Na quarta-feira (17), o jovem branco Dylann Roof, de 21 anos, ingressou na mais antiga igreja de negros em Charleston, no sul dos EUA, e atirou friamente nos fiéis que participavam de um estudo da Bíblia, matando nove pessoas. Um dia depois, ele foi preso e veio à tona a sua repugnante história de racismo e ódio. Em sua página no Facebook, o criminoso posa trajando um uniforme com bandeiras da África do Sul da época do regime de segregação do “Apartheid”. Mais este triste episódio de crime racial, que já virou rotina nos EUA, intensificou o debate na sociedade sobre as causas desta onda de violência. Em seu talk-show na tevê, o humorista Jon Stewart dispensou as suas costumeiras piadas e criticou a cobertura da mídia no massacre da igreja de Charleston.
“Não tenho nada para vocês hoje. Se isso tivesse sido um ataque terrorista islâmico, invadiríamos dois países, gastaríamos trilhões de dólares e milhares de vidas. Tudo para manter a América a salvo. Nove pessoas mortas em uma igreja. O que fazemos?”, afirmou, indignado, na abertura do programa “The Daily Show”. Além de condenar a “passividade” da sociedade, ele criticou a postura cúmplice da imprensa estadunidense, que tem retratado o massacre como um ato individual, de um louco. “Aquilo não foi um tornado, foi racismo. Não acredito no quanto algumas pessoas trabalham para atenuar o fato”, atacou Jon Stewart. Nos EUA, como no Brasil, programas sensacionalistas de rádio e tevê estimulam a violência e não discutem as causas do crescente ódio racial.
A cidade de Charleston, na Carolina do Sul, não é conhecida apenas como atração turística dos EUA. Ela é famosa pela violenta discriminação. Vários estudos comprovam que a população negra tem os piores empregos, recebe salários mais baixos e vive em moradias precárias afastadas do centro. “A maioria mora em bairros pobres e está em empregos sem qualificação”, afirma Patricia Lessane, diretora do Instituto de História e Cultura Negra da Faculdade de Charleston. “As escolas públicas ilustram bem o quadro de segregação existente na região. Embora a população de estudantes negros e brancos seja praticamente a mesma, são raras aquelas em que há miscigenação racial”, descreve reportagem da Folha desta sexta-feira (19).
Em outro artigo, o repórter Raul Juste relata a história da cidade. “A dez quadras da igreja metodista episcopal Emanuel, local da chacina que culminou com a morte de nove fiéis negros, fica o antigo Mercado de Escravos de Charleston, o principal do país na primeira metade do século 19. Chamada até hoje de ‘Mãe Emanuel’ pelos moradores de Charleston, a igreja foi a primeira criada para e por negros no Sul escravocrata americano, em 1816. Como os cultos nas demais igrejas eram segregados, líderes negros quiseram uma igreja só deles... Uma década depois de sua criação, vários de seus líderes já tinham sido presos ou mortos, e suas cerimônias tinham que ser secretas. No terreno onde a atual igreja foi erguida, em 1891, havia um cemitério de escravos mortos em rebeliões”.
“Por décadas já no século 20, linchamentos e atentados contra seus líderes se repetiram. O grupo terrorista pró-supremacia branca Ku Klux Klan era forte no Estado. Atentados em igrejas para negros se tornaram comuns... O reverendo Martin Luther King Jr., prêmio Nobel e líder da luta contra a segregação racial, discursou na Mãe Emanuel em 1963. O presidente Obama conhecia o líder da congregação, o reverendo Clementa Pinckney, morto na chacina... Nas últimas décadas, Charleston virou pólo turístico. A cidade é muito visitada por ter sido poupada na Guerra Civil americana”. O racismo, porém, segue como marca da cidade, sempre acobertado pela mídia comercial.
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