Por Graziela Wolfart, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos (IHU):
"Pela primeira vez no continente, políticas que reestruturam os sistemas de comunicação prosperam nas agendas públicas. É uma tentativa de superar a histórica letargia do Estado diante da avassaladora concentração das indústrias de informação e entretenimento nas mãos de um reduzido número de corporações, quase sempre pertencentes a dinastias familiares". A afirmação é de Dênis de Moraes, autor do livro recém-lançado pela Mauad Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação.
"Pela primeira vez no continente, políticas que reestruturam os sistemas de comunicação prosperam nas agendas públicas. É uma tentativa de superar a histórica letargia do Estado diante da avassaladora concentração das indústrias de informação e entretenimento nas mãos de um reduzido número de corporações, quase sempre pertencentes a dinastias familiares". A afirmação é de Dênis de Moraes, autor do livro recém-lançado pela Mauad Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação.
Na entrevista que concedeu por e-mail para a IHU On-Line sobre a obra, ele declara que "a chamada grande imprensa é a primeira a faltar com isenção e neutralidade quando intenta orientar ideologicamente os leitores, em editoriais e artigos; quando adota juízos particulares para selecionar, tratar e hierarquizar as informações; quando exerce controle sobre o que vai ser difundido, restringindo, silenciando ou amplificando questões e pontos de vista; quando nos diz quais são os escândalos, as crises, os banhos de sangue e as tragédias que devem ser conhecidos, discutidos, aceitos, rejeitados ou tolerados; quando espetaculariza situações e até guerras e atentados, seja para despertar comoção e adesão, seja para infundir ódio e preconceito, ou mesmo para naturalizar desigualdades; e ainda quando descontextualiza e isola as notícias de suas causas ou consequências históricas, políticas e culturais". E conclui: "o prosseguimento das transformações em curso na América Latina dependerá, fundamentalmente, de vontade política permanente e de uma sólida sustentação popular às iniciativas democratizadoras de governos progressistas".
Dênis de Moraes é professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense, pesquisador do CNPq e da Faperj, autor e organizador de vários livros, entre os quais Mutações do visível: da comunicação de massa à comunicação em rede (Rio de Janeiro: Pão e Rosas Editora, 2010), A batalha da mídia (Rio de Janeiro: Pão e Rosas Editora, 2009), Sociedade midiatizada (Rio de Janeiro: Mauad, 2006) e Por uma outra comunicação (Rio de Janeiro: Record, 2003).
Confira a entrevista.
Que relações podem ser estabelecidas entre as novas ações comunicacionais e os reordenamentos políticos, econômicos e socioculturais promovidos por "governos eleitos com as bandeiras da justiça social e da inclusão das massas nos processos de desenvolvimento"?
O debate sobre a participação do poder público nos sistemas de comunicação da América Latina ganhou ímpeto com o consenso estabelecido entre governos progressistas quanto à importância de se fortalecer a pluralidade e facilitar o acesso dos cidadãos à informação, ao conhecimento e às tecnologias. Pela primeira vez no subcontinente, políticas que reestruturam os sistemas de comunicação prosperam nas agendas públicas. É uma tentativa de superar a histórica letargia do Estado diante da avassaladora concentração das indústrias de informação e entretenimento nas mãos de um reduzido número de corporações, quase sempre pertencentes a dinastias familiares. As pretensões monopólicas foram beneficiadas por legislações omissas ou complacentes e pela adesão de sucessivos governos às doxas neoliberais do "Estado mínimo" e do "máximo de mercado".
O que governos progressistas almejam agora são intervenções que, mesmo quando limitadas ou parciais, diversifiquem os meios de comunicação. Tornam-se essenciais a discussão e a fixação de critérios e parâmetros de interesse social para a definição das linhas gerais de programação das empresas concessionárias de rádio e televisão, bem como a renovação de marcos regulatórios para as outorgas de canais; a descentralização dos meios de veiculação; o fomento ao audiovisual independente; o estabelecimento de cotas de produção, distribuição e exibição de conteúdos nacionais nos cinemas e nas televisões aberta e paga; e a integração cultural em bases cooperativas.
