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A Tunísia vive um complexo processo de transição democrática. Precursor das revoltas árabes que levaram às ruas milhares de pessoas para lutar contra ditaduras, pela liberdade e direitos sociais, cinco anos depois conquistou uma nova Constituição, elegeu democraticamente um novo governo e um novo parlamento.
Mas as contradições desse processo são muitas, visíveis nas ruas e presentes nos dados econômicos, que dão conta de mais de um milhão de desempregados, o que num país com 10 milhões de habitantes representa bem mais que 10% da população economicamente ativa. Mais de 25% dos tunisianos vivem abaixo da linha da miséria, com menos de dois dólares por dia.
A nova constituição, considerada uma das mais avançadas do Oriente Médio, dividiu o poder entre o Presidente e o Primeiro Ministro.
Pela nova Constituição, a lei islâmica não pode influenciar na legislação. Ao mesmo tempo que reconhece o Islã como religião oficial da Tunísia, permite as punições religiosas. Prevê a liberdade de expressão e a igualdade entre homens e mulheres, mas mantém a pena de morte.
Na esfera política, derrubar a ditadura de Ben Ali foi uma conquista de todos, mas muitos Ministérios e estruturas do Estado ainda permanecem ocupados por representantes do antigo regime. Qualquer semelhança com o processo de democratização do Brasil é mera coincidência.
Não é à toa que o resultado das eleições de dezembro de 2014 tenha sido a eleição de Beji Caid Essebsi, representante laico do principal partido secular — o Nidá Tunis.
Desafios de 2015
É neste cenário que se desenrolará o Fórum Social Mundial 2015 (FSM 2015), agravado pelo ataque contra turistas promovido pelo Estado Islâmico no dia 18 de março, uma semana antes da chegada de cerca de 60 mil ativistas sociais de todo o mundo para o FSM. O ataque atinge, também, uma das principais áreas econômicas do país: o turismo representa cerca de 7% do PIB do país.
O primeiro desafio do FSM, que ocorre pela segunda vez na Tunísia, é harmonizar uma posição entre as várias organizações e movimentos internacionais que participam do Fórum diante da violência sofrida pelos tunisianos e todas as formas de terrorismo e violações de direitos humanos e contra as soberanias nacionais em curso no mundo.
“Este Fórum tem a responsabilidade de dar novas respostas para os problemas que a crise econômica internacional trouxe para os países e para os povos. Temos que dar respostas que visem o interesse da maioria, diante da gravíssima situação que vivemos”, disse Gustavo Massiah ativista francês fundador do FSM e integrante do CRID — Centro de Pesquisa da Informação para o Desenvolvimento.
Fome de direitos
Respostas para situações como as de Ben Souissi Ali, professor de literatura árabe e Fourati Samir, mestre em história, que ao lado de outros 22 ativistas participaram ativamente da Primavera Árabe e encontram-se em greve de fome desde o dia 16 de março, lutando para terem de volta o direito de exercerem suas profissões, particularmente no serviço público, já que todos foram banidos de seus trabalhos durante o regime de Ben Ali.
Fourati explica que estes ativistas continuaram sendo perseguidos pelo governo, mesmo com o fim da ditadura. “Fomos fichado pela polícia no governo de Ben Ali e ainda estamos fichados. Tentamos contato com o partido Ennahda que sucedeu Ben Ali e não tivemos sucesso. Depois entramos em contato com o Ministério da Justiça que entrou em contato com o Ministério do Interior para termos acesso à lista dos perseguidos”.
Ele conta que muitos deles chegaram a prestar um concurso público, foram aprovados, mas depois foram excluídos por estarem nesta lista. São homens e mulheres entre trinta e quarenta anos e que lutam contra o tempo, já que pela lei tunisiana, o limite de idade para participar de um concurso público é 40 anos. “Nós lutamos pela democracia porque queríamos que todos tivessem direito a ter um trabalho descente, e estamos aqui para dar continuidade a esta luta até que tenhamos nossos direitos atendidos”, diz Ben Souissi.
Adhounia Ghassem que é um dos voluntários tunisianos trabalhando no Fórum explica que a transição democrática está numa fase inicial e convivendo com muitas contradições internas e pressões externas. “Nossa economia está sendo totalmente privatizada para multinacionais, estamos agora lutando contra a privatização da universidade e há todos os conflitos políticos e religiosos dos países árabes que veem a transição na Tunísia como uma ameaça".
Nesse cenário, os movimentos sociais da Tunísia e de outros países da região aumentam suas expectativas para o papel do FSM como fator de articulação das lutas pela democracia e liberdade. “Este Fórum dará uma resposta à sociedade civil em todo o mundo, mostrando que estamos unidos pela paz, liberdade, igualdade e contra todas as formas de opressão, disse Maher Hanine representante do Comitê Organizador do FSM na Tunísia.
Damian Azar, representante da Abong no Conselho Internacional do FSM salientou que, “o Brasil luta pelo aprofundamento da democracia, contra as forças antidemocráticas e conservadoras, contra todas as formas de fundamentalismo religioso, que no Brasil, por exemplo, é o evangélico pentecostal. Lutamos contra todas as formas de terrorismo, incluindo o terrorismo de Estado, praticado pelos EUA, e contra todas as formas de opressão, contra as mulheres, contra a juventude, o sindicalismo,”.
Por isso, nesta terça-feira, a marcha de abertura do FSM 2015 vai levar ao mundo a sua mensagem de solidariedade à luta dos povos contra todas as formas de opressão e terrorismo. O slogan oficial que abrirá a marcha será:
Toda esta frase pode ser, de forma singela, traduzida nas palavras de Abiba, estudante de enfermagem de uma cidade no sul da Tunísia e que veio para Túnis ser voluntária no FSM “eu e todos os tunisianos choramos as mortes do museu Bardoo. Mas não temos medo. Porque é isso que eles querem. Nós temos que continuar nossa caminhada, nossa vida segue e também a construção da democracia”.
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