sábado, 8 de janeiro de 2011

EUA em rota de colisão consigo mesmo

Reproduzo artigo de Márcia Denser, publicado no sítio Congresso em Foco:

Parece que um dos temas em pauta no início de 2011 é a política interna dos Estados Unidos, o que naturalmente interessa ao resto do mundo. A respeito, Jeffrey Sachs (professor de economia na Universidade de Colúmbia, USA) na SinPermiso, usa uma expressão engraçada: os Estados Unidos estão em rota de colisão consigo mesmo. O que significa uma política suicidária que quer favorecer os ricos a qualquer preço, degradando mais e mais o resto do povo americano.

Sachs argumenta que o problema é a política corrupta e a perda de moral cívica dos EUA. O partido Republicano aposta em reduzir os impostos, objetivo que coloca acima de qualquer outro. Os democratas têm um leque mais amplo de interesses, como o apoio ao serviço de saúde, a educação, a formação e a infraestrutura. Mas, assim como os republicanos, os democratas também estão interessados em presentear com cortes de impostos seus grandes contribuintes de campanha, entre os quais predominam os estadunidenses ricos.

Já Paul Krugman, no The New York Times, é mais contundente. No artigo "Quando os mortos-vivos vencem", ele diz: “Os fundamentalistas do mercado erraram sobre tudo — ainda assim eles dominam a cena política mais completamente que nunca. Como isso aconteceu? Todos entendemos a necessidade de fazer acordos com inimigos políticos. Mas uma coisa é fazer acordo para adiantar seus objetivos; outra é abrir as portas para as idéias dos mortos-vivos. Quando você faz esta concessão, os mortos-vivos acabam comendo o seu cérebro — e possivelmente também a sua economia.”

Segundo ele, quando historiadores olharem de volta o período 2008-10, o que mais vai intrigá-los é o estranho triunfo das idéias falidas. Como, depois que bancos descontrolados colocaram a economia de joelhos, ouvimos Ron Paul dizendo “não penso que precisamos de regulamentação” ao assumir um comitê-chave do Congresso que vigia o Banco Central?

A resposta da direita é que os fracassos econômicos do governo Obama mostram que as políticas de “grande governo” não funcionam. Mas a resposta a eles deveria ser: que política de grande governo? Pois o fato é que o estímulo econômico de Obama — que em si era quase 40% baseado em cortes de impostos — foi muito cauteloso para dar uma guinada na economia. Uma política que reduziu empregos públicos e na qual os gastos do governo em bens e serviços cresceram mais devagar que durante os anos Bush não constitui exatamente um teste de economia keynesiana.

No entanto, tudo o que a direita falou sobre os motivos do fracasso da Obamanomics estava errado. Por dois anos, disseram que os empréstimos do governo fariam disparar os juros; na verdade, as taxas se mantiveram baixas se comparadas a padrões históricos. Durante dois anos, os neocon alertaram que a inflação e até mesmo a hiperinflação voltariam; em vez disso, a deflação continuou, com a inflação básica sendo a menor do último meio século.

Mas tais fracassos não parecem importar. A crise deveria ter nos matado, mas não matou, estamos ainda — talvez mais que nunca — sendo governados pela “economia dos mortos-vivos”. Por quê? Parte da resposta, certamente, é que as pessoas que deveriam ter matado as idéias mortas-vivas, tentaram, em vez disso, fazer acordo com elas, isto é, com o Demônio. E isso é especialmente verdadeiro do presidente Obama.

As pessoas esquecem que Ronald Reagan muitas vezes cedeu em questões políticas de substância — mais notadamente, ele aprovou vários aumentos de impostos. Mas nunca “amoleceu” quando se tratava de idéias (ou ideologia) – nunca recuou de que sua posição ideológica estava certa e a dos adversários, errada.

Mas o presidente Obama, ao contrário, tem insistentemente tentado fazer acordo com o outro lado, dando cobertura aos mitos da direita. Ele felicitou Reagan por restaurar o dinamismo dos Estados Unidos (quando foi a última vez que você ouviu um republicano elogiando Roosevelt?), adotou a retórica da oposição sobre a necessidade do governo de apertar o cinto, mesmo diante da recessão e ofereceu congelamento simbólico de gastos e salários federais.

Nada disso fez com que a direita deixasse de denunciá-lo como socialista. Mas essa postura ajudou a dar poder a idéias ruins, de forma que elas podem causar danos imediatos. Neste momento, Obama está saudando o acordo para corte de impostos [dos ricos] como uma forma de estimular a economia — mas os republicanos já estão falando em cortes de gastos do governo que acabariam com qualquer estímulo resultante do acordo. E como é que ele pode enfrentar os republicanos se ele mesmo abraçou a retórica de apertar o cinto?

Sim, política é a arte do possível. Todos entendemos a necessidade de fazer acordos com inimigos políticos. Mas uma coisa é fazer acordos para adiantar seus objetivos; outra é abrir as portas para as idéias dos mortos-vivos.

Obama chegou ao poder com promessa de mudanças. Até agora não fez nenhuma. Seu governo está cheio de banqueiros de Wall Street. Seus altos funcionários acabam indo se unir aos bancos, como fez recentemente seu diretor de orçamento, Peter Orszag. Está sempre disposto a atender os interesses dos ricos e poderosos, sem traçar uma linha demarcatória ao “toma lá, dá cá”.

Bem, talvez não tenha sido possível ao presidente Obama conseguir mais diante do ceticismo do Congresso em relação a seu governo. Mas, mesmo que isso fosse verdade, apenas demonstra o contínuo controle de uma doutrina falida sobre a política norte-americana. A propósito, esperemos que no Brasil a presidenta Dilma tome isto como um péssimo exemplo a não ser seguido sob hipótese alguma. Acordos com o demônio costumam ser letais. Para todos.

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O PIG está de volta. A todo o vapor

Reproduzo matéria de Rodrigo Monteiro, publicada no blog Viomundo:

É mole? Esse PIG só pode estar de brincadeira. Dilma tomou posse no sábado. Teoricamente hoje, 07.01, é o 5º dia de governo da presidenta. Pois Merval Pereira já soltou essa pérola: “está sendo tão difícil para Lula desencarnar do papel de presidente da República quanto para Dilma assumir integralmente a função para a qual foi eleita”.

Como bem percebo o PIG não é feito de colunistas ou articulistas, mas sim de juizes, “sentenciadores”. Eles olham e decidem “o que é”, “do que se trata”. Pois com a incrível velocidade de 5 dias Merval já decidiu que “está sendo difícil para Dilma assumir integralmente a função para a qual foi eleita”. O cara é um gênio.

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De Eliane Cantanhêde, a musa da febre amarela e da massa cheirosa, misturando o governo Dilma com chuvas e desmoronamentos:

“Depois da ira dos italianos por causa do Battisti, das provocações do PMDB, da suspensão das nomeações de segundo escalão, do veto a um mínimo superior a R$ 540, do general Elito dizendo que “não há vergonha” nos desaparecimentos da ditadura… Dilma Rousseff conseguiu finalmente criar ontem um factoide, ops!, uma notícia positiva para saciar a imprensa e a sociedade neste início de ano e de governo com chuvas, desmoronamentos, confusões e rebeldias de aliados”.

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De Ricardo Melo, na Folha, confundindo a emissão de passaportes para filhos de Lula com o “rouba mas faz”:

“Claro, muitos vão dizer que o assunto é miudeza diante de realizações da gestão Lula. Mas, queira-se ou não, no fundo, no fundo, o que está por trás de tal comportamento é a mesma matriz ética que consagrou o antigo “rouba, mas faz”. O problema não é o montante envolvido, mas a filosofia de um governo. Para dissipar fantasmas, a presidente tem uma ótima oportunidade para mostrar que não é um clone. Basta cassar o privilégio e mandar os Cláudios pegarem a fila como qualquer brasileiro”.

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Além da miudeza dos passaportes, teve também a mixaria das férias de Lula em área do Exército, em Guarujá. Pelo menos eu acho: é mixaria.

PS do Viomundo: E tem mais gente no governo Dilma louquinho para sair no PIG que qualquer outra coisa…

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Passaporte: Estadão desmoraliza a Folha

Por Altamiro Borges

A Folha inventou mais um factóide para arranhar a alta popularidade de Lula e, de quebra, criar constrangimentos para Dilma Rousseff bem no início do seu governo. Ela deu manchetes para a "grave" concessão de passaportes diplomáticos aos filhos do ex-presidente. Todo dia ela bate bumbo com este assunto "altamente relevante". Mas este escárceu todo é ridículo e, como tal, foi desmoralizado pelo concorrente Estadão.

Os passaportes e os factóides da mídia

Reproduzo artigo de Conceição Oliveira, publicado no blog Maria Frô:

Ando espantada com a pequenez humana. A Folha, Veja e Cia tentarão de todas as formas manchar a história de um presidente que durante os seus dois mandatos beneficiou não apenas os mais pobres, mas também a classe média e empresários.

O crescimento econômico do país foi benéfico para todos, a importância que o país ganhou no cenário internacional beneficia até mesmo uma parcela da classe média rancorosa e moralista com a vida alheia e que muito embora beneficiada, culturalmente não mudou nada.

Ontem no twitter li mensagens agressivas, equivocadas e até mesmo detratoras dirigidas aos filhos de Lula. Algumas delas eram a revisitação do Cansei. Na mídia velha teve até presidente da OAB, cuja presteza para exigir a devolução dos passaportes dos filhos do presidente Lula renovados legalmente foi espantosa, pena que o presidente da OAB não tenha a mesma rapidez pra repudiar crimes homofóbicos praticados no Brasil, que não se mexa para punir grupos protofascistas que querem acabar com os nordestinos e outras sandices desta parcela da classe média preconceituosa, rancorosa e vergonha alheia.

O factóide da Folha, o twitter e o respeito do Brasil no exterior

A história da renovação dos passaportes especiais já estava na imprensa há pelo menos uns dois dias. Não houve absolutamente nada ilegal na renovação. Os filhos do presidente têm direito a ter passaporte especial cujo único benefício é passar por uma fila diferenciada destinada a diplomatas, alguns artistas e empresários que também podem conseguir tal benefício.

Lula governou por dois mandatos, os passaportes emitidos (e nunca usados) foram renovados, este é o fato. Poderiam ter sido renovados antes, mas possivelmente algum burocrata do Itamaraty esqueceu de fazê-lo e o fato de tê-los renovado poucos dias antes da saída do presidente fez a Folha jogar lama na família de Lula e a classe média moralista, que em governos anteriores economizava anos pra fazer uma viagem internacional e hoje tem raiva de ver pobre no aeroporto, caiu matando no twitter contra Marcos Lula e Luís Cláudio.

Durante o governo Lula esta mesma classe média pôde viajar para os 27 países da União Européia, ficar por três meses sem precisar de vistos. Antes tiravam até as cuecas pra passarem em detector de metal, éramos humilhados, viajantes do terceiro mundo para o Velho, pomposo e preconceituoso mundo. Lula mudou isso.

É inegável o respeito que experimentamos ao viajar para o exterior (falo dos que viajam realmente para turismo, dado que a xenofobia européia tem crescido e se voltado contra os estrangeiros que querem migrar ilegalmente).

Em alguns países dizer que é brasileiro imediatamente nos concede um ‘passaporte’ de boas vindas, um tratamento mais simpático. Vivi isso nos vários países africanos que fui e em Portugal, o único país europeu para o qual viajei até então. Lula é o Cara também para cidadãos de países estrangeiros.

Tudo isso aconteceu porque o governo Lula soube impor respeito e fazer os demais governos respeitar o Brasil. Anos atrás o governo espanhol desrespeitou brasileiros e imediatamente nosso governo reagiu. O princípio da reciprocidade vem sendo aplicado pelo Itamaraty: sempre que ocorreu abusos, xenofobia e preconceito em relação a brasileiros no exterior e não prevaleceu o entendimento bilateral, o governo brasileiro reagiu protegendo os brasileiros.

