Por Marco Piva, no site Dom Total:
Desde o assassinato de Martin Luther King, em 1968, os Estados Unidos não assistiam as cenas que estão acontecendo como consequência do brutal assassinato de George Floyd, um morador negro de Minneapolis asfixiado até a morte pelo policial branco Derek Chauvin. Em varias partes do país, explodiram manifestações de indignação. Algumas pacíficas, outras violentas. Mas, o sentido parece ser apenas um: o racismo não tem mais vez na sociedade norte-americana.
Se Donald Trump seguir ameaçando governadores e prefeitos para que endureçam a repressão policial contra os manifestantes, por ele chamados de “terroristas domésticos”, é bem possível que o processo eleitoral marcado para 3 de novembro tenha uma guinada favorável a Joe Biden.
Nesse sentido, a vitalidade dos protestos extrapola a morte cruel de Floyd. Lembram o assassinato de Eric Garner, em 2014, e de muitos outros negros, vítimas de ações policiais violentas. Um cenário que só encontra paralelo em sociedades marcadas historicamente pela injustiça e a desigualdade. O fim das leis de segregação racial nos Estados Unidos, é bom lembrar, tem menos de 70 anos. É muito pouco tempo para que um povo, formado por diferentes raças e culturas, possa superar rancores acumulados.
A eleição de Trump trouxe o empoderamento de uma parcela social que sempre odiou negros. São os chamados “supremacistas brancos”. Para eles, não há dúvida de que Trump resgata as melhores tradições patrióticas ao enfrentar com coragem inimigos externos como a China, a Venezuela e o Irã, assim como os inimigos domésticos, personificados nos negros, nas mulheres, no público LGBT+ e nos “condenados da Terra”, na feliz expressão de Frantz Fanon.
Mas, como diria Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”. Essa pedra é o poder de indignação que a morte de George Floyd provocou em diferentes setores da sociedade, cansados de tanta arrogância e ameaças na condução do país nas mãos de Trump. Aos negros, somaram-se outras milhares de pessoas, de diferentes raças, culturas e classes sociais. De Massachusetts a California, passando por Kentucky, o grito de guerra é um só: “I can’t breathe” (Eu não posso respirar). Essa foi a última frase de Floyd antes de morrer sob o joelho do policial branco Derek Chauvin, que está preso sob a acusação de homicídio culposo, apesar de todas as evidências de assassinato.
Já faz algum tempo que a extrema-direita decidiu entrar no jogo político para valer, ressuscitando velhos fantasmas e inimigos. A Ku Klux Klan, de triste passado, voltou a colocar as manguinhas de fora. A versão moderna fica para o Tea Party. Lá como aqui no Brasil, a similaridade de situação impressiona. As hostes extremistas advogam a sua liberdade de liquidar a liberdade de quem pensa diferente, usando a democracia para matar a própria democracia.
De quais valores esses elementos são forjados¿ Países com histórico de opressão sobre populações escravizadas são o retrato acabado de como estruturas iníquas de dominação demoram a ser superadas por práticas mais humanas e solidárias. Os negros do Brasil foram jogados às ruas após a abolição da escravatura, sem qualquer direito ou indenização pelos quase três séculos de exploração. E nas ruas, becos e favelas permanecem vivendo. Muito pouco se avançou e o racismo, disfarçado sob o manto da miscigenação de raças, gerou uma figura de retórica bem apropriada para a manutenção de um sistema violento de dominação de classe, cuja expressão é a ação policial nas periferias das grandes cidades.
A diferença do Brasil com os Estados Unidos é que um George Floyd lá vale muito mais do que um pobre menino negro chamado João Pedro aqui. Já que as mortes de negros em nosso país pouco ou nada mobilizam a consciência social da maioria, quem sabe uma possível derrota de Trump em novembro possa, pelo menos, fazer com que Jair Bolsonaro fique sem um líder para bater continência e chamar de seu.
* Marco Piva é jornalista, apresentador do programa 'Brasil Latino', na Rádio USP, e diretor de redação do canal youtube 'O Planeta Azul'.
