Por Antonio Prado, no site Brasil Debate:
A trajetória econômica e social da América Latina e Caribe deve ser tratada no marco das flutuações das atividades nas economias capitalistas. As economias capitalistas flutuam, têm fases de prosperidade, desaceleração, crise e recuperações e novamente prosperidade. Essa dinâmica é inerente ao sistema econômico.
A importância de se reconhecer as flutuações está no fato de que não se pode avançar nessa agenda ao mesmo ritmo em todas as fases da economia. É evidente que se pode avançar mais rápido em fases de prosperidade geral que em fases de desaceleração e crise. O que geralmente ocorre é que, aos primeiros sinais de diminuição dos ritmos de avanço, já surgem aqueles que gritam: fracasso. Por isso, é preciso deixar claro que, em uma agenda de longo prazo, o importante é ter uma estratégia para as várias fases. O fundamental é não perder o horizonte de longo prazo, a bússola, o rumo.
Os estudos da Cepal (Mudança estrutural para a igualdade, 2012) identificam que há um viés contra o crescimento na região. Os investimentos, que são gastos fundamentais para sustentar o crescimento da demanda e da capacidade produtiva, caem três vezes mais que o PIB nas fases de contração e sobem pouco mais que o PIB durante as fases de prosperidade. Isso diminui estruturalmente o PIB potencial e nossa capacidade de inovação e de aumento de produtividade.
Reconhecer a flutuação recorrente é ter estratégias diferentes de manejo macroeconômico nas fases de prosperidade e nas fases de contração. Não se pode comprometer o desenvolvimento de longo prazo com as políticas de ajuste macroeconômico de curto prazo. Na prosperidade há que se criar fundos que permitam financiar os investimentos privados a custos adequados e que possam sustentar a recomposição dos gastos com investimentos nas contrações, de privados para públicos, de expansão produtiva privada para gastos com infraestrutura públicas e geração de economias externas. E também sustentar políticas sociais anticíclicas.
Nossos cálculos econométricos revelam que o crescimento estrutural de longo prazo sofreu uma inflexão forte com a década perdida dos 80 e com os ajustes estruturais do Consenso de Washington nos 1990.
Durante os anos da chamada bonança das commodities, na última década, houve, pela primeira vez no último século, uma coincidência entre crescimento e distribuição de renda. Tanto os índices de Gini, como os de distribuição relativa de renda, de bens de consumo e de serviços públicos melhoraram. Não é um feito qualquer, é muito relevante na história econômica e social da região.
Redução da pobreza
A redução da pobreza foi outro feito impressionante. A crise da dívida externa dos anos 1980 catapultou as taxas de pobreza de 40%, em 1980 a quase 49%, em 1990. Somente 25 anos depois dessa tragédia social é que o indicador voltou aos níveis de 40%. Durante os anos 1990, o controle da hiperinflação em vários países da América Latina e o gradual aumento dos gastos sociais, acompanhado da redução da taxa de dependência nos domicílios, o conhecido bônus demográfico, permitiram uma redução lenta da pobreza.
As políticas do Consenso de Washington serviram como uma trava para aceleração desse processo, principalmente pelos seus efeitos sobre as taxas de crescimento do PIB. É a partir de 2005 que a pobreza cai drasticamente, com o crescimento do PIB mais substantivo, o dobro dos períodos anteriores, com o aumento dos gastos sociais mais rápido e com a continuidade da baixa inflação e o bônus demográfico.
Hoje são 132 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe cobertas por programas de transferência de renda condicionada, como o Bolsa Família, Oportunidades, Chile Solidário, Bono de desarrollo humano e muitos outros, em 20 países. Esses programas são fundamentais em resgatar a vida cidadã desses esquecidos das políticas públicas.
