Por Claudio Reis, no site Brasil Debate:
O fascismo como forma de governo nasce nas primeiras décadas do século 20. E o seu contexto geográfico é a Europa. Os motivos para o seu nascimento, portanto, devem ser buscados nesse tempo/espaço. Num primeiro momento, o fascismo é fruto da crise das correlações de forças políticas entre as potências imperialistas. A tentativa tardia de países como a Alemanha e a Itália de invadir e dominar outras nações na África e na Ásia levou a um profundo conflito de interesses entre as nações imperialistas da Europa. A Primeira Guerra Mundial é o resultado mais dramático desse conflito. E o fascismo, o desdobramento político-social desse drama.
No caso italiano, considerado a formação clássica do fascismo, defendeu-se o nacionalismo e o retorno imaginário ao Império Romano; o combate às concepções que indicavam a existência da luta de classes; o enfrentamento aos diversos setores organizados, ligados ao movimento operário; a estandardização da sociedade e o culto à liderança autoritária.
Como movimento político-social, o fascismo, antes mesmo de assumir o poder do Estado, já difundia pela sociedade seus ideais. Antes de assumir o controle do aparelho estatal, conseguiu atrair para sua órbita multidões de descontentes. Assim, o partido fascista, em pouco tempo, tornou-se o mais forte da Itália.
Com a entrada e a derrota na Segunda Guerra Mundial, o fascismo italiano é desmontado, mas não totalmente eliminado como possibilidade histórica, sempre viva, de saída para as crises orgânicas do capitalismo.
Na sociedade brasileira contemporânea, há um entendimento, não consensual, mas bastante sólido de que em vários episódios sociais e políticos recentes é possível identificar claras manifestações fascistas.
As posições críticas, em geral, pecam ao desconsiderarem as suas particularidades assumidas quando sai da Itália. Acreditam que a única forma de identificar a existência de forças fascistas é a partir dos elementos característicos das primeiras décadas do século 20. Obviamente que, se os parâmetros forem somente estes, o fascismo dificilmente poderá ser encontrado na realidade contemporânea, principalmente em países como o Brasil. O que deve ser entendido, porém, é o fato de que o movimento e regime fascistas, assim como qualquer outra experiência político-social, ao se expandirem pelos diversos países, passam, necessariamente, por processos de adaptações históricas.
Assim se deu com as experiências socialistas, com o liberalismo e com as formas de democracia. Todas essas experiências que nascem em determinadas formações nacionais, ao se internacionalizarem passam por transformações importantes, de acordo com cada realidade particular.
Desse modo, quando se defende a existência de movimentos fascistas no Brasil, fundamentalmente nos últimos anos, não se está querendo encaixar a realidade italiana do início do século 20, na atual sociedade brasileira. Busca-se, ao contrário, identificar o seu caráter específico encontrado no contexto brasileiro.
Talvez, o grande elemento característico do fascismo no Brasil seja o fato de ele se assentar numa história de 300 anos de escravidão do povo negro, retirado à força da África, e das populações indígenas originárias.
No Brasil, a escravidão de grande parte da população gerou um solo nacional específico para as manifestações fascistas. E aqui é importante ressaltar que elas são formas específicas de autoritarismo e de ditadura, ou seja, não é sinônimo de qualquer governo, ou movimento, repressor. Afinal, nem todo regime fundado predominantemente na violência necessita do apoio da massa social para se consolidar. É perfeitamente possível construir um aparelho estatal baseado apenas na coerção, sem ter o consenso das amplas multidões.
A história brasileira do século 20 apresenta justamente esse aspecto, isto é, a forte presença de ditaduras no âmbito do Estado, mas sem um amplo movimento social de massas apoiando. O que ocorreu foi a dominação por meio do aparato repressivo, gerando o medo e o controle das poucas instituições ligadas a grupos e classes sociais potencialmente antagônicos.
Para haver fascismo é preciso existir uma sociedade civil fascista. Esse é um dado universal deste movimento. E, mais ainda, é preciso que a sociedade civil apresente um alcance nacional. Tais elementos somente aparecem no Brasil nas últimas décadas, quando se verificou o maior período de liberdades políticas, de organização social e de opinião.
