. Cada linha, cada produto, cada ponto e cada vírgula veiculados têm uma visão de mundo embutida", defende Mielli. "O poder simbólico, político e econômico da mídia hegemônica é muito grande. Eles pautam o debate público, destituem e elegem presidentes e parlamentares. Isso tudo em meio a um cenário de extrema concentração de meios, que é o caso do Brasil".
Por isso, a coordenadora do FNDC é taxativa: é importante divulgar ações de governo, comunicar o que o governo tem feito, mas não é só isso. "Temos de ter uma plataforma de políticas visando disputar a hegemonia de ideias no âmbito municipal e estadual. Não podemos deixar que a Globo dite, de forma uniforme, como todos têm de pensar e se comportar", argumenta. Mielli lista algumas ações que as administrações públicas podem fazer para entrar nesta disputa. "Enfrentar os monopólios locais, estimular a diversidade - inclusive econômica - das mídias locais, estimular meios alternativos, fortalecer pequenos veículos descentralizando a distribuição da publicidade oficial, realizar conferências municipais e regionais de comunicação, investir na inclusão digital", enumera.
"Por que não criar um jornal público impresso? Por que não criar linhas de fomento para mídias alternativas locais? Mecanismos de participação social para discutir comunicação. Temos de pensar fora da caixinha", provoca a jornalista. "A radiodifusão comunitária, fundamental para uma parcela signficativa da população, não foi esquecida: "É preciso descriminalizar, urgentemente, a comunicação comunitária, porque mesmo em governos progressistas, as rádios comunitárias muitas vezes são tratadas como caso de polícia". "Se tivéssemos investido, de fato, nesse amplo leque de medidas para democratizar a comunicação", lamenta Mielli, "provavelmente não teríamos sido atropelados pelo golpe da forma que está sendo".
Pauta imprescindível para o debate sobre democratização da comunicação, a coordenadora do FNDC defendeu a regulação democrática do setor. "Há uma visão consolidada em organismos como a Unesco e a ONU, além de países como França, Inglaterra e até mesmo os Estados Unidos, de que é papel do Estado criar mecanismos de regulação não apenas para impedir o monopólio, mas também para promover pluralidade e diversidade no fluxo de informações, para facilitar o equilíbrio de atores e grupos sociais que acessam os meios de comunicação", reflete. "No Brasil, o debate e a luta pela democratização da comunicação, visando estabelecer regras e limites ao poder dos grandes meios e incluir setores historicamente marginalizados no ambiente midiático, foram historicamente interditados. Por outro lado, a pauta da comunicação como ferramenta política também foi muito negligenciada pelos setores progressistas".
Era digital e as portas que se abrem
Vivemos em um mundo completamente diferente de 25 anos atrás. Em 1995, o Jornal do Brasil tornou-se o primeiro veículo do país a ser acessado online. A lembrança é de Renato Rovai, editor da Revista Fórum. "A Internet não mudou só a forma de fazer e de consumir jornalismo, mas mudou nossa relação com o mundo", salienta. "Viramos uma virada de ciclo, da sociedade industrial para a sociedade informacional. A sua geladeira é um computador, vamos andar de carro informatizado, os taxistas estão enlouquecidos com os aplicativos de transporte privado. Isso tudo significa que a comunicação nas administrações públicas não podem ser pensadas da mesma forma que eram pensadas há 15, 10, nem cinco anos atrás".
"Antes, enviávamos carta pelos Correios para falarmos com amigos, familiares, pessoas queridas", acrescenta Rovai. "Hoje só mandamos carta pelos Correios porque há um preso político em Curitiba", complementa, em alusão ao envio massivo de cartas de solidariedade ao presidente Lula, encarcerado em Curitiba em um processo repleto de vícios e ilegalidades.
Segundo o jornalista, é claro que há grandes 'players' e grandes corporações no jogo, mas hoje é perfeitamente possível fazer a sua própria comunicação de forma dinâmica e com qualidade. "Não podemos mais ficar nas mãos dos grandes veículos. Eles não podem ser filtros, não podem ser túneis do que será publicado ou não. Isto é pensar de forma analógica. Você pode produzir a sua TV dentro da Internet. Se ela tratar de assuntos locais e fizer de forma interessante, terá audiência", assinala. "O entendimento estratégico da comunicação vai além da relação de alguém falar e outro escutar. É preciso ser interativo. Entre as pessoas, entre os órgãos e secretarias. É preciso ser dinâmico e participativo".
Representante da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Maricá, que promove o Seminário em parceria com o Barão de Itararé, Izabel Oliveira comenta que o giro dado pela administração da cidade no campo da comunicação tem tudo a ver com vontade política. "Sandra Recalde [coordenadora de Comunicação de Maricá] chegou e transformamos completamente o modelo de comunicação municipal", relata. "Atuamos como um modelo de agência de conteúdos, notícias e publicidade".
Segundo ela, esse modelo inclui dispor de uma equipe de jornalistas, de fotógrafos, além de uma área de criação, uma área de vídeo, além das redes sociais. "As redes sociais não servem apenas para divulgar ações, servem também para identificar problemas e dar respostas sobre esses problemas. Temos contato direto com a população pelas redes", acrescenta.
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