Mas o dinamismo do mercado de trabalho, que permitiu a redução da informalidade, ainda que esteja muito alta até hoje, o aumento dos salários reais, impulsionados pelos aumentos de salário mínimo e pela escassez relativa de mão de obra, provocada pela forte redução das taxas de desemprego foram os fatores determinantes dessa redução das taxas de pobreza.
É inegável que a mudança dos termos de troca a nosso favor nesse período de bonança nos preços das commodities permitiu saldos comerciais substantivos e geração de superávits de transações correntes por vários anos até a crise financeira internacional. O endividamento público bruto médio regional caiu a 30%. As dívidas externas públicas ainda mais, apesar de que houve uma tendência de crescimento da dívida externa privada em vários países.
Esse fluxo de divisas permitiu não só a redução e pagamento das dívidas multilaterais, mas também uma grande acumulação de reservas internacionais, que chegam hoje a mais de US$ 800 bilhões. Essas reservas foram muito importantes para blindar o sistema financeiro da região do colapso internacional dos grandes bancos e do sistema de crédito.
Sobrevivemos ao vendaval imediato da crise e ainda conseguimos manter o mercado de trabalho dinâmico, protegendo os setores mais vulneráveis através desse dinamismo e das políticas sociais fortalecidas e defendidas pela democracia.
Isso nos leva ao outro lado da moeda da avaliação dos anos de bonança das commodities, seus impactos sobre a estrutura econômica e as distorções provocadas pelo mesmo afluxo de divisas conversíveis. A entrada e saída de divisas via comércio e investimentos diretos é menos volátil que a via investimentos de portfólio, feitos em papéis de dívida ou ações. Seria inevitável nesse período alguma sobrevalorização cambial, principalmente pelo fato de os países centrais terem em sequência adotado políticas de quantitative easing e de taxas de juros de curto prazo negativas, em função da armadilha da liquidez gerada pela crise internacional.
Mas como nossos mercados são muito pequenos em comparação com a liquidez internacional, qualquer transbordamento especulativo em nossa direção tende a sobrevalorizar nossas moedas e desestimular a indústria manufatureira, pelo aumento de importações de insumos e produtos acabados, como tende a sobre-estimular o setor serviços e seus preços, já que tem aumento de demanda, mas são non-tradables e logo não sofrem a concorrência de importados.
Assim, a ausência de políticas de administração do câmbio e dos fluxos de capitais tendem a causar efeitos estruturais duradouros e a permitir fluxos conjunturais abruptos que vulnerabilizam as economias domésticas.
Mas esse período também apresenta outros temas estruturais mais profundos relacionados às três debilidades inerentes às economias subdesenvolvidas: a vulnerabilidade externa, a heterogeneidade estrutural e a debilidade institucional.
Podemos dizer que, além do tema da produtividade, que define as brechas internas de nossas economias e suas diferenças abissais inter e intrassetores econômicos e também as brechas externas, em relação às economias mais desenvolvidas, brechas que continuaram crescendo neste período, há outro indicador tipicamente cepalino, que prefiro, que são as elasticidades renda-resto do mundo das exportações vis a vis as elasticidades renda-doméstica das importações.
Prefiro estes indicadores, pois a produtividade pode crescer nos setores já existentes, sem mudança estrutural. Mas as elasticidades referidas só são modificadas com mudanças na estrutura produtiva e na sua composição. Isso nos diferencia da visão dos economistas neoclássicos, que tratam os problemas da produtividade como falhas de mercado, como se existisse um mercado perfeito como referência.
Uma mudança estrutural é fundamental para diversificar as economias da região e diminuir sua exposição à exportação de poucos produtos por poucas empresas, que é a característica básica de nosso comércio exterior. Houve uma espécie de lock-in (efeito catraca) estrutural nesses anos de bonança, pois com a sobrevalorização cambial e o aumento da rentabilidade dos setores primário-exportadores, os investimentos subiram nesses setores e caíram nos manufatureiros.
