Por Rodney Benson, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Em 2 de fevereiro, Bill O’Reilly, um dos apresentadores top do canal ultraconservador Fox News, entrevistou o presidente Barack Obama. Ele reiterou na ocasião a acusação cara a seu público segundo a qual a Casa Branca teria mentido a respeito do assalto sangrento de setembro de 2012 contra a embaixada norte-americana de Benghazi, na Líbia: “Seus detratores sustentam que o senhor ocultou o fato de que se tratava de um ataque terrorista para atender às necessidades de sua campanha eleitoral. É o que eles pensam”. Ao que o presidente replicou: “E eles pensam isso porque pessoas como vocês dizem isso a eles”.
Essa breve troca de palavras ilustra o poder dos meios de comunicação abertamente parciais nos Estados Unidos, poder que aparentemente não deixa escolha a Obama senão se prestar ao interrogatório de um militante neoconservador. Mas ele testemunha também a influência deles sobre a opinião pública. Segundo o escritor Gabriel Sherman, eles se tornaram “a voz mais barulhenta da casa” [1], o que os pesquisadores Jeffrey M. Berry e Sarah Sobieraj chamam de uma “indústria do ultraje” [2], que tornou caducas as regras de civilidade que outrora regiam o debate público.
Para desacreditar seu adversário, todos os golpes são permitidos. A referência ao nazismo é uma das mais apreciadas. No canal MSNBC, de tendência social-democrata e violentamente oposto à Fox News, Ed Schultz afirma que, “se você assistir ao [jornalista conservador Rush] Limbaugh, mas cortando o som, ele parece Adolf Hitler” (2 mar. 2009). Já o apresentador da Fox News Glenn Beck considerou que a turnê de Al Gore para sensibilizar os alunos do país para a proteção do meio ambiente fazia o mundo voltar “ao tempo das juventudes hitleristas” (5 mar. 2010).
A CNN, menos engajada, declina
O exagero invade igualmente as ondas do rádio. Um exemplo é o programa de Limbaugh – o mais ouvido do país –, que, em 29 de fevereiro de 2012, vociferava contra uma estudante que militava pelo reembolso da contracepção: “Ela transa com tanta frequência que não tem mais condições de pagar sua contracepção, então ela queria que você, eu e os contribuintes enfiássemos a mão no bolso para que ela possa gozar! Isso faz de nós o quê? Cafetões!”.
Os meios de comunicação parciais e suas “vozes barulhentas” aceleram a fragmentação política ou se contentam em integrá-la à sua estratégia editorial? Em todo caso, o fenômeno não data de ontem. Ele dominou a expressão pública norte-americana do início do século XIX à primeira metade do XX e, na sequência, retraiu-se. O financiamento crescente da imprensa escrita pela publicidade e o crescimento em potencial de um setor audiovisual estreitamente regulamentado, dominado pelas três grandes redes de televisão nacionais, ABC, CBS e NBC, impuseram um tom mais neutro e a primazia dos fatos sobre o comentário. Considerado capaz de maximizar a audiência, o mito da objetividade jornalística proibiu toda a aparência de polêmica parcial.
A partir dos anos 1980, a difusão dos canais a cabo colocou fim a esse interlúdio. Enquanto apenas 8% dos lares norte-americanos tinham acesso a ela nos anos 1970, sua proporção atingiu 50% em 1989 e 85% em 2004 [3]. Pouco a pouco, o buquê hertziano com oferta limitada cedeu lugar a um número quase infinito de torneiras de imagens – de início graças ao cabo, depois ao satélite e por fim à internet.
O comportamento do público se modificou. Outrora, na ausência de programas mais apetitosos, todos os telespectadores, pouco politizados, assistiam ao jornal da noite. Atualmente, num contexto que lhes pede empenho por todo lado, eles se voltam para os programas de diversão. Os amantes da informação, mais raros, são recrutados sobretudo entre os cidadãos engajados politicamente, que são também os que mais exigem um tratamento ideológico da atualidade.
Em resumo, em 1987, a rejeição por parte do governo Reagan da “doutrina da imparcialidade” (fairness doctrine) colocou um fim na obrigação por parte dos difusores do audiovisual de retransmitir equitativamente as diferentes sensibilidades políticas. A concentração aumentada dos grupos de meios de comunicação e a pressão crescente do lucro fizeram o resto: os “nichos” militantes, em particular de direita, atraíram os investidores e lhes garantiram uma taxa elevada de rentabilidade. E a regra que valia para o rádio a partir dos anos 1980 se propagou na televisão durante a década seguinte, para finalmente invadir a internet.
