Por Martin Khor, no site Outras Palavras:
Outro dado apontado por eles: houve uma recuperação dos fluxos de capital estrangeiro para as economias emergentes no primeiro semestre de 2017, após dois anos de saídas.
Na última cúpula do G20, em Hamburgo, de 7 a 8 julho, seus líderes concentraram-se nas mudanças climáticas, comércio e desentendimentos com os Estados Unidos e pareceram complacentes com a condição econômica do mundo; eles não se preocuparam com nenhuma crise iminente.
Mas, abaixo da superfície calma, as águas estão fervendo e se agitando. Como Shakespeare escreveu em Hamlet, “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.
Ainda é difícil prever se a crise estourará em breve ou teremos o prolongamento desta “ferveção”; mas o fato é que a economia mundial está em apuros.
Em meio à fraca recuperação da economia global, muitos riscos sérios permanecem, escreveu em 5 de julho Martin Wolf, o principal comentarista financeiro do Financial Times:
“O risco mais provável é um colapso na cooperação global, talvez até mesmo um surto de conflitos”, escreveu. “Isso destruiria a estabilidade da economia mundial da qual todos dependem …”
Ainda segundo Wolf:
Nós, nos países que concentram a rende mundial, permitimos que o sistema financeiro desestabilizasse nossas economias. Em seguida, recusamos o recurso ao estímulo fiscal e monetário para sair rapidamente do mal-estar econômico pós-crise.
Quando uma nova crise financeira global explodir, os países em desenvolvimento serão mais prejudicados do que na última crise, pois se tornaram menos resistentes e mais vulneráveis. Eles precisam, portanto, se preparar para não se surpreenderem.
Nós falhamos e não conseguimos dar respostas às discrepâncias entre as diferentes economias, melhor e pior sucedidas. Isso foi um enorme erro. Agora, na medida em que as economias se recuperam, enfrentamos novos desafios: evitar a explosão da economia mundial, garantindo um crescimento compartilhado e sustentável. Infelizmente, parece que falharemos neste conjunto de desafios.
Uma análise abrangente e aprofundada da situação econômica global e da forma como afeta os países em desenvolvimento foi formulada em um artigo recente do economista-chefe do South Centre de Genebra, Yilmaz Akyuz.
Os EUA e a Europa geriram equivocadamente as consequências da crise de 2008 com o uso de políticas que terão efeitos muito adversos na maioria dos países em desenvolvimento, de acordo com o documento A crise financeira e o Sul global: impacto e perspectivas(South Centre Research – Paper 76).
Os países em desenvolvimento passaram pela crise de 2008 sem prejuízos maiores devido a certas condições, que já não existem. De lá para cá, entretanto, surgiram nesses países vulnerabilidades novas e perigosas que os expõem a sérios riscos na próxima crise.
Portanto, escreveu Akyuz, é imperativo que os países em desenvolvimento encarem de frente sua situação precária e atuem para proteger suas economias na medida do possível, para reduzir os efeitos da nova turbulência.
Para Akyuz, a crise pós-2008 transformou-se em uma terceira onda destrutiva para várias economias emergentes depois de ter varrido dos EUA para a Europa. Uma razão central foram as respostas equivocadas dos EUA e da Europa: “Há dois equívocos principais: a relutância em reduzir as dívidas através da reestruturação ordenada e a ortodoxia fiscal”.
Ainda segundo Akyuz:
Isso resultou em uma dependência excessiva da política monetária, com os bancos centrais entrando em águas inexploradas, lançando mão de taxas de juros zero e até negativas e expansão rápida de liquidez através de grandes aquisições de títulos.
Essas políticas não apenas fracassaram em garantir uma recuperação rápida, mas agravaram o hiato da demanda global, aumentando a desigualdade e a fragilidade financeira global ao produzir um crescimento brutal das dívidas e bolhas especulativas. Elas também geraram surtos deflacionários e desestabilizadores para as economias dos países em desenvolvimento.
