Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
O que esperar da cobertura de uma campanha eleitoral? Apresentação de ideias, confronto entre propostas e trajetória do candidato, debate público em torno de temas relevantes, informação atualizada e confiável, pluralidade de análises. Em outras palavras, o bom e velho jornalismo.
Sob o signo das mídias sociais - com seu grau de irracionalidade, exibição narcísica, superficialidade, manipulação e divisão como fundamento epistemológico - a imprensa tem se mostrado cada vez menos capaz de cumprir sua função histórica. Se as redes se tornaram um cenário inevitável de campanha, sua linguagem e espírito se transformaram em paradigma para o jornalismo os nossos dias, ou melhor, para o facejornalismo.
Quem tem acompanhado a cobertura eleitoral pela televisão, tanto aberta quanto paga, sabe o que isso significa. A sequência de entrevistas de candidatos é uma triste vitrine da decomposição do jornalismo. O foco não é o cidadão, o objetivo não é esclarecer, a atuação dos profissionais não carrega elementos mínimos de sua profissão – a ética na conduta, a coragem na abordagem e a boa informação como alicerce.
O facejornalismo tem suas regras. Cada emissora que vista a carapuça que melhor lhe convier. Em primeiro lugar, a fuga do pensamento. No tempo das redes não cabe a reflexão, a construção do conceito, a formulação detalhada do argumento. Mesmo os temas mais complexos são tratados a partir de slogans fáceis, que geralmente atacam as tentativas mais consequentes de aprofundamento da discussão.
Tudo precisa ser traduzido na lógica do imediato, na fórmula de fácil enunciação e entendimento, na conquista imediata de seus seguidores. O melhor é generalizar: tudo mundo é corrupto, o Estado é o inimigo, a política é a raiz do mal. Fala-se para o próprio umbigo e suas derivações em formas de curtidas e carinhas. A concordância ou divergência não são atos intelectuais, mas operações nervosas acionadas pelas pontas dos dedos.
Assim nas redes como na tela. Os roteiros das entrevistas se baseiam nesse jogo de irrelevâncias e julgamentos rasteiros. O mais grave é que como as regras são conhecidas dos dois lados, há uma preparação para a encenação do encontro: as perguntas já são sabidas (principalmente pelo recurso recorrente das pegadinhas) e as respostas são preparadas para anular o ataque, o que reforça a ausência de diálogo. Um finge que pergunta, outro que responde.
O segundo método facebuquiano de jornalismo consagra o campo preservado de conflito de ideias e da necessidade democrática de enfrentar a diferença, jogando para sua própria reserva natural. Assim, os jornalistas trocam piscadelas com colegas enquanto se submetem à pauta ditada pelos patrões. Não se extrai das perguntas levadas a entrevistas e debates um real interesse de ampliar o universo do espectador. Há um dever de casa a ser cumprido.
O programa existe para reforçar a estratégia de mercado da empresa, não para contribuir para o esclarecimento do público. Nesse jogo, cada emissora faz da capacidade de levar o candidato a seu estúdio uma prova de prestígio. Que é tão maior quanto mais o candidato é maltratado e não tem tempo para responder de forma adequada. Nesse momento, vale tudo: machismo, ironia, grosseria e cartas na manga.
Os candidatos, no entanto, não se furtam de também participar da farsa. Para isso, usufruem da plataforma de exibição oferecida para reforçar suas bandeiras. Não se dirigem à sociedade, mas a seus acólitos. Se para as emissoras as entrevistas são estratégias de exibição de poder (inclusive de olho no resultado das eleições), para os candidatos são vitrines de exposição. No primeiro caso, não há jornalismo; no segundo, não há respeito ao eleitor.
O terceiro triste repertório que o “face” legou ao jornalismo foi o incentivo ao despreparo. Numa ética da lacração e do efeito imediato, os profissionais perderem o compromisso com sua tarefa de fazer avançar o debate. Bons jornalistas não precisam falar muito, mas falar o necessário. Não precisam agredir, mas confrontar civilizadamente com informação bem trabalhada. Uma boa entrevista tem ao seu fim declarações importantes, para o bem e para o mal, e não memes com entrevistadores galãs ou mocinhas indignadas.
Se forem examinadas as questões apresentadas aos candidatos pelos jornalistas dos principais canais de televisão, o que vai se observar é um misto de personalização (a tendência a tornar tudo íntimo) e má fé. O entrevistador tem assumido o papel de personagem de uma cena, em que deixa de ser a voz do cidadão para ser um contendor num confronto de personalidades. Muitas vezes, aparece mais e gasta mais tempo que o candidato.
O máximo a que chega o trabalho do profissional é a apresentação de contradições do candidato ou a provocação obre temas polêmicos de sua trajetória (de resto já sabida), para a qual ele tem preparada uma reação pós-resposta (também já esperada). Como num jogo de xadrez mirim. Nada mais facebook. Nada menos jornalismo.