O fato alentador, na América Latina, é a conversão de algumas dessas premissas em fontes inspiradoras de políticas públicas. Há uma série de coincidências nos modos de repensar a atuação do Estado, a começar pelo entendimento de que as questões comunicacionais dizem respeito, na maioria das vezes, aos interesses coletivos. Não podem restringir-se a vontades particulares ou corporativas, pois envolvem múltiplos pontos de vista. Cabe ao Estado um papel regulador, harmonizando anseios e zelando pelos direitos à informação e à diversidade cultural. Também existe consenso quanto à importância de se repor o papel do Estado como articulador e gestor de plataformas de comunicação e como fomentador de espaços autônomos de expressão no seio da sociedade civil, evitando-se que os canais informativos e de entretenimento fiquem concentrados no setor privado.
Quais as principais mudanças nos sistemas de comunicação na América Latina?
As providências antimonopólicas variam de país para país, refletindo peculiaridades socioculturais e correlações de força específicas de cada cenário político. O bloco mais ativo é formado por Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina, cujos governos são ostensivos na rejeição ao monopólio privado da mídia e ao seu desmedido predomínio na vida social. Entre as medidas que vêm sendo tomadas, devemos destacar as novas legislações para a radiodifusão sob concessão pública, a fim de coibir a concentração dos setores de rádio e televisão nas mãos de poucos grupos privados. As disposições legais visam assegurar condições equânimes em termos de acesso, participação e representatividade nos sistemas de radiodifusão, para que haja equilíbrio nas prerrogativas de atuação entre três instâncias envolvidas: o próprio Estado (com serviço público de qualidade e diversificado), o setor privado (com fins lucrativos e responsabilidades sociais bem definidas) e a sociedade civil (movimentos sociais, comunitários e étnicos, universidades, associações profissionais, produtores independentes, etc.).
Um exemplo a ser seguido é o da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, da Argentina, sancionada pela presidenta Cristina Kirchner em 10 de outubro de 2009. Segundo o Comitê para a Liberdade de Expressão da Unesco, é uma das legislações antimonopólicas mais avançadas do mundo. Trata-se de um marco regulatório abrangente para a comunicação midiática, incluindo convergência digital entre TV a cabo, telefonia e internet, e um regime de outorgas em condições equitativas e não discriminatórias, impedindo a concentração de canais de TV aberta e paga e rádio AM e FM por grupos midiáticos, além de determinar que nenhuma concessionária de rádio e TV pode ter uma área de cobertura que ultrapasse 35% da população do país. Ainda em 2011, a agência reguladora do audiovisual, criada pela lei, promoverá, por editais públicos, a licitação de nada menos de 110 canais digitais de televisão aberta, em todo o país, destinados a setores sociais e comunitários sem fins lucrativos.
Dênis de Moraes é professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense, pesquisador do CNPq e da Faperj, autor e organizador de vários livros, entre os quais Mutações do visível: da comunicação de massa à comunicação em rede (Rio de Janeiro: Pão e Rosas Editora, 2010), A batalha da mídia (Rio de Janeiro: Pão e Rosas Editora, 2009), Sociedade midiatizada (Rio de Janeiro: Mauad, 2006) e Por uma outra comunicação (Rio de Janeiro: Record, 2003).
Confira a entrevista.
Que relações podem ser estabelecidas entre as novas ações comunicacionais e os reordenamentos políticos, econômicos e socioculturais promovidos por "governos eleitos com as bandeiras da justiça social e da inclusão das massas nos processos de desenvolvimento"?
O debate sobre a participação do poder público nos sistemas de comunicação da América Latina ganhou ímpeto com o consenso estabelecido entre governos progressistas quanto à importância de se fortalecer a pluralidade e facilitar o acesso dos cidadãos à informação, ao conhecimento e às tecnologias. Pela primeira vez no subcontinente, políticas que reestruturam os sistemas de comunicação prosperam nas agendas públicas. É uma tentativa de superar a histórica letargia do Estado diante da avassaladora concentração das indústrias de informação e entretenimento nas mãos de um reduzido número de corporações, quase sempre pertencentes a dinastias familiares. As pretensões monopólicas foram beneficiadas por legislações omissas ou complacentes e pela adesão de sucessivos governos às doxas neoliberais do "Estado mínimo" e do "máximo de mercado".
