Por Dennis de Oliveira, em seu blog:
Os atos realizados no último domingo (26) foram menores que os do dia 15 de maio e também demonstraram um refluxo na base de apoio ao governo Bolsonaro. O que as várias pesquisas estão demonstrando se expressou na adesão às ruas. Em três cidades, houve uma certa adesão – São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Em outras, os atos foram fracos. Entretanto, considero precipitado dizer que Bolsonaro está acabado.
Este núcleo de extrema direita consolida uma certa identidade política, conforme atesta o blogueiro Leonardo Sakamoto a partir de pesquisas realizadas por um grupo de pesquisadores da USP (clique aqui para ler). Mais que identidade política, tem poder de mobilização. Alguns analistas mostram que o fato de Bolsonaro se isolar dentro dessa bolha demonstra fraqueza. Em parte, sim. Mas quero apresentar uma outra perspectiva de análise.
Existe uma agenda das classes dominantes: a reforma fiscal do Estado para adequar-se às exigências do capital rentista. E ela começa com a reforma da Previdência. A principio, pode-se argumentar que a reforma fiscal do Estado, da forma que está sendo proposta, traz contradições no seio da burguesia, uma vez que ela privilegia de forma desmesurada o capital rentista. Porém, a crise do capitalismo pode empurrar parte da burguesia não rentista para esta agenda. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo tem demonstrado como uma parte significativa de grandes empresas industriais tem garantido um certo faturamento, mesmo em momentos de crise, com o giro de parte do seu capital na ciranda financeira. Algumas corporações chegam, segundo Belluzzo, até mesmo a especular com suas próprias ações na Bolsa.
A reforma da Previdência atende a três objetivos. Primeiro, sinaliza para a redução dos investimentos na área social e priorização no pagamento dos juros da dívida pública (de interesse do capital rentista). Segundo, abre um mercado importante para este mesmo capital ao impor o sistema de capitalização e também abrir espaço para a previdência privada, à medida que a previdência pública seria limitadíssima. Terceiro, aprofunda ainda mais a precarização dos contratos de trabalho (de interesse de toda a burguesia).
Pode-se argumentar que a retração do mercado consumidor interno que seria uma das consequências dessa reforma da Previdência (pois os aposentados também consomem) seria compensada com um aumento nas possibilidades de reprodução e ampliação do capital no setor rentista. Esta é a argumentação que tem possibilitado uma verdadeira unidade da burguesia a favor da reforma da Previdência.
As dificuldades do governo Bolsonaro estão em outra ordem de coisas. E não se trata de uma questão interna ao Brasil.
Nessa crise do capitalismo, as classes dominantes têm apresentado duas possibilidades de saída. A primeira é reconstruir os arranjos institucionais, abandonando de vez o modelo da democracia liberal e caminhando para sistemas autoritários. Este é o sentido do crescimento da extrema direita – conforme ficou demonstrado nas eleições dos deputados do Parlamento Europeu no último domingo. Diante das possíveis reações fortes ao aumento da concentração de renda e da miserabilidade e para garantir a reprodução do capital nestes termos, a proposta é construir Estados verdadeiramente policiais para conter tanto as vítimas dessa concentração (trabalhadores, pobres, imigrantes, negros, mulheres) como também os movimentos sociais que ousarem se levantar contra isso.
A segunda é tentar construir uma hegemonia política dentro dos parâmetros da democracia liberal, ainda que seja necessário lançar mão de expedientes não democráticos (como, por exemplo, a criminalização da esquerda por meio de denúncias de corrupção, fenômeno que está ocorrendo em várias partes do mundo). É essa a perspectiva da direita tradicional.
Aqui residem as contradições, no Brasil, entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, por exemplo.
Nesse sentido, as manifestações convocadas pelo presidente Bolsonaro no domingo (26) não tiveram como objetivo só contrapor à da oposição realizada no dia 15 de maio. As palavras de ordem contra o Congresso, os “políticos” e por aí vai foram uma demonstração de força para a direita tradicional e para a burguesia. Isto é, mostrar o poder de mobilização social que daria sustentação a essa proposta de alteração nos arranjos institucionais para um regime ditatorial explícito.
Há que se comparar não apenas o poder de mobilização de Bolsonaro com a oposição, mas sim do presidente com a direita tradicional. Qual é o objetivo? Definir o caminho pelo qual se adaptará a economia nacional aos interesses do capital rentista. Por isso que, em determinado momento, houve uma “disputa” de protagonismos entre o Executivo e o Legislativo sobre a condução da reforma da Previdência.
