Por Jair de Souza
Durante o período em que Lula e Dilma estiveram no comando do governo, o preço da gasolina ao consumidor final nunca ultrapassou os R$ 3,00 por litro. Infelizmente, neste momento, na cidade de São Paulo, seu valor está em torno de R$ 6,00. E o governo bolsonarista está fazendo alarde por haver conseguido baixar o preço de uma média de R$ 7,00 para esses R$ 6,00 de agora.
O “milagre”, segundo os dirigentes bolsonaristas, se deve à decretação por parte do governo de uma significativa redução nos percentuais referentes aos impostos que incidem sobre os combustíveis. Assim que, sem precisar alterar em nada a atual política de paridade com os valores de importação, estaria sendo possível reduzir os preços em alguns centavos e, por vezes, em até 1 real por litro.
Para os que apoiam a manutenção da política de paridade com os preços de importação (PPI), esta medida é mais do que acertada. E, com isto, eles esperam que ela venha a servir para angariar muitos novos votos para a chapa do capitão do bolsonarismo nas próximas eleições.
Uma vez mais na história brasileira, a Petrobrás entra em cena e divide os brasileiros. Em meados do século passado, quando Getúlio Vargas abraçou a ideia de criar uma empresa nacional para prospectar petróleo em nosso território, inúmeras vozes provenientes das oligarquias saíram a campo para combater essa ideia e tratar de inviabilizá-la em seu nascedouro. Diziam que era uma tolice desviar recursos da nação para uma atividade desnecessária e pouco promissória. Para eles, o correto seria dar força para que o Brasil se especializasse ainda mais naquelas atividades em que éramos competitivos a nível internacional. Claro, eles defendiam todo o apoio aos grandes produtores rurais e sua produção voltada à exportação.
Foi tão somente devido ao decisivo e determinante apoio popular a sua criação que a Petrobrás passou a existir. E, a partir de seu surgimento, essa empresa se tornou um dos carros-chefe do desenvolvimento de nosso país. Desde então, a ampla maioria dos brasileiros aprenderam a ver na Petrobrás algo muito mais importante do que uma mera empresa de extração e comercialização de petróleo. Ela se transformou num verdadeiro símbolo da luta por nossa independência econômica e nossa soberania.
Ter se tornado uma das mais eficientes petroleiras do mundo não foi suficiente para impedir que as oligarquias continuassem se empenhando em inviabilizá-la. Quando a Petrobrás descobriu as reservas do pré-sal e tornou factível sua exploração, mais uma vez, os representantes de nossas oligarquias vieram à tona para desviar a Petrobrás desse projeto. Hoje, o pré-sal é responsável pela maior parte do petróleo extraído no Brasil e, além disso, com custos bem abaixo dos da média internacional.
Em vista disto, nada mais justo que a Petrobrás se dedique a servir àqueles que sustentaram sua criação e sua manutenção ao longo do tempo, ou seja, o povo brasileiro. Um governante identificado com seu povo não deveria vacilar em redirecionar as atividades da Petrobrás no sentido pelo qual ela foi criada. Não se pode aceitar que os brasileiros tenham de pagar preços internacionais por produtos gerados por sua empresa no Brasil com base nos custos locais. Os trabalhadores de nosso país, incluindo os da Petrobrás, recebem seus salários em reais conforme às normas vigentes por aqui, e não com base em parâmetros internacionais.
No entanto, a partir do golpe de 2016, as direções da empresa nomeadas pelos governos pós-golpe (Temer e Bolsonaro) têm trabalhado para beneficiar, primeira, única e exclusivamente, os acionistas privados, especialmente o pequeno e seleto grupo de estrangeiros que detém a posse de boa parte de suas ações. É inadmissível que tenhamos de penalizar a totalidade de nossa população simplesmente para não afetar as estratosféricas margens de lucro que estão sendo pagas como dividendos a esses acionistas. Mesmo que se mantivesse a injusta prática de paridade com os preços de importação da atualidade, seria possível oferecer a gasolina a preços bem mais baixos e sem comprometer outros benefícios sociais de nossa população.