O que governos progressistas almejam agora são intervenções que, mesmo quando limitadas ou parciais, diversifiquem os meios de comunicação. Tornam-se essenciais a discussão e a fixação de critérios e parâmetros de interesse social para a definição das linhas gerais de programação das empresas concessionárias de rádio e televisão, bem como a renovação de marcos regulatórios para as outorgas de canais; a descentralização dos meios de veiculação; o fomento ao audiovisual independente; o estabelecimento de cotas de produção, distribuição e exibição de conteúdos nacionais nos cinemas e nas televisões aberta e paga; e a integração cultural em bases cooperativas.
O fato alentador, na América Latina, é a conversão de algumas dessas premissas em fontes inspiradoras de políticas públicas. Há uma série de coincidências nos modos de repensar a atuação do Estado, a começar pelo entendimento de que as questões comunicacionais dizem respeito, na maioria das vezes, aos interesses coletivos. Não podem restringir-se a vontades particulares ou corporativas, pois envolvem múltiplos pontos de vista. Cabe ao Estado um papel regulador, harmonizando anseios e zelando pelos direitos à informação e à diversidade cultural. Também existe consenso quanto à importância de se repor o papel do Estado como articulador e gestor de plataformas de comunicação e como fomentador de espaços autônomos de expressão no seio da sociedade civil, evitando-se que os canais informativos e de entretenimento fiquem concentrados no setor privado.
Quais as principais mudanças nos sistemas de comunicação na América Latina?
As providências antimonopólicas variam de país para país, refletindo peculiaridades socioculturais e correlações de força específicas de cada cenário político. O bloco mais ativo é formado por Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina, cujos governos são ostensivos na rejeição ao monopólio privado da mídia e ao seu desmedido predomínio na vida social. Entre as medidas que vêm sendo tomadas, devemos destacar as novas legislações para a radiodifusão sob concessão pública, a fim de coibir a concentração dos setores de rádio e televisão nas mãos de poucos grupos privados. As disposições legais visam assegurar condições equânimes em termos de acesso, participação e representatividade nos sistemas de radiodifusão, para que haja equilíbrio nas prerrogativas de atuação entre três instâncias envolvidas: o próprio Estado (com serviço público de qualidade e diversificado), o setor privado (com fins lucrativos e responsabilidades sociais bem definidas) e a sociedade civil (movimentos sociais, comunitários e étnicos, universidades, associações profissionais, produtores independentes, etc.).
Um exemplo a ser seguido é o da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, da Argentina, sancionada pela presidenta Cristina Kirchner em 10 de outubro de 2009. Segundo o Comitê para a Liberdade de Expressão da Unesco, é uma das legislações antimonopólicas mais avançadas do mundo. Trata-se de um marco regulatório abrangente para a comunicação midiática, incluindo convergência digital entre TV a cabo, telefonia e internet, e um regime de outorgas em condições equitativas e não discriminatórias, impedindo a concentração de canais de TV aberta e paga e rádio AM e FM por grupos midiáticos, além de determinar que nenhuma concessionária de rádio e TV pode ter uma área de cobertura que ultrapasse 35% da população do país. Ainda em 2011, a agência reguladora do audiovisual, criada pela lei, promoverá, por editais públicos, a licitação de nada menos de 110 canais digitais de televisão aberta, em todo o país, destinados a setores sociais e comunitários sem fins lucrativos.
Têm havido ainda progressos consideráveis em termos de reconhecimento legal da radiodifusão comunitária como um dos instrumentos de expressão dos setores sociais e populares, sobretudo em países como Uruguai, Bolívia, Venezuela, Paraguai e Equador.
