Por Fabíola Perez, no sítio Vermelho:
Cinco anos dos ataques do PCC em São Paulo se passaram. Na expressão e no discurso das mães que perderam seus filhos, vítimas do confronto entre civis e policiais, a lembrança ainda é recente. Para homenageá-los e reivindicar os direitos que lhes foram tirados, as Mães de Maio se reúnem no lançamento do livro Do Luto à Luta e aproveitam para debater o preconceito social, a impunidade e as ações do Estado em regiões marginalizadas.
Vera Lúcia Andrade de Freitas estava em casa, quando ouvia barulhos muito fortes do lado de fora. Mesmo assim, lembra, o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo avisava pela televisão que não havia motivo para pânico. Segundo ele, a situação já estava sob controle. “A vida pode voltar ao normal”, era o que se dizia.
“Então, meu filho Matheus foi para a escola normalmente e aí, quando chegou no colégio, a professora disse que não iria ter aula. Logo depois, meu marido ouviu um barulho mais intenso, abriu a porta de casa e deu de cara com o corpo do Ricardo. A poucos metros de distância, vimos o corpo do Matheus estendido na rua”, conta ela.
Vera é uma das mães ouvidas pelo Vermelho que perderam seus filhos nos confrontos entre a polícia civil e militar e o PCC (Primeiro Comando da Capital). O crime ocorreu no dia 17 de maio, em Santos, cidade também atingida pelos ataques. No momento em que foi assassinado com três tiros por dois homens encapuzados, Matheus, de 21 anos, teve seu sonho de ingressar na faculdade de Ciências da Computação interrompido. Como ele, mais 492 pessoas (446 civis e 47 policiais) foram mortas no estado de São Paulo, sobretudo, na região metropolitana. Destas, 352 tinham entre 11 e 24 anos.
“O caso do meu filho não teve investigação nenhuma. Por que os policiais que estavam nas ruas não foram atrás dos homens encapuzados? São muitas perguntas sem respostas. A cada menino que morre, volta tudo aquilo que a gente passou e, para nós, isso é um grande sofrimento”, desabafa Vera.
Em busca da resposta
Passados cinco anos dos ataques atribuídos ao PCC, o Movimento Mães de Maio, junto a outras entidades de direitos humanos, luta pela federalização das investigações. Segundo as militantes, no âmbito estadual elas estão longe de serem satisfatórias.
O estudo “São Paulo sob Achaque”, divulgado em 9 de maio deste ano, pela ONG Justiça Global, em parceria com a Universidade de Harvard, aponta que houve indícios da participação de policiais em 122 execuções entre 12 e 20 de maio de 2006.
“Os crimes de maio não chocaram apenas São Paulo, mas repercutiram nas Américas e no mundo inteiro. Queremos a federalização dos crimes não resolvidos e a implementação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) para colaborar nessas investigações. As autoridades paulistas não cumpriram suas obrigações”, declarou James Cavallaro, da Justiça Global.
De acordo com a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, quase 80% das ocorrências registradas como “resistência seguida de morte” foram arquivadas. Ainda segundo os números da Ouvidoria, apenas cinco policiais foram denunciados pelos assassinatos, sendo quatro militares e um civil. O número corresponde a 4% do total.
Segundo o ouvidor, Luiz Gonzaga Dantas, 19 dos 48 casos de “resistência seguida de morte”, que foram acompanhados pela ouvidoria estão em andamento até hoje. O departamento acompanhou ainda 58 casos de assassinatos cuja autoria é desconhecida. Destes, 70% foram arquivados.
É a busca por essas respostas – segundo os movimentos engajados na luta contra o extermínio da população empobrecida pelo Estado, até hoje ocultadas – que faz Vera e tantas outras mães relembrem a sua dor. “Falo também em nome das que não podem lutar. A mãe do Ricardo, amigo do meu filho, está com quase 80 anos e já não tem mais condições de lutar pela memória de seu menino”, conta.
O filho de Débora Maria da Silva, Edson Rogério dos Santos, na época com 29 anos, também foi encontrado morto com cinco tiros na periferia de Santos. Sua mãe, hoje líder do Movimento Mães de Maio, lembra que ele deixou um filho de três anos. Com a voz, embargada e firme ao mesmo tempo, Débora conta o exato momento em que Edson foi abordado. “Foi em um posto de gasolina que dois policiais se aproximaram e o agrediram na frente de um amigo. Ele disse que era trabalhador, mas a carteira de identidade nem chegou a ser vista”.
