Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A vitória da família de Luiz Gushiken numa ação contra a Veja é real mas precisa ser vista em sua devida medida.
Ao lado de outros ministros do governo Lula, em 2006 Gushiken foi acusado de possuir uma conta bancaria num paraíso fiscal. Entrou com uma ação na Justiça e, num primeiro momento, foi humilhado com uma multa de R$ 10.000. Em outra ação, que acaba de chegar ao fim, multa foi elevada para R$ 100.000.
Mesmo reconhecendo que era um conflito inteiramente desigual, o que valoriza a importância do resultado, cabe registrar que são números bastante relativos.
Na última versão disponível na internet, o preço de anúncio de uma página na Veja está tabelado em R$ 311.000 – três vezes mais do que a multa. Se for anúncio de 2/3 de página, o preço é R$ 286.000, ou 2,8 vezes. Se for de meia página, R$ 221.000. Se for 1/3, anuncio que nas redações é chamado de “tripinha,” R$ 152.000.
Ou seja: a multa não daria para pagar uma “tripinha.”
Não estamos falando de um episódio qualquer nem de uma “tripinha” do jornalismo.
Em maio de 2006, com uma reportagem de capa, a revista participou de uma operação que pode ser definida como um plano Cohen da década passada.
Publicou, como se pudessem ser verdadeiros, documentos falsos sobre contas de ministros do governo Lula em paraísos fiscais.
O Plano Cohen, nós sabemos, foi um documento forjado para justificar o golpe do Estado Novo, em 1937. Pretendia denunciar uma falsa conspiração comunista no país.
Os papéis sobre contas no exterior, que Veja admitiu ter recebido do banqueiro Daniel Dantas, alimentavam uma nuvem conspiratória, cuja finalidade era derrubar um governo eleito, produzindo o impeachment do governo Lula.
Mas as contas eram grosseiramente falsos, grotescas, sem um grama de credibilidade. A própria revista admitia, na reportagem que não tinha condições de provar o que estava publicando.
O que era para ser um escândalo do governo transformou-se num escândalo do jornalismo, gerando uma onda de repúdio e indignação.
Gushiken entrou com um pedido de indenização contra a revista.
Durante vários anos, seus filhos enfrentaram aquela situação vergonhosa e inaceitável de ouvir acusações graves e falsas - como a própria Justiça reconheceu - contra o pai. Apareceu até professor para fazer críticas em sala de aula, levianamente, sem saber do que estava falando - e a revista contribuiu para isso.
É curioso observar que, através daquele vexame, o Plano Cohen 2006 poderia ter ajudado o país a debater o trabalho da imprensa.
Mas o efeito foi inverso.
Em abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal aceitou uma ação carregada no colo pelos meios de comunicação e aboliu a Lei de Imprensa. A partir de então, os descontentes caíram numa espécie de Estado Mínimo, devendo apresentar queixas e reclamações nos despachos do Direito Comum.
O argumento teórico era que o país precisava livrar-se de um “entulho” autoritário – e a Lei de Imprensa era um deles, já que fora criada em 1967, durante o regime militar.
A realidade era muito mais complicada. A lei deveria ser abolida. Mesmo sem autorizar a censura previa, o que levou a ditadura a baixar o AI-5 quando quis controlar a imprensa de uma vez, criava instrumentos de tutela sobre o trabalho do jornalismo.
O problema é que também foram abolidos todos artigos que se referiam ao direito de resposta, eliminando-se a única garantia oferecida ao cidadão que se julgasse vítima de um erro – e também da má fé – do jornalismo.
Imagine quem ganhou e quem perdeu com isso.
Para dar um exemplo.
Em 1994, Leonel Brizola conquistou na Justiça um direito de resposta de 3 minutos, onde pode devolver, com pena afiadíssima, na voz de Cid Moreira, varias acusações que o Jornal Nacional lhe fizera.
Inesquecível, como você pode comprovar no Youtube.
Gushiken pediu o direito de resposta, em 2006. O caso levou três anos para ser julgado em primeira instância. A lei continuava em vigor – seria abolida meses depois – mas a solicitação foi rejeitada.
Se é difícil demonstrar, por qualquer critério objetivo, que o jornalismo brasileiro tenha ficado mais “livre” e menos “oprimida” com o fim da Lei de Imprensa, é fácil sustentar que se tornou menos responsável e mais leviano – para empregar palavras suaves, certo?
Mais do que multas, o direito de resposta sempre representou uma punição mais grave.
Permitia colocar a credibilidade do negócio em risco, funcionando como um estimulo poderoso para uma postura de maior responsabilidade.
Para fugir de punições legais, vários veículos publicavam voluntariamente correções sobre determinadas matérias. Ampliavam o espaço das cartas. Levavam as redações a serem mais cuidadosas em ouvir “o outro lado.”
Sem o direito de resposta, pagando multas irrisórias - o valor original era R$ 10.000, convém não esquecer - a maioria dos meios de comunicação passou a exercer a liberdade de expressão - que é um direito de toda sociedade - de modo arrogante e mesmo perverso.
É difícil sustentar que a imprensa brasileira tenha se tornado mais livre depois da decisão de 2009. Com certeza tornou-se pior.
