Protesto em Cusco (14/01/23). Foto: Martin Mejía/AP |
O povo peruano é um povo sofrido. Suas penúrias começaram quando as forças de Francisco Pizarro chegaram por ali no século XVI. A partir de então, a outrora virtuosa civilização Inca se viu submetida a um calvário infinito.
Com a ocupação de seu solo pelas expedições europeias, as até então altivas populações indígenas peruanas se viram subjugadas e obrigadas a sobreviver de modo vil e indigno em suas próprias terras milenares.
O passar do tempo só levou ao agravamento da situação. A oligarquia peruana de ascendência espanhola foi se tornando o que de mais nefasto a mentalidade colonialista poderia gerar. E, como desgraça pouca é bobagem, as camadas médias que orbitam em torno dessa oligarquia são das mais preconceituosas e racistas do continente. Para usar uma metáfora bem elucidativa, poderíamos dizer que a classe média peruana foi concebida e forjada desde seus primórdios no mais puro espírito do bolsonarismo.
Porém, depois de séculos de imensas opressão e espoliação, as maiorias populares peruanas puderam levar ao comando do governo de seu país alguém com quem se sentiam identificadas. Foi assim que, em meados de 2021, depois de vencer as eleições e superar todos os gigantescos obstáculos que lhe foram antepostos para tentar impedir sua posse, Pedro Castillo assumiu o cargo de Presidente da nação.
Foi uma audácia que a oligarquia e as camadas médias que lhe são subservientes jamais perdoaram. E tanto não perdoaram que tomaram a decisão de inviabilizar a gestão indesejada desde o primeiro dia de seu governo. Como Pedro Castillo não contava com um número significativo de representantes no corpo legislativo, a sorte de sua administração ficava por conta da esmagadora maioria de deputados opositores, ou seja, de fiéis servidores da velha e conhecida oligarquia.
Como já é de conhecimento de todos, o primeiro governante peruano de origem popular não teve condições de efetivar nem uma só das propostas para as quais tinha sido eleito por seu povo. Nem sequer os membros de seu gabinete ministerial Pedro Castillo conseguia nomear. O resultado é que houve quase um ano inteiro de completa paralisia do governo. Nada lhe era permitido, tudo lhe era proibido.
Para agravar a situação, apesar de ser uma liderança popular e carismática entre as massas camponesas e indígenas, Pedro Castillo não era um hábil quadro político e nem dispunha de uma organização político-partidária de peso para lhe dar sustentação. Em vista disso, sua debilidade foi se acentuando a cada dia. Até que a oligarquia chegou à conclusão de que era o momento de pôr fim àquela experiência alheia a seu estrato social e a seus interesses.
Portanto, aproveitando-se do isolamento político em que Pedro Castillo se encontrava, a mando da oligarquia, a maioria parlamentar tomou a decisão de destituir o presidente eleito e substituí-lo por sua vice, que já tinha dado suficiente mostras de estar imbuída do consagrado espírito de Michel Temer. Em uma rápida resolução, o presidente eleito foi afastado do cargo e preso. Assim, a oligarquia voltava a comandar a máquina do Estado que sempre tinha funcionado a seu serviço.
Tudo parecia estar indo bem. No entanto, algo inesperado aconteceu. A revolta eclodiu entre aquelas massas de camponeses e indígenas que, pela primeira vez em séculos, tinham sentido um pouquinho da sensação de também serem seres humanos iguais aos outros. Eles não estavam dispostos a aceitar passivamente sua volta à antiga situação de submissão total aos interesses oligárquicos. E, em vista disto, o Peru entrou em ebulição.
Desde o primeiro dia da deposição de seu presidente, as massas populares peruanas estão nas ruas exigindo o fim do governo usurpador, a convocação de novas eleições e a libertação de Pedro Castillo. Inúmeras manifestações multitudinárias vêm sendo realizadas por todo o Peru. Esta movimentação se mostra mais intensa nas regiões do sul peruano, onde há uma maior concentração de camponeses e indígenas.
A resposta da oligarquia peruana e do governo usurpador de Dina Boluarte não se fez esperar. Está havendo uma matança impiedosa. As tropas militares estão sendo usadas com ordens para exterminar a balas toda e qualquer resistência de parte do povo a acatar o domínio da administração surgida do golpe. Até o momento, a pouco mais de um mês de tomar o poder, as forças repressivas a serviço da oligarquia já ceifaram a vida de quase meia centena de pessoas.
Não se trata de uma guerra. É um confronto inteiramente desigual. Por um lado, temos o povo trabalhador humilde, absolutamente desprovido de armamentos, contando tão somente com suas mãos, sua voz e sua esperança de viver em um mundo mais justo. Do outro, estão o exército, as polícias e todo o aparato repressivo do Estado, todos eles fartamente armados e decididos a atirar para matar em todas as circunstâncias.
A morte de tanta gente simples e trabalhadora no Peru não pode ser indiferente a nenhum humanista em nenhum lugar. Não devemos fechar os olhos a tanta atrocidade e crueldade. O povo peruano precisa de nossa solidariedade neste momento tão difícil que está vivenciando. É importante alçar nossa voz em protesto contra os massacres que estão sendo praticados pelas forças repressivas do novo governo oligarca do Peru.
O vídeo do link (https://youtu.be/SG2FW7YPGhU) mostra evidências do sofrimento dos camponeses e indígenas do Peru neste momento. Fiz a tradução ao português e elaborei as respectivas legendas no intuito de torná-lo mais acessível a todos. Seria de grande valia vê-lo com atenção, refletir acerca de seu conteúdo e divulgá-lo ao máximo. É o mínimo que podemos fazer em solidariedade ao povo irmão do Peru.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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