Se até cerca de cinco anos atrás a gasolina não passava de R$ 3,00 por litro, chega a ser patético que se esteja comemorando o fato de o preço estar agora na faixa dos R$ 6,00. Mas, a situação é esta. Nas seguintes linhas, vamos tentar entender o que está por trás da formação dos preços dos combustíveis e como seria possível rebaixá-los significativamente, mesmo dentro da famigerada política de PPI.
Para começo de conversa, precisamos deixar patente que, com a redução das taxas de tributação sobre a gasolina sem que se altere a política que o governo vem aplicando na Petrobrás, quem vai pagar por essa diferença a menor nos preços é o conjunto da sociedade brasileira.
Como todos os serviços que o Estado precisa prestar para seus cidadãos só podem ser oferecidos se houver recursos disponíveis para bancá-los, a grande questão é saber para quem o governo vai transferir as contas de sua decisão.
A educação e a saúde públicas, por exemplo, dependem imperiosamente para sua existência da arrecadação de impostos dos estados e dos municípios. E os estados e os municípios arrecadam boa parte desses recursos por meio da tributação sobre o consumo da gasolina e outros combustíveis. Em consequência, a drástica diminuição no percentual de impostos pelo atual governo bolsonarista vai acarretar uma substancial deterioração dos serviços prestados nestas áreas. Ou seja, escolas e o atendimento médico vão ser ainda mais precarizados, uma vez que optou-se por diminuir os percentuais dos tributos para não mexer na distribuição de lucros.
Mas, seria possível reduzir de maneira expressiva o valor do litro de gasolina sem que o conjunto da população fosse severamente afetado com a eliminação ou a piora dos serviços públicos básicos? Seria possível aliviar um pouco a barra para todos os que estão sofrendo as consequências dos aumentos extorsivos que vêm ocorrendo desde aquele fatídico instante no não tão longínquo ano 2016 sem abandonar a essência desta famigerada política de PPI?
Sim, isto é plenamente viável. Bastaria que o governo tivesse disposição política para tal. É uma questão de fazer escolhas. O governo bolsonarista escolheu poupar os rentistas donos de ações da Petrobrás e jogar toda a carga nas costas do restante da nação. Poderia muito bem não ter sido assim. É o que vamos tratar de demonstrar à continuação.
Para tentar simplificar nossa exposição, vamos nos limitar a analisar dados referentes ao caso da gasolina. A mesma lógica, com as devidas adequações, vai servir para entender o que sucede com os demais itens do ramo dos combustíveis.
Tomando por base os dados estatísticos da ANP e CEPEA/USP, de 29/01/2021, sabemos que a composição do preço final da gasolina tem a seguinte característica:
- 29% : Realização da Petrobrás;
- 15% : Impostos federais (CIDE, PIS/PASEP e COFINS);
- 29% : Impostos estaduais (ICMS);
- 15% : Custo do etanol anidro usado na mistura:
- 12% : Margem de ganho na distribuição e revenda.
A partir desses números, temos que, de cada litro custando 6 reais na bomba, os valores correspondentes a cada parte vão ser os seguintes: R$ 1,74, R$ 0,90, R$ 1,74, R$ 0,90, R$ 0,72, respectivamente.
Por outro lado, conforme dados obtidos de informações publicadas na imprensa especializada, as margens de lucro praticadas no ano de 2021 por seis das mais representativas empresas petroleiras internacionais foram as seguintes:
- Shell: 8,4%; Chevron: 11,5%; ExxonMobil: 6,1%; TotalEnergies: 7,7%; Equinor: 12,9%; BP: 12,9%
Deste modo, a taxa média de lucro destas empresas vai ser de 9,32%.
Contudo, devido à aplicação da política de PPI e a nova filosofia adotada nas condições existentes no Brasil, a margem de lucro da Petrobrás foi de 31,6%, ou seja, quase três vezes e meia superior à média dos outros grandes conglomerados petroleiros. Em outras palavras, por cada 100 dólares auferidos por cada acionista dessas empresas em 2021, um acionista da Petrobrás ganhou em torno de 340.
