Por Vinicius do Valle, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Bolsonaro e a guerra de movimento
Já foi levantado pelo antropólogo Piero Lieiner que Bolsonaro se utiliza de táticas militares em sua estratégica política. Seriam seus instrumentos as fake news, a categorização de perfis distintos para a produção de conteúdo político nas redes sob medida e a produção de informações oficiais dissonantes e, muitas vezes contraditórias, desnorteando imprensa e oposição. Não discordo de Piero Lieiner, mas creio que, tão importante quanto conhecer os instrumentos utilizados, é entender sua operacionalização ao longo dos embates políticos no tempo. Nesse sentido, é importante constar que Bolsonaro faz uso ativo da estratégia de guerra de movimento, e não só da de guerra de posição. Isso significa que a luta política é estabelecida de forma múltipla, em cadeia de movimentos articulados, conforme os fatos vão se sucedendo, agindo sempre com rapidez suficiente para estar vários passos à frente dos adversários, ainda que por vezes lance mão de ações aparentemente contraditórias.
Eis um exemplo de cadeia de movimentos: (1) Bolsonaro diz que o coronavírus é uma “gripezinha” que não iria atingir o Brasil e sua economia. (2) Assim que o vírus chega ao país, contrariando o postulado pelo presidente, seu filho diz que a culpa do vírus é da “ditadura comunista da China”. (3) Pouco tempo depois, antes que a crise diplomática estabelecida entre o Brasil e o gigante asiático custasse apoios ao governo, o ministro da Saúde passa a atuar de forma a levar a sério o vírus, atraindo a sociedade para o trabalho que o governo estaria fazendo. (4) Mas, dado que o enfrentamento ao vírus geraria um grande impacto econômico, Bolsonaro rapidamente vai à TV e condena o fechamento do comércio, colocando-se como protetor da atividade econômica e dos empregos, e jogando aos governadores e prefeitos o ônus das medidas de isolamento. (5) Ao mesmo tempo, os filhos do presidente produzem e replicam postagens afirmando que as aglomerações do Carnaval foram as responsáveis pela transmissão do vírus, e culpando artistas, prefeitos e governadores que promoveram as festas. (6) O ministro da Saúde volta a endossar a política de isolamento e a ressaltar a seriedade do quadro sanitário do país. (7) Conforme o número de mortos aumenta, Bolsonaro passa a desacreditar os dados oficiais, insinuando que médicos estariam mentindo sobre as estatísticas para prejudicar o governo. (8) Bolsonaro sai às ruas de Brasília para cumprimentar comerciantes, contrariando as medidas de isolamento defendidas pelo seu próprio ministro, e diz que tentará liberar a volta à normalidade por meio de um decreto. (9) Em meio a uma onda de críticas, Bolsonaro volta à TV em novo pronunciamento nacional, aparentemente recuando, atestando a realidade do vírus, a ausência de tratamento cientificamente comprovado e a necessidade de compatibilizar o combate à pandemia e a preservação dos empregos – ao mesmo tempo que atrasa a sanção do projeto já aprovado pelo Congresso de ajuda emergencial aos comerciantes, autônomos e vulneráveis, postergando o trâmite de socorro estatal aos mais necessitados.
No exemplo acima, os passos são dados de forma rápida, em questão de dias ou horas. A cada movimento, se constrói a narrativa de que Bolsonaro e seu governo estão lutando contra um inimigo forte que precisa ser derrotado para o bem do país. Isso deixa seus apoiadores constantemente mobilizados e em estado de guerra, enquanto a oposição atacada não consegue responder a todas as frentes em bloco e à altura. E mais: quando há algum recuo, os atos posteriores mostram que se tratava de mais um movimento estratégico para uma nova cadeia de ações que virá em sequência.
