Por Helena Borges, no site The Intercept-Brasil:
Cerca de 1500 funcionários da fábrica da Ford em Taubaté (SP) tiveram uma pequena prova do que estará por vir caso a Reforma Trabalhista seja aprovada. A empresa está tentando recuperar um antigo acordo de trabalho que permitirá que ela drible o pagamento de horas extras trabalhadas aos sábados. O caso evoca um dois pontos polêmicos da reforma: o chamado “negociado sobre o legislado” e a limitação do poder da Justiça Trabalhista.
Segundo o texto, acordos firmados entre patrão e trabalhador serão superiores à lei, e o Judiciário deverá interferir o mínimo possível nestes contratos. Na teoria, seria um dos pontos da “modernização” que prometem “flexibilizar” os modelos de trabalho. Na vida prática - onde já se contam 13,7 milhões de desempregados -, a conclusão lógica é a de que terá vaga quem estiver disposto a aceitar empregos que só tiram benefícios dos trabalhadores.
A reforma mexe profundamente com o artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata da convenção coletiva de trabalho. Vários subitens descrevem as situações nas quais “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”.
Em audiências públicas na Câmara dos Deputados, juízes trabalhistas já criticaram especificamente esse ponto e afirmaram que a negociação entre patrão e trabalhador deve partir de princípios mínimos da lei. “Quem fará negociação para obter situação pior que a lei já lhe garante?”, provocou Hugo Melo Filho, do Tribunal Regional do Trabalho de Recife (PE).
De volta a Taubaté, o acordo que a montadora está tentando resgatar foi assinado em 2012. Naquele ano, a indústria registrava altos índices de produção, motivados pelas isenções fiscais dadas pelo governo Dilma Rousseff ao mercado automobilístico. Em agosto de 2012, a produção nacional de automóveis chegou a cerca de 33 mil unidades. Em junho passado, caiu para aproximadamente 21 mil, de acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. No entanto, a demanda por exportações,uma das especialidades da fábrica do interior de São Paulo, tem aumentado e tem previsão de subir 7,2% no acumulado do ano. Ainda assim, não seria o suficiente para retomar o ritmo de 2012.
Motivada pelos ares otimistas do mercado e pelo fim do auxílio governamental que a empresa recebia via Programa de Proteção ao Emprego (encerrado em junho), a proposta feita aos trabalhadores era retornar ao acordo já vencido. Assim, a fábrica só pararia de funcionar aos domingos, aumentando sua produtividade.
Os funcionários teriam de cumprir expediente de segunda a sábado, folgando obrigatoriamente aos domingos e em um dia de semana de sua escolha. Como as horas trabalhadas no fim de semana seriam compensadas em dias úteis, a CLT permite que não se pague mais por elas.
Na prática, também sabe-se que não é o mesmo quando se folga fim de semana ou durante um dia útil. A principal queixa dos funcionários foi não poderem estar a famílias nesses dias. Com esta motivação, eles entraram em greve na segunda, 3.
Três dias e uma decisão do Tribunal Regional de Trabalho de Campinas depois, o expediente voltou à normalidade. O TRT propôs o retorno da maioria dos metalúrgicos em jornada de segunda a sexta, sem descontar de seus salários os dias de greve. Ponto para os trabalhadores. O formato deve se manter enquanto sindicato e empresa tentam solucionar o impasse dos horários. Caso isso não ocorra, a decisão vai ser tomada pelo TRT. Um sinal de força da Justiça Trabalhista.
O acordo firmado em Taubaté respeita a CLT atual, como explica Renato Sabino, especialista em Direito do Trabalho e professor do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR). Ele conta que, se houver compensação da folga não retirada no sábado durante os dias úteis, não é necessário pagar horas-extras pelo tempo trabalhado no fim de semana. Os benefícios deste formato, no entanto, ficam apenas com a empresa, como descreve o próprio Sabino:
“Pela experiência prévia, os funcionários provavelmente notaram que, na prática, acabam perdendo um dia na semana. Devem ter percebido também que este é um formato que traz mais lucros para a empresa, aumentando sua produção, e pouco retorno para eles que, além da hora-extra, perderam um dia com suas famílias”.
O especialista também explica que, mesmo com a reforma aprovada, os acordos precisarão passar pelo crivo dos sindicatos antes de serem assinados. Resta saber que força as organizações trabalhistas conseguirão ter.
Em entrevista publicada por The Intercept Brasil, o juiz Luiz Colussi, diretor da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), já explicou que outro ponto crítico da reforma é a limitação imposta à justiça do trabalho. De acordo com o texto, que deverá votado na próxima terça (11), todo juiz do trabalho deverá guiar sua ação “pelo princípio da intervenção mínima”.