Hoje em dia, sobre as ondas, os programas que martelam a doxa neoconservadora praticamente fizeram desaparecer os programas de esquerda. O grupo Clear Channel Communications exerce um monopólio de fato sobre a palavra radiofônica, encarnada por saltimbancos como Limbaugh e Sean Hannity (igualmente ativo na Fox News), que atraem cada um uma audiência semanal de cerca de 15 milhões de pessoas.
Na TV a cabo, a informação é dominada pela Fox News, a criatura de Rupert Murdoch e seu grupo News Corporation. Dirigida com mão de ferro por Roger Ailes desde seu lançamento em 1995, a cadeia abriga alguns dos programas de debates mais vistos do país, sobretudo os de O’Reilly (3 milhões de telespectadores a cada noite). O segundo canal a cabo mais visto, o MSNBC, é fruto de uma parceria entre a Microsoft e a NBC Corporation, de propriedade da General Electric. Também criado em 1995, ele forjou para si ao longo dos anos 2000 uma imagem de canal “de esquerda”, por oposição à Fox. Seus talk-shows – como o Rachel Maddow Show (1 milhão de espectadores) e o Hardball with Chris Matthews (750 mil) –, que nem sempre justificam essa reputação, reúnem uma audiência muito inferior à de seu concorrente. A CNN, menos abertamente parcial, transmite poucos debates, preferindo a informação “quente” e os documentários.
Na web, o mercado da opinião se divide entre sites moderadamente de esquerda, como o Huffington Post, comprado em 2011 pelo grupo AOL, o Daily Kos e o Talking Points Memo, e um enxame de blogs neo ou ultraconservadores, como o Drudge Report, o Michelle Malkin e o Hot Air. A audiência deles, da ordem de 2 milhões de páginas consultadas por dia, ainda está longe de se igualar à do cabo ou do rádio.
Mas, afinal, de que poder de fogo dispõem esses ferreiros da opinião pública? Segundo Berry e Sobieraj, sua audiência acumulada se aproximaria dos 47 milhões de pessoas, mas um mesmo indivíduo pode se alimentar de várias fontes. Outros observadores, como Markus Prior, argumentam que os usuários dos meios de comunicação de opinião permanecem largamente menos numerosos que os dos grandes canais de televisão: os jornais da noite da ABC, da CBS e da NBC drenam um público duas vezes mais importante que o do O’Reilly Factor, o programa mais popular da TV a cabo. Mesmo as informações noturnas do pequeno canal público PBS atraem mais telespectadores (2,4 milhões) que a maior parte dos programas da TV a cabo.
O público dos meios de comunicação militantes se caracteriza por uma polarização crescente. Um estudo publicado em 2012 pelo Pew Research Center indica que os telespectadores de Hannity e de O’Reilly na Fox News são duas vezes mais numerosos para se definir como conservadores que a média da população (respectivamente 78% e 68%, contra 35% dos norte-americanos em geral). Na MSNBC, o programa de Rachel Maddow seduz um público composto por 57% de simpatizantes de esquerda (os quais só representam 22% da população).
Ao mesmo tempo, o posicionamento político dos eleitores se endureceu em todo o país. As fileiras dos “republicanos progressistas” e dos “democratas conservadores” tornaram-se mais claras; o fosso entre os eleitores – entre os religiosos e os seculares, os habitantes do sul profundo e do lado leste, entre brancos e negros – também se aprofundou [4].
Os meios de comunicação de opinião sem dúvida seguiram essa evolução em vez de precedê-la. Mais do que ter radicalizado os norte-americanos, eles permitiram aos mais politizados entre eles se confortarem em sua visão de mundo. Esta não se alimenta somente de produtos midiáticos ideologicamente calibrados: um estudo sobre a recepção da série Dallas nos anos 1980 mostrou que a interpretação de cada episódio diferia sensivelmente em função da tendência política dos telespectadores [5].
Mais recentemente, os cientistas políticos Kevin Arceneaux e Martin Johnson analisaram temas de esquerda e de direita em diferentes fontes de informação sobre um caso que questionava o governo Obama. Eles concluíram que os grandes jornais televisivos da rede aberta produziam os mesmos efeitos de polarização que os comentários militantes dos canais a cabo [6]. Em outros termos, quer seja relatada de maneira neutra ou tendenciosa, uma informação é recebida segundo os mesmos vieses.