Os direitos de presidentes e ex-presidentes e suas famílias

Filhos de presidente têm direito à segurança da PF e é bom que tenham, porque presidente é alvo de todo tipo de chantagem. Em 2008, Fernando Beira-Mar tramou junto com Marcola e Abadia o seqüestro do caçula de Lula. Imaginem se a PF não agisse o que ocorreria com um presidente que tem seu filho em mãos de traficantes sanguinários como estes.

Eu conheci o Marcos Lula na Paulista nas comemorações da vitória da eleição de Dilma, logo após sabermos o resultado do segundo turno.

Marcos estava alegre, eufórico, tinha vindo dirigindo um carro de som de São Bernardo até a Paulista. É um homem bastante simples no falar, agir, se vestir. Marcos Lula não gosta de andar com seguranças (e até então ele tinha este direito garantido constitucionalmente) e neste dia tinha enganado todos eles e estava sem seguranças. Todos nós nos espantamos e ele levou bronca dos amigos. Nesses oito anos, Marcos não viajou para os EUA, Europa, Ásia ou África e muito possivelmente não conheça nem os EUA ou qualquer dos países desses continentes.

Vi fotos de Marcos Lula durante a posse da presidenta Dilma Rousseff. Ele poderia estar ao lado do pai na cerimônia de entrega da faixa presidencial, mas estava como a gente, no meio do povo.

Fico imaginando o quão complicado é lidar com toda esta exposição de modo tão gratuito, virando motivo de chacota pelos oportunistas de sempre e sendo achincalhado inclusive por fogo amigo. Poucos foram os que se dirigiram ao Marcos para perguntar o ocorrido. Compraram de bom grado a versão de que mesmo legal é ‘imoral’ (houve até quem tentou vender a idéia de que o passaporte legalmente renovado fazia parte da filosofia do ‘rouba mais faz’).

Alguns petistas ou simpatizantes se sentiram desconfortáveis com a renovação dos passaportes e a exposição na imprensa do factóide. O blogueiro @viniciusduarte, que não tem nada a ver com esta classe média rancorosa que descrevi anteriormente, achou que a renovação foi uma carteirada burra. Vinícius, Lula por acaso obrigou o Itamaraty a renovar os passaportes? Outro blogueiro, @aleportoblog achou o ‘regalo’ dispensável. Discordei também, não é possível tratar a renovação legal de um documento como ‘regalo’.

Nas críticas de pessoas como Vinícius e Alê a renovação soou como privilégio da cultura do “você sabe com quem está falando”. Se conhecessem Marcos veriam que isto é uma bobagem, aliás tenho até dúvidas se o Marcos em pessoa foi atrás desta renovação (de um passaporte que jamais usou e que nem pegou e diante da fúria da esquerda e direita já até dispensou).

Há nas críticas que coloco como crítica à esquerda um purismo bobo, que caiu no jogo plantado pela Folha de que se é legal não deixa de ser ‘imoral’.

É bom lembrar que para a Folha qualquer direito do ex-presidente é tratado como coisa de deslumbrado. O preço do vinho que Lula tomou em 2003, os seus ternos, ou as roupas de dona Marisa, o avião da presidência ou o staf das viagens internacionais que no Brasil é chado de SCAV (escalão avançado). É ridículo o staf de Lula perto do que acompanha Obama em suas viagens internacionais. Lula durante seus dois mandatos viajava com 30, 40 pessoas no máximo, Obama com 2000 pessoas. A direita que adora comparar o Brasil incluto como os EUA civilizado acha o que disso?

Ora, Lula foi um chefe de Estado e tem de seguir os protocolos do cargo. Mas da esquerda à direita se cobrou do presidente que ele se portasse como um operário. A esquerda para manter o purismo das origens e a direita porque não engole mesmo o fato.

Voltando aos moralistas de plantão: eles precisam apontar o dedo, porque afinal Marcos é ainda aquele rapaz simples, filho de ex-operário, o mesmo que era xingado na escola quando pequeno e viu seu pai preso e os amigos apontando o dedo e o chamando de ‘filho de ladrão’. À época seu pai era o líder operário mais importante do país, resistindo à ditadura militar. Hoje, seu pai é o líder político mais importante do Brasil, porque reconstruiu um país sem esperanças, injusto, desigual, com baixa auto-estima e deixou o governo com 87% de aprovação.

Nesta primeira semana após a troca na Presidência não foi só Marcos e Luis Cláudio que foram desrespeitados pelos moralistas de plantão alimentados pelo factóide da Folha: também o pai deles, o ex-presidente Lula, foi perseguido pelos fotógrafos do jornal da Ditabranda que acha que o ex-presidente não pode descansar, ter alguns dias de férias. Não passa pela cabeça destes jornalistas desrespeitosos que Lula jamais vai conseguir ficar tranqüilo com sua família mesmo que seja no resort de Comandatuba. A simples presença de Lula em qualquer espaço atrairá multidões de fãs e de paparazis sem noção. Onde mais Lula poderia ter um pouco de paz que não fosse em uma base militar?

Ex-presidentes constitucionalmente têm alguns direitos. Eles têm, por exemplo, direito a seguranças e transporte. Foi fundamental este direito nestas eleições. Após o episódio da bolinha de papel, havia um boato circulando de que ocorreria tumulto na caminhada de FHC em São Paulo em apoio a candidatura Serra.

Lembro-me do ator José de Abreu no twitter e em suas famosas twitcams chamando a atenção para o fato de que isso seria um factóide, lembrando que FHC estaria rodeado de seguranças.

FHC pode ir aonde quiser desde que deixou a presidência da república e o maior risco que corre é levar uma bolinha de papel na cabeça. É um presidente impopular, antipático, síntese desta mesquinharia que acomete uma parcela da intelectualidade brasileira que se sente superior aos demais e assim é tratada, inclusive pela velha mídia. FHC teve um filho fora do casamento que toda a imprensa sabia, mas demorou cerca de 20 anos pra falar no assunto, enquanto em 1989 Collor que teve todo espaço na mídia pra seu jogo sujo fez da filha de Lula, Lurian, criada pela mãe de Lula, reconhecida por Lula e nascida antes do casamento com Marisa Letícia e após a morte de sua primeira esposa, um escândalo eleitoral.

A filha de FHC trabalhou tranquilamente no Senado sem que a família fosse incomodada pela imprensa. Mas a renovação legal de dois passaportes para os filhos de Lula (que ainda era o presidente) foi transformada num escândalo com direito até mesmo de presidente da OAB se meter.

Não vai me surpreender nada ver um novo Cansei querendo cassar os direitos legais até então usufruídos tranquilamente por Collor, Itamar, FHC e agora por Lula. Porque para estes moralistas de plantão, é uma afronta um ex-operário ter sido duas vezes presidente, quem dirá viver com a dignidade que um ex-presidente constitucionalmente tem direito de viver.

Lula passou oito anos sendo esculhambado, mas mesmo assim deu tudo de si para o Brasil e o Brasil pós-Lula é um Brasil muito melhor para o seu povo. Será que os brasileiros farão coro aos leitores da Folha e não tomarão conta de Lula?

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Paulo Bernardo admite derrota antes do jogo

Reproduzo artigo de Mauro Malin, publicado no Observatório da Imprensa:

A discussão sobre concessões de rádio e televisão pertencentes a parlamentares, antiga neste Observatório (ver "Ministério Público propõe anulação de concessões"), voltou à tona com a entrevista do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que foi manchete na Folha de S.Paulo de sexta-feira (7/1). Ele disse à repórter Elvira Lobato que "político não deve ganhar TV e rádio", mas opinou também que essa proibição ‒ fixada no texto da Constituição de 1988 e reiterada na legislação deixada pelo governo Lula para o atual governo levar ao Congresso ‒ tem poucas possibilidades de aprovação devido ao elevado número de políticos eleitos em 2010 para o parlamento federal que declararam ter concessões.

Para que se entenda por que conceder emissoras de rádio e televisão a parlamentares contraria a Carta desde sua promulgação, há quase 22 anos, vale citar o que escreveu neste OI Venício A. de Lima, em agosto de 2005, no artigo "As bases do novo coronelismo eletrônico":

"A Constituição de 1988 [....] proibiu que deputados e senadores mantenham contrato ou exerçam cargos, função ou emprego remunerado em empresas concessionárias de serviço público (letras a. e b. do item I do Artigo 54). Restrição semelhante já existia no Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT, Lei nº 4117/62) desde 1962, determinando que aquele que estiver em gozo de imunidade parlamentar não pode exercer a função de diretor ou gerente de empresa concessionária de rádio ou televisão (Parágrafo único do Artigo 38)."

O próprio Paulo Bernardo foi exato em sua argumentação. À pergunta "Por que político não deve ter concessão?", ele respondeu:

"É o Congresso que autoriza as concessões. Então, me parece claro que o congressista não pode ter concessão, para não legislar em causa própria. Os políticos já têm espaço garantido na televisão, nos programas eleitorais. E há também a vantagem nas disputas eleitorais, e o poder político e econômico."

Quem são os 61 parlamentares?

Paulo Bernardo informou que 61 parlamentares federais declararam ser detentores de concessões. Desde logo, fica aqui a sugestão de que se divulgue imediatamente essa lista, para que os cidadãos possam formar opinião sobre o quadro atual. A esse número deve ser somado o de senadores em meio de mandato concessionários de rádio e/ou televisão, caso notório do presidente da Casa, José Sarney.

Segundo Bernardo, "é mais fácil iniciar um processo de impeachment de um presidente do que rejeitar a renovação de uma concessão de rádio ou de TV". A dificuldade é ainda maior, acrescente-se para argumentar, levando-se em conta que também foram eleitos muitos deputados estaduais donos de emissoras, para não falar de vereadores em meio de mandato. O texto constitucional não menciona esses detentores de mandatos, mas se deduz que eles também seriam atingidos por uma nova regulamentação, para que o jogo não fique desequilibrado exatamente nos locais em que se dão os embates eleitorais.

Em outras palavras, não tem sentido proibir que um deputado federal seja dono de emissora e permitir que, na mesma região em que ele disputa votos, um deputado estadual, eventualmente aliado de um candidato rival, o seja. O mesmo se diga da relação entre deputado estadual e vereador.

Uma maioria sem emissoras

Por outro lado, se 61 parlamentares eleitos agora declaram ser donos de emissoras, há 506 que não o são (foram eleitos 513 deputados federais e 54 senadores). Não seria possível encontrar nessa massa um grupo majoritário a favor da modernização do panorama brasileiro de radiodifusão?

Não há notícia de parlamentares petistas donos de emissoras de rádio e televisão, o que, do ponto de vista da "economia doméstica", facilita a vida do ministro e da presidente Dilma Rousseff. O PT terá a partir de fevereiro a maior bancada na Câmara dos Deputados.

Munição para adversários

Provavelmente o ministro tem razão quanto à dificuldade de revogar concessões, mas o que está no horizonte não é o exame de casos individuais, e sim a consagração de uma regra sintonizada com o texto e o espírito da Constituição. Antes dela, a outorga de canais era feita pelo Executivo. Desde 1988, cabe ao Legislativo aprová-la. Foi um avanço na concepção, sem correspondência na prática, porque muitos dos outorgantes são outorgados. Talvez se possa chegar a uma solução em que a proibição seja estabelecida, mas para vigorar a partir de data futura. Ou seja, dando-se uma moratória aos atuais políticos que têm emissoras.