Quando surgir uma nova crise, os países em desenvolvimento serão mais atingidos do que em 2008. Sua resiliência aos choques externos está fragilizada devido a três fatores:
Em primeiro lugar, muitas economias dos países em desenvolvimento aprofundaram sua integração ao sistema financeiro internacional, resultando em novas vulnerabilidades e alta exposição a choques externos.
Suas corporações alavancaram suas dívidas desde a crise, chegando a US$ 25 trilhões (95% do total do PIB desses países); e os títulos das dívidas desses países passaram de US$ 500 bilhões em 2008 para US$ 1,25 trilhão em 2016, com incremento nas taxa de juros e risco cambial.
Além disso, a presença estrangeira nos mercados financeiros locais atingiu níveis sem precedentes, aumentando sua susceptibilidade aos ciclos financeiros globais de expansão/contração.
Em segundo lugar, o saldo da balança de transações corrente e as posições líquidas de ativos estrangeiros de muitos países em desenvolvimento deterioraram-se significativamente desde a crise. Na maioria dos países, as reservas estrangeiras recentes advêm de entradas de capital em vez de excedentes comerciais. Este perfil é inadequado para enfrentar grandes saídas de capital.
Em terceiro lugar, os países agora têm opções de política econômica limitadas para responder a eventos adversos do exterior. Seu “espaço fiscal” para uma resposta da anticíclica aos choques deflacionários é muito mais limitado do que em 2009; eles perderam boa parcela da autonomia em política monetária e o controle sobre as taxas de juros, devido à sua profunda integração financeira global; e os regimes de taxa de câmbio flexível não são panaceia diante de choques financeiros.
“A maioria das economias em desenvolvimento está em uma posição frágil semelhante às décadas de 1970 e 1980, quando os booms nos fluxos de capital e os preços das commodities terminaram com uma crise da dívida depois da reviravolta brusca na política monetária dos EUA, custando-lhes uma década no desenvolvimento”, advertiu Akyuz.
Infelizmente, os países Sul não têm sido efetivos na reflexão sobre esses problemas nem na construção de uma ação coletiva.
São necessárias reformas globais para evitar que as potências transfiram os efeitos de suas políticas equivocadas aos países em desenvolvimento; igualmente, mecanismos globais são necessários para prevenir e gerenciar crises financeiras.
Houve muitas propostas de reforma no passado, mas quase nenhuma ação efetiva, devido à oposição dos países desenvolvidos.
“Agora, os riscos são altos demais para que os países em desenvolvimento continuem a deixar a gestão da economia global para uma ou duas grandes potências econômicas e para as instituições multilaterais que controlam”, concluiu Akyuz.
Se esta análise está correta, a crise que começou em 2008 entrará em território mais perigoso devido a novos fatores que atiçam as chamas neste momento.
As causas fundamentais da crise à frente são conhecidas, mas ainda é desconhecido que evento específico irá desencadeá-la e inflamar a nova fase da crise, e quando isso acontecerá.
Os países em desenvolvimento terão de fato uma posição menos robusta para enfrenta-la em comparação com a de 2008, por isso deveria haver uma posição menos complacente agora.
Cada país deve analisar seus próprios pontos fortes e fracos, suas vulnerabilidades a choques externos e preparar ações para mitigar antecipadamente a crise, em vez de esperar passivamente que ela, soterrando sua economia.
A crise financeira asiática começou há 20 anos, enquanto a crise financeira global e a recessão estouraram nove anos atrás, em 2008. Quando uma nova crise financeira global sobrevier, os países em desenvolvimento serão ainda mais prejudicados do que na última, pois tornaram-se menos resistentes e mais vulneráveis. Eles precisam, portanto, se preparar para o que inevitavelmente virá.
O debate agora é sobre quando a nova crise explodirá. A maioria dos economistas e comentaristas, entretanto, não raciocina nesses termos; para eles, estamos em meio a uma recuperação econômica, apesar de reconhecidamente fraca, nas economias desenvolvidas.