Alimentando extremismos
Mas os meios de comunicação engajados não se limitam a estender um espelho para suas respectivas clientelas: eles as encorajam a reformular suas ideias numa linguagem mais virulenta, mais desprovida de complexos. É nesse efeito de intensificação que reside seu poder. Barry e Sobieraj documentaram a torrente de insultos, de sarcasmos e de termos grosseiros ou “ideologicamente extremos” nos quais se anuncia a representação do inimigo político.
Daí se conclui que não somente os conservadores se exprimem de maneira mais exagerada que seus adversários de esquerda, mas também que eles hesitam menos em conduzir campanhas de desinformação. Após as eleições de 2010, os telespectadores da Fox News mostravam uma nítida propensão – com uma diferença de 31% em relação ao público dos outros canais – a partilhar a ideia fantasiosa de que Obama não teria nascido nos Estados Unidos [7].
Na arte da difamação sistemática, os meios de comunicação militantes fazem o papel de vanguarda. Sua atitude não consiste em metamorfosear moderados em extremistas, mas em tornar estes últimos “mais extremistas ainda”, persuadindo-os da validade de suas crenças [8]. Esses consumidores fiéis e altamente receptivos – tratados com carinho pela classe política – vão citar em seguida suas fontes favoritas nas redes sociais. Eles permitirão assim que certas ideias se espalhem no seio de uma população mais ampla, contribuindo para definir a atualidade política e para mobilizar os eleitores.
Por sua celebração do Tea Party, a Fox News aumentou a mobilização ultraconservadora à medida que a cobria, acentuando o retorno do pêndulo que permitiu aos republicanos reconquistar a Câmara dos Representantes nas eleições de meio mandato de 2010. Por seu lado, a MSNBC transmitiu, com elogios sem fim, os menores fatos e gestos dos militantes do Occupy Wall Street, contribuindo para a popularidade do movimento. Contrariamente aos meios de comunicação “clássicos”, os parciais suscitam a participação.
Como restaurar um nível mínimo de civilidade e de respeito aos fatos no debate público sem, no entanto, desativar o poder mobilizador dos meios de comunicação de opinião? Parece impossível que a “indústria do ultraje” renuncie de bom grado aos confortáveis lucros gerados por seus excessos. A News Corporation devia à Fox News 61% dos benefícios que ela granjeou em 2012. Mas esses desempenhos econômicos não garantem sucesso político. Em caso de uma nova derrota republicana na eleição presidencial de 2016, os dirigentes conservadores e os meios de negócios podem rever suas relações com a vaca leiteira de Murdoch.
* Rodney Benson é professor de Sociologia da New York University. Autor de Shaping immigration news: a French-American comparison[Moldando notícias sobre imigração: uma comparação entre França e Estados Unidos], Cambridge University Press, 2013
Notas
1- Gabriel Sherman, The loudest voice in the room[A voz mais alta da sala], Random House, Nova York, 2014.
2- Jeffrey M. Berry e Sarah Sobieraj, The outrage industry: political opinion media and the new incivility [A indústria do ultraje: os meios de comunicação de opinião política e a nova incivilidade], Oxford University Press, Nova York, 2014.
3- Markus Prior, Post-broadcast news: how media choice increases inequality in political involvement and polarizes elections [Notícias pós-difusão: como a escolha da mídia aumenta a desigualdade na participação política e polariza as eleições], Cambridge University Press, Nova York, 2007.
4- Alan I. Abramovitz, The polarized public? Why American government is so dysfunctional[O público polarizado? Por que o governo norte-americano é tão disfuncional], Pearson, Londres, 2013.
5- Elihu Katz e Tamar Liebes, The export of meaning: cross-cultural readings of “Dallas” [A exportação de significado: leituras transculturais de Dallas], Polity, Cambridge, 1994.
6- Kevin Arceneaux, “Why you shouldn’t blame polarization on partisan news” [Por que você não deveria culpar as notícias parciais pela polarização], The Washington Post, 4 fev. 2014.
7- David Brock, Ari Rabin-Havt e Media Matters for America, The Fox effect. How Roger Ailes turned a network into a propaganda machine[O efeito Fox. Como Roger Ailes transformou uma rede numa máquina de propaganda], Anchor Books, Nova York, 2012.
8- Matthew Levendusky, How partisan media polarize America [Como os meios de comunicação parciais polarizam os Estados Unidos], University of Chicago Press, 2013.