O reparo que se pode fazer à sincera entrevista de Paulo Bernardo é que ela sinaliza uma acomodação ao statu quo. E, com isso, enfraquece politicamente a ação do governo. Qualquer parlamentar poderá argumentar, coberto de razão, que o próprio ministro das Comunicações reconheceu que o assunto é no mínimo delicado.

As afiliadas, as afiliadas...

Não é só no Congresso Nacional que há dificuldade para combater o coronelismo eletrônico. Na sexta-feira (7/1) em que Paulo Bernardo foi manchete da Folha, o Jornal Nacional não tugiu nem mugiu sobre o assunto. Que diferença em relação à véspera, quando, como notou Alberto Dines no tópico "Pauta perversa", o JN repercutiu "em grande estilo" a manchete jornalisticamente implausível (nos dois sentidos, principalmente o etimológico) da mesma Folha sobre os passaportes dos filhos de Lula, esse tema de grande magnitude política e relevância social.

Dessa vez, a manchete da Folha não mereceu nem a chamada "nota ao vivo", sem imagens. Gosto não se discute, apenas se lamenta? Não é bem assim.

O Jornal da Cultura da mesma noite fez uma boa reportagem sobre o assunto. Lembrou que, além do já citado Sarney, o também senador Fernando Collor é sócio de uma rede de comunicação em Alagoas, o deputado ACM Neto é sócio da Rede Bahia, o deputado Jorginho Maluly é dono de uma rede no interior paulista. Entre tantos outros eminentes representantes do povo.

A Globo nunca tocou nesse assunto. E não está sozinha em seu silêncio. Essas emissoras e redes locais são... afiliadas das grandes redes. Trata-se de uma mistura de política com o negócio da comunicação. E vice-versa: o negócio da comunicação vai incomodar políticos que são seus parceiros? Sem chance. Ou seja, se depender da mais poderosa mídia do país, a televisão, o povo, salvo o traço de audiência da TV Cultura, não vai nem saber que o problema existe.

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O tratamento diferente de Lula e FHC

Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:

Faz uma semana que Lula deixou o poder e ingressou na mesma galeria de ex-presidentes em que o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ingressou em 2002. Aí terminam as coincidências entre os dois ex-primeiros mandatários da República.

Ao contrário de FHC, Lula deixou o poder sob recorde mundial de aprovação – módicos 87%. FHC deixou o poder com pouco mais de um quarto disso. E essa não é a única diferença entre os dois ex-presidentes.

Desde que Lula deixou o cargo que apanha sem parar da mídia, que implicou com as férias que o governante que sai deixando tanta saudade foi passar em uma instalação militar no Guarujá durante um período em que o Estado tem o dever de garantir a todo ex-mandatário as melhores condições para retomar sua vida.

Depois, a mídia também passou a implicar com a concessão de passaportes diplomáticos para familiares de Lula, apesar de a lei conceder ao Itamaraty a prerrogativa de avaliar subjetivamente a relevância desse tipo de concessão.

Vale, pois, analisar o que diz o decreto da Casa Civil da Presidência da República sob número 5.978, de 4 de dezembro de 2006, em seu artigo 6º, sobre a concessão de passaportes diplomáticos:

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Art. 6o Conceder-se-á passaporte diplomático:

I - ao Presidente da República, ao Vice-Presidente e aos ex-Presidentes da República;

II - aos Ministros de Estado, aos ocupantes de cargos de natureza especial e aos titulares de Secretarias vinculadas à Presidência da República;

III - aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal;

IV - aos funcionários da Carreira de Diplomata, em atividade e aposentados, de Oficial de Chancelaria e aos Vice-Cônsules em exercício;

V - aos correios diplomáticos;

VI - aos adidos credenciados pelo Ministério das Relações Exteriores;

VII - aos militares a serviço em missões da Organização das Nações Unidas e de outros organismos internacionais, a critério do Ministério das Relações Exteriores;

VIII - aos chefes de missões diplomáticas especiais e aos chefes de delegações em reuniões de caráter diplomático, desde que designados por decreto;

IX - aos membros do Congresso Nacional;

X - aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União;

XI - ao Procurador-Geral da República e aos Subprocuradores-Gerais do Ministério Público Federal; e

XII - aos juízes brasileiros em Tribunais Internacionais Judiciais ou Tribunais Internacionais Arbitrais.

§ 1o A concessão de passaporte diplomático ao cônjuge, companheiro ou companheira e aos dependentes das pessoas indicadas neste artigo será regulada pelo Ministério das Relações Exteriores.

§ 2o A critério do Ministério das Relações Exteriores e levando-se em conta as peculiaridades do país onde estiverem a serviço, em missão de caráter permanente, conceder-se-á passaporte diplomático a funcionários de outras categorias.

§ 3o Mediante autorização do Ministro de Estado das Relações Exteriores, conceder-se-á passaporte diplomático às pessoas que, embora não relacionadas nos incisos deste artigo, devam portá-lo em função do interesse do País.

Art. 7o O passaporte diplomático será autorizado, no território nacional, pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, seu substituto legal ou delegado e, no exterior, pelo chefe da missão diplomática ou da repartição consular, seus substitutos legais ou delegados.


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A relevância mais imediata da concessão de passaporte diplomático a esposa, filhos, netos ou outros parentes próximos de ex-presidentes da República é a de o país honrar os seus ex-mandatários, não submetendo a família do ex-presidente a constrangimento de não ser tratada como aquele com quem viaja.

Por falta de esclarecimento, alguns dizem que os filhos de Lula, por exemplo, não viajarão sempre com ele. Todavia, viajarão com ele, também. E, se não tiverem o passaporte diplomático, a diferença de tratamento na imigração de outros países criará constrangimento para um ex-chefe de Estado, sendo que todas as nações democráticas do mundo honram seus ex-presidentes.

Com FHC, porém, o tratamento sempre foi outro, mesmo no momento imediatamente posterior ao que deixou o governo sob ampla desaprovação da sociedade, em 2002. Desde então, a mídia se encarrega de exaltar seu governo desastroso, que fez com que até hoje mais de 70% dos brasileiros o desaprovem. E ainda se esfalfa para lhe atribuir os méritos auferidos pelo governo Lula.

Fiscalização das regalias e benesses recebidas pelo ex-presidente tucano, nem pensar. Apesar de invadir a vida privada de Lula sem parar, durante anos a fio jamais incomodaram FHC com a história do filho ilegítimo que gerou com uma jornalista da Globo, que pagou as despesas dela e do filho na Espanha durante todo esse tempo sem que ela produzisse nada que se conheça, jornalisticamente.

As encrencas de outros filhos de FHC, os assumidos por ele, jamais chegaram tão rápido ao noticiário. Só em 2009, 8 anos depois de o tucano deixar o poder, a mídia soltou notinhas sobre Luciana Cardoso, que recebia salários do Senado sem aparecer por lá para trabalhar.

Tais fatos revelam o sentimento que está por trás da diferença de tratamento que a mídia dispensa a ex-presidentes avaliados de formas tão distintas pela sociedade brasileira. Esse sentimento é o medo.

Lula prometeu meter a boca no trombone se a mídia e a oposição fizerem com a presidente Dilma Rousseff o que fizeram com ele, durante o seu mandato. Isso sem contar o fato de que ainda acham que o adversário político se candidatará para a sucessão da presidente, em 2014.

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Emiliano José disseca a mídia neoliberal

Reproduzo artigo de Gilvan Freitas, publicado no blog "O terror do Nordeste":

O jornalista, escritor, professor de comunicação e agora deputado federal Emiliano José (PT) lança, no próximo dia 28 de janeiro, às 18h, na Livraria Cultura (Shopping Salvador), seu novo livro intitulado “Jornalismo de campanha e a Constituição de 1988”.

A obra é baseada em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Comunicação da UFBA. O autor pesquisou o discurso da mídia por dez anos – 1988 a 1998 – e descreve criticamente como a imprensa mergulhou de cabeça na desconstrução da Constituição de 1988 e na implantação do projeto neoliberal no Brasil.

O “jornalismo de campanha” criticado por Emiliano José começa na Era Collor, assume a ideologia neoliberal, faz lobby por reformas antissociais, demoniza as empresas estatais, santifica as privatizações, constrói um contexto-catástrofe, defende o desmantelamento da Previdência, a extinção de direitos trabalhistas, o enterro do nacional-desenvolvimentismo, o primado do deus-mercado, o estado mínimo – a tal ponto que prevalece o pensamento único, inclusive com perversão da linguagem: antirreforma passa a ser reforma, privatizar é modernizar, estatizar é atraso, demitir é enxugar, Previdência é “terrível monstro”.

“Jornalismo de campanha e a Constituição de 1988”, editado pela Edufba em parceria com a Assembleia Legislativa da Bahia, tem prefácio do professor doutor Albino Rubim. Segundo ele, “Emiliano resgata criticamente a atuação perversa da imprensa, como agente de primeira hora e linha, no embate que fez prevalecer a ideologia neoliberal do Brasil, tomada como ideário imprescindível para a modernização e inserção do país no novo mundo globalizado”.

Ligações perigosas

A obra de Emiliano José guarda total coerência com outro estudo anterior, publicado em 1996 e fruto de sua tese de Mestrado, com o título “Imprensa e Poder – Ligações perigosas”, em que analisa a CPI do PC Farias, do Collor e do Orçamento.

Neste mesmo dia (28), Emiliano José lança também a 2ª edição de “Imprensa e Poder”. Nesta obra ele critica a complacência do jornalismo brasileiro e celebra o episódio de jornalismo investigativo que redundou no impeachment de Collor, com depoimentos de protagonistas como Clóvis Rossi, Bob Fernandes, Gilberto Dimenstein e do jornalista e marqueteiro João Santana.

Com relação ao jornalismo, Emiliano José é pessimista: “Não carrego ilusões (…) estamos em tempos de monopólio (…) na era dos Murdoch, Marinho, Berlusconi. São eles que dão o tom”. Isso dito em 1995. Agora, em 2011, ele reafirma: “A imprensa tem escolhas, tem lado, programa político. Apoiou FHC e combateu Lula. As oligarquias midiáticas não aceitam redistribuição de renda”.

Sem perder a esperança, Emiliano mantém a expectativa de mudanças no jornalismo, “que deve ter a ética do cidadão, não mentir, não inventar, não produzir matérias à base do 'teste de hipóteses'”.

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

"A disputa Folha X Falha não é pessoal"

Reproduzo artigo de Lino Bocchini, publicado no blog "Desculpe a nossa falha":

Poucas coisas irritam mais do que não conseguir falar com uma pessoa de verdade nos serviços telefônicos de operadoras de telefonia, internet, TV a cabo e afins. Entre jornalistas é comum até apelar para as assessorias de imprensa das companhias, tamanho o desespero por não conseguir falar com um gerente, supervisor, encarregado, qualquer um que resolva o problema. Quando começou a polêmica da censura da Folha contra a Falha, eu, meu irmão e metade da blogosfera brasileira ficamos falando sozinhos. Ninguém do lado de lá se manifestou. Um silêncio total na Barão de Limeira ignorou – e segue ignorando – a gritaria coletiva. Nenhuma surpresa, assim são as grandes corporações. Não têm rosto, nem voz. Restam gravações, atendentes mal pagos, impessoalidade.

Cansei de ouvir, de gente de dentro e de fora da Folha, que a decisão de nos processar “não tinha nada a ver com a redação”, e seria “do jurídico”. Mas quem são essas instâncias? Alguém trabalha lá, responde por aquilo, planeja suas ações. Quando você não consegue resolver o problema do seu celular ou da sua TV a cabo, a culpa não é do coitado do atendente nem do departamento X ou Y. A responsabilidade é de quem manda nessa turma toda e bolou esse sistema perverso, feito para que você não fale com quem decide. Aliás, feito pra que você sequer saiba quem decide.

