Por Ricardo Kotscho, em seu blog:
“Acompanhar a política brasileira é tão legal quanto passear num lixão atômico (…) Além do empobrecimento material, a contaminação envenena a cultura. Cinema, música, literatura e artes plásticas andam entorpecidos. Silêncio e renúncia são subprodutos da ruína atômica que Brasília erige” (Mario Sergio Conti, na Folha).
Foi tudo muito rápido.
Num outro sábado, um ano atrás, Lula era carregado pela multidão em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde tudo começou.
No mesmo dia, foi levado pela Polícia Federal para a cadeia de Sergio Moro em Curitiba.
Hoje, caminhamos sobre os escombros da ruína atômica do bolsonarismo, que em apenas três meses vilipendiou, prostituiu e destruiu o país.
Em menos de 100 dias, a boçalidade da nova ordem transformou o Brasil numa republiqueta de bananas.
Cumprida sua missão de condenar e tirar Lula da campanha eleitoral, Moro virou ministro da Justiça do capitão Bolsonaro e seus generais, eleito por 57 milhões de bolsonarinhos.
Voltamos ao Mapa da Fome, somos ridicularizados mundo afora, 17 milhões voltaram para a extrema miséria, o desemprego galopa e tchutchucas ultraliberais só falam em acabar com a Previdência Social.
Educação e Cultura estão em colapso, a Amazônia e o pré-sal vão sendo rifados, as estradas foram abandonadas, as conquistas sociais dos últimos anos estão sendo detonadas uma a uma, sem piedade.
Nulidades e figuras exóticas tomaram conta do Palácio do Planalto e da Esplanada dos Ministérios, a violência ficou fora de qualquer controle.
Confinado numa cela solitária da carceragem da Polícia Federal e proibido pelo STF até de dar entrevistas, Lula resiste a tudo e continua lutando, em todas as instâncias da Justiça, por seus direitos básicos de cidadania.
Pensar que apenas um ano atrás o Brasil voltava a ter esperança nas eleições, com Lula, mesmo condenado sem provas e preso, liderando todas as pesquisas, registrando o dobro das intenções de voto no capitão.
Quarenta anos atrás, eu também tinha muita esperança quando fui escalado por Mino Carta para seguir esse tal de Lula, a nova liderança que surgia nas lutas dos metalúrgicos do ABC.
A primeira vez que vi a cara dele foi na capa da revista IstoÉ, dirigida pelo Mino, que me foi enviada à Alemanha onde eu era correspondente do Jornal do Brasil.
“Presta muita atenção neste cara porque você ainda vai ouvir falar muito dele quando voltar ao Brasil”, escreveu o profético amigo num bilhete.
Só não poderia imaginar que minha vida, e a do país, ficariam tão embicadas com a dele, depois que nos tornamos amigos nas históricas greves dos metalúrgicos.
Por isso, não me conformo até hoje em ver Lula preso, logo ele que nunca ligou nem falava de dinheiro, não tinha ambições materiais e só vivia para a política.
Como assessor de imprensa em três campanhas eleitorais, disputadas em dois turnos, dei várias voltas pelo Brasil ao lado do candidato e nunca vi nada que o desabonasse.
Depois, quando venceu em 2002, fui com ele para Brasília como Secretário de Imprensa da Presidência, passamos muitos fins de semana juntos, no Alvorada e no Torto, e quando fui embora, dois anos depois, Lula até chorou no discurso de despedida. Eu também.
Nossas famílias ficaram muito amigas, mas após ele deixar o governo nos vimos poucas vezes.
Por não ter mais condições de viajar, ainda não pude visitá-lo na prisão. Não é difícil imaginar o que está passando, logo ele que passou a vida toda cercado de gente e falando sem parar.
Passou apenas um ano desde que nos despedimos no sindicato, na véspera da sua prisão e, no entanto, parece uma eternidade pelo tanto que nosso país já mudou.
O estrangeiro que tivesse visitado o país durante seu governo e voltasse agora não iria mais reconhecer o Brasil e seu povo.
Junto com Lula, prenderam nossos sonhos, o orgulho de sermos brasileiros, a alegria de viver e de ter esperanças num futuro melhor.
Como é possível tratar como coisa normal, parte da paisagem, o encarceramento do melhor presidente que nosso país já teve, segundo todas as pesquisas?
Sem poder receber visitar nos fins de semana, Lula vai amargar sozinho neste domingo o primeiro ano da enorme injustiça que se comete com um dos maiores líderes mundiais do seu tempo.
Não prenderam só o meu amigo, mas o líder de milhões de brasileiros que saíram da pobreza e da miséria e viraram cidadãos nos seus oito anos de governo.
Foi esse o seu grande crime.
Passamos a ser respeitados ao viajar para fora, o Brasil era um dos países mais admirados do mundo, tinham até inveja da nossa forma de viver.
Acompanhei Lula em 26 viagens ao exterior e sou testemunha da forma carinhosa e respeitosa como era recebido em todos os lugares, nas ruas e nos palácios, contando orgulhoso as profundas transformações que estavam acontecendo no Brasil.
Viraram o país de cabeça para baixo, tuitando adoidados, passando por cima de direitos, exterminando a sociedade civilizada que aqui foi construída.
Nenhum inimigo estrangeiro, que não temos, seria capaz de fazer tanto estrago em tão pouco tempo.
Vou parando por aqui porque para mim é muito sofrido escrever este texto sobre o que foi e é agora o Brasil, sobre o que já fomos e o que somos hoje.
Valeu, velho amigo Lula. Muita força nessa hora.
Por mais escura que seja a noite, uma hora há de clarear o dia.
Vida que segue.
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