Em 2 de fevereiro, Bill O’Reilly, um dos apresentadores top do canal ultraconservador Fox News, entrevistou o presidente Barack Obama. Ele reiterou na ocasião a acusação cara a seu público segundo a qual a Casa Branca teria mentido a respeito do assalto sangrento de setembro de 2012 contra a embaixada norte-americana de Benghazi, na Líbia: “Seus detratores sustentam que o senhor ocultou o fato de que se tratava de um ataque terrorista para atender às necessidades de sua campanha eleitoral. É o que eles pensam”. Ao que o presidente replicou: “E eles pensam isso porque pessoas como vocês dizem isso a eles”.
Essa breve troca de palavras ilustra o poder dos meios de comunicação abertamente parciais nos Estados Unidos, poder que aparentemente não deixa escolha a Obama senão se prestar ao interrogatório de um militante neoconservador. Mas ele testemunha também a influência deles sobre a opinião pública. Segundo o escritor Gabriel Sherman, eles se tornaram “a voz mais barulhenta da casa” [1], o que os pesquisadores Jeffrey M. Berry e Sarah Sobieraj chamam de uma “indústria do ultraje” [2], que tornou caducas as regras de civilidade que outrora regiam o debate público.
Para desacreditar seu adversário, todos os golpes são permitidos. A referência ao nazismo é uma das mais apreciadas. No canal MSNBC, de tendência social-democrata e violentamente oposto à Fox News, Ed Schultz afirma que, “se você assistir ao [jornalista conservador Rush] Limbaugh, mas cortando o som, ele parece Adolf Hitler” (2 mar. 2009). Já o apresentador da Fox News Glenn Beck considerou que a turnê de Al Gore para sensibilizar os alunos do país para a proteção do meio ambiente fazia o mundo voltar “ao tempo das juventudes hitleristas” (5 mar. 2010).
A CNN, menos engajada, declina
O exagero invade igualmente as ondas do rádio. Um exemplo é o programa de Limbaugh – o mais ouvido do país –, que, em 29 de fevereiro de 2012, vociferava contra uma estudante que militava pelo reembolso da contracepção: “Ela transa com tanta frequência que não tem mais condições de pagar sua contracepção, então ela queria que você, eu e os contribuintes enfiássemos a mão no bolso para que ela possa gozar! Isso faz de nós o quê? Cafetões!”.
Os meios de comunicação parciais e suas “vozes barulhentas” aceleram a fragmentação política ou se contentam em integrá-la à sua estratégia editorial? Em todo caso, o fenômeno não data de ontem. Ele dominou a expressão pública norte-americana do início do século XIX à primeira metade do XX e, na sequência, retraiu-se. O financiamento crescente da imprensa escrita pela publicidade e o crescimento em potencial de um setor audiovisual estreitamente regulamentado, dominado pelas três grandes redes de televisão nacionais, ABC, CBS e NBC, impuseram um tom mais neutro e a primazia dos fatos sobre o comentário. Considerado capaz de maximizar a audiência, o mito da objetividade jornalística proibiu toda a aparência de polêmica parcial.
A partir dos anos 1980, a difusão dos canais a cabo colocou fim a esse interlúdio. Enquanto apenas 8% dos lares norte-americanos tinham acesso a ela nos anos 1970, sua proporção atingiu 50% em 1989 e 85% em 2004 [3]. Pouco a pouco, o buquê hertziano com oferta limitada cedeu lugar a um número quase infinito de torneiras de imagens – de início graças ao cabo, depois ao satélite e por fim à internet.
O comportamento do público se modificou. Outrora, na ausência de programas mais apetitosos, todos os telespectadores, pouco politizados, assistiam ao jornal da noite. Atualmente, num contexto que lhes pede empenho por todo lado, eles se voltam para os programas de diversão. Os amantes da informação, mais raros, são recrutados sobretudo entre os cidadãos engajados politicamente, que são também os que mais exigem um tratamento ideológico da atualidade.
Em resumo, em 1987, a rejeição por parte do governo Reagan da “doutrina da imparcialidade” (fairness doctrine) colocou um fim na obrigação por parte dos difusores do audiovisual de retransmitir equitativamente as diferentes sensibilidades políticas. A concentração aumentada dos grupos de meios de comunicação e a pressão crescente do lucro fizeram o resto: os “nichos” militantes, em particular de direita, atraíram os investidores e lhes garantiram uma taxa elevada de rentabilidade. E a regra que valia para o rádio a partir dos anos 1980 se propagou na televisão durante a década seguinte, para finalmente invadir a internet.