A vitória da família de Luiz Gushiken numa ação contra a Veja é real mas precisa ser vista em sua devida medida.
Ao lado de outros ministros do governo Lula, em 2006 Gushiken foi acusado de possuir uma conta bancaria num paraíso fiscal. Entrou com uma ação na Justiça e, num primeiro momento, foi humilhado com uma multa de R$ 10.000. Em outra ação, que acaba de chegar ao fim, multa foi elevada para R$ 100.000.
Mesmo reconhecendo que era um conflito inteiramente desigual, o que valoriza a importância do resultado, cabe registrar que são números bastante relativos.
Na última versão disponível na internet, o preço de anúncio de uma página na Veja está tabelado em R$ 311.000 – três vezes mais do que a multa. Se for anúncio de 2/3 de página, o preço é R$ 286.000, ou 2,8 vezes. Se for de meia página, R$ 221.000. Se for 1/3, anuncio que nas redações é chamado de “tripinha,” R$ 152.000.
Ou seja: a multa não daria para pagar uma “tripinha.”
Não estamos falando de um episódio qualquer nem de uma “tripinha” do jornalismo.
Em maio de 2006, com uma reportagem de capa, a revista participou de uma operação que pode ser definida como um plano Cohen da década passada.
Publicou, como se pudessem ser verdadeiros, documentos falsos sobre contas de ministros do governo Lula em paraísos fiscais.
O Plano Cohen, nós sabemos, foi um documento forjado para justificar o golpe do Estado Novo, em 1937. Pretendia denunciar uma falsa conspiração comunista no país.
Os papéis sobre contas no exterior, que Veja admitiu ter recebido do banqueiro Daniel Dantas, alimentavam uma nuvem conspiratória, cuja finalidade era derrubar um governo eleito, produzindo o impeachment do governo Lula.
Mas as contas eram grosseiramente falsos, grotescas, sem um grama de credibilidade. A própria revista admitia, na reportagem que não tinha condições de provar o que estava publicando.
O que era para ser um escândalo do governo transformou-se num escândalo do jornalismo, gerando uma onda de repúdio e indignação.
Gushiken entrou com um pedido de indenização contra a revista.
Durante vários anos, seus filhos enfrentaram aquela situação vergonhosa e inaceitável de ouvir acusações graves e falsas - como a própria Justiça reconheceu - contra o pai. Apareceu até professor para fazer críticas em sala de aula, levianamente, sem saber do que estava falando - e a revista contribuiu para isso.
É curioso observar que, através daquele vexame, o Plano Cohen 2006 poderia ter ajudado o país a debater o trabalho da imprensa.
Mas o efeito foi inverso.
Em abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal aceitou uma ação carregada no colo pelos meios de comunicação e aboliu a Lei de Imprensa. A partir de então, os descontentes caíram numa espécie de Estado Mínimo, devendo apresentar queixas e reclamações nos despachos do Direito Comum.
O argumento teórico era que o país precisava livrar-se de um “entulho” autoritário – e a Lei de Imprensa era um deles, já que fora criada em 1967, durante o regime militar.
A realidade era muito mais complicada. A lei deveria ser abolida. Mesmo sem autorizar a censura previa, o que levou a ditadura a baixar o AI-5 quando quis controlar a imprensa de uma vez, criava instrumentos de tutela sobre o trabalho do jornalismo.
O problema é que também foram abolidos todos artigos que se referiam ao direito de resposta, eliminando-se a única garantia oferecida ao cidadão que se julgasse vítima de um erro – e também da má fé – do jornalismo.
Imagine quem ganhou e quem perdeu com isso.
Para dar um exemplo.
Em 1994, Leonel Brizola conquistou na Justiça um direito de resposta de 3 minutos, onde pode devolver, com pena afiadíssima, na voz de Cid Moreira, varias acusações que o Jornal Nacional lhe fizera.
Inesquecível, como você pode comprovar no Youtube.
Gushiken pediu o direito de resposta, em 2006. O caso levou três anos para ser julgado em primeira instância. A lei continuava em vigor – seria abolida meses depois – mas a solicitação foi rejeitada.
Se é difícil demonstrar, por qualquer critério objetivo, que o jornalismo brasileiro tenha ficado mais “livre” e menos “oprimida” com o fim da Lei de Imprensa, é fácil sustentar que se tornou menos responsável e mais leviano – para empregar palavras suaves, certo?
Mais do que multas, o direito de resposta sempre representou uma punição mais grave.
Permitia colocar a credibilidade do negócio em risco, funcionando como um estimulo poderoso para uma postura de maior responsabilidade.
Para fugir de punições legais, vários veículos publicavam voluntariamente correções sobre determinadas matérias. Ampliavam o espaço das cartas. Levavam as redações a serem mais cuidadosas em ouvir “o outro lado.”
Sem o direito de resposta, pagando multas irrisórias - o valor original era R$ 10.000, convém não esquecer - a maioria dos meios de comunicação passou a exercer a liberdade de expressão - que é um direito de toda sociedade - de modo arrogante e mesmo perverso.
É difícil sustentar que a imprensa brasileira tenha se tornado mais livre depois da decisão de 2009. Com certeza tornou-se pior.
1 comentários:
Pelo que se vê,dia sim e outro tam-
bém, pior mesmo,muitíssimo pior...
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