É nesse período que a sociedade civil brasileira consegue se tornar complexa, com inúmeras formas de organização política, social e cultural, nos âmbitos institucionais ou não. E é também somente após a redemocratização dos anos 1980 que a sociedade civil se nacionaliza. É, por exemplo, somente neste período que surgem os primeiros partidos políticos de alcance nacional, não restritos às capitais da faixa litorânea.
Do mesmo modo, é nesse momento que surge uma opinião pública nacional, em grande medida, impulsionada pela expansão dos meios de comunicação – mesmo sendo controlados por pequeno número de famílias, representantes das classes dominantes.
Portanto, falar em fascismo no Brasil é se referir a um momento histórico muitíssimo recente e que não pode ser entendido fora da tradição de séculos de escravidão. O peso da escravidão e do autoritarismo estatal asseguram as condições favoráveis para a disseminação de movimentos fascistas no Brasil. Entretanto, ambos possuem as suas particularidades.
Aquilo que ocorreu na Itália, somente hoje surge como possibilidade real no Brasil. Somente após quase 100 anos da experiência italiana é que o Brasil criou as condições concretas para sua efetivação, por meio da constituição de laços políticos, culturais e econômicos, envolvendo praticamente todo o país. Por sua pobreza secular, aliada à sua gelatinosa sociedade civil e ao seu tamanho continental, existir uma concepção do mundo de dimensões nacionais não ocorre nem rápida, nem facilmente.
A Constituição de 1988, apesar de seus limites, deu a possibilidade de um rompimento fundamental não à sociedade burguesa, mas à nossa herança histórico-nacional escravista. Direitos fundamentais e universais, contemplando uma massa de indivíduos nunca antes inserida no principal documento organizador do Estado brasileiro, interrompeu, ainda que momentaneamente, a continuidade das forças políticas reacionárias escravistas.
Diferentemente das ditaduras já ocorridas no Brasil, fundadas predominantemente na ação das forças armadas, o fascismo é demasiado capilar. Assim, a sua organização social e política cria dificuldades maiores para os setores de oposição.
As consequências da luta político-social, no atual cenário histórico brasileiro, não estão definidas. A luta de classes hoje no país, politicamente traduzida entre uma frágil democracia contra um fascismo em formação, abre possibilidades e caminhos diversos para um futuro não muito distante.
O fascismo como forma de governo nasce nas primeiras décadas do século 20. E o seu contexto geográfico é a Europa. Os motivos para o seu nascimento, portanto, devem ser buscados nesse tempo/espaço. Num primeiro momento, o fascismo é fruto da crise das correlações de forças políticas entre as potências imperialistas. A tentativa tardia de países como a Alemanha e a Itália de invadir e dominar outras nações na África e na Ásia levou a um profundo conflito de interesses entre as nações imperialistas da Europa. A Primeira Guerra Mundial é o resultado mais dramático desse conflito. E o fascismo, o desdobramento político-social desse drama.
No caso italiano, considerado a formação clássica do fascismo, defendeu-se o nacionalismo e o retorno imaginário ao Império Romano; o combate às concepções que indicavam a existência da luta de classes; o enfrentamento aos diversos setores organizados, ligados ao movimento operário; a estandardização da sociedade e o culto à liderança autoritária.
Como movimento político-social, o fascismo, antes mesmo de assumir o poder do Estado, já difundia pela sociedade seus ideais. Antes de assumir o controle do aparelho estatal, conseguiu atrair para sua órbita multidões de descontentes. Assim, o partido fascista, em pouco tempo, tornou-se o mais forte da Itália.
Com a entrada e a derrota na Segunda Guerra Mundial, o fascismo italiano é desmontado, mas não totalmente eliminado como possibilidade histórica, sempre viva, de saída para as crises orgânicas do capitalismo.
Na sociedade brasileira contemporânea, há um entendimento, não consensual, mas bastante sólido de que em vários episódios sociais e políticos recentes é possível identificar claras manifestações fascistas.
As posições críticas, em geral, pecam ao desconsiderarem as suas particularidades assumidas quando sai da Itália. Acreditam que a única forma de identificar a existência de forças fascistas é a partir dos elementos característicos das primeiras décadas do século 20. Obviamente que, se os parâmetros forem somente estes, o fascismo dificilmente poderá ser encontrado na realidade contemporânea, principalmente em países como o Brasil. O que deve ser entendido, porém, é o fato de que o movimento e regime fascistas, assim como qualquer outra experiência político-social, ao se expandirem pelos diversos países, passam, necessariamente, por processos de adaptações históricas.