Se estipularmos que X representa o custo de produção da Petrobrás por litro de gasolina, com um cálculo matemático simples (X + 0,316X = R$ 1,74), concluímos que X = R$ 1,322189. Portanto, para produzir um litro de gasolina no ano passado, foram gastos R$ 1,322189, e cada litro deixou R$ 0,417817 de lucro ou dividendos para os acionistas.
No entanto, um governo um pouco mais afinado com os interesses do conjunto da nação poderia tomar a decisão de ajustar a margem de lucro da empresa à média da taxa praticada pelas grandes empresas do ramo, o que viria a ser 9,32%. Decididamente, ninguém no mundo acha que a lucratividade das grandes petroleiras mundiais apresente cifras desprezíveis, muito pelo contrário. Além disso, seria de vital importância que parte importante desse lucro fosse reinvestido, e não inteiramente destinado ao pagamento de dividendos. Por isso, se os acionistas da Petrobrás passassem a ganhar aquilo que seus colegas das outras grandes empresas petroleiras costumam ganhar, continuariam ainda a gozar de esplêndidos privilégios.
Vejamos como ficaria o preço da gasolina para o consumidor se os acionistas da Petrobrás se contentassem com aquilo que os da Shell, da ExxonMobil, da Chevron, etc., aceitam numa boa.
a) Custo de produção por litro da Petrobrás: R$ 1,34883
b) Valor de realização da Petrobrás (custo + lucro de 9,32%) = R$ 1,47454
c) Valor final de venda ao consumidor (R$ 1,47454 / 0,29) = R$ 5,08462
d) Valor dos impostos federais (R$ 5,08462 x 0,15) = R$ 0,762693
e) Valor dos impostos estaduais (R$ 5,08462 x 0,29) = R$ 1,474539
f) Valor do etanol anidro na mistura (R$ 5,08462 x 0,15) = R$ 0,762693
g) Valor da distribuição e revenda (R$ 5,08462 x 0,12) = R$ 0,610154
Como podemos constatar, mesmo sem tocar na citada PPI, o valor final de venda da gasolina poderia ser mais de 15% inferior àquele que está sendo oferecido com alarde pelo governo bolsonarista no momento. Bastaria ter feito a opção de aplicar margens de lucros afins com as que são praticadas pelas outras gigantes petroleiras a nível mundial. Logicamente, os acionistas da Petrobrás iriam ganhar menos, mas estariam lucrando igual aos acionistas das Shell, da Chevron, Equinor, etc. E alguém acha que eles ganham pouco?
É claro que o preço final a que chegamos em nosso modelo (R$ 5,08 / litro) está ainda muito acima do que poderia ser, se levássemos em conta outros fatores da realidade brasileira. Primeiramente, não faz sentido manter o custo do etanol com base em nenhuma paridade internacional, visto que se trata de um item quase que inteiramente dependente das condições internas para sua formação. A manutenção desta paridade do etanol com o preço da gasolina a nível internacional é mais uma aberração que não teria que ser tolerada por nenhum governo comprometido com um pouco de justiça para sua população.
Deste modo, podemos notar que, mesmo sem alterar todos os pilares da nefasta política de paridade com os preços de importação, a simples adoção de uma disposição de fixar a meta de lucros e distribuição de dividendos no mesmo nível da média dos principais conglomerados internacionais do ramo já seria capaz de produzir uma acentuada diminuição no preço final para o consumidor. Mas, certamente, se a proposta for de fazer transformações mais profundas, seria possível avançar muito mais.
A Petrobrás é uma empresa emblemática do povo brasileiro. Ela foi criada e mantida através dos anos com o sacrifício de toda a nação. Ela é, portanto, um patrimônio de todo nosso povo, e não prioritariamente de seus acionistas privados. Um governo realmente comprometido com os interesses do conjunto do povo tem a obrigação moral de colocar esta empresa a serviço do bem-estar e do futuro da nação. Jamais poderia admitir que a rentabilidade dos acionistas privados fosse o fator determinante de sua atividade.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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