Hoje em dia, sobre as ondas, os programas que martelam a doxa neoconservadora praticamente fizeram desaparecer os programas de esquerda. O grupo Clear Channel Communications exerce um monopólio de fato sobre a palavra radiofônica, encarnada por saltimbancos como Limbaugh e Sean Hannity (igualmente ativo na Fox News), que atraem cada um uma audiência semanal de cerca de 15 milhões de pessoas.
Na TV a cabo, a informação é dominada pela Fox News, a criatura de Rupert Murdoch e seu grupo News Corporation. Dirigida com mão de ferro por Roger Ailes desde seu lançamento em 1995, a cadeia abriga alguns dos programas de debates mais vistos do país, sobretudo os de O’Reilly (3 milhões de telespectadores a cada noite). O segundo canal a cabo mais visto, o MSNBC, é fruto de uma parceria entre a Microsoft e a NBC Corporation, de propriedade da General Electric. Também criado em 1995, ele forjou para si ao longo dos anos 2000 uma imagem de canal “de esquerda”, por oposição à Fox. Seus talk-shows – como o Rachel Maddow Show (1 milhão de espectadores) e o Hardball with Chris Matthews (750 mil) –, que nem sempre justificam essa reputação, reúnem uma audiência muito inferior à de seu concorrente. A CNN, menos abertamente parcial, transmite poucos debates, preferindo a informação “quente” e os documentários.
Na web, o mercado da opinião se divide entre sites moderadamente de esquerda, como o Huffington Post, comprado em 2011 pelo grupo AOL, o Daily Kos e o Talking Points Memo, e um enxame de blogs neo ou ultraconservadores, como o Drudge Report, o Michelle Malkin e o Hot Air. A audiência deles, da ordem de 2 milhões de páginas consultadas por dia, ainda está longe de se igualar à do cabo ou do rádio.
Mas, afinal, de que poder de fogo dispõem esses ferreiros da opinião pública? Segundo Berry e Sobieraj, sua audiência acumulada se aproximaria dos 47 milhões de pessoas, mas um mesmo indivíduo pode se alimentar de várias fontes. Outros observadores, como Markus Prior, argumentam que os usuários dos meios de comunicação de opinião permanecem largamente menos numerosos que os dos grandes canais de televisão: os jornais da noite da ABC, da CBS e da NBC drenam um público duas vezes mais importante que o do O’Reilly Factor, o programa mais popular da TV a cabo. Mesmo as informações noturnas do pequeno canal público PBS atraem mais telespectadores (2,4 milhões) que a maior parte dos programas da TV a cabo.
O público dos meios de comunicação militantes se caracteriza por uma polarização crescente. Um estudo publicado em 2012 pelo Pew Research Center indica que os telespectadores de Hannity e de O’Reilly na Fox News são duas vezes mais numerosos para se definir como conservadores que a média da população (respectivamente 78% e 68%, contra 35% dos norte-americanos em geral). Na MSNBC, o programa de Rachel Maddow seduz um público composto por 57% de simpatizantes de esquerda (os quais só representam 22% da população).
Ao mesmo tempo, o posicionamento político dos eleitores se endureceu em todo o país. As fileiras dos “republicanos progressistas” e dos “democratas conservadores” tornaram-se mais claras; o fosso entre os eleitores – entre os religiosos e os seculares, os habitantes do sul profundo e do lado leste, entre brancos e negros – também se aprofundou [4].
Os meios de comunicação de opinião sem dúvida seguiram essa evolução em vez de precedê-la. Mais do que ter radicalizado os norte-americanos, eles permitiram aos mais politizados entre eles se confortarem em sua visão de mundo. Esta não se alimenta somente de produtos midiáticos ideologicamente calibrados: um estudo sobre a recepção da série Dallas nos anos 1980 mostrou que a interpretação de cada episódio diferia sensivelmente em função da tendência política dos telespectadores [5].
Mais recentemente, os cientistas políticos Kevin Arceneaux e Martin Johnson analisaram temas de esquerda e de direita em diferentes fontes de informação sobre um caso que questionava o governo Obama. Eles concluíram que os grandes jornais televisivos da rede aberta produziam os mesmos efeitos de polarização que os comentários militantes dos canais a cabo [6]. Em outros termos, quer seja relatada de maneira neutra ou tendenciosa, uma informação é recebida segundo os mesmos vieses.