O enfrentamento ao bolsonarismo
Está claro, para os meios civilizados da política e da sociedade brasileiras, que Bolsonaro é, hoje, uma grande ameaça ao país. Permanecendo na Presidência da República, os estragos gerados serão incomensuráveis. Para enfrentá-lo, no entanto, é preciso entender as técnicas da guerra bolsonarista. A criação do caos e a guerra de movimento, como se vê, são elementos chave nesse entendimento. Contra eles, os setores responsáveis da política brasileira devem agir estrategicamente. Assim, é preciso minimizar o alcance de movimento do bolsonarismo, encurralando-o a partir de outros movimentos rápidos e certeiros. Em outras palavras, é preciso promover uma situação em que Bolsonaro tenha pouca margem de manobra, de modo que possa ser tirado do poder com poucas ações e em curto espaço de tempo. Para isso, independente do método adotado – impeachment, acusação de crime comum, afastamento por incapacidade ou renúncia –, é preciso encurtar prazos e agir coordenadamente. Mais do que nunca, faz-se necessária a coordenação política entre as diferentes forças democráticas, desde a oposição até ex-bolsonaristas que abandonaram – e continuam a abandonar – o barco do capitão. Do contrário, dado o cenário atual, não só teremos perdas políticas, mas também de milhares de vidas.
* Vinicius do Valle é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor da Faculdade Santa Marcelina. É autor de Entre a religião e o lulismo: um estudo com pentecostais em São Paulo, publicado pela editora Recriar (2019).
Nos últimos dias, estamos assistindo ao presidente Jair Bolsonaro lutar em diversas frentes contra a estratégia de isolamento social, contrariando recomendações da OMS, de epidemiologistas, de estatísticos, de cientistas de dados e de demais pesquisadores que, neste momento, estudam o vírus e sua disseminação no mundo. Há quem diga que a preocupação do presidente é econômica, mas não há, até agora, qualquer grande economista, das mais diferentes tradições econômicas – dos liberais Armínio Fraga e Marcos Lisboa aos heterodoxos Bresser Pereira e Laura Carvalho –, que defenda a volta do país à normalidade. É sabido, entre qualquer um deles, que em uma sociedade com o sistema de saúde em colapso total não há economia possível. Há diferenças entre os economistas, mas elas são sobre como o Estado deve se portar frente à necessidade de estímulo econômico para a amenização dos efeitos da crise, e não sobre a necessidade de restrição das atividades não emergenciais.
Há quem também diga que as atitudes de Bolsonaro seguem a direção de Donald Trump, que tem servido de modelo político desde o início para o governo brasileiro. No entanto, enganam-se, pois mesmo Trump não recomendou a volta imediata dos norte-americanos ao trabalho. O que fez foi dizer que, antes do que se previa, as coisas deveriam voltar ao normal. Na última semana, os Estados Unidos passaram a China em número total de infectados, o que levou o presidente norte-americano a voltar atrás em suas declarações.
Bolsonaro não quer, simplesmente, que as pessoas voltem a trabalhar. Para isso seria possível, talvez, um plano e um prazo arquitetados para tal. Encomenda maciça de testes para covid-19, rastreamento de infectados, isolamento rigoroso em regiões de alto índice de contágio, isolamento vertical em outras, vida próxima do normal em outras, com a situação monitorada em tempo real por uma equipe técnica de ponta montada para essa função. Em conjunto, talvez, com medidas econômicas de socorro aos principais afetados pelas paralisações pontuais.
Mas não é o caso. Bolsonaro diz querer que todos voltem ao trabalho, e voltem já. E para expressar sua vontade, arquiteta minuciosamente sua comunicação para inflamar sua base de apoiadores. Para tanto, não se poupa de utilizar ironias e ataques a inimigos ideológicos e adversários políticos – sejam governadores, prefeitos, jornalistas, veículos da imprensa e até mesmo o médico Dráuzio Varella.
Há quem também diga que as atitudes de Bolsonaro seguem a direção de Donald Trump, que tem servido de modelo político desde o início para o governo brasileiro. No entanto, enganam-se, pois mesmo Trump não recomendou a volta imediata dos norte-americanos ao trabalho. O que fez foi dizer que, antes do que se previa, as coisas deveriam voltar ao normal. Na última semana, os Estados Unidos passaram a China em número total de infectados, o que levou o presidente norte-americano a voltar atrás em suas declarações.
Bolsonaro não quer, simplesmente, que as pessoas voltem a trabalhar. Para isso seria possível, talvez, um plano e um prazo arquitetados para tal. Encomenda maciça de testes para covid-19, rastreamento de infectados, isolamento rigoroso em regiões de alto índice de contágio, isolamento vertical em outras, vida próxima do normal em outras, com a situação monitorada em tempo real por uma equipe técnica de ponta montada para essa função. Em conjunto, talvez, com medidas econômicas de socorro aos principais afetados pelas paralisações pontuais.