Vivemos hoje uma encruzilhada desse padrão de desenvolvimento. O longo ciclo de preços das commodities chegou ao seu final e temos dificuldades crescentes para continuar o processo distributivo e de redução da pobreza. Já há três anos as taxas de pobreza, que caíram velozmente no pós-2005, estão estagnadas e há uma tendência de crescimento da extrema pobreza.
Desafios e integração regional
Não pudemos avançar em muita coisa porque até há pouco tempo havia políticas interditadas na região. O Consenso de Washington e a hegemonia do pensamento neoliberal não permitiam que se falasse de estado intervencionista e de políticas industriais e de ciência e tecnologia. Um equívoco monumental, pois os países centrais nunca deixaram de fazê-lo e que hoje têm a política de reshoring, de reinternalização da capacidade manufatureira.
É preciso audácia e visão de futuro, coisa que falta aos formuladores neoliberais, que têm uma visão mecânica do mercado capitalista, como se esse fosse uma criação espontânea e não o resultado de ações diretas do Estado.
Temos que repensar nosso lugar no mundo. Ocorrem mudanças tecnológicas, na geopolítica comercial, na hegemonia unipolar do pós- guerra fria, no ambiente do planeta. Quem diria, há 30 anos, que dois países coloniais, China e Índia se transformariam em economias gigantes, que Brasil seria a 7º economia do mundo?
Os chamados mega-acordos de comércio são a evidência desse jogo de gigantes. Há pelo menos quatro processos relevantes. O Acordo Transatlântico sobre Comércio e Investimentos, entre EUA e a União Europeia; o TPP, Acordo de Associação Trasnpacífica, com 12 países da América Latina, América do Norte, Asia e Oceânia e a Associação Econômica Integral Regional, com 10 países da ASEAN, Austrália, China, Índia, Japão, Nova Zelândia e Corea e o acordo UE-Japão. Formam-se três centros regionais, um que gravita com EUA, outro com Europa e outro com China.
A integração regional de América Latina e o Caribe não é só uma escolha, é um imperativo, é mandatória frente a esse cenário de mudanças tectônicas na geopolítica comercial e financeira. China entendeu perfeitamente o sentido do TPP e busca aliados estratégicos pelo mundo, principalmente em nossa região e na África, depois de se consolidar em sua própria Ásia.
Outra grande transformação em processo é a Quarta Revolução industrial. A promessa da inteligência artificial já está cada vez mais presente. As mudanças demográficas, a queda da natalidade e o envelhecimento da população dão outro motivo para o desenvolvimento da robótica inteligente. A manufatura também passa por outra grande revolução, não só de produtos e processos, mas também de insumos.
A energia alternativa, solar, fotovoltáica, eólica está para superar sua grande barreira com as baterias para residências e os grandes acumuladores de energia em fase de teste por centros de pesquisa, que pode voltar a baratear a energia para a produção manufatureira e industrial em geral. As cadeias produtivas tendem a encurtar nas próximas décadas. Será outro período de verticalização da produção de alta tecnologia e da distribuição das de tecnologia mais simples.
Países que só produzem matérias-primas, mesmos que com as tecnologias mais avançadas, sempre estarão em uma situação mais vulnerável na inserção internacional. A concorrência capitalista sempre buscará reduzir os custos de sua produção e isso inclui seus insumos. A África será uma grande competidora da América do Sul nas próximas décadas. Como nós, eles têm água, minérios, petróleo, biodiversidade. Nós podemos ser o celeiro do mundo, eles também.
A secretária executiva da Cepal, Alícia Barcena, sempre nos relembra que vivemos não uma época de mudanças, mas uma mudança de época. Isso significa uma mudança de estruturas, de paradigmas técnico-científicos disruptivos. Isso está ocorrendo em nosso tempo de vida. Não acredito que nossa região possa enfrentar esse futuro e sair de sua condição de emergente e de países de renda média pela ação isolada de nossos países.