Funciona exatamente assim no caso do processo da Folha. Não é o “departamento jurídico” que assina a ação de 88 páginas que ameaça a mim e a meu irmão. É a advogada Taís Gasparian, que tem nome, sobrenome, registro na OAB e que, na hora de ir para o México, como foi no ano passado, falar em nome da Folha na SIP, a Sociedade Interamericana de Prensa (entidade patronal que supostamente defende a liberdade de expressão) ela representa esse papel com orgulho. Então sinto muito, na hora de protocolar na Justiça um catatau contra uma blog nanico de paródia e pedir dinheiro em indenização para dois irmãos sem ligação com entidade alguma, vai ter que mostrar a cara também.

Quando em um evento sobre Liberdade de Imprensa na TV Cultura eu abordei o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, ele acabava de dar a quinta entrevista seguida em nome do jornal, falando sobre a sua preocupação pessoal - e da Folha - com o que ele acredita serem movimentos do governo contrários à liberdade de imprensa no Brasil. Justo que ele fale assim institucionalmente, afinal é dele o maior cargo da redação. Logo, é igualmente justo que ele represente a Folha também na hora de responder sobre um caso de censura que mobilizou até a Repórteres sem Fronteiras (maior organização do mundo em defesa da liberdade de expressão) e Julian Assange, criador do WikiLeaks, que condenou o jornal duramente, em entrevista ao Estadão.

O mesmo acontece com os irmãos Frias, Otávio e Luís, os dois principais nomes do Grupo Folha. Afinal, a empresa é deles. Otávio, que responde mais pelo lado editorial, infelizmente (ou felizmente) tem que ser cobrado também pelas decisões polêmicas de sua empresa. Da mesma forma que o dono da padaria que você vai todo dia tem que ser cobrado se te vender um requeijão vencido. Da mesma forma que o alto executivo de uma operadora de TV a cabo deveria ser cobrado pelas dores de cabeça que causa a você e a sua família.

Falo tudo isso porque gostaria sinceramente de deixar muito claro a todos que estão acompanhando essa disputa, mas principalmente às pessoas que trabalham na Folha, que não tenho nenhuma raiva pessoal de ninguém. A queda de braço não é contra o Otávio, o Sérgio, a Taís, a ombudsman Susana Singer ou a colunista Eliane Cantanhêde. É contra a empresa que eles representam. Dar nome aos bois, contudo, deixa as coisas mais claras, a conversa sai da zona de conforto. Cai o véu institucional que deixa tudo impessoal e as pessoas físicas acabam sendo obrigadas a tomar posição, o que acho bastante saudável.

Não quero e não vou – mesmo – ficar choramingando, mas confesso que não tem sido nada fácil. Tenho dezenas de amigos e conhecidos em comum com cada uma dessas pessoas. Já ouvi de muita gente nas últimas semanas que eu não deveria citar nominalmente ou brincar com fulano ou sicrana, porque ele(a) é “gente boa”, culto(a), tem bom papo, é bacana… acredito que talvez sejam mesmo.

(Abre parênteses: caso Folha X Falha à parte, não é estranho que sempre digam que o executivo Y é suuper gente boa, que a herdeira X é no fundo uma óótima pessoa e o figurão N é bacana dee verdade e, mesmo com todo mundo sendo tãão legal, o mundo esteja tão lascado? Fecha parênteses).

Trabalho há quase 20 anos como jornalista, já passei pela Abril, pelo próprio Grupo Folha, assessorias de imprensa pública e privada, e tantos outros lugares. Enfim, tenho quase 40 anos, uma carreira razoável e família pra sustentar. Não sou um “moleque”, como algumas vezes têm me chamado. Mas isso não me impede de ser bem-humorado e ter um pouco de ousadia – ainda bem.

Por fim, achei bom reforçar que, obviamente, ninguém é “bom” ou “mau”, isso é coisa de novela, de Hollywood. Só que não tem jeito. Não dá pra você assumir o principal cargo do maior jornal do país, por exemplo, e não querer que junto venha algum ônus. Não dá pra ficar dizendo que é tudo culpa “do jurídico” e jogar a questão no colo de departamentos e entidades abstratas, tirando o seu da reta. Essa história de corporações sem rosto não ajuda a ninguém, a não ser aos rostos que aparecem nas reuniões internas de final de ano na hora de partilhar os lucros que eles conseguiram em cima de você.

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Os crimes da Coca-Cola na Colômbia



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A militarização da Coca-Cola na Colômbia



Em 21 de dezembro passado, a Polícia Nacional da Colômbia invadiu violentamente as instalações de engarrafamento da Coca-Cola em Medellín. Utilizou tanques blindados, escudos e armas, e disparou gases químicos para intimidar os subcontratados que estavam em greve. A ocupação foi solicitada pela direção da multinacional. O conflito foi militarizado e os trabalhadores foram obrigados a suspender a greve e a aceitar o compromisso verbal da empresa de resolver o impasse.

Lideranças grevistas foram demitidas. Durante vários dias, a polícia permaneceu dentro da fábrica da Coca-Cola, 24 horas por dia, aterrorizando os trabalhadores. A estreita relação da multinacional com o governo entreguista da Colômbia não causa estranheza. Não é a primeira vez que a Polícia Nacional é acionada para reprimir, coagir e aterrorizar os trabalhadores que reclamam o respeito pelos seus direitos.

A Coca-Cola inclusive se jacta diante dos seus acionistas por usar o terror para obter maior lucratividade em seus negócios no país. A relação com as Forças Armadas é descarada. Nâo é para menos que a multinacional realizou a sua assembléia anual de acionistas, em fevereiro passado, no Forte Militar de Tolemaida (Centro Nacional de Treino Cenae), no município de Melgar Tolima. Tolemaida é uma das bases militares dos Estados Unidos na Colômbia.

Como afirma um documento do sindicato operário, "agora as instalações da Coca-Cola não são só fábricas de engarrafamento, mas também quartéis da polícia".…

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Folha, a crise militar e o Cabo Anselmo

Por Altamiro Borges

De repente, não mais que de repente, a famiglia Frias resolveu levar os militares, que patrocinaram golpe de 1964 e a sanguinária ditadura, ao banco dos réus. Logo ela que usou o jornal Folha para clamar pelo golpe, que cedeu suas peruas para o transporte de presos políticos à tortura e que se aliou ao setor “linha dura” dos generais. Logo ela que, no início de 2009, gerou atos de protesto ao qualificar a ditadura de “ditabranda”. Logo ela que fez coro com a direita das Forças Armadas e com outros setores fascistóides da sociedade contra o Plano Nacional de Direitos Humanos, satanizando o ex-ministro Paulo Vanucchi.

Assange, Carriles e o mundo de ponta cabeça

Reproduzo artigo de Iroel Sánchez, publicado no sítio Cuba Debate:

Muitas vezes escutamos dizer que a “justiça é cega”. O início de 2011 oferece a oportunidade comprovarmos. Simultaneamente, ocorrem dois processos judiciais: o do australiano Julian Assange e o do cubano-venezuelano Luis Posada Carriles. Em ambos os casos, as pressões políticas levaram ao paroxismo a cegueira dos encarregados de fazer justiça.

Em 11 de janeiro começará em El Paso, Texas, o julgamento de Posada Carriles, considerado por muitos como o maior terrorista do hemisfério ocidental. Posada, após inúmeros adiamentos e postergações, será julgado. Não por ser o autor intelectual da explosão, em pleno vôo, de um avião de passageiros, nem por ter contratado o executor dos atentados com bomba em hotéis cubanos que custaram a vida de um turista italiano, e sim por mentir sob juramento. Aproximadamente na mesma hora, em Londres, em uma corte conhecida por tratar delitos de terrorismo, terá lugar a próxima audiência contra o líder de Wikileaks, Julian Assange – que alguns analistas qualificam de estranhas acusações de “agressão sexual”.

Sobre os atos criminosos de Posada Carriles estão em mãos das autoridades norte-americanas milhares de documentos e testemunhos comprobatórios, incluindo as próprias declarações do ex-agente da CIA ao jornal The New York Times, em que se jacta de seus crimes. Contra Assange, perante um tribunal londrino, um julgamento com base em uma história bizarra sobre ciúmes e seduções contada pelas acusadoras suecas.

Em síntese: um terrorista confesso está sendo julgado por ter mentido e quem trouxe à luz verdades incômodas sobre os atos terroristas cometidos pelos amigos norte-americanos de Posada Carriles é tratado como terrorista. No entanto, a partir das antípodas, existe um ponto onde as histórias se tocam, além do calendário e da cegueira da justiça: a principal acusadora contra Assange e Posada Carriles têm amigos comuns em Cuba. Anna Ardin esteve na Ilha, trabalhando com as chamadas Damas de Branco – este grupo reconheceu que estava sendo financiado pelos advogados de Posada (ele assistiu em Miami as manifestações em seu apoio).

A imprensa, que tão atentamente seguiu o processo contra Assange, tem um bom motivo para investigar o que os tribunais não querem saber. Mas, ao que parece, não é a justiça a única cega nesta história que entrará nos anais do mundo de ponta cabeça.

* Tradução de Sandra Luiz Alves

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O jornalismo neocon e a militância virtual

Reproduzo artigo de Maurício Caleiro, publicado no blog Cinema & Outras Artes:

Muito já foi dito sobre as razões que levaram as grandes corporações jornalísticas à aderência ao chamado jornalismo neocon, denominação do estilo agressivo e marcadamente conservador que se difundiu inicialmente nos EUA - de radialistas populares para a Fox News - e que, no Brasil, ganhou abrigo nas páginas da outrora prestigiada revista Veja.

Resumidamente, mudanças e pressões econômicas, tecnológicas, políticas e ideológicas fizeram com que elas passassem a abrigar em suas redações e estúdios adeptos desse jornalismo malcriado e raso em informação histórica. Ainda que seu alvo principal sejam certos estratos sócio-econômicos, setores do público jovem têm sido muito receptivos a tal "estilo".


A consciência no tempo

A brilhante jornalista que é Maria Inês Nassif teceu as seguintes considerações, em artigo recente, do qual vale a pena ler também os emocionados comentários:

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“Há quase 47 anos o Brasil iniciava seu último período ditatorial. Faz 25 anos que acabou o último governo militar. 21 anos nos separam da primeira eleição direta para presidente; e há 20 anos se promulgava a nova Constituição brasileira.

Uma geração que já é adulta nasceu na democracia e sequer tem lembranças do período negro da ditadura. Essa geração não tem a dimensão do que é, para a história do país, o fato de uma mulher que foi presa política assumir a presidência da República. Isso é história em seu estado puro”.


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Não é frequente que prestemos atenção a tais efeitos exercidos pela passagem do tempo na consciência política. Tal gap generacional, convém reforçar, faz com que um jovem que esteja ingressando na universidade hoje – aos 18, 19 anos – sequer tenha acompanhado o governo Fernando Henrique Cardoso, já que era uma criança com cerca de 10 anos quando ele terminou.

Essa amnésia histórica ajuda a explicar o porquê de um número relativamente expressivo de jovens se deixar seduzir pelo canto de sereia neocon.

Insegurança e catarse

Em primeiro lugar, porque, para essa geração, o governo Lula - e agora Dilma - constitui o poder, e é da natureza da juventude contestar o poder vigente, com razão ou não, seja ele qual for.

Em segundo, porque o jornalismo neocon brasileiro, de criaturas como Reinaldo Azevedo, Mainardi e Augusto Nunes, ao abrir mão da argumentação criteriosa, balanceada, em prol da agressividade e do ataque desqualificador, oferece uma experiência catártica que tende a seduzir particularmente a ainda revoltados e inseguros pós-adolescentes, os quais tendem a mimetizá-la. Há, muitas vezes, algo de afirmação pessoal e de recalque exorcisado nessa identificação.