Ou seja, se o caso da Ford de Taubaté acontecesse em um cenário de reforma aprovada, o TRT não poderia interferir tanto quanto pode hoje, o juiz teria de analisar “exclusivamente a conformidade”.
Segundo o texto, acordos firmados entre patrão e trabalhador serão superiores à lei, e o Judiciário deverá interferir o mínimo possível nestes contratos. Na teoria, seria um dos pontos da “modernização” que prometem “flexibilizar” os modelos de trabalho. Na vida prática - onde já se contam 13,7 milhões de desempregados -, a conclusão lógica é a de que terá vaga quem estiver disposto a aceitar empregos que só tiram benefícios dos trabalhadores.
A reforma mexe profundamente com o artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata da convenção coletiva de trabalho. Vários subitens descrevem as situações nas quais “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”.
Em audiências públicas na Câmara dos Deputados, juízes trabalhistas já criticaram especificamente esse ponto e afirmaram que a negociação entre patrão e trabalhador deve partir de princípios mínimos da lei. “Quem fará negociação para obter situação pior que a lei já lhe garante?”, provocou Hugo Melo Filho, do Tribunal Regional do Trabalho de Recife (PE).
De volta a Taubaté, o acordo que a montadora está tentando resgatar foi assinado em 2012. Naquele ano, a indústria registrava altos índices de produção, motivados pelas isenções fiscais dadas pelo governo Dilma Rousseff ao mercado automobilístico. Em agosto de 2012, a produção nacional de automóveis chegou a cerca de 33 mil unidades. Em junho passado, caiu para aproximadamente 21 mil, de acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. No entanto, a demanda por exportações,uma das especialidades da fábrica do interior de São Paulo, tem aumentado e tem previsão de subir 7,2% no acumulado do ano. Ainda assim, não seria o suficiente para retomar o ritmo de 2012.
Motivada pelos ares otimistas do mercado e pelo fim do auxílio governamental que a empresa recebia via Programa de Proteção ao Emprego (encerrado em junho), a proposta feita aos trabalhadores era retornar ao acordo já vencido. Assim, a fábrica só pararia de funcionar aos domingos, aumentando sua produtividade.
Os funcionários teriam de cumprir expediente de segunda a sábado, folgando obrigatoriamente aos domingos e em um dia de semana de sua escolha. Como as horas trabalhadas no fim de semana seriam compensadas em dias úteis, a CLT permite que não se pague mais por elas.
Na prática, também sabe-se que não é o mesmo quando se folga fim de semana ou durante um dia útil. A principal queixa dos funcionários foi não poderem estar a famílias nesses dias. Com esta motivação, eles entraram em greve na segunda, 3.
Três dias e uma decisão do Tribunal Regional de Trabalho de Campinas depois, o expediente voltou à normalidade. O TRT propôs o retorno da maioria dos metalúrgicos em jornada de segunda a sexta, sem descontar de seus salários os dias de greve. Ponto para os trabalhadores. O formato deve se manter enquanto sindicato e empresa tentam solucionar o impasse dos horários. Caso isso não ocorra, a decisão vai ser tomada pelo TRT. Um sinal de força da Justiça Trabalhista.
O acordo firmado em Taubaté respeita a CLT atual, como explica Renato Sabino, especialista em Direito do Trabalho e professor do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR). Ele conta que, se houver compensação da folga não retirada no sábado durante os dias úteis, não é necessário pagar horas-extras pelo tempo trabalhado no fim de semana. Os benefícios deste formato, no entanto, ficam apenas com a empresa, como descreve o próprio Sabino:
“Pela experiência prévia, os funcionários provavelmente notaram que, na prática, acabam perdendo um dia na semana. Devem ter percebido também que este é um formato que traz mais lucros para a empresa, aumentando sua produção, e pouco retorno para eles que, além da hora-extra, perderam um dia com suas famílias”.
O especialista também explica que, mesmo com a reforma aprovada, os acordos precisarão passar pelo crivo dos sindicatos antes de serem assinados. Resta saber que força as organizações trabalhistas conseguirão ter.
Em entrevista publicada por The Intercept Brasil, o juiz Luiz Colussi, diretor da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), já explicou que outro ponto crítico da reforma é a limitação imposta à justiça do trabalho. De acordo com o texto, que deverá votado na próxima terça (11), todo juiz do trabalho deverá guiar sua ação “pelo princípio da intervenção mínima”.
Ou seja, se o caso da Ford de Taubaté acontecesse em um cenário de reforma aprovada, o TRT não poderia interferir tanto quanto pode hoje, o juiz teria de analisar “exclusivamente a conformidade”.
Desemprego muda dinâmica de forças de negociação
“Queremos chegar a um equilíbrio com a empresa. Buscamos qualidade de vida, mas também entendemos que a Ford não pode fechar uma fábrica dessas, que emprega 1500 pessoas”, conta Cláudia Albertina, operadora de máquinas e diretora sindical da equipe. Ela conta que o desemprego latente do país fez muitos de seus colegas pensarem duas vezes antes de aderirem à greve e lutarem por seus direitos.