O mais certo é que essa fragmentação nos leve ao mesmo lugar de sempre, a periferia do sistema internacional.
A importância de se reconhecer as flutuações está no fato de que não se pode avançar nessa agenda ao mesmo ritmo em todas as fases da economia. É evidente que se pode avançar mais rápido em fases de prosperidade geral que em fases de desaceleração e crise. O que geralmente ocorre é que, aos primeiros sinais de diminuição dos ritmos de avanço, já surgem aqueles que gritam: fracasso. Por isso, é preciso deixar claro que, em uma agenda de longo prazo, o importante é ter uma estratégia para as várias fases. O fundamental é não perder o horizonte de longo prazo, a bússola, o rumo.
Os estudos da Cepal (Mudança estrutural para a igualdade, 2012) identificam que há um viés contra o crescimento na região. Os investimentos, que são gastos fundamentais para sustentar o crescimento da demanda e da capacidade produtiva, caem três vezes mais que o PIB nas fases de contração e sobem pouco mais que o PIB durante as fases de prosperidade. Isso diminui estruturalmente o PIB potencial e nossa capacidade de inovação e de aumento de produtividade.
Reconhecer a flutuação recorrente é ter estratégias diferentes de manejo macroeconômico nas fases de prosperidade e nas fases de contração. Não se pode comprometer o desenvolvimento de longo prazo com as políticas de ajuste macroeconômico de curto prazo. Na prosperidade há que se criar fundos que permitam financiar os investimentos privados a custos adequados e que possam sustentar a recomposição dos gastos com investimentos nas contrações, de privados para públicos, de expansão produtiva privada para gastos com infraestrutura públicas e geração de economias externas. E também sustentar políticas sociais anticíclicas.
Nossos cálculos econométricos revelam que o crescimento estrutural de longo prazo sofreu uma inflexão forte com a década perdida dos 80 e com os ajustes estruturais do Consenso de Washington nos 1990.
Durante os anos da chamada bonança das commodities, na última década, houve, pela primeira vez no último século, uma coincidência entre crescimento e distribuição de renda. Tanto os índices de Gini, como os de distribuição relativa de renda, de bens de consumo e de serviços públicos melhoraram. Não é um feito qualquer, é muito relevante na história econômica e social da região.
Redução da pobreza
A redução da pobreza foi outro feito impressionante. A crise da dívida externa dos anos 1980 catapultou as taxas de pobreza de 40%, em 1980 a quase 49%, em 1990. Somente 25 anos depois dessa tragédia social é que o indicador voltou aos níveis de 40%. Durante os anos 1990, o controle da hiperinflação em vários países da América Latina e o gradual aumento dos gastos sociais, acompanhado da redução da taxa de dependência nos domicílios, o conhecido bônus demográfico, permitiram uma redução lenta da pobreza.
As políticas do Consenso de Washington serviram como uma trava para aceleração desse processo, principalmente pelos seus efeitos sobre as taxas de crescimento do PIB. É a partir de 2005 que a pobreza cai drasticamente, com o crescimento do PIB mais substantivo, o dobro dos períodos anteriores, com o aumento dos gastos sociais mais rápido e com a continuidade da baixa inflação e o bônus demográfico.
Hoje são 132 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe cobertas por programas de transferência de renda condicionada, como o Bolsa Família, Oportunidades, Chile Solidário, Bono de desarrollo humano e muitos outros, em 20 países. Esses programas são fundamentais em resgatar a vida cidadã desses esquecidos das políticas públicas.
Mas o dinamismo do mercado de trabalho, que permitiu a redução da informalidade, ainda que esteja muito alta até hoje, o aumento dos salários reais, impulsionados pelos aumentos de salário mínimo e pela escassez relativa de mão de obra, provocada pela forte redução das taxas de desemprego foram os fatores determinantes dessa redução das taxas de pobreza.