Neoudenismo

Convém considerar, ainda, a questão da penetrabilidade do discurso moralista, uma arma histórica do conservadorismo brasileiro, popularizada pela UDN nos anos 40/50 e retomada pelo demotucanato com o auxílio da mídia amiga.

O alcance de tal discurso extrapola, evidentemente, o público jovem, já que a corrupção é – sempre foi - um problema grave e real no Brasil. Daí a afirmar que o governo Lula tenha sido o mais corrupto da história – como fazem os neocons – trata-se de uma generalização que, como debateremos em breve em outro post, não se sustenta minimamente e sublinha, uma vez mais, a falta de compromisso com a verdade e de conhecimento histórico por parte de tais jornalistas.

Por fim, é necessário reconhecer que o jornalismo neocon, com sua leviandade cafajeste e irresponsável, encontrou nas redes sociais um terreno prolífico, como o demonstra de forma cabal o caso dos jovens que clamaram (e ainda clamam), em tom de brincadeira ou não, pelo assassinato da presidenta eleita Dilma Rousseff.

Militância virtual

Até recentemente, a blogosfera, a despeito de sua diversidade, constituiu-se, majoritariamente, como um foco de resistência contra uma mídia partidarizada, agregando desde a esquerda anti-Lula até os que, sem cor político-ideológica, mostravam-se indignados pela perda de parâmetros da imprensa brasileira - além de simpatizantes do lulopetismo, é claro.

Com o incremento e acelerada difusão de novas redes sociais – o Twitter, notadamente – houve um processo de fragmentação e de “tribalização”, e ainda que os setores anti-conservadores tenham se fortalecido, a irrupção de uma militância neocon, açulada pela campanha suja e sem escrúpulos de José Serra, também assoma à cena, trazendo em seu bojo a intolerância, o racismo, o ódio de classe e, mais grave, a sem-cerimônia em divulgar ideias golpistas.

Ela representa a grande ameaça a ser combatida, o grande desafio: desarmar espíritos e trazer o debate político de volta ao âmbito das soluções democráticas e do diálogo civilizado.

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O alcance limitado do aperto cambial

Reproduzo artigo de Umberto Martins, publicado no sítio Vermelho:

O Banco Central (BC) aplicará um depósito compulsório equivalente a 60% da chamada posição vendida dos bancos em dólar que superarem US$ 3 bilhões ou o valor patrimonial da instituição. O objetivo é reduzir as apostas especulativas do “mercado” na queda do dólar e conter a valorização do real, que parece estar provocando um processo de desindustrialização da economia brasileira. O dólar fechou o dia em alta, mas os efeitos da medida anunciada nesta 5ª feira (6) devem ser limitados.

O compulsório em questão não será remunerado, mas os bancos têm prazo de 90 dias para se adaptar à nova regra, que vale a partir de 4 de abril. O diretor de política monetária do BC, Aldo Mendes, informou que a posição vendida dos bancos chegou a US$ 16,8 bilhões de dólares no final de 2010, refletindo a expectativa de uma valorização ainda maior do real ao longo de 2011.

Especulação

No jargão do mercado financeiro, a posição vendida equivale a um compromisso de entrega futura de dólar ou pagamento da variação cambial aos investidores. Traduz a especulação do sistema financeiro com a valorização do real, que é considerado por muitos analistas como uma das causas da queda do dólar no país. O valor da moeda estadunidense caiu mais de 50% ao longo dos últimos oito anos (período em que o real registra uma valorização de 108%), o que tem um impacto fortemente negativo na indústria e desperta preocupações no governo.

O governo espera reduzir a especulação com o câmbio, o que pode contribuir para reduzir a valorização do real. Mas é pouco provável que o problema seja definitivamente resolvido, de forma que novas medidas do gênero poderão ser anunciadas no futuro. Afinal, a posição vendida dos bancos não é a única nem a principal causa da queda do dólar.

Redução dos juros

O fato de o Brasil praticar, ainda hoje, as maiores taxas de juros reais do mundo também é apontado como uma das causas da apreciação do real, pois estimula o ingresso de dólares provenientes de países onde as taxas de juros estão em torno de zero ou são negativas para aplicação em títulos que remuneram pela Selic (taxa básica de juros, fixada em 10,75%).

A redução da Selic é uma medida considerada essencial para conter a valorização do real. Todavia, a orientação da política monetária, pelo menos a que predominou com Meirelles, segue na direção contrária a esta recomendação, feita por inúmeros especialistas e reclamada pelos empresários do setor produtivo, sindicalistas e políticos de orientação progressista.

As pressões do mercado financeiro também são por uma nova alta da taxa básica de juros e, hoje, esta parece ser a tendência que vai prevalecer na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando, ao que tudo indica, teremos uma nova elevação da Selic justificada pela tendência de aceleração da inflação. Se isto vier a ocorrer será um novo estímulo à valorização do real.

Principal causa

O problema também não se resume aos juros altos. A apreciação do real não se explica apenas por fatores internos. Reflete em larga medida a desvalorização do dólar em todo o mundo, fenômeno que resulta dos desequilíbrios da economia norte-americana (déficits público, comercial e em conta corrente), acentuados na presente crise pela política monetária definida pelo Federal Reserve (FED, banco central dos EUA).

O FED derramou trilhões de dólares na economia para comprar títulos podres dos bancos e papéis da Casa Branca que aparentemente já não atraem como antes o apetite de investidores institucionais (bancos centrais) de países superavitários como China e Rússia. O diabo é que o dinheiro de Tio Sam não circula apenas no interior dos EUA.

Uma vez que o dólar é uma moeda internacional e o capital corre sempre atrás do lucro máximo, que hoje pode ser colhido nos países dito emergentes (que voltaram a crescer, puxados pela China, enquanto EUA, UE e Japão patinam na estagnação), as moedas emitidas pelo FED estão fluindo para o exterior, sendo esta certamente a principal causa do declínio do dólar, da inflação mundial e da chamada guerra cambial.

“No fundo”, como ensina Josefh Stiglitz, “nos mercados financeiros globalizados, o dinheiro procura as melhores perspectivas em todo o mundo e essas perspectivas estão na Ásia [e nos emergentes, incluindo Brasil], não estão nos EUA. Assim, o dinheiro não vai para onde é necessário [ou seja, não estimula a recuperação dos investimentos e emprego] e uma grande parte será canalizada para onde não é desejado - causando mais aumentos nos preços dos ativos e das mercadorias [em outras palavras, inflação], nomeadamente nos mercados emergentes.”

Dogma neoliberal

Diante do privilégio que o império goza de pagar dívidas e promover investimentos, preferencialmente especulativos, sem realizar maior esforço do que a emissão de papel-moeda é natural que outras economias nacionais adotem medidas para preservar a competitividade de suas exportações e contornar o perigo da desindustrialização. Ainda que isto gere um conflito de divisas e desperte o fantasma da guerra comercial, que pode se transformar (como no século passado) em confrontos políticos e militares catastróficos.

Quem melhor se previne neste sentido é a China, ao lado de outros países que não adotam o chamado câmbio flutuante. Os chineses mantêm a cotação do iune sob estrito controle e, sem abrir mão desta orientação a despeito da pressão externa, consideram a política cambial uma questão de soberania. O Brasil protegeria melhor sua indústria e garantiria maior estabilidade cambial se seguisse o exemplo da próspera nação asiática neste terreno.

Mas por aqui o dogma do câmbio flutuante, herança neoliberal de FHC, imposta pelo FMI e consolidada na famosa carta aos banqueiros, digo aos brasileiros, parece ter fincado profundas raízes. Daí a insistência em medidas paliativas, ontem a taxação (via IOF) das aplicações estrangeiras em títulos de renda fixa, hoje o compulsório sobre as posições vendidas dos bancos. Podemos e creio até que devemos torcer para que dê certo, mas o bom senso indica que é hora de mudar a política macroeconômica para o câmbio, os juros e o orçamento.

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O jogo conhecido do PMDB

Reproduzo artigo de Maria Inês Nassif, publicado no jornal Valor Econômico:

Em abril de 1995, no começo do segundo mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, o PMDB na Câmara, que era da base governista, impôs uma derrota ao governo na votação do projeto de reajuste do salário mínimo. O então líder do partido na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), esclareceu as razões do mau humor: “A bancada está nervosa por causa do imobilismo e da inoperância do governo e os cargos [nomeação de pemedebistas para o governo] entram nisso. O governo só responde “não” a qualquer pleito”.

Em 2007, já aliado a Lula, o PMDB, desta vez no Senado, encenou uma nova “rebelião”: 12 senadores do PMDB, que Wellington Salgado (MG) designou de “franciscanos”, votaram contra a MP que criava a Secretaria Especial de Projetos de Longo Prazo, cujo ministro seria Mangabeira Unger. “Os franciscanos não querem um sapato de couro alemão, querem só um chinelinho novo”, disse Salgado, ao reclamar que o governo só dava atenção aos “cardeais” do partido. O baixo clero do Senado ganhou a atenção pedida. Mais tarde, ajudou a derrubar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), contra os interesses do governo.

Ter o PMDB na base de apoio não é garantia de nada para nenhum governo, desde José Sarney (1985-1989). Mas a estratégia do partido para ganhar espaço de poder é tão previsível que mesmo os menos atentos à política conhecem os sinais. O uso do aumento do salário mínimo como chantagem é da tradição pemedebista. A vinculação dos benefícios de aposentadoria e pensões ao salário mínimo torna qualquer aumento não previsto no Orçamento uma bomba de efeito retardado para a política fiscal de qualquer governo. Mas, da mesma forma, um partido como o PMDB, que tem 1.175 prefeitos em todo o Brasil, também coloca em risco seu patrimônio político, já que as prefeituras sofrem um forte impacto nas suas folhas de pagamento com o aumento do piso salarial. A outra ação previsível é a de retaliar os governos dos quais faz parte com o apoio a candidatos não oficiais à mesa da Câmara.

Se o PMDB é altamente previsível em suas ações de chantagem, existe também uma dose de imprevisibilidade no futuro do partido, que parece não fazer parte dos cálculos de seus líderes. Nem o PMDB é imutável. Alguns dados novos tendem a relativizar as manobras tradicionais de chantagem pemedebista sobre o governo Dilma Rousseff.

Oferta de apoio pode ser maior do que a demanda do governo

O primeiro dado, visível, é que, embora o grande líder da bancada de deputados, Michel Temer, tenha se tornado o vice, o novo governo claramente preferiu privilegiar o grupo de José Sarney, o maior líder no Senado. Sarney é tido como um aliado mais fácil. E na Câmara, o grupo que dominou o partido desde os governos de FHC sofreu baixas importantes nessa legislatura.

A mais importante delas é a do próprio Michel Temer, que nos últimos quatro governos foi parte da estrutura de poder da Câmara e do partido. Foi na posição de presidente da Câmara e de presidente do PMDB que conseguiu manter o grupo de deputados a ele ligados como os principais beneficiários das alianças pemedebistas com os governos do momento. Michel Temer (SP), Wellington Moreira Franco (RJ), Carlos Eduardo Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Eliseu Padilha (RS) dominaram a bancada na Câmara nos governos de FHC. Também teve grande poder o deputado Eduardo Cunha (RJ), embora atue em faixa própria. No último governo Lula, a aliança com o PMDB na Câmara para compor a base governista levou Wellington Moreira Franco, então sem mandato parlamentar, a uma das diretorias da Caixa Econômica Federal. Geddel tornou-se o ministro da Integração Regional. Eliseu Padilha manteve uma postura quase que dissidente em relação ao governo, embora isso não tenha abalado a lealdade interna do grupo.