E, a partir disso, temos as seguintes situações e contradições:
1 – O governo Bolsonaro enfrenta a resistência de algumas burocracias de Estado que, em uma mudança brusca como quer fazer, perdem poder e prestígio. Isso ocorre com a resistência de setores da elite do Judiciário ante ao pacote supostamente “anticrime” do ministro Sérgio Moro e também com a interferência nas universidades, gerando reações das elites acadêmicas. Esses setores podem ampliar a base da oposição ao seu governo.
2 – Outra ordem de enfrentamento do governo Bolsonaro é a classe política tradicional que não quer se ver alijada desse processo político (ainda que tenha convergência de agendas) e, por essa razão, tem resistências fortes ante a figura do ministro Sérgio Moro, que deu início ao processo de criminalização da política com a Operação Lava Jato;
3 – Diante disso, incrivelmente, o ministro Sérgio Moro acaba sendo o principal centro dessas contradições e, provavelmente, por isso que Bolsonaro acenou com a indicação dele para o STF, já antecipando a sua saída do governo e, também, abriu mão de brigar pela manutenção do Coaf na pasta do ex-juiz.
4 –O café da manhã com os presidentes dos três Poderes, na segunda feira (27), é uma tentativa de recomposição dessas forças para garantir a reforma da Previdência, que vem sendo pressionada de forma intensa pela burguesia;
5 – O poder de mobilização que tentou mostrar Bolsonaro é uma forma de se contrapor a uma certa desarticulação da centro direita. Em outras palavras, o discurso é que, derrotada a extrema direita, há riscos reais de volta dos setores progressistas ao poder (por isso, a manutenção do discurso antipetista como forma de geração de medo).
Lendo a obra 18 Brumario, de Karl Marx, é possível perceber algumas semelhanças dos fatos que levaram ao poder o que o pensador alemão chamou de “cérebro de toucinho” (Luís Bonaparte) e o Bolsonaro (não só pelas maluquices do presidente brasileiro). A desarticulação das frações da burguesia, o medo das forças progressistas, a mobilização dos sentimentos moralistas da pequena burguesia (que, segundo Marx, não tem um projeto de classe, mas só se unifica na junção de desejos individuais).
Assim, o que pode mudar essa conjuntura será a capacidade de a classe trabalhadora conseguir se contrapor e o teste será a greve geral do dia 14 de junho. Até lá, Bolsonaro fica e tem condições de recompor uma base, ainda que frágil, no Congresso. O que pode atrapalhar é o seu próprio (des)temperamento.
Este núcleo de extrema direita consolida uma certa identidade política, conforme atesta o blogueiro Leonardo Sakamoto a partir de pesquisas realizadas por um grupo de pesquisadores da USP (clique aqui para ler). Mais que identidade política, tem poder de mobilização. Alguns analistas mostram que o fato de Bolsonaro se isolar dentro dessa bolha demonstra fraqueza. Em parte, sim. Mas quero apresentar uma outra perspectiva de análise.
Existe uma agenda das classes dominantes: a reforma fiscal do Estado para adequar-se às exigências do capital rentista. E ela começa com a reforma da Previdência. A principio, pode-se argumentar que a reforma fiscal do Estado, da forma que está sendo proposta, traz contradições no seio da burguesia, uma vez que ela privilegia de forma desmesurada o capital rentista. Porém, a crise do capitalismo pode empurrar parte da burguesia não rentista para esta agenda. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo tem demonstrado como uma parte significativa de grandes empresas industriais tem garantido um certo faturamento, mesmo em momentos de crise, com o giro de parte do seu capital na ciranda financeira. Algumas corporações chegam, segundo Belluzzo, até mesmo a especular com suas próprias ações na Bolsa.
A reforma da Previdência atende a três objetivos. Primeiro, sinaliza para a redução dos investimentos na área social e priorização no pagamento dos juros da dívida pública (de interesse do capital rentista). Segundo, abre um mercado importante para este mesmo capital ao impor o sistema de capitalização e também abrir espaço para a previdência privada, à medida que a previdência pública seria limitadíssima. Terceiro, aprofunda ainda mais a precarização dos contratos de trabalho (de interesse de toda a burguesia).
Pode-se argumentar que a retração do mercado consumidor interno que seria uma das consequências dessa reforma da Previdência (pois os aposentados também consomem) seria compensada com um aumento nas possibilidades de reprodução e ampliação do capital no setor rentista. Esta é a argumentação que tem possibilitado uma verdadeira unidade da burguesia a favor da reforma da Previdência.