Alimentando extremismos
Mas os meios de comunicação engajados não se limitam a estender um espelho para suas respectivas clientelas: eles as encorajam a reformular suas ideias numa linguagem mais virulenta, mais desprovida de complexos. É nesse efeito de intensificação que reside seu poder. Barry e Sobieraj documentaram a torrente de insultos, de sarcasmos e de termos grosseiros ou “ideologicamente extremos” nos quais se anuncia a representação do inimigo político.
Daí se conclui que não somente os conservadores se exprimem de maneira mais exagerada que seus adversários de esquerda, mas também que eles hesitam menos em conduzir campanhas de desinformação. Após as eleições de 2010, os telespectadores da Fox News mostravam uma nítida propensão – com uma diferença de 31% em relação ao público dos outros canais – a partilhar a ideia fantasiosa de que Obama não teria nascido nos Estados Unidos [7].
Na arte da difamação sistemática, os meios de comunicação militantes fazem o papel de vanguarda. Sua atitude não consiste em metamorfosear moderados em extremistas, mas em tornar estes últimos “mais extremistas ainda”, persuadindo-os da validade de suas crenças [8]. Esses consumidores fiéis e altamente receptivos – tratados com carinho pela classe política – vão citar em seguida suas fontes favoritas nas redes sociais. Eles permitirão assim que certas ideias se espalhem no seio de uma população mais ampla, contribuindo para definir a atualidade política e para mobilizar os eleitores.
Por sua celebração do Tea Party, a Fox News aumentou a mobilização ultraconservadora à medida que a cobria, acentuando o retorno do pêndulo que permitiu aos republicanos reconquistar a Câmara dos Representantes nas eleições de meio mandato de 2010. Por seu lado, a MSNBC transmitiu, com elogios sem fim, os menores fatos e gestos dos militantes do Occupy Wall Street, contribuindo para a popularidade do movimento. Contrariamente aos meios de comunicação “clássicos”, os parciais suscitam a participação.
Como restaurar um nível mínimo de civilidade e de respeito aos fatos no debate público sem, no entanto, desativar o poder mobilizador dos meios de comunicação de opinião? Parece impossível que a “indústria do ultraje” renuncie de bom grado aos confortáveis lucros gerados por seus excessos. A News Corporation devia à Fox News 61% dos benefícios que ela granjeou em 2012. Mas esses desempenhos econômicos não garantem sucesso político. Em caso de uma nova derrota republicana na eleição presidencial de 2016, os dirigentes conservadores e os meios de negócios podem rever suas relações com a vaca leiteira de Murdoch.
* Rodney Benson é professor de Sociologia da New York University. Autor de Shaping immigration news: a French-American comparison[Moldando notícias sobre imigração: uma comparação entre França e Estados Unidos], Cambridge University Press, 2013
Notas
1- Gabriel Sherman, The loudest voice in the room[A voz mais alta da sala], Random House, Nova York, 2014.
2- Jeffrey M. Berry e Sarah Sobieraj, The outrage industry: political opinion media and the new incivility [A indústria do ultraje: os meios de comunicação de opinião política e a nova incivilidade], Oxford University Press, Nova York, 2014.
3- Markus Prior, Post-broadcast news: how media choice increases inequality in political involvement and polarizes elections [Notícias pós-difusão: como a escolha da mídia aumenta a desigualdade na participação política e polariza as eleições], Cambridge University Press, Nova York, 2007.
4- Alan I. Abramovitz, The polarized public? Why American government is so dysfunctional[O público polarizado? Por que o governo norte-americano é tão disfuncional], Pearson, Londres, 2013.
5- Elihu Katz e Tamar Liebes, The export of meaning: cross-cultural readings of “Dallas” [A exportação de significado: leituras transculturais de Dallas], Polity, Cambridge, 1994.
6- Kevin Arceneaux, “Why you shouldn’t blame polarization on partisan news” [Por que você não deveria culpar as notícias parciais pela polarização], The Washington Post, 4 fev. 2014.
7- David Brock, Ari Rabin-Havt e Media Matters for America, The Fox effect. How Roger Ailes turned a network into a propaganda machine[O efeito Fox. Como Roger Ailes transformou uma rede numa máquina de propaganda], Anchor Books, Nova York, 2012.
8- Matthew Levendusky, How partisan media polarize America [Como os meios de comunicação parciais polarizam os Estados Unidos], University of Chicago Press, 2013.
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