Internamente, a coesão do grupo se dava pela oposição ao grupo de Orestes Quércia, oposicionista nos governos de FHC, governista no primeiro mandato de Lula e oposicionista novamente no segundo mandato do presidente petista. No jogo de poder partidário, o grupo de Temer, estrategicamente colocado na Câmara, polarizava com o seu rival regional. Na disputa local, o PMDB paulista perdeu substância. Hoje, não é quase nada e as negociações para a adesão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) já são feitas sobre o reduzido espólio político deixado por Quércia, morto no fim do ano passado.

Na disputa nacional, a arte de lidar com o baixo clero deu ao grupo de Temer a hegemonia na Câmara, que acabou se estendendo à máquina partidária. Temer é considerado, hoje, como o dirigente pemedebista que mais obteve coesão partidária depois de Ulysses Guimarães, que dirigiu o partido durante a ditadura e no governo Sarney. Não foi à toa que se fez o vice.

Embora o grupo de Temer continue jogando em conjunto o jogo “um apoia, outro ameaça” e mantenha a capacidade de cooptar o baixo clero do partido, está desfalcado na Câmara – Temer é o vice, Geddel disputou o governo da Bahia e ficou sem mandato, Moreira Franco foi para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, que não mobiliza grandes verbas e Cunha continua atuando em faixa própria. Outro inconveniente para o grupo hegemônico na Câmara é que o partido perdeu deputados, enquanto pequenos partidos de esquerda reforçaram suas bancadas. A lógica da traição tende a contar contra o PMDB, ao contrário do que acontecia no passado. Em assuntos corriqueiros, o governo Dilma pode prescindir da unidade pemedebista e das chantagens públicas e privadas do grupo. No Senado, a redução da oposição também confere menos poder de chantagem à bancada.

Não é o fim do PMDB. O partido prospera quando é governo, da mesma forma que o ex-PFL definhou na ausência dele. Mas a conjuntura tende a exigir nova visão do que é lealdade. Até porque a derrota, por três eleições presidenciais seguidas, torna políticos dos partidos oposicionistas mais importantes, PSDB e DEM, altamente sensíveis à cooptação. A oferta de apoio ao governo Dilma pode se tornar maior do que a demanda.

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Inflação: a mesma desculpa de sempre!

Reproduzo artigo de Paulo Kliass, publicado no sítio Carta Maior:

Nos próximos dias 18 e 19 de janeiro reúne-se a diretoria do Banco Central, sob a presidência de Alexandre Tombini, para realizar o primeiro encontro do Comitê de Política Monetária (COPOM) no mandato da Presidenta Dilma. Como ocorre em todo evento a cada 45 dias, figura em pauta a definição da taxa oficial de juros - a SELIC, atualmente no patamar de 10,75% ao ano.

O mercado financeiro está em plena agitação, como sempre. Mas as apostas agora ganham em expectativa, uma vez que existe uma incerteza generalizada quanto à capacidade de Dilma Roussef manter seu compromisso à época da campanha eleitoral de reduzir a taxa de juros vigente em nosso País e trazê-la para níveis mais, digamos assim, “civilizados”... Ou seja, os desejos pesados do capital financeiro se manifestam por meio da divulgação de consultas e relatórios de empresas e indivíduos que têm interesse na continuidade dessa política monetária irracional e irresponsável. Para um leitor desatento das páginas de economia dos grandes meio de comunicação, aparece como um consenso generalizado a “necessidade inescapável” de, mais uma vez, aumentar a taxa oficial de juros.

O argumento evocado pelos agentes que operam no mercado financeiro é o de sempre: os riscos apresentados pelas informações disponíveis a respeito da economia de que a meta de inflação anual escape do controle governamental. Não custa aqui recordar alguns elementos básicos para compreender a essência de tal raciocínio. O regime atual de estabilidade macroeconômica pressupõe a existência de uma meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) . Hoje em dia ela está fixada em 4,5% ao ano, com uma margem de tolerância de 2% para cima ou para baixo. Ou seja, enquanto a inflação estiver situada entre 2,5% e 6,5% ao ano, a situação estaria dentro do intervalo esperado. Assim, caso haja uma tendência de elevação dos preços superior a tal meta anual, a solução usada até o momento tem sido, fundamentalmente, a de aumentar a taxa SELIC, de forma a promover uma elevação generalizada dos juros na economia e se obter como resultado uma redução no volume de consumo agregado, do conjunto da sociedade.

Mas afinal, por que tanta preocupação assim com a inflação, poderão perguntar alguns? Pois é, a coisa é mais complicada do que aparenta. Vamos aos poucos. De acordo com os dados preliminares do Censo 2010, a nossa pirâmide populacional apresenta por volta de 26% de pessoas com até 16 anos de idade. Isso significa dizer que 50 milhões de brasileiros, do total de 191 milhões, nasceram após 1994. A conclusão é que aproximadamente 1 em cada 4 brasileiros nasceu após o advento do Plano Real. Trata-se de uma parcela importante de nossa gente, para quem a normalidade cultural e comportamental inclui o sentido de viver em um ambiente social e econômico de preços estáveis. Para essa geração, inflação baixa e sob controle é o padrão. Porém, são crianças e jovens adolescentes, a grande maioria deles ainda dependentes dos pais e da família para efeito de assegurar a renda para a sobrevivência e o consumo.

Já os demais 141 milhões de indivíduos experimentaram, de uma forma ou outra, os períodos anteriores ao Plano Real e sentiram em sua própria pele os efeitos perversos de viver em um ambiente de preços em constante elevação acelerada e mesmo de hiperinflação. A história é longa e tortuosa – fiquemos nas últimas 5 décadas. Depois do golpe militar de 1964, a reforma monetária de 1967, com a perda de 3 zeros do “cruzeiro” da época e a criação da nova moeda - o “cruzeiro novo” ( na verdade, as cédulas antigas ganharam um carimbo com o novo valor e novo nome). Logo após, em 1970 o “cruzeiro novo” ganha cédula nova e vira simplesmente “cruzeiro”. Em 1986, após 16 anos de inflação elevada e perda do valor da moeda, o Plano Cruzado cria a moeda de mesmo nome – o “cruzeiro” perdia 3 zeros e cada 1.000 “cruzeiros” passavam a valer 1 “cruzado”. Em 1989, nova reforma monetária e cada 1.000 unidades do recente “cruzado” passavam a valer 1 ”cruzado novo”, nova moeda criada naquele momento. Pouco mais de um ano depois, no início de 1990, com o Plano Collor, a reforma monetária reintroduz o nome “cruzeiro” para a nossa moeda, sem perdas de zeros. E em agosto de 1993, o então recente “cruzeiro” vê-se transformado em “cruzeiro real”, para logo em seguida efetivar-se a transformação no nosso atual “real” por meio das tabelas de conversão da Unidade Real de Valor (URV). Ufa!

Ora, é mais do que compreensível o receio da maioria da população com relação a eventual volta aos cenários pré 1994. Quem viveu sob a égide do crescimento diário dos preços e sofreu as conseqüências de tal processo reconhece a importância do ambiente de estabilidade de preços.

Principalmente, aqueles que vivem de remuneração de seu próprio trabalho ou de aposentadoria e têm menor capacidade de se proteger da perda contínua do valor monetário do dinheiro guardado fora da esfera financeira.

Apenas a título de comparação: entre 1995 e 2010, a média da inflação oficial (IPCA) foi de 7,6% ao ano. No período mais recente, entre 2003 e 2010, a média anual caiu para 5,7%. Porém, nos 4 meses que antecederam o Plano Collor (dez/89 a mar/90), a inflação acumulada superou a marca de 700%. Apenas nos 31 dias daquele março ela foi de 82%. Já nos 12 meses que antecederam ao Plano Real, a inflação acumulada foi superior a 5.000%. Realmente, a diferença para os tempos atuais é enorme e significativa!

Por mais contraditório que possa parecer, o fenômeno da inflação é carregado de forte abstração. Ou melhor, encerra em si mesmo uma contradição: o elemento real/concreto, ao mesmo tempo em que explicita um aspecto ideal/abstrato. O concreto refere-se ao efeito gerado pelo crescimento dos preços em si mesmo, à capacidade de transformar o montante da moeda em mercadoria, ao volume das compras que podem ser efetuadas a cada momento com aqueles recursos. É a sensação bem objetiva que a sabedoria popular denomina como “sentir no próprio bolso” as conseqüências da inflação. É palpável, é real. Os preços do pão, do leite, do ônibus, da gasolina, da batata, do tomate, do telefone, da televisão, do aluguel sobem. Tudo aumenta de preço. E, mais uma vez, a sabedoria popular explica melhor com a imagem da “falta de salário no final do mês”.

No entanto, a inflação é também sintetizada por um número, por um índice. E tal movimento implica um elevado grau de abstração. Na verdade, busca-se a síntese de um fenômeno generalizado de elevação de preços no conjunto da economia para algo que se expressa sob a forma de um x % ao ano, de um y % ao mês e, às vezes, até mesmo de um z % ao dia. E aqui reside um aspecto essencial: esse de conglomerar, adensar num único número um fenômeno carregado de significados que tangenciam o econômico, o social, o cultural.

O fato é que cada indivíduo, cada família ou cada empresa apresenta um padrão de consumo diferenciado. E isso também varia de acordo com as características regionais (a cesta de consumo de uma família no Sul ou no Nordeste), com as características de renda (padrão de consumo da chamada classe A versus a classe C, por exemplo), com o tipo de empresa considerada (compradora de matérias-primas, mais intensiva em capital ou trabalho, etc). E a lista das diferenças é praticamente inesgotável: moradia própria ou pagamento aluguel; veículo próprio ou uso de transporte público; família morando em ambiente urbano ou rural; consumo nas regiões metropolitanas das capitais ou em pequenos municípios do interior; matrícula dos filhos em escola pública ou privada; uso de serviços de saúde do SUS ou pagamento de plano de saúde privado; etc, etc, etc.

Assim, quando se depara com o número “oficial” da inflação do período, cada agente econômico vai se sentir mais ou menos identificado com aquela referência. Exatamente por ser uma média, tal índice opera como se fosse uma abstração. Para tentar mapear o comportamento de forma mais específica e detalhada, aos poucos foi sendo desenvolvido um conjunto amplo de indicadores que buscam dar conta de tal diversidade de situações. E quem se atrever a correr atrás vai se deparar com uma verdadeira sopa de letrinhas, tanto para as siglas dos índices (em geral começam com a letra “I”...) como para as instituições que os elaboram. Alguns exemplos:

INPC (IBGE) – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (1 a 6 salários mínimos)
IPC (FIPE/USP) – Índice de Preços ao Consumidor – município de São Paulo
IPC (FGV) – Índice de Preços ao Consumidor
IPC - S ( FGV) – Índice de Preços ao Consumidor - semanal
IPCA (IBGE) – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (1 a 40 salários mínimos)
IPCA – 15 (IBGE) - Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (entre dias 15 de cada mês)
IGP - DI (FGV) – Índice Geral de Preços - disponibilidade interna
IGP - M ( FGV) - Índice Geral de Preços - mercado
ICV - SP (DIEESE) – Índice de Custo de Vida – município de São Paulo.
INCC (FGV) – Índice Nacional da Construção Civil
IPA (FGV) - Índice de Preços por Atacado
IPA - M (FGV) - Índice de Preços por Atacado - mercado

Como a apuração de cada índice resulta em um número diferente para a inflação do período, dependendo do indicador utilizado há perdas ou ganhos relativos. É conhecido o fato dos contratos das prestadoras de serviços públicos pós privatização terem sido reajustados pelo IGP-M, que apurava índices mais elevados do que a inflação oficial e dos reajustes salariais. Resultado: transferência de renda da maioria da população para um grupo restrito de empresas privadas.

