Por Tadeu Breda, no site Outras Palavras:
Se o placar de 7×1 na Copa de 2014 foi inesperado para uma partida entre Brasil e Alemanha, nas relações econômicas bilaterais essa disparidade é a regra. Historicamente, a balança comercial entre os dois países é uma goleada em favor dos alemães. E o esquema de jogo é conhecido: enquanto compramos máquinas e produtos industrializados, vendemos matérias-primas, perpetuando um sistema que se arrasta desde os tempos da colonização.
Os negócios teuto-brasileiros começaram com Dom Pedro II, que ainda no século XIX importou as primeiras armas alemãs para o Brasil - os canhões da Kupp usados na Guerra do Paraguai -, e se intensificaram durante o “milagre econômico”, promovido pelo regime militar à base de repressão, arrocho salarial e endividamento público. Hoje, a Grande São Paulo é a região que mais concentra empresas alemãs fora da Europa.
Contudo, esse investimento internacional - que muita gente ainda vê como sinônimo de progresso - guarda uma face pouco conhecida, permeada por superexploração do trabalho, violações aos direitos humanos, destruição ambiental, influência política e lucros estratosféricos. É o que demonstra Christian Russau em Empresas alemãs no Brasil: o 7×1 na economia, publicado pela Fundação Rosa Luxemburgo e pela ONG Medico Internacional em parceria com a Editora Elefante e a Autonomia Literária.
Se o placar de 7×1 na Copa de 2014 foi inesperado para uma partida entre Brasil e Alemanha, nas relações econômicas bilaterais essa disparidade é a regra. Historicamente, a balança comercial entre os dois países é uma goleada em favor dos alemães. E o esquema de jogo é conhecido: enquanto compramos máquinas e produtos industrializados, vendemos matérias-primas, perpetuando um sistema que se arrasta desde os tempos da colonização.
Os negócios teuto-brasileiros começaram com Dom Pedro II, que ainda no século XIX importou as primeiras armas alemãs para o Brasil - os canhões da Kupp usados na Guerra do Paraguai -, e se intensificaram durante o “milagre econômico”, promovido pelo regime militar à base de repressão, arrocho salarial e endividamento público. Hoje, a Grande São Paulo é a região que mais concentra empresas alemãs fora da Europa.
Contudo, esse investimento internacional - que muita gente ainda vê como sinônimo de progresso - guarda uma face pouco conhecida, permeada por superexploração do trabalho, violações aos direitos humanos, destruição ambiental, influência política e lucros estratosféricos. É o que demonstra Christian Russau em Empresas alemãs no Brasil: o 7×1 na economia, publicado pela Fundação Rosa Luxemburgo e pela ONG Medico Internacional em parceria com a Editora Elefante e a Autonomia Literária.
Num primeiro momento, a obra investiga as parcerias amorais entre Brasil e Alemanha, expressas no comércio de armas e no treinamento militar (capítulo 1) e na tecnologia nuclear (capítulo 2), nas quais as violações de direitos humanos têm sido consideradas uma espécie de dano colateral inevitável de importantes negócios.
Russau explica, por exemplo, por que uma técnica policial conhecida como “caldeirão de Hamburgo”, proibida pelos tribunais alemães, foi usada pela PM paulista na repressão aos movimentos que protestavam contra a Copa do Mundo, em 2014. E rastreia como, ainda durante o governo Getúlio Vargas, ex-cientistas nazistas proveram o país de reatores.
O livro também aborda as razões que levaram os políticos alemães a não se dar o “luxo de sentimentalismos” quando os negócios com o Brasil começaram a decolar, no final dos anos 1960, no auge da ditadura. Àquela altura, a Volkswagen do Brasil já era a maior multinacional da América Latina. Crítico à blindagem histórica dos meandros do regime, e juntando as fontes de informação conhecidas - sobretudo o depoimento das vítimas da tortura e da repressão -, o capítulo 3 explora a participação da montadora nos conclaves empresariais que colaboraram com a polícia política dos generais. Aliás, o trabalho de Russau é um dos grandes responsáveis pela repercussão da imprensa alemã à “confissão” da Volkswagen, que recentemente admitiu haver contribuído com a repressão política no Brasil.
Em seguida, o livro examina as atuais relações econômicas dos dois países e tenta apurar a falta de responsabilidade empresarial nas cadeias de abastecimento de matérias-primas. Terceiro maior fabricante de veículos do mundo, ao lado do Japão, e depois da China e dos Estados Unidos, a Alemanha importa quantidades monstruosas de minério de ferro do Brasil. As reportagens no Maranhão (capítulo 4) e no Rio de Janeiro (capítulo 5) tratam das pessoas atingidas pela extração e pelo processamento desse circuito primário-exportador, marcado pela violação de direitos humanos e pela destruição ambiental.