Na superfície, a atual situação parece bem boa. O mercado de ações dos EUA continua acumulando altas e o chefe do FED (Federal Reserve), o Banco Central americano, afirmou recentemente que a economia dos EUA é robusta e o nível de crescimento do emprego é muito bom.
O debate agora é sobre quando a nova crise explodirá. A maioria dos economistas e comentaristas, entretanto, não raciocina nesses termos; para eles, estamos em meio a uma recuperação econômica, apesar de reconhecidamente fraca, nas economias desenvolvidas.
Na superfície, a atual situação parece bem boa. O mercado de ações dos EUA continua acumulando altas e o chefe do FED (Federal Reserve), o Banco Central americano, afirmou recentemente que a economia dos EUA é robusta e o nível de crescimento do emprego é muito bom.
Outro dado apontado por eles: houve uma recuperação dos fluxos de capital estrangeiro para as economias emergentes no primeiro semestre de 2017, após dois anos de saídas.
Na última cúpula do G20, em Hamburgo, de 7 a 8 julho, seus líderes concentraram-se nas mudanças climáticas, comércio e desentendimentos com os Estados Unidos e pareceram complacentes com a condição econômica do mundo; eles não se preocuparam com nenhuma crise iminente.
Mas, abaixo da superfície calma, as águas estão fervendo e se agitando. Como Shakespeare escreveu em Hamlet, “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.
Ainda é difícil prever se a crise estourará em breve ou teremos o prolongamento desta “ferveção”; mas o fato é que a economia mundial está em apuros.
Em meio à fraca recuperação da economia global, muitos riscos sérios permanecem, escreveu em 5 de julho Martin Wolf, o principal comentarista financeiro do Financial Times:
“O risco mais provável é um colapso na cooperação global, talvez até mesmo um surto de conflitos”, escreveu. “Isso destruiria a estabilidade da economia mundial da qual todos dependem …”
Ainda segundo Wolf:
Nós, nos países que concentram a rende mundial, permitimos que o sistema financeiro desestabilizasse nossas economias. Em seguida, recusamos o recurso ao estímulo fiscal e monetário para sair rapidamente do mal-estar econômico pós-crise.
Quando uma nova crise financeira global explodir, os países em desenvolvimento serão mais prejudicados do que na última crise, pois se tornaram menos resistentes e mais vulneráveis. Eles precisam, portanto, se preparar para não se surpreenderem.
Nós falhamos e não conseguimos dar respostas às discrepâncias entre as diferentes economias, melhor e pior sucedidas. Isso foi um enorme erro. Agora, na medida em que as economias se recuperam, enfrentamos novos desafios: evitar a explosão da economia mundial, garantindo um crescimento compartilhado e sustentável. Infelizmente, parece que falharemos neste conjunto de desafios.
Uma análise abrangente e aprofundada da situação econômica global e da forma como afeta os países em desenvolvimento foi formulada em um artigo recente do economista-chefe do South Centre de Genebra, Yilmaz Akyuz.
Os EUA e a Europa geriram equivocadamente as consequências da crise de 2008 com o uso de políticas que terão efeitos muito adversos na maioria dos países em desenvolvimento, de acordo com o documento A crise financeira e o Sul global: impacto e perspectivas(South Centre Research – Paper 76).
Os países em desenvolvimento passaram pela crise de 2008 sem prejuízos maiores devido a certas condições, que já não existem. De lá para cá, entretanto, surgiram nesses países vulnerabilidades novas e perigosas que os expõem a sérios riscos na próxima crise.
Portanto, escreveu Akyuz, é imperativo que os países em desenvolvimento encarem de frente sua situação precária e atuem para proteger suas economias na medida do possível, para reduzir os efeitos da nova turbulência.
Para Akyuz, a crise pós-2008 transformou-se em uma terceira onda destrutiva para várias economias emergentes depois de ter varrido dos EUA para a Europa. Uma razão central foram as respostas equivocadas dos EUA e da Europa: “Há dois equívocos principais: a relutância em reduzir as dívidas através da reestruturação ordenada e a ortodoxia fiscal”.