Uma sofisticação importante foi a elaboração dos índices que incorporam os produtos importados e a pesquisa dos preços no atacado. Assim, por exemplo, pode-se avaliar se a inflação em um certo momento tem determinantes externos importantes, como a alta no preço do petróleo, do minério de ferro, da soja e outras bens chamados “commodities” no mercado internacional, sobre os quais a demanda brasileira não tem nenhuma capacidade de atuar – a não ser por meio da taxa de câmbio. Ou então, pode-se captar alguma tendência de elevação futura quando os preços no atacado apresentam alta. Isso significa que os insumos serão processados ou os estoques vendidos já num patamar de preços mais elevado, quando chegarem na ponta para o consumidor final.

E as diferenças continuam: a FGV divulgou que o IGP-DI para 2010 ficou em 11,3%. Mas a o IBGE informou que a inflação medida pelo IPCA para o mesmo período ficou em 5,9%. Por um lado, mais perdas para quem vive da remuneração de seu trabalho. Por outro, maior pressão do mundo financeiro sobre o governo para aumentar a taxa de juros na reunião do COPOM.

E termino com a pergunta que não quer calar: mas afinal, no frigir dos ovos, qual foi mesmo a inflação do Brasil ao longo do ano passado?

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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Os retrocessos na reforma agrária

Reproduzo importante documento da Comissão Pastoral da Terra (CPT):

A Comissão Pastoral da Terra – Nordeste II faz uma análise da conjuntura política e avaliação dos avanços, desafios e impasses da reforma agrária em 2010, ano em que se encerra a chamada “Era Lula”.

Ao fim de mais um ano, que representa o encerramento de dois mandatos do presidente Lula, os desafios e impasses históricos da reforma agrária no Brasil não foram superados. Em 2010, vimos a redução de 44% do número de famílias assentadas, com relação ao ano passado, além da redução de 72% no número de hectares destinados à reforma agrária.

O Incra tornou-se ainda mais ineficaz com o seu orçamento reduzido em quase a metade em relação a 2009. Os números deste último ano da Era Lula explicitam: a reforma agrária não foi uma prioridade para o governo federal. A reforma agrária que deveria ser assimilada enquanto um Projeto de nação e de desenvolvimento sustentável, transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das reais demandas dos homens e mulheres do campo.

Balanço de 2010

2010, que encerra a chamada Era Lula, foi o pior ano para a reforma agrária brasileira nos últimos oito anos. A realidade é que a promessa do presidente Lula de fazer a reforma agrária com uma canetada não foi cumprida.

A situação dos camponeses e trabalhadores rurais é bastante grave! O campo exige mudanças a favor da cidadania, do desenvolvimento sustentável, contra a concentração de terra e contra o fortalecimento do já poderoso agronegócio brasileiro!

Em 2010, houve uma redução das famílias assentadas em 44% com relação ao ano passado, o qual já foi bastante insuficiente diante das promessas e dos deveres de um governo de fazer a reforma agrária e, sobretudo, diante das necessidades das famílias camponesas.

Também ocorreu neste ano uma drástica redução de 72% no número de hectares destinados à reforma agrária, conforme os números divulgados pelo próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Não é exagero afirmar que em 2010 houve uma intensa estagnação no processo de reforma agrária em todo o país.

De fato, o orçamento do Incra foi reduzido em quase a metade em relação ao ano passado. Esse profundo corte dos recursos confirma que a reforma agrária não foi uma prioridade para o governo federal. O quadro se agravou ainda mais porque, além do corte, o orçamento destinado para a reforma agrária neste ano se encerrou no mês de junho e o governo nada fez para evitar que o Congresso Nacional vetasse a suplementação orçamentária. O dinheiro que já era pouco, faltou por quase um semestre.

A reforma agrária, como um conjunto de medidas estratégicas para enfrentar a concentração da propriedade da terra e para promover um desenvolvimento sustentável e igualitário no campo, transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das próprias promessas do II Plano Nacional de Reforma Agrária.

É lamentável que o Governo Lula, nestes oito anos, tenha relegado esta pauta à periferia das políticas públicas e tenha consumado uma surpreendente opção preferencial pelo agronegócio e pelo latifúndio.

A histórica disputa no Brasil entre dois projetos para o campo brasileiro está sendo desequilibrada em favor dos poderosos de sempre. De um lado, se favorece com recursos públicos abundantes o agronegócio agroexportador e destruidor do planeta. De outro lado, praticamente se relega a um plano inferior a agricultura familiar e camponesa que é responsável pela produção dos alimentos, do abastecimento do mercado interno e pelo emprego de mais de 85% da mão-de-obra do campo, segundo o último Censo agropecuário de 2006.

Com a expansão do setor sulcroalcooleiro e maior investimento governamental para a produção de etanol, os números de trabalhadores encontrados em situação de escravidão subiram significativamente. Na era FHC, cerca de cinco mil trabalhadores e trabalhadoras foram libertados do trabalho escravo no campo. Na Era Lula esse número sobe drasticamente para 32 mil.

Atribuímos este aumento a uma maior atuação do Grupo Móvel de combate ao Trabalho Escravo, pressionado por uma maior mobilização social em torno do tema, criações de campanhas, denúncias nacionais e internacionais (OIT), visibilidade na imprensa, a criação da lista suja, além de outros mecanismos jurídicos como a alteração da definição penal do crime de Trabalho Escravo (TE), no art. 149.

No caso dos territórios quilombolas a situação é a mesma. Com efeito, não houve vontade política em demarcar os territórios quilombolas, além de o Incra não dispor de pessoal capacitado e de estrutura para promover o procedimento de titulação e de elaboração de relatórios técnicos, mantendo-se inerte diante dessa dívida histórica com o povo dos quilombos, remanescente ainda sofrido da odiosa escravidão.

Como resultado disso, são insignificantes os dados divulgados pelo Instituto, que revelam que o Governo Lula chega ao seu último ano emitindo apenas 11 títulos às comunidades quilombolas. Número bastante irrisório diante da demanda de mais de 3.000 comunidades em 24 estados brasileiros.

Também nessa questão, o agronegócio tem exercido pressões contrárias à titulação das terras e, infelizmente, o governo tem sido mais sensível a essas pressões e interesses do que ao seu dever maior de fazer justiça às comunidades quilombolas. Setores políticos ligados ao agronegócio articularam uma instrução normativa que não mais respeita o direito de autoidentificação, conforme preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto 4887/03.

A postura do governo federal foi ainda mais lamentável quando a Casa Civil passou a reter todos os processos de regularização territorial dessas comunidades, embora o Supremo Tribunal Federal tenha negado o pedido liminar do DEM na ADIN que pretende julgar inconstitucional o decreto que regulamenta a matéria.

Na reforma agrária, como nos remanescentes dos quilombos, lamentavelmente, o governo Lula manteve o passivo de conflitos de terra recebido do governo anterior. A atual política econômica é uma aliada das empresas transnacionais, mineradoras e do agronegócio e, assim, penaliza cada vez mais a agricultura familiar e camponesa.

Embora as ocupações de terra tenham diminuído em alguns Estados nos últimos anos, em especial em 2010, o número de famílias envolvidas na luta pela terra na Era Lula, não é tão distante do da Era FHC (570 mil famílias, 3.880 ocupações). Os dados do governo Lula, relativos aos dois mandatos, ainda não foram fechados, mas estimativas indicam a participação de cerca de 480 mil famílias em 3.621 ocupações de terra ao longo desse período (dados do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária - NERA).

No Sertão Nordestino também são visíveis os efeitos perversos desse abandono de prioridade das políticas públicas. Tem se intensificado o crescimento do agronegócio e da mineração, com o decisivo apoio dos governos federal e estaduais, através de ações e de recursos públicos. É o que vem ocorrendo na região do Vale do Açu e na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, no alto sertão paraibano e no sertão pernambucano. Todos são projetos de mineração, de fruticultura irrigada, com uso intensivo de agrotóxicos, com a degradação do meio ambiente e, sobretudo, com a irrigação custeada por recursos públicos para atender prioritariamente às grandes empresas e não aos pequenos produtores.

Em todos esses grandes Projetos, os resultados imediatos na geração de empregos e de investimentos mascaram um futuro nada sustentável, com a geração de danos à saúde das pessoas e ao meio ambiente, bem como com a intensificação da concentração de renda e de terras, com graves impactos nas populações tradicionais.

Com esses moldes e parâmetros, o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, que o governo tanto divulga e festeja, é mais um Projeto que só vai beneficiar o agro-hidronegócio e que trará impactos negativos para as comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Na região de Curumataú e Seridó paraibano, a exploração das atividades de mineração só fez aumentar a grilagem de terras e a expulsão das famílias que há décadas moram e plantam na área.

Na Zona da Mata pernambucana, o governo federal não questionou o domínio territorial do decadente agronegócio canavieiro. Nem a tragédia ambiental, com a inundação de dezenas de cidades em Alagoas e Pernambuco, em decorrência da devastação provocada pela cana de açúcar, sensibilizou os Governos Federal e Estadual.

Embora o IBAMA tenha ajuizado ações civis públicas para obrigar as Usinas de Açúcar e Álcool de Pernambuco a repor os seus passivos ambientais, a forte pressão do setor e o apoio do Ministério Público Federal, fez com que houvesse uma trégua da Justiça para com essas Empresas seculares, enquanto a população mais pobre perdia tudo que tinha na devastadora enchente de 2010.

Diante desses fatos, a reconstrução das cidades está se dando em áreas desapropriadas das usinas, sem que qualquer medida preventiva ou estrutural de recomposição da Mata Atlântica destruída tenha sido tomada.

No que se refere à aquisição de terras por estrangeiros, o governo federal perdeu o controle que existiu de 1971 até 1994 e deu continuidade à política de FHC, com a permissão de compras de extensas áreas de terras por empresas estrangeiras ou brasileiras controladas por estrangeiros.

Apenas em 2010, a Advocacia Geral da União reviu seu parecer e passou a entender que a venda de terras brasileiras a estrangeiros ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros, estaria limitada ao máximo em cinco mil hectares, cuja soma das áreas rurais controladas por esses grupos não poderia ultrapassar 25% da superfície do município.

A decisão veio tardia e foi ineficaz, além de consolidar todas as aquisições anteriormente realizadas, configurando-se uma medida de extrema gravidade e atentatória à soberania nacional, ao manter sob domínio estrangeiro áreas próximas às fronteiras e na região amazônica.

Assim, no governo Lula, pouco há a comemorar em favor da agricultura camponesa. Mas temos o dever de registrar essas exceções para estimular a sua multiplicação. Por exemplo, o Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) foram transformados em políticas públicas permanentes, através de decretos assinados por Lula. Um outro fato positivo foi a reestruturação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que praticamente não existia e que virou um instrumento importante para a comercialização da agricultura familiar e camponesa.

Também é merecedor de reconhecimento que o governo federal tenha deixado de ser um agente ativo na criminalização de trabalhadores sem-terras, de suas lideranças e de seus movimentos. O que dificultou os esforços do agronegócio junto à Justiça, um poder que pouco tem melhorado nesses anos, no trato das questões agrárias e no reconhecimento dos direitos de cidadãos humildes e explorados.

Diante da existência dessas poucas ações importantes e positivas, em contraste com a abundância do mau desempenho do governo Lula na reforma agrária, o próximo governo tem que ter um posicionamento firme, com ações concretas, nas questões estratégicas da reforma agrária, a exemplo de (1) assumir efetivamente a vontade política de realizar a reforma agrária e de defender a agricultura familiar e camponesa; (2) ter um orçamento compatível e do tamanho das demandas, da dignidade e dos direitos do povo do campo; (3) propor um modelo que priorize a soberania alimentar baseado na produção camponesa; (4) Limitar o tamanho da propriedade da terra; (5) assegurar a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 PEC, que prevê o confisco de terras de escravagistas; (6) garantir a demarcação das terras indígenas e Quilombolas; (7) promover a aferição da função social da terra pelos vários pontos fixados pela Constituição Federal; (8) atualizar, enfim, os índices de produtividade.

