Como você, leitor(a), acompanho horrorizado o que acontece no nosso país nos meses recentes. (Dou de barato que não há nenhum bolsominion extraviado nesta página.) Não se pode falar em surpresa, claro. O candidato vitorioso nas eleições não escondeu as suas inclinações. Aqui mesmo na CartaCapital, antes do primeiro turno, escrevi que o eleitor brasileiro se defrontaria no segundo turno com a escolha entre civilização e barbárie. Mas uma coisa é proclamar a disjuntiva (sem realmente acreditar que a barbárie venceria), outra completamente diferente é ver a barbárie em ação.
No campo da política externa, por exemplo, a regressão é fenomenal. A aproximação com os Estados Unidos toma a forma, lamento dizer, de um alinhamento subserviente, como ficou claro na recente visita de Bolsonaro a Trump. Não me recordo de ter visto nada comparável em governos brasileiros anteriores – e já tivemos vários presidentes ansiosos em se pautar pelo grande irmão do Norte.
O resultado desse alinhamento a Trump nada nos trará de positivo, arrisco prever. O governo brasileiro continuará fazendo gestos e concessões sem obter contrapartidas. Nem respeito, muito menos respeito, diga-se.
Conheço um pouco os americanos. Morei mais de oito anos em Washington, de 2007 a 2015, e posso afiançar que eles simplesmente não entendem que outro país faça concessões gratuitas. Vão embolsá-las, claro, mas não entendem nem respeitam. Atitudes subservientes são vistas com profundo desprezo. Já o resto do planeta, que se acostumara, em certo período, a ver o Brasil como um polo importante num mundo crescentemente multipolar, deve estar acompanhando a nossa regressão com imensa perplexidade.
O alinhamento, feito de forma não só constrangedora, mas improvisada e amadorística, tende a ser contraproducente. Ao imitar impensadamente agendas dos Estados Unidos, ou mais especificamente do presidente Trump, o Brasil pode indispor-se com parceiros importantes, como a China e o mundo árabe. Nada ganhará de importante dos americanos e tende, ao mesmo tempo, a perder a confiança de outros países relevantes.
O estranho é que a regressão brasileira se dá sob o signo do nacionalismo. E isso confere à nova política externa do País um aspecto ligeiramente cômico. O chanceler Ernesto Araújo vem se apresentando, desde o ano passado, como uma espécie de teórico de um nacionalismo sui generis. Não preciso (na verdade, me recuso) a resumir ou citar seus escritos e pronunciamentos. São de conhecimento geral, pois têm tido ampla repercussão, inclusive no exterior.
Quando eu trabalhava no FMI, em Washington, continuei escrevendo para jornais brasileiros e volta e meia mencionava o complexo de vira-lata, expressão cunhada por Nelson Rodrigues, como se sabe. Desde então, por excesso de repetição, a metáfora perdeu o seu viço e sabor, mas ainda fazia certo efeito há oito ou dez anos. Um dia, Antonio Patriota, que era na época embaixador do Brasil nos Estados Unidos, reclamou comigo, sorrindo: “Pare de falar em complexo de vira-lata. Isso está superado”.
Estávamos em pleno governo Lula, o prestígio do Brasil era realmente grande no exterior, e eu achei que o embaixador talvez tivesse razão. O próprio presidente Lula chegou a declarar que tinha arrancado o complexo de vira-lata dos nossos diplomatas.
Mas não, nunca e jamais. É um erro subestimar a força dos condicionantes profundos da história de um país. A verdade é que o referido e infame complexo nunca fora inteiramente ultrapassado, nem no Itamaraty nem no resto do Brasil. O vira-lata estava, ali, à espreita, aguardando a oportunidade para dar um bote.
A primeira foi no governo Temer. O vira-lata soltou ali os seus primeiros ganidos mais pungentes. Mas agora, ah, agora temos o seu completo e irrecorrível triunfo.
O leitor precisa de alguma prova, alguma evidência adicional da força do vira-latismo? Acredito que não, pois o Brasil no governo Bolsonaro acaba de dar uma contribuição originalíssima ao pensamento político ocidental: o nacionalismo vira-lata, ou, para fugir da imagem rodriguiana, o nacionalismo entreguista.