Ainda segundo Akyuz:
Isso resultou em uma dependência excessiva da política monetária, com os bancos centrais entrando em águas inexploradas, lançando mão de taxas de juros zero e até negativas e expansão rápida de liquidez através de grandes aquisições de títulos.
Essas políticas não apenas fracassaram em garantir uma recuperação rápida, mas agravaram o hiato da demanda global, aumentando a desigualdade e a fragilidade financeira global ao produzir um crescimento brutal das dívidas e bolhas especulativas. Elas também geraram surtos deflacionários e desestabilizadores para as economias dos países em desenvolvimento.
Quando surgir uma nova crise, os países em desenvolvimento serão mais atingidos do que em 2008. Sua resiliência aos choques externos está fragilizada devido a três fatores:
Em primeiro lugar, muitas economias dos países em desenvolvimento aprofundaram sua integração ao sistema financeiro internacional, resultando em novas vulnerabilidades e alta exposição a choques externos.
Suas corporações alavancaram suas dívidas desde a crise, chegando a US$ 25 trilhões (95% do total do PIB desses países); e os títulos das dívidas desses países passaram de US$ 500 bilhões em 2008 para US$ 1,25 trilhão em 2016, com incremento nas taxa de juros e risco cambial.
Além disso, a presença estrangeira nos mercados financeiros locais atingiu níveis sem precedentes, aumentando sua susceptibilidade aos ciclos financeiros globais de expansão/contração.
Em segundo lugar, o saldo da balança de transações corrente e as posições líquidas de ativos estrangeiros de muitos países em desenvolvimento deterioraram-se significativamente desde a crise. Na maioria dos países, as reservas estrangeiras recentes advêm de entradas de capital em vez de excedentes comerciais. Este perfil é inadequado para enfrentar grandes saídas de capital.
Em terceiro lugar, os países agora têm opções de política econômica limitadas para responder a eventos adversos do exterior. Seu “espaço fiscal” para uma resposta da anticíclica aos choques deflacionários é muito mais limitado do que em 2009; eles perderam boa parcela da autonomia em política monetária e o controle sobre as taxas de juros, devido à sua profunda integração financeira global; e os regimes de taxa de câmbio flexível não são panaceia diante de choques financeiros.
“A maioria das economias em desenvolvimento está em uma posição frágil semelhante às décadas de 1970 e 1980, quando os booms nos fluxos de capital e os preços das commodities terminaram com uma crise da dívida depois da reviravolta brusca na política monetária dos EUA, custando-lhes uma década no desenvolvimento”, advertiu Akyuz.
Infelizmente, os países Sul não têm sido efetivos na reflexão sobre esses problemas nem na construção de uma ação coletiva.
São necessárias reformas globais para evitar que as potências transfiram os efeitos de suas políticas equivocadas aos países em desenvolvimento; igualmente, mecanismos globais são necessários para prevenir e gerenciar crises financeiras.
Houve muitas propostas de reforma no passado, mas quase nenhuma ação efetiva, devido à oposição dos países desenvolvidos.
“Agora, os riscos são altos demais para que os países em desenvolvimento continuem a deixar a gestão da economia global para uma ou duas grandes potências econômicas e para as instituições multilaterais que controlam”, concluiu Akyuz.
Se esta análise está correta, a crise que começou em 2008 entrará em território mais perigoso devido a novos fatores que atiçam as chamas neste momento.
As causas fundamentais da crise à frente são conhecidas, mas ainda é desconhecido que evento específico irá desencadeá-la e inflamar a nova fase da crise, e quando isso acontecerá.
Os países em desenvolvimento terão de fato uma posição menos robusta para enfrenta-la em comparação com a de 2008, por isso deveria haver uma posição menos complacente agora.
Cada país deve analisar seus próprios pontos fortes e fracos, suas vulnerabilidades a choques externos e preparar ações para mitigar antecipadamente a crise, em vez de esperar passivamente que ela, soterrando sua economia.
* Publicado originalmente no site South Centre. Tradução de Mauro Lopes.
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