Possivelmente estamos acompanhando a pior cobertura jornalística de todas as campanhas da nossa história recente. Isso é um aviso para o jornalismo. Mas pode ser um alerta para a democracia.
Sob o signo das mídias sociais - com seu grau de irracionalidade, exibição narcísica, superficialidade, manipulação e divisão como fundamento epistemológico - a imprensa tem se mostrado cada vez menos capaz de cumprir sua função histórica. Se as redes se tornaram um cenário inevitável de campanha, sua linguagem e espírito se transformaram em paradigma para o jornalismo os nossos dias, ou melhor, para o facejornalismo.
Quem tem acompanhado a cobertura eleitoral pela televisão, tanto aberta quanto paga, sabe o que isso significa. A sequência de entrevistas de candidatos é uma triste vitrine da decomposição do jornalismo. O foco não é o cidadão, o objetivo não é esclarecer, a atuação dos profissionais não carrega elementos mínimos de sua profissão – a ética na conduta, a coragem na abordagem e a boa informação como alicerce.
O facejornalismo tem suas regras. Cada emissora que vista a carapuça que melhor lhe convier. Em primeiro lugar, a fuga do pensamento. No tempo das redes não cabe a reflexão, a construção do conceito, a formulação detalhada do argumento. Mesmo os temas mais complexos são tratados a partir de slogans fáceis, que geralmente atacam as tentativas mais consequentes de aprofundamento da discussão.
Tudo precisa ser traduzido na lógica do imediato, na fórmula de fácil enunciação e entendimento, na conquista imediata de seus seguidores. O melhor é generalizar: tudo mundo é corrupto, o Estado é o inimigo, a política é a raiz do mal. Fala-se para o próprio umbigo e suas derivações em formas de curtidas e carinhas. A concordância ou divergência não são atos intelectuais, mas operações nervosas acionadas pelas pontas dos dedos.
Assim nas redes como na tela. Os roteiros das entrevistas se baseiam nesse jogo de irrelevâncias e julgamentos rasteiros. O mais grave é que como as regras são conhecidas dos dois lados, há uma preparação para a encenação do encontro: as perguntas já são sabidas (principalmente pelo recurso recorrente das pegadinhas) e as respostas são preparadas para anular o ataque, o que reforça a ausência de diálogo. Um finge que pergunta, outro que responde.
O segundo método facebuquiano de jornalismo consagra o campo preservado de conflito de ideias e da necessidade democrática de enfrentar a diferença, jogando para sua própria reserva natural. Assim, os jornalistas trocam piscadelas com colegas enquanto se submetem à pauta ditada pelos patrões. Não se extrai das perguntas levadas a entrevistas e debates um real interesse de ampliar o universo do espectador. Há um dever de casa a ser cumprido.
O programa existe para reforçar a estratégia de mercado da empresa, não para contribuir para o esclarecimento do público. Nesse jogo, cada emissora faz da capacidade de levar o candidato a seu estúdio uma prova de prestígio. Que é tão maior quanto mais o candidato é maltratado e não tem tempo para responder de forma adequada. Nesse momento, vale tudo: machismo, ironia, grosseria e cartas na manga.
Os candidatos, no entanto, não se furtam de também participar da farsa. Para isso, usufruem da plataforma de exibição oferecida para reforçar suas bandeiras. Não se dirigem à sociedade, mas a seus acólitos. Se para as emissoras as entrevistas são estratégias de exibição de poder (inclusive de olho no resultado das eleições), para os candidatos são vitrines de exposição. No primeiro caso, não há jornalismo; no segundo, não há respeito ao eleitor.
O terceiro triste repertório que o “face” legou ao jornalismo foi o incentivo ao despreparo. Numa ética da lacração e do efeito imediato, os profissionais perderem o compromisso com sua tarefa de fazer avançar o debate. Bons jornalistas não precisam falar muito, mas falar o necessário. Não precisam agredir, mas confrontar civilizadamente com informação bem trabalhada. Uma boa entrevista tem ao seu fim declarações importantes, para o bem e para o mal, e não memes com entrevistadores galãs ou mocinhas indignadas.
Se forem examinadas as questões apresentadas aos candidatos pelos jornalistas dos principais canais de televisão, o que vai se observar é um misto de personalização (a tendência a tornar tudo íntimo) e má fé. O entrevistador tem assumido o papel de personagem de uma cena, em que deixa de ser a voz do cidadão para ser um contendor num confronto de personalidades. Muitas vezes, aparece mais e gasta mais tempo que o candidato.
O máximo a que chega o trabalho do profissional é a apresentação de contradições do candidato ou a provocação obre temas polêmicos de sua trajetória (de resto já sabida), para a qual ele tem preparada uma reação pós-resposta (também já esperada). Como num jogo de xadrez mirim. Nada mais facebook. Nada menos jornalismo.
Possivelmente estamos acompanhando a pior cobertura jornalística de todas as campanhas da nossa história recente. Isso é um aviso para o jornalismo. Mas pode ser um alerta para a democracia.
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