Isso existe?, perguntará o leitor mais inclinado à lógica, aos raciocínios límpidos. Trata-se, evidentemente, de um oximoro verbal. Mas, como dizia Fernando Pessoa, tongue in cheek, depois de Hegel tudo, absolutamente tudo é possível. Até as contradições mais escandalosas.
No campo da política externa, por exemplo, a regressão é fenomenal. A aproximação com os Estados Unidos toma a forma, lamento dizer, de um alinhamento subserviente, como ficou claro na recente visita de Bolsonaro a Trump. Não me recordo de ter visto nada comparável em governos brasileiros anteriores – e já tivemos vários presidentes ansiosos em se pautar pelo grande irmão do Norte.
O resultado desse alinhamento a Trump nada nos trará de positivo, arrisco prever. O governo brasileiro continuará fazendo gestos e concessões sem obter contrapartidas. Nem respeito, muito menos respeito, diga-se.
Conheço um pouco os americanos. Morei mais de oito anos em Washington, de 2007 a 2015, e posso afiançar que eles simplesmente não entendem que outro país faça concessões gratuitas. Vão embolsá-las, claro, mas não entendem nem respeitam. Atitudes subservientes são vistas com profundo desprezo. Já o resto do planeta, que se acostumara, em certo período, a ver o Brasil como um polo importante num mundo crescentemente multipolar, deve estar acompanhando a nossa regressão com imensa perplexidade.
O alinhamento, feito de forma não só constrangedora, mas improvisada e amadorística, tende a ser contraproducente. Ao imitar impensadamente agendas dos Estados Unidos, ou mais especificamente do presidente Trump, o Brasil pode indispor-se com parceiros importantes, como a China e o mundo árabe. Nada ganhará de importante dos americanos e tende, ao mesmo tempo, a perder a confiança de outros países relevantes.
O estranho é que a regressão brasileira se dá sob o signo do nacionalismo. E isso confere à nova política externa do País um aspecto ligeiramente cômico. O chanceler Ernesto Araújo vem se apresentando, desde o ano passado, como uma espécie de teórico de um nacionalismo sui generis. Não preciso (na verdade, me recuso) a resumir ou citar seus escritos e pronunciamentos. São de conhecimento geral, pois têm tido ampla repercussão, inclusive no exterior.
Quando eu trabalhava no FMI, em Washington, continuei escrevendo para jornais brasileiros e volta e meia mencionava o complexo de vira-lata, expressão cunhada por Nelson Rodrigues, como se sabe. Desde então, por excesso de repetição, a metáfora perdeu o seu viço e sabor, mas ainda fazia certo efeito há oito ou dez anos. Um dia, Antonio Patriota, que era na época embaixador do Brasil nos Estados Unidos, reclamou comigo, sorrindo: “Pare de falar em complexo de vira-lata. Isso está superado”.
Estávamos em pleno governo Lula, o prestígio do Brasil era realmente grande no exterior, e eu achei que o embaixador talvez tivesse razão. O próprio presidente Lula chegou a declarar que tinha arrancado o complexo de vira-lata dos nossos diplomatas.
Mas não, nunca e jamais. É um erro subestimar a força dos condicionantes profundos da história de um país. A verdade é que o referido e infame complexo nunca fora inteiramente ultrapassado, nem no Itamaraty nem no resto do Brasil. O vira-lata estava, ali, à espreita, aguardando a oportunidade para dar um bote.
A primeira foi no governo Temer. O vira-lata soltou ali os seus primeiros ganidos mais pungentes. Mas agora, ah, agora temos o seu completo e irrecorrível triunfo.
O leitor precisa de alguma prova, alguma evidência adicional da força do vira-latismo? Acredito que não, pois o Brasil no governo Bolsonaro acaba de dar uma contribuição originalíssima ao pensamento político ocidental: o nacionalismo vira-lata, ou, para fugir da imagem rodriguiana, o nacionalismo entreguista.
Isso existe?, perguntará o leitor mais inclinado à lógica, aos raciocínios límpidos. Trata-se, evidentemente, de um oximoro verbal. Mas, como dizia Fernando Pessoa, tongue in cheek, depois de Hegel tudo, absolutamente tudo é possível. Até as contradições mais escandalosas.
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