O capítulo 6 aborda o caso de empresas que participam do jogo aparentemente de maneira indireta, vendendo seguros para projetos de barragens na Amazônia, e que, no passado, jamais consideraram os efeitos danosos dos projetos que auxiliam. A partir do exemplo brasileiro, o capítulo 7 analisa as consequências ambientais e sociais da agroindústria: a concentração fundiária no campo, a expulsão de camponeses de suas terras, a falta de acesso à propriedade rural e a contaminação da água e do solo por agrotóxicos. O livro também questiona o chamado double standard, o famoso “dois pesos e duas medidas”, evidenciado pela baixa qualidade dos produtos que as indústrias químicas alemãs, como Basf e Bayer, oferece aos consumidores brasileiros quando comparados à mercadoria que comercializam na Alemanha.
Russau relata, ainda, as reações dos executivos das multinacionais ao prestar contas às assembleias de acionistas, reagindo às acusações concretas de abuso aos direitos humanos e destruição ambiental em que as suas empresas tiveram responsabilidade direta ou indireta. No capítulo 8, por fim, o jornalista analisa o comportamento das empresas diante da insuficiência da responsabilidade social corporativa, e aborda as recentes tendências que, futuramente, pretendem responsabilizar as grandes companhias que falhem nesse intento.
A investigação de Christian Russau demonstra que, se as mazelas da “relação especial” entre Brasil e Alemanha se limitassem a um jogo humilhante no estádio do Mineirão, o cenário não seria tão trágico. O verdadeiro problema são todas as demais partidas que os brasileiros - não os atletas, mas a população mais vulnerável e desassistida - enfrentam todos dias contra gigantes transnacionais que, com o apoio das elites locais, entram em campo sem respeitar as regras, e muitas vezes com o juiz comprado.
Russau explica, por exemplo, por que uma técnica policial conhecida como “caldeirão de Hamburgo”, proibida pelos tribunais alemães, foi usada pela PM paulista na repressão aos movimentos que protestavam contra a Copa do Mundo, em 2014. E rastreia como, ainda durante o governo Getúlio Vargas, ex-cientistas nazistas proveram o país de reatores.
O livro também aborda as razões que levaram os políticos alemães a não se dar o “luxo de sentimentalismos” quando os negócios com o Brasil começaram a decolar, no final dos anos 1960, no auge da ditadura. Àquela altura, a Volkswagen do Brasil já era a maior multinacional da América Latina. Crítico à blindagem histórica dos meandros do regime, e juntando as fontes de informação conhecidas - sobretudo o depoimento das vítimas da tortura e da repressão -, o capítulo 3 explora a participação da montadora nos conclaves empresariais que colaboraram com a polícia política dos generais. Aliás, o trabalho de Russau é um dos grandes responsáveis pela repercussão da imprensa alemã à “confissão” da Volkswagen, que recentemente admitiu haver contribuído com a repressão política no Brasil.
Em seguida, o livro examina as atuais relações econômicas dos dois países e tenta apurar a falta de responsabilidade empresarial nas cadeias de abastecimento de matérias-primas. Terceiro maior fabricante de veículos do mundo, ao lado do Japão, e depois da China e dos Estados Unidos, a Alemanha importa quantidades monstruosas de minério de ferro do Brasil. As reportagens no Maranhão (capítulo 4) e no Rio de Janeiro (capítulo 5) tratam das pessoas atingidas pela extração e pelo processamento desse circuito primário-exportador, marcado pela violação de direitos humanos e pela destruição ambiental.
O capítulo 6 aborda o caso de empresas que participam do jogo aparentemente de maneira indireta, vendendo seguros para projetos de barragens na Amazônia, e que, no passado, jamais consideraram os efeitos danosos dos projetos que auxiliam. A partir do exemplo brasileiro, o capítulo 7 analisa as consequências ambientais e sociais da agroindústria: a concentração fundiária no campo, a expulsão de camponeses de suas terras, a falta de acesso à propriedade rural e a contaminação da água e do solo por agrotóxicos. O livro também questiona o chamado double standard, o famoso “dois pesos e duas medidas”, evidenciado pela baixa qualidade dos produtos que as indústrias químicas alemãs, como Basf e Bayer, oferece aos consumidores brasileiros quando comparados à mercadoria que comercializam na Alemanha.
Russau relata, ainda, as reações dos executivos das multinacionais ao prestar contas às assembleias de acionistas, reagindo às acusações concretas de abuso aos direitos humanos e destruição ambiental em que as suas empresas tiveram responsabilidade direta ou indireta. No capítulo 8, por fim, o jornalista analisa o comportamento das empresas diante da insuficiência da responsabilidade social corporativa, e aborda as recentes tendências que, futuramente, pretendem responsabilizar as grandes companhias que falhem nesse intento.
A investigação de Christian Russau demonstra que, se as mazelas da “relação especial” entre Brasil e Alemanha se limitassem a um jogo humilhante no estádio do Mineirão, o cenário não seria tão trágico. O verdadeiro problema são todas as demais partidas que os brasileiros - não os atletas, mas a população mais vulnerável e desassistida - enfrentam todos dias contra gigantes transnacionais que, com o apoio das elites locais, entram em campo sem respeitar as regras, e muitas vezes com o juiz comprado.
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