Desde o assassinato de Martin Luther King, em 1968, os Estados Unidos não assistiam as cenas que estão acontecendo como consequência do brutal assassinato de George Floyd, um morador negro de Minneapolis asfixiado até a morte pelo policial branco Derek Chauvin. Em varias partes do país, explodiram manifestações de indignação. Algumas pacíficas, outras violentas. Mas, o sentido parece ser apenas um: o racismo não tem mais vez na sociedade norte-americana.
Se Donald Trump seguir ameaçando governadores e prefeitos para que endureçam a repressão policial contra os manifestantes, por ele chamados de “terroristas domésticos”, é bem possível que o processo eleitoral marcado para 3 de novembro tenha uma guinada favorável a Joe Biden.
Nesse sentido, a vitalidade dos protestos extrapola a morte cruel de Floyd. Lembram o assassinato de Eric Garner, em 2014, e de muitos outros negros, vítimas de ações policiais violentas. Um cenário que só encontra paralelo em sociedades marcadas historicamente pela injustiça e a desigualdade. O fim das leis de segregação racial nos Estados Unidos, é bom lembrar, tem menos de 70 anos. É muito pouco tempo para que um povo, formado por diferentes raças e culturas, possa superar rancores acumulados.
A eleição de Trump trouxe o empoderamento de uma parcela social que sempre odiou negros. São os chamados “supremacistas brancos”. Para eles, não há dúvida de que Trump resgata as melhores tradições patrióticas ao enfrentar com coragem inimigos externos como a China, a Venezuela e o Irã, assim como os inimigos domésticos, personificados nos negros, nas mulheres, no público LGBT+ e nos “condenados da Terra”, na feliz expressão de Frantz Fanon.
Mas, como diria Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”. Essa pedra é o poder de indignação que a morte de George Floyd provocou em diferentes setores da sociedade, cansados de tanta arrogância e ameaças na condução do país nas mãos de Trump. Aos negros, somaram-se outras milhares de pessoas, de diferentes raças, culturas e classes sociais. De Massachusetts a California, passando por Kentucky, o grito de guerra é um só: “I can’t breathe” (Eu não posso respirar). Essa foi a última frase de Floyd antes de morrer sob o joelho do policial branco Derek Chauvin, que está preso sob a acusação de homicídio culposo, apesar de todas as evidências de assassinato.
Já faz algum tempo que a extrema-direita decidiu entrar no jogo político para valer, ressuscitando velhos fantasmas e inimigos. A Ku Klux Klan, de triste passado, voltou a colocar as manguinhas de fora. A versão moderna fica para o Tea Party. Lá como aqui no Brasil, a similaridade de situação impressiona. As hostes extremistas advogam a sua liberdade de liquidar a liberdade de quem pensa diferente, usando a democracia para matar a própria democracia.
De quais valores esses elementos são forjados¿ Países com histórico de opressão sobre populações escravizadas são o retrato acabado de como estruturas iníquas de dominação demoram a ser superadas por práticas mais humanas e solidárias. Os negros do Brasil foram jogados às ruas após a abolição da escravatura, sem qualquer direito ou indenização pelos quase três séculos de exploração. E nas ruas, becos e favelas permanecem vivendo. Muito pouco se avançou e o racismo, disfarçado sob o manto da miscigenação de raças, gerou uma figura de retórica bem apropriada para a manutenção de um sistema violento de dominação de classe, cuja expressão é a ação policial nas periferias das grandes cidades.
A diferença do Brasil com os Estados Unidos é que um George Floyd lá vale muito mais do que um pobre menino negro chamado João Pedro aqui. Já que as mortes de negros em nosso país pouco ou nada mobilizam a consciência social da maioria, quem sabe uma possível derrota de Trump em novembro possa, pelo menos, fazer com que Jair Bolsonaro fique sem um líder para bater continência e chamar de seu.
* Marco Piva é jornalista, apresentador do programa 'Brasil Latino', na Rádio USP, e diretor de redação do canal youtube 'O Planeta Azul'.
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