Mas não é o caso. Bolsonaro diz querer que todos voltem ao trabalho, e voltem já. E para expressar sua vontade, arquiteta minuciosamente sua comunicação para inflamar sua base de apoiadores. Para tanto, não se poupa de utilizar ironias e ataques a inimigos ideológicos e adversários políticos – sejam governadores, prefeitos, jornalistas, veículos da imprensa e até mesmo o médico Dráuzio Varella.
Estratégia do caos
Bolsonaro, deliberadamente, quer o caos. E sabe que, para tal, não precisa que suas ações tenham sempre respaldo institucional – basta agitar seus apoiadores ou promulgar algum decreto que será invalidado na sequência. Por isso, entra com MP para impedir medidas sanitárias aplicadas por estados e municípios. Por isso, atrasa ações econômicas de socorro, fazendo o Congresso ter que tomar iniciativas que seriam do Executivo, antes que a situação social piore. Por isso, ao mesmo tempo que chama a doença de “gripezinha”, manda que o ministro da Saúde sugira a suspensão das eleições municipais, alegando incerteza sobre qual será o cenário do país em outubro. Por isso, em vez de criar um plano de volta à normalidade com mínimos critérios técnicos, prefere usar suas redes sociais para incentivar carreatas e manifestações pela volta das atividades regulares. Se por um lado, segue vagaroso em ações no plano econômico e da saúde pública, por outro, cria uma campanha publicitária em tempo recorde, encomendada sem licitação e custando R$ 4,9 milhões, para convencer a população a sair de casa. O método e o objetivo das ações de Bolsonaro só podem ser entendidos sob a ótica do caos. Essa característica, aliás, é um dos pontos que distingue o bolsonarismo de outros movimentos políticos de direita, no Brasil e ao redor do mundo.
Fruto de um ambiente de radicalização política e conflito do Brasil após 2013, o bolsonarismo precisa do embate constante para manter-se vivo. Enquanto era oposição, o conflito era contra o PT. Eleito, em meio a uma conjuntura particular e beneficiado pelo episódio da facada, o bolsonarismo precisa criar a narrativa de que é um movimento minoritário e está em guerra contra o “sistema”, conforme nos mostra o filósofo Marcos Nobre. O “sistema” passa então a ser encarado como toda a esfera institucional da democracia brasileira, o que impede que o bolsonarismo possa governar em aliança com as forças tradicionais da política nacional. Ou, ao menos, impede que faça essas alianças às claras, segundo as formas clássicas do presidencialismo de coalizão. A imagem de antissistema permite que o bolsonarismo se mantenha ativo entre os setores radicais e raivosos da política brasileira emergidos no pós 2013, e casa muito bem com o imaginário cristão de um “messias solitário lutando contra as forças do mal num momento pré-apocalíptico” – o que ajuda a explicar seu sucesso no meio evangélico. Mas, para manter essa imagem, Bolsonaro precisa estar constantemente em conflito.
Além da natureza do bolsonarismo evocar o conflito constante, há também interesses objetivos do presidente em provocar uma situação de caos social:
– Uma forte instabilidade poderia servir de justificativa para que o presidente baixasse uma operação de garantia da lei e da ordem. Em situações limite, poderia baixar também o estado de sítio. Em ambas, ganharia poderes adicionais.
– Um quadro de instabilidade e violência nas ruas poderia também gerar uma situação propícia a um golpe militar.
– Situações de caos social propiciam o surgimento e o fortalecimento de organizações extra institucionais de segurança – as chamadas milícias. A relação entre milícias e a família Bolsonaro é conhecida e notável. O fortalecimento desses grupos, inclusive, pode ser visto como parte da estratégia bolsonarista de se contrapor às alas moderadas do Exército e das polícias, consideradas também como parte do “sistema”. No limite, o fortalecimento das milícias pode também ser visto como uma estratégia para um futuro golpe.
– Mesmo para aqueles que acreditam que Bolsonaro não teria intenções ou condições para medidas de exceção, é certo que ele e seu clã disputarão outras eleições. Para poder ser bem sucedida nelas, a família precisará de situações de caos para continuar alimentando e liderando a camada social que lhe serve de base.