É inegável que a mudança dos termos de troca a nosso favor nesse período de bonança nos preços das commodities permitiu saldos comerciais substantivos e geração de superávits de transações correntes por vários anos até a crise financeira internacional. O endividamento público bruto médio regional caiu a 30%. As dívidas externas públicas ainda mais, apesar de que houve uma tendência de crescimento da dívida externa privada em vários países.
Esse fluxo de divisas permitiu não só a redução e pagamento das dívidas multilaterais, mas também uma grande acumulação de reservas internacionais, que chegam hoje a mais de US$ 800 bilhões. Essas reservas foram muito importantes para blindar o sistema financeiro da região do colapso internacional dos grandes bancos e do sistema de crédito.
Sobrevivemos ao vendaval imediato da crise e ainda conseguimos manter o mercado de trabalho dinâmico, protegendo os setores mais vulneráveis através desse dinamismo e das políticas sociais fortalecidas e defendidas pela democracia.
Isso nos leva ao outro lado da moeda da avaliação dos anos de bonança das commodities, seus impactos sobre a estrutura econômica e as distorções provocadas pelo mesmo afluxo de divisas conversíveis. A entrada e saída de divisas via comércio e investimentos diretos é menos volátil que a via investimentos de portfólio, feitos em papéis de dívida ou ações. Seria inevitável nesse período alguma sobrevalorização cambial, principalmente pelo fato de os países centrais terem em sequência adotado políticas de quantitative easing e de taxas de juros de curto prazo negativas, em função da armadilha da liquidez gerada pela crise internacional.
Mas como nossos mercados são muito pequenos em comparação com a liquidez internacional, qualquer transbordamento especulativo em nossa direção tende a sobrevalorizar nossas moedas e desestimular a indústria manufatureira, pelo aumento de importações de insumos e produtos acabados, como tende a sobre-estimular o setor serviços e seus preços, já que tem aumento de demanda, mas são non-tradables e logo não sofrem a concorrência de importados.
Assim, a ausência de políticas de administração do câmbio e dos fluxos de capitais tendem a causar efeitos estruturais duradouros e a permitir fluxos conjunturais abruptos que vulnerabilizam as economias domésticas.
Mas esse período também apresenta outros temas estruturais mais profundos relacionados às três debilidades inerentes às economias subdesenvolvidas: a vulnerabilidade externa, a heterogeneidade estrutural e a debilidade institucional.
Podemos dizer que, além do tema da produtividade, que define as brechas internas de nossas economias e suas diferenças abissais inter e intrassetores econômicos e também as brechas externas, em relação às economias mais desenvolvidas, brechas que continuaram crescendo neste período, há outro indicador tipicamente cepalino, que prefiro, que são as elasticidades renda-resto do mundo das exportações vis a vis as elasticidades renda-doméstica das importações.
Prefiro estes indicadores, pois a produtividade pode crescer nos setores já existentes, sem mudança estrutural. Mas as elasticidades referidas só são modificadas com mudanças na estrutura produtiva e na sua composição. Isso nos diferencia da visão dos economistas neoclássicos, que tratam os problemas da produtividade como falhas de mercado, como se existisse um mercado perfeito como referência.
Uma mudança estrutural é fundamental para diversificar as economias da região e diminuir sua exposição à exportação de poucos produtos por poucas empresas, que é a característica básica de nosso comércio exterior. Houve uma espécie de lock-in (efeito catraca) estrutural nesses anos de bonança, pois com a sobrevalorização cambial e o aumento da rentabilidade dos setores primário-exportadores, os investimentos subiram nesses setores e caíram nos manufatureiros.
Vivemos hoje uma encruzilhada desse padrão de desenvolvimento. O longo ciclo de preços das commodities chegou ao seu final e temos dificuldades crescentes para continuar o processo distributivo e de redução da pobreza. Já há três anos as taxas de pobreza, que caíram velozmente no pós-2005, estão estagnadas e há uma tendência de crescimento da extrema pobreza.