“Ninguém viu meu filho ser morto. Meu menino foi assassinado em um crime bárbaro. Ele era gari e não tinha nenhuma passagem pela polícia”, garante Débora. Para ela, que teve o caso arquivado no final de 2007, “a morte dói muito, mas o que dói mais ainda é a impunidade”. “Esses meninos tinham família, tinham sonhos, tinham vida e cinco anos depois a gente continua sem saber de nada”. A líder conta que ela, pelo menos, conseguiu enterrar o filho. “Outras companheiras, nem essa chance tiveram”.
Força para-militar
Outra conclusão apontada pelo relatório elaborado pela Justiça Global é a corrupção policial como um dos fatores que desencadearam os ataques de maio de 2006. Como consequência – para minimizar os embates e o clima de medo e terror vivido pela população de São Paulo –, a ordem para a Polícia, naquele momento, foi potencializar o uso da força e da repressão. Não à toa, os ataques marcaram o mês como um período fatídico para o Estado.
Entretanto, a violência em ações policiais não é uma marca exclusiva dos crimes ocorridos em 2006. Segundo especialistas, geralmente, em operações de combate, a população marginalizada é a que sofre as agressões diretas dos oficiais. Foi o caso da professora carioca Maristela Santos, de 30 anos, que se emociona ao lembrar a perda seu irmão, Josenildo Estanislau dos Santos, durante uma abordagem policial.
“Eu já militava na área da educação, mas, nunca tinha parado para pensar nos crimes cometidos por policiais. A sociedade considerar natural esse tipo de morte (confronto entre a Polícia e civis) é uma coisa lamentável”, acredita a professora.
Maristela conta que seu irmão morreu depois de uma invasão truculenta da Polícia do Rio de Janeiro. “Ele estava trabalhando em uma horta quando o grupo de oficiais o assassinaram. Ele não era usuário de drogas, nem estava com armas”, indigna-se.
Para Maristela, a Justiça só atinge as camadas mais pobres, “mais invisíveis”. “Infelizmente, o povo, em sua maioria não tem poder de articulação”, acredita. Para reivindicar seus direitos, a professora lembra que chegou a ir três vezes ao Batalhão de Polícia do Rio. “Eles se assustaram com a minha cobrança e não me receberam nenhuma das vezes”.
Débora, a líder do Movimento, defende que as mães deveriam estar completando cinco anos com os assassinos de nossos filhos pagando pelo que fizeram. “Eles foram tratados como se fossem bandidos e ainda que fossem aqui no Brasil não tem pena de morte”, afirma. “Nossa lágrima é de justiça e não de vingança”.
Cinco anos dos ataques do PCC em São Paulo se passaram. Na expressão e no discurso das mães que perderam seus filhos, vítimas do confronto entre civis e policiais, a lembrança ainda é recente. Para homenageá-los e reivindicar os direitos que lhes foram tirados, as Mães de Maio se reúnem no lançamento do livro Do Luto à Luta e aproveitam para debater o preconceito social, a impunidade e as ações do Estado em regiões marginalizadas.
Vera Lúcia Andrade de Freitas estava em casa, quando ouvia barulhos muito fortes do lado de fora. Mesmo assim, lembra, o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo avisava pela televisão que não havia motivo para pânico. Segundo ele, a situação já estava sob controle. “A vida pode voltar ao normal”, era o que se dizia.
“Então, meu filho Matheus foi para a escola normalmente e aí, quando chegou no colégio, a professora disse que não iria ter aula. Logo depois, meu marido ouviu um barulho mais intenso, abriu a porta de casa e deu de cara com o corpo do Ricardo. A poucos metros de distância, vimos o corpo do Matheus estendido na rua”, conta ela.
Vera é uma das mães ouvidas pelo Vermelho que perderam seus filhos nos confrontos entre a polícia civil e militar e o PCC (Primeiro Comando da Capital). O crime ocorreu no dia 17 de maio, em Santos, cidade também atingida pelos ataques. No momento em que foi assassinado com três tiros por dois homens encapuzados, Matheus, de 21 anos, teve seu sonho de ingressar na faculdade de Ciências da Computação interrompido. Como ele, mais 492 pessoas (446 civis e 47 policiais) foram mortas no estado de São Paulo, sobretudo, na região metropolitana. Destas, 352 tinham entre 11 e 24 anos.
“O caso do meu filho não teve investigação nenhuma. Por que os policiais que estavam nas ruas não foram atrás dos homens encapuzados? São muitas perguntas sem respostas. A cada menino que morre, volta tudo aquilo que a gente passou e, para nós, isso é um grande sofrimento”, desabafa Vera.
Em busca da resposta
Passados cinco anos dos ataques atribuídos ao PCC, o Movimento Mães de Maio, junto a outras entidades de direitos humanos, luta pela federalização das investigações. Segundo as militantes, no âmbito estadual elas estão longe de serem satisfatórias.