Bolsonaro, deliberadamente, quer o caos. E sabe que, para tal, não precisa que suas ações tenham sempre respaldo institucional – basta agitar seus apoiadores ou promulgar algum decreto que será invalidado na sequência. Por isso, entra com MP para impedir medidas sanitárias aplicadas por estados e municípios. Por isso, atrasa ações econômicas de socorro, fazendo o Congresso ter que tomar iniciativas que seriam do Executivo, antes que a situação social piore. Por isso, ao mesmo tempo que chama a doença de “gripezinha”, manda que o ministro da Saúde sugira a suspensão das eleições municipais, alegando incerteza sobre qual será o cenário do país em outubro. Por isso, em vez de criar um plano de volta à normalidade com mínimos critérios técnicos, prefere usar suas redes sociais para incentivar carreatas e manifestações pela volta das atividades regulares. Se por um lado, segue vagaroso em ações no plano econômico e da saúde pública, por outro, cria uma campanha publicitária em tempo recorde, encomendada sem licitação e custando R$ 4,9 milhões, para convencer a população a sair de casa. O método e o objetivo das ações de Bolsonaro só podem ser entendidos sob a ótica do caos. Essa característica, aliás, é um dos pontos que distingue o bolsonarismo de outros movimentos políticos de direita, no Brasil e ao redor do mundo.
Fruto de um ambiente de radicalização política e conflito do Brasil após 2013, o bolsonarismo precisa do embate constante para manter-se vivo. Enquanto era oposição, o conflito era contra o PT. Eleito, em meio a uma conjuntura particular e beneficiado pelo episódio da facada, o bolsonarismo precisa criar a narrativa de que é um movimento minoritário e está em guerra contra o “sistema”, conforme nos mostra o filósofo Marcos Nobre. O “sistema” passa então a ser encarado como toda a esfera institucional da democracia brasileira, o que impede que o bolsonarismo possa governar em aliança com as forças tradicionais da política nacional. Ou, ao menos, impede que faça essas alianças às claras, segundo as formas clássicas do presidencialismo de coalizão. A imagem de antissistema permite que o bolsonarismo se mantenha ativo entre os setores radicais e raivosos da política brasileira emergidos no pós 2013, e casa muito bem com o imaginário cristão de um “messias solitário lutando contra as forças do mal num momento pré-apocalíptico” – o que ajuda a explicar seu sucesso no meio evangélico. Mas, para manter essa imagem, Bolsonaro precisa estar constantemente em conflito.
Além da natureza do bolsonarismo evocar o conflito constante, há também interesses objetivos do presidente em provocar uma situação de caos social:
– Uma forte instabilidade poderia servir de justificativa para que o presidente baixasse uma operação de garantia da lei e da ordem. Em situações limite, poderia baixar também o estado de sítio. Em ambas, ganharia poderes adicionais.
– Um quadro de instabilidade e violência nas ruas poderia também gerar uma situação propícia a um golpe militar.
– Situações de caos social propiciam o surgimento e o fortalecimento de organizações extra institucionais de segurança – as chamadas milícias. A relação entre milícias e a família Bolsonaro é conhecida e notável. O fortalecimento desses grupos, inclusive, pode ser visto como parte da estratégia bolsonarista de se contrapor às alas moderadas do Exército e das polícias, consideradas também como parte do “sistema”. No limite, o fortalecimento das milícias pode também ser visto como uma estratégia para um futuro golpe.
– Mesmo para aqueles que acreditam que Bolsonaro não teria intenções ou condições para medidas de exceção, é certo que ele e seu clã disputarão outras eleições. Para poder ser bem sucedida nelas, a família precisará de situações de caos para continuar alimentando e liderando a camada social que lhe serve de base.
Bolsonaro e a guerra de movimento
Já foi levantado pelo antropólogo Piero Lieiner que Bolsonaro se utiliza de táticas militares em sua estratégica política. Seriam seus instrumentos as fake news, a categorização de perfis distintos para a produção de conteúdo político nas redes sob medida e a produção de informações oficiais dissonantes e, muitas vezes contraditórias, desnorteando imprensa e oposição. Não discordo de Piero Lieiner, mas creio que, tão importante quanto conhecer os instrumentos utilizados, é entender sua operacionalização ao longo dos embates políticos no tempo. Nesse sentido, é importante constar que Bolsonaro faz uso ativo da estratégia de guerra de movimento, e não só da de guerra de posição. Isso significa que a luta política é estabelecida de forma múltipla, em cadeia de movimentos articulados, conforme os fatos vão se sucedendo, agindo sempre com rapidez suficiente para estar vários passos à frente dos adversários, ainda que por vezes lance mão de ações aparentemente contraditórias.