Assim se deu com as experiências socialistas, com o liberalismo e com as formas de democracia. Todas essas experiências que nascem em determinadas formações nacionais, ao se internacionalizarem passam por transformações importantes, de acordo com cada realidade particular.
Desse modo, quando se defende a existência de movimentos fascistas no Brasil, fundamentalmente nos últimos anos, não se está querendo encaixar a realidade italiana do início do século 20, na atual sociedade brasileira. Busca-se, ao contrário, identificar o seu caráter específico encontrado no contexto brasileiro.
Talvez, o grande elemento característico do fascismo no Brasil seja o fato de ele se assentar numa história de 300 anos de escravidão do povo negro, retirado à força da África, e das populações indígenas originárias.
No Brasil, a escravidão de grande parte da população gerou um solo nacional específico para as manifestações fascistas. E aqui é importante ressaltar que elas são formas específicas de autoritarismo e de ditadura, ou seja, não é sinônimo de qualquer governo, ou movimento, repressor. Afinal, nem todo regime fundado predominantemente na violência necessita do apoio da massa social para se consolidar. É perfeitamente possível construir um aparelho estatal baseado apenas na coerção, sem ter o consenso das amplas multidões.
A história brasileira do século 20 apresenta justamente esse aspecto, isto é, a forte presença de ditaduras no âmbito do Estado, mas sem um amplo movimento social de massas apoiando. O que ocorreu foi a dominação por meio do aparato repressivo, gerando o medo e o controle das poucas instituições ligadas a grupos e classes sociais potencialmente antagônicos.
Para haver fascismo é preciso existir uma sociedade civil fascista. Esse é um dado universal deste movimento. E, mais ainda, é preciso que a sociedade civil apresente um alcance nacional. Tais elementos somente aparecem no Brasil nas últimas décadas, quando se verificou o maior período de liberdades políticas, de organização social e de opinião.
É nesse período que a sociedade civil brasileira consegue se tornar complexa, com inúmeras formas de organização política, social e cultural, nos âmbitos institucionais ou não. E é também somente após a redemocratização dos anos 1980 que a sociedade civil se nacionaliza. É, por exemplo, somente neste período que surgem os primeiros partidos políticos de alcance nacional, não restritos às capitais da faixa litorânea.
Do mesmo modo, é nesse momento que surge uma opinião pública nacional, em grande medida, impulsionada pela expansão dos meios de comunicação – mesmo sendo controlados por pequeno número de famílias, representantes das classes dominantes.
Portanto, falar em fascismo no Brasil é se referir a um momento histórico muitíssimo recente e que não pode ser entendido fora da tradição de séculos de escravidão. O peso da escravidão e do autoritarismo estatal asseguram as condições favoráveis para a disseminação de movimentos fascistas no Brasil. Entretanto, ambos possuem as suas particularidades.
Aquilo que ocorreu na Itália, somente hoje surge como possibilidade real no Brasil. Somente após quase 100 anos da experiência italiana é que o Brasil criou as condições concretas para sua efetivação, por meio da constituição de laços políticos, culturais e econômicos, envolvendo praticamente todo o país. Por sua pobreza secular, aliada à sua gelatinosa sociedade civil e ao seu tamanho continental, existir uma concepção do mundo de dimensões nacionais não ocorre nem rápida, nem facilmente.
A Constituição de 1988, apesar de seus limites, deu a possibilidade de um rompimento fundamental não à sociedade burguesa, mas à nossa herança histórico-nacional escravista. Direitos fundamentais e universais, contemplando uma massa de indivíduos nunca antes inserida no principal documento organizador do Estado brasileiro, interrompeu, ainda que momentaneamente, a continuidade das forças políticas reacionárias escravistas.
Diferentemente das ditaduras já ocorridas no Brasil, fundadas predominantemente na ação das forças armadas, o fascismo é demasiado capilar. Assim, a sua organização social e política cria dificuldades maiores para os setores de oposição.
As consequências da luta político-social, no atual cenário histórico brasileiro, não estão definidas. A luta de classes hoje no país, politicamente traduzida entre uma frágil democracia contra um fascismo em formação, abre possibilidades e caminhos diversos para um futuro não muito distante.
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