As dificuldades do governo Bolsonaro estão em outra ordem de coisas. E não se trata de uma questão interna ao Brasil.
Nessa crise do capitalismo, as classes dominantes têm apresentado duas possibilidades de saída. A primeira é reconstruir os arranjos institucionais, abandonando de vez o modelo da democracia liberal e caminhando para sistemas autoritários. Este é o sentido do crescimento da extrema direita – conforme ficou demonstrado nas eleições dos deputados do Parlamento Europeu no último domingo. Diante das possíveis reações fortes ao aumento da concentração de renda e da miserabilidade e para garantir a reprodução do capital nestes termos, a proposta é construir Estados verdadeiramente policiais para conter tanto as vítimas dessa concentração (trabalhadores, pobres, imigrantes, negros, mulheres) como também os movimentos sociais que ousarem se levantar contra isso.
A segunda é tentar construir uma hegemonia política dentro dos parâmetros da democracia liberal, ainda que seja necessário lançar mão de expedientes não democráticos (como, por exemplo, a criminalização da esquerda por meio de denúncias de corrupção, fenômeno que está ocorrendo em várias partes do mundo). É essa a perspectiva da direita tradicional.
Aqui residem as contradições, no Brasil, entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, por exemplo.
Nesse sentido, as manifestações convocadas pelo presidente Bolsonaro no domingo (26) não tiveram como objetivo só contrapor à da oposição realizada no dia 15 de maio. As palavras de ordem contra o Congresso, os “políticos” e por aí vai foram uma demonstração de força para a direita tradicional e para a burguesia. Isto é, mostrar o poder de mobilização social que daria sustentação a essa proposta de alteração nos arranjos institucionais para um regime ditatorial explícito.
Há que se comparar não apenas o poder de mobilização de Bolsonaro com a oposição, mas sim do presidente com a direita tradicional. Qual é o objetivo? Definir o caminho pelo qual se adaptará a economia nacional aos interesses do capital rentista. Por isso que, em determinado momento, houve uma “disputa” de protagonismos entre o Executivo e o Legislativo sobre a condução da reforma da Previdência.
E, a partir disso, temos as seguintes situações e contradições:
1 – O governo Bolsonaro enfrenta a resistência de algumas burocracias de Estado que, em uma mudança brusca como quer fazer, perdem poder e prestígio. Isso ocorre com a resistência de setores da elite do Judiciário ante ao pacote supostamente “anticrime” do ministro Sérgio Moro e também com a interferência nas universidades, gerando reações das elites acadêmicas. Esses setores podem ampliar a base da oposição ao seu governo.
2 – Outra ordem de enfrentamento do governo Bolsonaro é a classe política tradicional que não quer se ver alijada desse processo político (ainda que tenha convergência de agendas) e, por essa razão, tem resistências fortes ante a figura do ministro Sérgio Moro, que deu início ao processo de criminalização da política com a Operação Lava Jato;
3 – Diante disso, incrivelmente, o ministro Sérgio Moro acaba sendo o principal centro dessas contradições e, provavelmente, por isso que Bolsonaro acenou com a indicação dele para o STF, já antecipando a sua saída do governo e, também, abriu mão de brigar pela manutenção do Coaf na pasta do ex-juiz.
4 –O café da manhã com os presidentes dos três Poderes, na segunda feira (27), é uma tentativa de recomposição dessas forças para garantir a reforma da Previdência, que vem sendo pressionada de forma intensa pela burguesia;
5 – O poder de mobilização que tentou mostrar Bolsonaro é uma forma de se contrapor a uma certa desarticulação da centro direita. Em outras palavras, o discurso é que, derrotada a extrema direita, há riscos reais de volta dos setores progressistas ao poder (por isso, a manutenção do discurso antipetista como forma de geração de medo).
Lendo a obra 18 Brumario, de Karl Marx, é possível perceber algumas semelhanças dos fatos que levaram ao poder o que o pensador alemão chamou de “cérebro de toucinho” (Luís Bonaparte) e o Bolsonaro (não só pelas maluquices do presidente brasileiro). A desarticulação das frações da burguesia, o medo das forças progressistas, a mobilização dos sentimentos moralistas da pequena burguesia (que, segundo Marx, não tem um projeto de classe, mas só se unifica na junção de desejos individuais).
Assim, o que pode mudar essa conjuntura será a capacidade de a classe trabalhadora conseguir se contrapor e o teste será a greve geral do dia 14 de junho. Até lá, Bolsonaro fica e tem condições de recompor uma base, ainda que frágil, no Congresso. O que pode atrapalhar é o seu próprio (des)temperamento.
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