Eis um exemplo de cadeia de movimentos: (1) Bolsonaro diz que o coronavírus é uma “gripezinha” que não iria atingir o Brasil e sua economia. (2) Assim que o vírus chega ao país, contrariando o postulado pelo presidente, seu filho diz que a culpa do vírus é da “ditadura comunista da China”. (3) Pouco tempo depois, antes que a crise diplomática estabelecida entre o Brasil e o gigante asiático custasse apoios ao governo, o ministro da Saúde passa a atuar de forma a levar a sério o vírus, atraindo a sociedade para o trabalho que o governo estaria fazendo. (4) Mas, dado que o enfrentamento ao vírus geraria um grande impacto econômico, Bolsonaro rapidamente vai à TV e condena o fechamento do comércio, colocando-se como protetor da atividade econômica e dos empregos, e jogando aos governadores e prefeitos o ônus das medidas de isolamento. (5) Ao mesmo tempo, os filhos do presidente produzem e replicam postagens afirmando que as aglomerações do Carnaval foram as responsáveis pela transmissão do vírus, e culpando artistas, prefeitos e governadores que promoveram as festas. (6) O ministro da Saúde volta a endossar a política de isolamento e a ressaltar a seriedade do quadro sanitário do país. (7) Conforme o número de mortos aumenta, Bolsonaro passa a desacreditar os dados oficiais, insinuando que médicos estariam mentindo sobre as estatísticas para prejudicar o governo. (8) Bolsonaro sai às ruas de Brasília para cumprimentar comerciantes, contrariando as medidas de isolamento defendidas pelo seu próprio ministro, e diz que tentará liberar a volta à normalidade por meio de um decreto. (9) Em meio a uma onda de críticas, Bolsonaro volta à TV em novo pronunciamento nacional, aparentemente recuando, atestando a realidade do vírus, a ausência de tratamento cientificamente comprovado e a necessidade de compatibilizar o combate à pandemia e a preservação dos empregos – ao mesmo tempo que atrasa a sanção do projeto já aprovado pelo Congresso de ajuda emergencial aos comerciantes, autônomos e vulneráveis, postergando o trâmite de socorro estatal aos mais necessitados.
No exemplo acima, os passos são dados de forma rápida, em questão de dias ou horas. A cada movimento, se constrói a narrativa de que Bolsonaro e seu governo estão lutando contra um inimigo forte que precisa ser derrotado para o bem do país. Isso deixa seus apoiadores constantemente mobilizados e em estado de guerra, enquanto a oposição atacada não consegue responder a todas as frentes em bloco e à altura. E mais: quando há algum recuo, os atos posteriores mostram que se tratava de mais um movimento estratégico para uma nova cadeia de ações que virá em sequência.
O enfrentamento ao bolsonarismo
Está claro, para os meios civilizados da política e da sociedade brasileiras, que Bolsonaro é, hoje, uma grande ameaça ao país. Permanecendo na Presidência da República, os estragos gerados serão incomensuráveis. Para enfrentá-lo, no entanto, é preciso entender as técnicas da guerra bolsonarista. A criação do caos e a guerra de movimento, como se vê, são elementos chave nesse entendimento. Contra eles, os setores responsáveis da política brasileira devem agir estrategicamente. Assim, é preciso minimizar o alcance de movimento do bolsonarismo, encurralando-o a partir de outros movimentos rápidos e certeiros. Em outras palavras, é preciso promover uma situação em que Bolsonaro tenha pouca margem de manobra, de modo que possa ser tirado do poder com poucas ações e em curto espaço de tempo. Para isso, independente do método adotado – impeachment, acusação de crime comum, afastamento por incapacidade ou renúncia –, é preciso encurtar prazos e agir coordenadamente. Mais do que nunca, faz-se necessária a coordenação política entre as diferentes forças democráticas, desde a oposição até ex-bolsonaristas que abandonaram – e continuam a abandonar – o barco do capitão. Do contrário, dado o cenário atual, não só teremos perdas políticas, mas também de milhares de vidas.
* Vinicius do Valle é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor da Faculdade Santa Marcelina. É autor de Entre a religião e o lulismo: um estudo com pentecostais em São Paulo, publicado pela editora Recriar (2019).
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