Em uma audiência pública realizada na Comissão Especial da Câmara sobre a reforma, o advogado e professor da Escola Superior da Advocacia do Distrito Federal José Augusto Lyra foi direto ao ponto sobre a relação entre “negociado sobre legislado” em o momento de altos índices de desemprego:
“A figura do negociado sobre o legislado pode ser exercida, mas não neste momento em que temos 13 milhões de desempregados. Urge gerar empregos. E ao, gerar empregos, não se pode deixar que essa heresia jurídica prolifere.”
A lógica é simples: em um cenário de alto desemprego sustentado por muito tempo, o trabalhador perde o poder de negociação. Levantamento do SPC Brasil mostrou que, no Brasil, a maior parte dos desempregados está fora do mercado há mais de um ano. Nesse cenário, é compreensível que o trabalhador passe a considerar vagas com menos garantias.
Tempos modernos
Em nota enviada ao jornal Estado de S. Paulo, a Ford afirma que o impasse atrasa um investimento de R$ 1,2 bilhão na produção está travado: “A confirmação desse investimento depende fundamentalmente de termos previamente negociados e acordados com o sindicato”. No mesmo texto, a empresa afirma que “a não implementação dessa jornada ameaça seriamente a competitividade da planta” e promete apelar à Justiça contra os grevistas. The Intercept Brasil tentou entrar em contato com a empresa, mas não obteve resposta.
Jorge Souto Maior, professor da Faculdade de Direito da USP e juiz do trabalho, coloca o dedo na ferida e resume a situação em seu texto “A história do Direito do Trabalho no Brasil”:
“No exato momento em que se discute a reforma trabalhista, quando os trabalhadores anunciaram que fariam um dia de paralisação para que se manifestassem em defesa de seus direitos, certamente ameaçados, os empregadores que requerem a reforma trabalhista em nome da modernização, contra o ‘paternalismo’ do Estado, preconizando a livre negociação, recorreram à Justiça (Cível e do Trabalho), para impedir a ação dos trabalhadores e, claro, obtiveram decisões favoráveis à sua pretensão.”
“Queremos chegar a um equilíbrio com a empresa. Buscamos qualidade de vida, mas também entendemos que a Ford não pode fechar uma fábrica dessas, que emprega 1500 pessoas”, conta Cláudia Albertina, operadora de máquinas e diretora sindical da equipe. Ela conta que o desemprego latente do país fez muitos de seus colegas pensarem duas vezes antes de aderirem à greve e lutarem por seus direitos.
Em uma audiência pública realizada na Comissão Especial da Câmara sobre a reforma, o advogado e professor da Escola Superior da Advocacia do Distrito Federal José Augusto Lyra foi direto ao ponto sobre a relação entre “negociado sobre legislado” em o momento de altos índices de desemprego:
“A figura do negociado sobre o legislado pode ser exercida, mas não neste momento em que temos 13 milhões de desempregados. Urge gerar empregos. E ao, gerar empregos, não se pode deixar que essa heresia jurídica prolifere.”
A lógica é simples: em um cenário de alto desemprego sustentado por muito tempo, o trabalhador perde o poder de negociação. Levantamento do SPC Brasil mostrou que, no Brasil, a maior parte dos desempregados está fora do mercado há mais de um ano. Nesse cenário, é compreensível que o trabalhador passe a considerar vagas com menos garantias.
Tempos modernos
Em nota enviada ao jornal Estado de S. Paulo, a Ford afirma que o impasse atrasa um investimento de R$ 1,2 bilhão na produção está travado: “A confirmação desse investimento depende fundamentalmente de termos previamente negociados e acordados com o sindicato”. No mesmo texto, a empresa afirma que “a não implementação dessa jornada ameaça seriamente a competitividade da planta” e promete apelar à Justiça contra os grevistas. The Intercept Brasil tentou entrar em contato com a empresa, mas não obteve resposta.
Jorge Souto Maior, professor da Faculdade de Direito da USP e juiz do trabalho, coloca o dedo na ferida e resume a situação em seu texto “A história do Direito do Trabalho no Brasil”:
“No exato momento em que se discute a reforma trabalhista, quando os trabalhadores anunciaram que fariam um dia de paralisação para que se manifestassem em defesa de seus direitos, certamente ameaçados, os empregadores que requerem a reforma trabalhista em nome da modernização, contra o ‘paternalismo’ do Estado, preconizando a livre negociação, recorreram à Justiça (Cível e do Trabalho), para impedir a ação dos trabalhadores e, claro, obtiveram decisões favoráveis à sua pretensão.”
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