Desafios e integração regional
Não pudemos avançar em muita coisa porque até há pouco tempo havia políticas interditadas na região. O Consenso de Washington e a hegemonia do pensamento neoliberal não permitiam que se falasse de estado intervencionista e de políticas industriais e de ciência e tecnologia. Um equívoco monumental, pois os países centrais nunca deixaram de fazê-lo e que hoje têm a política de reshoring, de reinternalização da capacidade manufatureira.
É preciso audácia e visão de futuro, coisa que falta aos formuladores neoliberais, que têm uma visão mecânica do mercado capitalista, como se esse fosse uma criação espontânea e não o resultado de ações diretas do Estado.
Temos que repensar nosso lugar no mundo. Ocorrem mudanças tecnológicas, na geopolítica comercial, na hegemonia unipolar do pós- guerra fria, no ambiente do planeta. Quem diria, há 30 anos, que dois países coloniais, China e Índia se transformariam em economias gigantes, que Brasil seria a 7º economia do mundo?
Os chamados mega-acordos de comércio são a evidência desse jogo de gigantes. Há pelo menos quatro processos relevantes. O Acordo Transatlântico sobre Comércio e Investimentos, entre EUA e a União Europeia; o TPP, Acordo de Associação Trasnpacífica, com 12 países da América Latina, América do Norte, Asia e Oceânia e a Associação Econômica Integral Regional, com 10 países da ASEAN, Austrália, China, Índia, Japão, Nova Zelândia e Corea e o acordo UE-Japão. Formam-se três centros regionais, um que gravita com EUA, outro com Europa e outro com China.
A integração regional de América Latina e o Caribe não é só uma escolha, é um imperativo, é mandatória frente a esse cenário de mudanças tectônicas na geopolítica comercial e financeira. China entendeu perfeitamente o sentido do TPP e busca aliados estratégicos pelo mundo, principalmente em nossa região e na África, depois de se consolidar em sua própria Ásia.
Outra grande transformação em processo é a Quarta Revolução industrial. A promessa da inteligência artificial já está cada vez mais presente. As mudanças demográficas, a queda da natalidade e o envelhecimento da população dão outro motivo para o desenvolvimento da robótica inteligente. A manufatura também passa por outra grande revolução, não só de produtos e processos, mas também de insumos.
A energia alternativa, solar, fotovoltáica, eólica está para superar sua grande barreira com as baterias para residências e os grandes acumuladores de energia em fase de teste por centros de pesquisa, que pode voltar a baratear a energia para a produção manufatureira e industrial em geral. As cadeias produtivas tendem a encurtar nas próximas décadas. Será outro período de verticalização da produção de alta tecnologia e da distribuição das de tecnologia mais simples.
Países que só produzem matérias-primas, mesmos que com as tecnologias mais avançadas, sempre estarão em uma situação mais vulnerável na inserção internacional. A concorrência capitalista sempre buscará reduzir os custos de sua produção e isso inclui seus insumos. A África será uma grande competidora da América do Sul nas próximas décadas. Como nós, eles têm água, minérios, petróleo, biodiversidade. Nós podemos ser o celeiro do mundo, eles também.
A secretária executiva da Cepal, Alícia Barcena, sempre nos relembra que vivemos não uma época de mudanças, mas uma mudança de época. Isso significa uma mudança de estruturas, de paradigmas técnico-científicos disruptivos. Isso está ocorrendo em nosso tempo de vida. Não acredito que nossa região possa enfrentar esse futuro e sair de sua condição de emergente e de países de renda média pela ação isolada de nossos países.
O mais certo é que essa fragmentação nos leve ao mesmo lugar de sempre, a periferia do sistema internacional.
* Este artigo resume o conteúdo da conferência realizada na abertura do Colóquio Unasul-Instituto Lula em 13 de maio de 2015 (a íntegra pode ser lida em Conferência de abertura no Colóquio Unasul).
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