Foto: MST |
Nas últimas semanas jornais, blogs e sites de política têm noticiado o anúncio feito pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, da criação da CPI do MST. É objetivo da CPI “investigar a onda de invasões de terras pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), grupos de indígenas, entre outros”. Em alguns estados CPIs similares estão sendo instaladas.
O pedido para a criação da CPI foi assinado por 172 parlamentares, cuja leitura permite identificar delegados, pastores, sargentos, capitães, coronéis, bem como um conjunto significativo de parlamentares que formam as Frentes Parlamentares Evangélica e Católica Apostólica Romana.
Já disseram que o Brasil não é para pessoas amadoras. Compreender esta teia complexa que liga ruralistas, defensores de armas, cristãos de múltiplas vertentes e militares é realmente difícil, considerando que, desde a perspectiva cristã, a terra tem uma função social. Princípio este que é também, por coincidência, ou não, constitucional. Ao ter sua função social reconhecida, a terra não deveria ser transformada em mercadoria. Seu uso deve ser feito para atender às necessidades básicas de alimentação de todos os seres vivos. Ao mesmo tempo, a função social da terra, compreende a preservação e proteção dos biomas.
Ao assinar a CPI do MST, parlamentares evangélicos e católicos tornam explícita a complexa trama ideológica e teológica que envolve financeirização dos recursos naturais, acumulação de riquezas e militarização da vida em sociedade. Capital, fé e exército foram a tríade perfeita dos poderes colonialistas desde tempos imemoriais.
O movimento ecumênico brasileiro tem denunciado há bastante tempo as alianças entre os fundamentalismos econômico, religioso e político em sua cruzada contra os direitos humanos, sociais, culturais, ambientais e coletivos.
Há uma teologia que alicerça a aliança tríplice fundamentalista que se materializa no pedido da “CPI do MST”. Trata-se de uma concepção teológica, presente em muitos textos bíblicos e denunciada por profetas e profetizas, que vincula a tríade Palácio - Templo – Exército. Mudanças cosméticas não mudaram o secular objetivo de manter a ordem que sustenta as elites agrárias.
Estamos no século XXI, tempo em que as mudanças climáticas colocam em suspensão a continuidade da vida no planeta. No entanto, nem a ameaça de um fim próximo é o suficiente para abalar a falsa compreensão de que o direito à propriedade privada da terra está acima do bem coletivo.
É provável que os parlamentares cristãos que esbravejam a favor da CPI do MST nunca tenham ouvido um hino cantado em muitas igrejas, cujo estribilho lembra que “se a Terra pertence a Deus, como Ele mesmo ensinou, reparti-la com todos os seus, do princípio ao fim desejou!”.
* Romi Bencke é pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, graduada em Teologia pelas Faculdades EST (São Leopoldo), mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da UFJF. Em 2013 recebeu o prêmio de Direitos Humanos na categoria Promoção e Respeito à Diversidade Religiosa. Atualmente ocupa a função de secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) e integra o grupo coordenador do Fórum Ecumênico ACT Brasil.
1 comentários:
Excelente texto da Pa. Romi. A terra é de Deus; aos seres humanos (todos os seres humanos) foi autorizado o uso da terra na justa medida do seu sustento. O objetivo não é a exploração indevida e exacerbada, tampouco é que alguns poucos dela se apropriem. A função social da terra, de modo ecologicamente sustentável, é o propósito prioritário de Deus. A propriedade privada é uma construção de um sistema exploratório e injusto.
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