É importante mencionar outras ações governamentais, em andamento ou planejadas, tais como apoios institucionais a meios alternativos e comunitários, fomento ao audiovisual independente e à produção cultural nacional, reorganização da comunicação estatal e fortalecimento da cooperação regional em moldes não mercantis.
É importante mencionar outras ações governamentais, em andamento ou planejadas, tais como apoios institucionais a meios alternativos e comunitários, fomento ao audiovisual independente e à produção cultural nacional, reorganização da comunicação estatal e fortalecimento da cooperação regional em moldes não mercantis.
Para tentar se contrapor às sistemáticas campanhas opositoras da mídia comercial, os governos de Venezuela, Equador, Bolívia e Paraguai estão ampliando seus sistemas de comunicação, lançando jornais diários ou semanais, com preços simbólicos, para divulgar suas realizações e expor seus pontos de vistas, tendo como público-alvo leitores das classes populares, que, por razões econômicas e culturais, geralmente têm poucas oportunidades de acesso a fontes diversificadas de informação. No plano televisivo, merecem ser lembradas as experiências promissoras de canais estatais de televisão educativa e cultural, como Encuentro (Argentina), Vive (Venezuela) e EcuadorTV, além do canal multiestatal Telesur (que tem, entre seus acionistas, os governos de Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina, Cuba e Nicarágua). Nesse sentido, há governos latino-americanos que se tornam operadores de mídia, sem fins lucrativos, com o propósito de ampliar seus espaços de veiculação e de interferência junto à opinião pública, mesmo que sejam muito desiguais as condições de concorrência com o poder da mídia comercial.
Quais os principais obstáculos para que esse processo de democratização da comunicação prospere na América Latina?
A América Latina vive uma batalha midiática sem precedentes, em função das resistências e tensões patrocinadas por corporações midiáticas contra as medidas que governos progressistas têm procurado implementar para tentar democratizar os sistemas de comunicação. As campanhas opositoras da mídia denunciam "ameaças à liberdade de expressão" que estariam sendo praticadas por governos progressistas, sempre que decidem instituir legislações antimonopólicas. O propósito, deliberado, mas não assumido publicamente, dessa argumentação facciosa é impedir um convencimento mais amplo em torno da necessidade de garantir diversidade informativa e cultural.
Editoriais falam em hipotéticos riscos de "censura" e "dirigismo estatal". Ora, certos grupos midiáticos que os publicam não têm autoridade moral e ética para fazê-lo. Com honrosas exceções, a chamada grande imprensa é a primeira a faltar com isenção e neutralidade quando intenta orientar ideologicamente os leitores, em editoriais e artigos; quando adota juízos particulares para selecionar, tratar e hierarquizar as informações; quando exerce controle sobre o que vai ser difundido, restringindo, silenciando ou amplificando questões e pontos de vista; quando nos diz quais são os escândalos, as crises, os banhos de sangue e as tragédias que devem ser conhecidos, discutidos, aceitos, rejeitados ou tolerados; quando espetaculariza situações e até guerras e atentados, seja para despertar comoção e adesão, seja para infundir ódio e preconceito, ou mesmo para naturalizar desigualdades; e ainda quando descontextualiza e isola as notícias de suas causas ou consequências históricas, políticas e culturais.
Quais os principais obstáculos para que esse processo de democratização da comunicação prospere na América Latina?
A América Latina vive uma batalha midiática sem precedentes, em função das resistências e tensões patrocinadas por corporações midiáticas contra as medidas que governos progressistas têm procurado implementar para tentar democratizar os sistemas de comunicação. As campanhas opositoras da mídia denunciam "ameaças à liberdade de expressão" que estariam sendo praticadas por governos progressistas, sempre que decidem instituir legislações antimonopólicas. O propósito, deliberado, mas não assumido publicamente, dessa argumentação facciosa é impedir um convencimento mais amplo em torno da necessidade de garantir diversidade informativa e cultural.
