Por Victor Farinelli, no site Carta Maior:
Nesta terça-feira (26/3), o promotor federal Carlos Stornelli faltou pela quarta vez à uma citação para declarar na causa judicial que tramita no Tribunal da cidade de Dolores, pela qual o juiz Alejo Ramos Padilla o declarou “em rebeldia”. Ao não comparecer para dar sua versão dos fatos, e enfrentar a quantidade de evidências levantadas pela investigação, o promotor se transforma em uma espécie de prófugo, mas prefere estar em rebeldia do que ser processado por integrar uma associação ilícita dedicada à espionagem ilegal, a extorsão e coação de testemunhas nas causas em que ele administra contra a ex-presidenta Cristina Kirchner.
Em janeiro deste ano, o site Cohete a la Luna, do famoso jornalista investigativo Horacio Verbitsky, revelou a existência de um esquema de chantagem, extorsão e coação de empresários para que declarem no chamado Caso dos Cadernos contra a atual senadora e ex-mandatária progressista. As reportagens de Verbitsky também comprovam que o operador do esquema, um obscuro advogado chamado Marcelo D´Alessio, trabalhava junto com o promotor Stornelli, o que pode ser comprovado por meio de vídeos, áudios e banners de e-mails e conversas por whatsapp entre eles e outros envolvidos, como o empresário Pedro Etchebest, o primeiro em denunciar as extorsões da dupla D´Alessio-Stornelli.
Ramos Padilla declarou o promotor Stornelli em rebeldia, colocando o foco do seu trabalho em tomar pessoalmente os testemunhos do processo, um estilo diferente do da Justiça Federal, na qual Carlos Stornelli atua como uma espécie de Deltan Dallagnol argentino, liderando 9 dos 10 processos existentes contra a ex-presidenta Kirchner – todos eles julgados pelo juiz Claudio Bonadio, o Sérgio Moro argentino, que curiosamente sempre é o sorteado para os processos envolvendo a principal líder opositora do macrismo.
Quem se apresentou no tribunal em representação de Carlos Stornelli foi o seu advogado, Roberto Ribas, que reiterou sua tese de que o magistrado é incompetente para o caso e que a audiência é nula. O argumento técnico foi que o promotor do Tribunal de Dolores, Juan Pablo Curi, não havia impulsado as acusações, o que foi desmentido pelo próprio Curi no mesmo dia.
Nada disso, porém justifica a sua ausência. Não é estranho, na Justiça argentina – e talvez em nenhum lugar do mundo – que os acusados questionem os juízes, mas mesmo nesses casos eles se apresentam para declarar, ou mesmo para se abster de dar declarações alegando esses questionamentos. O que é agravante no caso de Stornelli é que se trata de um funcionário do Ministério Público, e que atua esquivando a Justiça.
Independente dos questionamentos a Alejo Ramos Padilla, a obrigação do promotor era a de se apresentar e dar sua declaração, como qualquer cidadão. Também deve entregar seu celular para que se realize a perícia que se faz aos telefones de qualquer outro acusado. Para qualquer cidadão comum, a ausência em uma citação pela quarta vez significaria a detenção automática, e se tomamos como exemplo o show habitualmente armado por Patricia Bullrich para prisão de acusados kirchneristas, deveríamos ver Stornelli com jaleco, capacete e rodeado de policiais fortemente armados e com os rostos tapados.
Possíveis consequências
Na resolução em que declara a Stornelli “em rebeldia”, o juiz Alejo Ramos Padilla adverte que a situação requer consequências diferentes das de um cidadão comum. Por possuir foros, o promotor não pode ser posto em prisão preventiva, e tampouco poderia ser levado a declarar em condução coercitiva. Ramos Padilla pediu à Procuradoria Geral “que utilize dos meios necessários para que, dentro de suas atribuições específicas, adote as medidas que garantam o comparecimento do promotor Carlos Stornelli ao processo”.
Agora, o procurador-geral interino Eduardo Casal tem diferentes caminhos nos quais pode efetivar o pedido do juiz, embora tenha mantido até momento a decisão de proteger Stornelli – há poucos dias, e um pouco a contragosto, cedeu a pressões e abriu uma investigação interna pelos casos de espionagem, vários dias depois de conhecido o escândalo e com o acusado já tendo falta às primeiras citações.
Segundo o estatuto do Ministério Público argentino, há dois processos disciplinares possíveis: um de sanção e outro de remoção. Entre as sanções, a lei mencionada prevê, no artigo 70, inciso C, a suspensão das funções por até 30 dias. Entretanto, opção não significa a perda dos foros por parte do funcionário suspenso, portanto não seria o caminho para que Ramos Padilla possa levar Stornelli a declarar obrigatoriamente.
Já o processo de remoção é mais longo e complexo – mas que, se chega às últimas consequências, significaria a saída de Stornelli de todos os casos nos quais está trabalhando, incluindo os nove contra Cristina Kirchner.
No artigo 77, a lei estabelece que os funcionários judiciais só podem ser removidos por um tribunal específico que funciona dentro do aparato da Procuração Geral. Esse tribunal está composto por sete membros: um representante designado pelo Poder Executivo, um representante do Senado, um do Conselho Interuniversitário Nacional, dois representantes do Colégio de Advogados (similar à OAB no Brasil) e dois do Ministério Público designados por sorteio.
Segundo a norma, o único que pode iniciar tal processo de júri é o Procurador. Talvez isso explique a decisão de Stornelli de não se apresentar em nenhuma das quatro citações de Ramos Padilla. Confia em que Eduardo Casal – designado interinamente pelo Poder Executivo para substituir Alejandra Gils Carbó – vai manter sua posição de apoio à sua tese, e não dará início ao juízo político.
Um caminho intermediário poderia ser uma ordem de Casal para que Stornelli se apresente sob pena de sanção ou de um processo. Até o momento, todos os sinais da Procuração foram de apoio ao promotor federal, que desde terça-feira está em rebeldia.
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