No Brasil, não poderá haver desenvolvimento alternativo, democrático e sustentável sem uma reforma agrária intensa e extensa. Atualmente, todo o mundo se volta para as questões do meio ambiente e à necessidade de salvar o planeta. A reforma agrária e a agricultura familiar e camponesa são partes essenciais desse esforço inadiável para se alcançar a sustentabilidade desejada na agricultura, na produção de alimentos e nos modelos produtivos. Igualmente nessa parte, o governo Lula beneficiou o latifúndio no debate, na formatação e na tramitação do projeto do novo Código Florestal.

O período que agora se encerra com o final do segundo mandato do presidente Lula produziu resultados evidentes na formação de consumidores, mas não na formação de cidadãos. Os desafios são imensos para que a migração que ocorreu entre as classes sociais não seja meramente provisória. Na verdade, o fato positivo de poder consumir é apenas uma parte da cidadania, a qual somente se estabiliza com o acesso ao conhecimento, à educação, à terra, às condições de nela produzir, dentre outros atributos que o Governo Lula não soube, nem quis assegurar ao povo do campo.

Assim, diante das demandas da reforma agrária e da agricultura familiar e camponesa, é imensa a missão da Presidenta da República recentemente eleita. Com o apoio da maioria do Congresso Nacional, a futura presidenta efetivamente terá, nesses campos estratégicos, a missão de fazer a reforma agrária que nunca foi feita no Brasil.

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A década do ativismo midiático

Reproduzo artigo de Silvio Mieli, publicado no jornal Brasil de Fato:

Há um fio condutor entre as batalhas nas ruas de Londres, Roma, Milão, Paris, Atenas e os embates digitais que convergiram no fenômeno WikiLeaks.

Há exatos dez anos o encontro entre as ruas e as redes digitais começou a ganhar forma numa dinâmica que aproximou ativismo e tecnologia contra um inimigo comum: o poder, que manifesta-se através da desregulamentação do mercado de trabalho, do desemprego, dos cortes orçamentários e das privatizações.

Herdeiro direto do zapatismo, este novo ativismo gerou os Centros de Mídia Independente, as agências de informações alternativas e os blogs livres. Uma experiência riquíssima forjada nas oficinas políticas de Seattle, Gênova, nas manifestações contra a invasão do Iraque, nos fóruns sociais e nos seminários contra a propriedade intelectual.

Os ativistas da mídia que articularam esta sublevação eram vistos com desconfiança até começarem a pautar a mídia corporativa, o que acabou se confirmando com a publicação milhares de telegramas obtidos pelo WikiLeaks. Mas o seu conteúdo, ainda que bombástico, é menos importante do que o processo de inversão do fluxo de informação que esta década de luta concretizou.

A partir de agora, a ascensão do movimento de massas não poderá mais prescindir desta nova classe, espécie de cérebro social composto pelos programadores de informática, jornalistas, pesquisadores, ao mesmo tempo técnicos, artistas e ativistas.

Entre o virtual das redes e o núcleo duro da realidade social sairá o desenho da segunda década do milênio. A propósito, um fotógrafo viu manifestantes chutando um carro na Rua Regent, no centro de compras de Londres. O carro conseguiu fugir da multidão, mas uma imagem flagrou o olhar de horror de Camilla, duquesa da Cornuália, e do príncipe Charles, confinados em seu Rolls-Royce. Os estudantes cercavam o carro e protestavam contra um projeto aprovado pela câmara baixa do Parlamento, que triplicava o preço das matrículas universitárias na Inglaterra. A nova década promete.

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"Pânico" lidera ranking da baixaria na TV

Reproduzo artigo de Virginia Toledo, publicado na Rede Brasil Atual:

Um ranking que relaciona os programas de TV mais denunciados por violações aos Direitos Humanos foi divulgado nesta quinta-feira (06) , pela campanha "Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania". O progama "Pânico na TV", da RedeTV! apareceu em primeiro lugar, o quadro - reincidente na lista - apresentou o maior número de denúncias pelos telespectadores.

Atrás do programa humorístico, o Ranking da Baixaria da TV mostra o "Brasil Urgente", da TV Bandeirantes, o qual em dezembro passado foi alvo de ação civil, instaurada pelo Ministério Público Federal (MPF), por ter apresentado declarações preconceituosas contra os ateus. A campanha recebeu 68 denúncios de telespectadores que se sentiram agredidos pelas posições do apresentador José Luiz Datena.

O ranking levou em conta as denúncias que continham indícios de apelo sexual, incitação à violência, apologia ao crime, desrespeito aos valores familiares e preconceito. Outros três programas também foram listados no ranking: "Se Liga Bocão" da TV Itapoan, afiliada da Rede Record, "A Fazenda", também da Rede Record e "Chumbo Grosso", programa regional de gênero policial exibido pela TV Goiânia, afiliada da Rede Bandeirantes.

De acordo com a coordenação da campanha, o ranking foi contabilizado por meio das denúncias recebidas pelo site da campanha (www.eticanatv.org.br) e do Disque Câmara (0800 619 619). O ranking encontra-se na 18ª edição. Da última lista divulgada, em maio de 2010, até agora, foram recebidas 892 denúncias de telespectadores.

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As cascas de banana e a intriga da mídia

Reproduzo artigo de Izaías Almada, publicado no sítio Carta Maior:

Referindo-se a uma quase que inexistente militância da coligação PSDB/DEM/PPS, essa que se transformou na fina flor do atual conservadorismo brasileiro, a jornalista Eliana Catanhede fez, durante a última campanha eleitoral, uma citação auto-elogiosa aos “quadros” que comporiam o tal exército de Brancaleone. Denominou-os de “massa cheirosa”, com a evidente intenção de – por oposição – considerar os eleitores de Dilma e apoiadores do presidente Lula como a massa mal cheirosa da periferia e dos rincões mais distantes do país. O então general presidente João Batista Figueiredo afirmou, já no último governo da ditadura, que preferia o cheiro das estrebarias ao cheiro do povo.

Tais afirmações, a da jornalista e a do general, enquadram-se perfeitamente no discurso raivoso e preconceituoso que caracteriza uma parcela da sociedade brasileira. Antes, durante e depois do regime ditatorial de 64.

A recente campanha oposicionista do candidato José Serra fala por si. Inúmeras foram as demonstrações de intolerância, os arremedos de violência, as mentiras e os factóides diários sustentados por uma imprensa, em sua maioria, defensora de uma candidatura que nasceu morta, mas que era preciso se oxigenar com o que estivesse mais à mão. Com a agravante de que o candidato já se disse em outros tempos um homem de esquerda e progressista. Em outras circunstâncias, é claro...

Os panfletos sobre o aborto, as agressões ao passado guerrilheiro da candidata Dilma Roussef, as idiotices e inverdades repetidas por artistas de telenovelas e programas de humorismo duvidoso, invasões de missas, religiosidade de última hora, uma ridícula bolinha de papel transformada em míssil, uma campanha suja e violenta pela internet, onde predominava o irracional e o mau português, e um candidato – ao contrário do que pregava – completamente despreparado para o exercício da presidência, tudo isso acabou por criar um caldo de cultura muito próprio ao jeito fascista de fazer política. A cultura da violência.

Enquanto a nova política de resgatar o país de mazelas seculares procura avançar com rapidez, passando ao largo de vaidades e incompetências, muitas delas acadêmicas e voltadas para a satisfação de uma pequena parcela da sociedade, políticos formados na velha escola republicana e temperados pelas benesses de uma ditadura que durou 21 anos, ainda insistem em dividir o país em novas capitanias hereditárias, espalhando o preconceito e a discriminação entre brasileiros. Ao perceberem que a realidade do país começa a não responder mais diretamente aos seus interesses, tais esbirros – usando ainda o monopólio do curral mediático, onde são proprietários e beneficiários ao mesmo tempo – passaram a apostar mais pesado no ‘quanto pior, melhor’.

Seria bom não nos deixarmos iludir por uma democracia que continua parcialmente tutelada e que, apesar dos avanços institucionais, ainda não ultrapassou algumas provas de fogo, tais como o efetivo combate à corrupção ou à impunidade de alguns figurões da república. Ou à punição de torturadores de crimes políticos e comuns, de quem pouco se fala. Não conseguiu uma reforma política que merecesse esse nome, uma reforma fiscal, uma reforma do Judiciário.

No momento, tudo parece indicar uma pausa temporária, estratégica, por parte da velha mídia, quando se espera que as águas da eleição e da posse do novo governo se acalmem. A elite política e econômica brasileira é sempre perigosa, sorrateira. A sorte do país, para além de algumas políticas acertadas do governo Lula nos últimos oito anos, é que a oposição emburreceu, assim como jornalistas e analistas do “ancien regime”. Chega a ser patética a cena mostrada em vídeo nos últimos dias, na qual FHC pede a Serra para agradecer alguns elogios do governador Alckmin no seu discurso de posse.

O mito do brasileiro cordial, de índole pacífica é uma falácia que continuamos carregando para apaziguar nossas consciências. Sempre que precisou, a elite brasileira foi violenta, sabendo cooptar aqueles de que necessita para o serviço sujo, incluindo-se aqui amplos setores da classe média também. Os exemplos da Guerra do Paraguai, do último bastião escravista até a Lei Áurea, do Estado Novo, da ditadura civil/militar de 64/68, do trabalho escravo de adultos e crianças, dos matadores de aluguel, dos esquadrões da morte e das atuais milícias urbanas, da violência contra a mulher, do preconceito contra nordestinos, do uso da tortura contra prisioneiros políticos ou comuns, da impunidade contra o crime de colarinho branco e outras mazelas do gênero, deixam muito a desejar sobre esse tão decantado espírito cordial e conciliador.

E é justamente por isso que não podemos desprezar o abominável e recente episódio das inúmeras manifestações de cidadãos brasileiros em suas sintéticas mensagens pelo twitter ao desejarem um atentado contra a presidenta Dilma Roussef no dia da sua posse. Qual o significado daquelas mensagens para além da sua linguagem crua e repetitiva, mas de conteúdo criminoso e ideologicamente condenável? Uma manifestação covarde de adolescentes sem o que fazer? Refletiam um pensamento próprio ou reproduziam opiniões ouvidas em casa, nos escritórios ou escolas? Espontânea ou induzida? O que levou tais pessoas a manifestarem esse desejo?

As cascas de banana e a intriga grosseira começam a tomar algumas manchetes jornalísticas na indisfarçável tentativa de criar embaraços a um governo que mal começou. O PMDB se tornará mais uma vez o ‘fiel da balança’ de um sistema partidário viciado, ineficiente, sensivelmente corrupto em muitos dos seus integrantes, muitas vezes dissonante em relação a antigos e insolúveis problemas brasileiros.

A campanha da presidenta Dilma Roussef prometeu avanço em várias áreas conquistadas no governo do presidente Lula. E seria bom que nos seus 100 primeiros dias de governo, essas promessas começassem a ser reconhecidas pelo povo brasileiro. Caso contrário, o tiro pode sair pela culatra. E o mau cheiro do fascismo deixar os rincões conservadores e preconceituosos, por onde transita com relativa liberdade e travestido de massa cheirosa, e começar a se espalhar por toda a sociedade brasileira.

Presidenta Dilma: olho vivo e, se for preciso, corte o mal pela raiz, já diz a sabedoria popular. Enquanto sentir firmeza, o povo estará ao seu lado. Caso contrário, o país corre o risco do retrocesso. O fascismo se alimenta da inveja, da frustração e usa da mentira e da violência para atingir seus objetivos. Nunca é cedo demais para essas reflexões.

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