O estudo “São Paulo sob Achaque”, divulgado em 9 de maio deste ano, pela ONG Justiça Global, em parceria com a Universidade de Harvard, aponta que houve indícios da participação de policiais em 122 execuções entre 12 e 20 de maio de 2006.
“Os crimes de maio não chocaram apenas São Paulo, mas repercutiram nas Américas e no mundo inteiro. Queremos a federalização dos crimes não resolvidos e a implementação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) para colaborar nessas investigações. As autoridades paulistas não cumpriram suas obrigações”, declarou James Cavallaro, da Justiça Global.
De acordo com a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, quase 80% das ocorrências registradas como “resistência seguida de morte” foram arquivadas. Ainda segundo os números da Ouvidoria, apenas cinco policiais foram denunciados pelos assassinatos, sendo quatro militares e um civil. O número corresponde a 4% do total.
Segundo o ouvidor, Luiz Gonzaga Dantas, 19 dos 48 casos de “resistência seguida de morte”, que foram acompanhados pela ouvidoria estão em andamento até hoje. O departamento acompanhou ainda 58 casos de assassinatos cuja autoria é desconhecida. Destes, 70% foram arquivados.
É a busca por essas respostas – segundo os movimentos engajados na luta contra o extermínio da população empobrecida pelo Estado, até hoje ocultadas – que faz Vera e tantas outras mães relembrem a sua dor. “Falo também em nome das que não podem lutar. A mãe do Ricardo, amigo do meu filho, está com quase 80 anos e já não tem mais condições de lutar pela memória de seu menino”, conta.
O filho de Débora Maria da Silva, Edson Rogério dos Santos, na época com 29 anos, também foi encontrado morto com cinco tiros na periferia de Santos. Sua mãe, hoje líder do Movimento Mães de Maio, lembra que ele deixou um filho de três anos. Com a voz, embargada e firme ao mesmo tempo, Débora conta o exato momento em que Edson foi abordado. “Foi em um posto de gasolina que dois policiais se aproximaram e o agrediram na frente de um amigo. Ele disse que era trabalhador, mas a carteira de identidade nem chegou a ser vista”.
“Ninguém viu meu filho ser morto. Meu menino foi assassinado em um crime bárbaro. Ele era gari e não tinha nenhuma passagem pela polícia”, garante Débora. Para ela, que teve o caso arquivado no final de 2007, “a morte dói muito, mas o que dói mais ainda é a impunidade”. “Esses meninos tinham família, tinham sonhos, tinham vida e cinco anos depois a gente continua sem saber de nada”. A líder conta que ela, pelo menos, conseguiu enterrar o filho. “Outras companheiras, nem essa chance tiveram”.
Força para-militar
Outra conclusão apontada pelo relatório elaborado pela Justiça Global é a corrupção policial como um dos fatores que desencadearam os ataques de maio de 2006. Como consequência – para minimizar os embates e o clima de medo e terror vivido pela população de São Paulo –, a ordem para a Polícia, naquele momento, foi potencializar o uso da força e da repressão. Não à toa, os ataques marcaram o mês como um período fatídico para o Estado.
Entretanto, a violência em ações policiais não é uma marca exclusiva dos crimes ocorridos em 2006. Segundo especialistas, geralmente, em operações de combate, a população marginalizada é a que sofre as agressões diretas dos oficiais. Foi o caso da professora carioca Maristela Santos, de 30 anos, que se emociona ao lembrar a perda seu irmão, Josenildo Estanislau dos Santos, durante uma abordagem policial.
“Eu já militava na área da educação, mas, nunca tinha parado para pensar nos crimes cometidos por policiais. A sociedade considerar natural esse tipo de morte (confronto entre a Polícia e civis) é uma coisa lamentável”, acredita a professora.
Maristela conta que seu irmão morreu depois de uma invasão truculenta da Polícia do Rio de Janeiro. “Ele estava trabalhando em uma horta quando o grupo de oficiais o assassinaram. Ele não era usuário de drogas, nem estava com armas”, indigna-se.
Para Maristela, a Justiça só atinge as camadas mais pobres, “mais invisíveis”. “Infelizmente, o povo, em sua maioria não tem poder de articulação”, acredita. Para reivindicar seus direitos, a professora lembra que chegou a ir três vezes ao Batalhão de Polícia do Rio. “Eles se assustaram com a minha cobrança e não me receberam nenhuma das vezes”.
Débora, a líder do Movimento, defende que as mães deveriam estar completando cinco anos com os assassinos de nossos filhos pagando pelo que fizeram. “Eles foram tratados como se fossem bandidos e ainda que fossem aqui no Brasil não tem pena de morte”, afirma. “Nossa lágrima é de justiça e não de vingança”.
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