Editoriais falam em hipotéticos riscos de "censura" e "dirigismo estatal". Ora, certos grupos midiáticos que os publicam não têm autoridade moral e ética para fazê-lo. Com honrosas exceções, a chamada grande imprensa é a primeira a faltar com isenção e neutralidade quando intenta orientar ideologicamente os leitores, em editoriais e artigos; quando adota juízos particulares para selecionar, tratar e hierarquizar as informações; quando exerce controle sobre o que vai ser difundido, restringindo, silenciando ou amplificando questões e pontos de vista; quando nos diz quais são os escândalos, as crises, os banhos de sangue e as tragédias que devem ser conhecidos, discutidos, aceitos, rejeitados ou tolerados; quando espetaculariza situações e até guerras e atentados, seja para despertar comoção e adesão, seja para infundir ódio e preconceito, ou mesmo para naturalizar desigualdades; e ainda quando descontextualiza e isola as notícias de suas causas ou consequências históricas, políticas e culturais.
O jurista Fábio Konder Comparato foi lúcido e preciso ao salientar que o conceito de liberdade de expressão está indissociavelmente vinculado aos direitos públicos e às aspirações coletivas, sem qualquer subordinação a interesses privados ou ambições particulares. Na verdade, qualquer modificação que possa afetar as receitas dos grupos midiáticos com as joias da coroa as licenças de canais de rádio e televisão é rechaçada pela violência discursiva dos grupos midiáticos. Como se as outorgas de radiodifusão fossem propriedades exclusivas, quando, apenas, são concessões do poder público, com prazo de validade fixado em lei, sendo renováveis ou não. É uma batalha difícil de ser travada, porque os governos progressistas não dispõem da potência de difusão dos conglomerados privados, nem a influência social daí decorrente.
O prosseguimento das transformações em curso na América Latina dependerá, fundamentalmente, de vontade política permanente e de uma sólida sustentação popular às iniciativas democratizadoras de governos progressistas. Os instrumentos legais que podem viabilizar o reequilíbrio e a descentralização dos sistemas de comunicação são indispensáveis, mas as mudanças dependem de um leque de ações coordenadas e permanentes, e não apenas da letra de forma jurídica. Até porque não adianta ter princípios gerais democráticos se não houver a determinação política de governantes de fazer valer normas, regulamentações e procedimentos que garantam a sua aplicação. Além de leis que impeçam práticas monopólicas, uma nova feição dos sistemas de comunicação depende de políticas públicas consistentes, debatidas e formuladas em sintonia com anseios de segmentos reivindicantes da sociedade civil.
Como o senhor qualifica, de modo geral, as políticas públicas na área da comunicação no Brasil? Quais as principais urgências e os maiores desafios?
A legislação de radiodifusão brasileira continua sendo uma das mais anacrônicas da América Latina. Até hoje, não foram regulamentados os artigos 220 e 221 da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, que, respectivamente, impedem monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação de massa (art. 220, § 5º) e asseguram preferência, na produção e programação das emissoras de rádio e televisão, a "finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas", além da "promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação" (art. 221, I e II). O imobilismo dos sucessivos governos chega a ser alarmante. As políticas públicas de comunicação, quando existem, são absolutamente tímidas, limitadas, fragmentadas e desencontradas. Não há uma visão estratégica, por parte do poder público, sobre o estratégico campo da comunicação de massa. Isso é grave porque as políticas públicas são indispensáveis para a afirmação do pluralismo, como também para definir o que deve ser público e o que pode ser privado, resguardando o interesse coletivo frente às ambições particulares.
As consequências do imobilismo são de várias ordens. Persiste o coronelismo eletrônico (concessões diretas ou indiretas de licenças de rádio e televisão a parlamentares e políticos profissionais). Entidades que defendem a democratização da comunicação frequentemente protestam contra o fechamento de rádios comunitárias, com a apreensão, autorizada pela Anatel ou por mandados judiciais, de equipamentos pela Polícia Federal e o indiciamento dos responsáveis com base em dispositivos ultrapassados do Código Brasileiro de Telecomunicações (1962) e da Lei Geral de Telecomunicações (1997). Torçamos para que a presidenta Dilma Rousseff leve adiante o Plano Nacional de Outorgas para Rádios Comunitárias, lançado por ela em março de 2011 com o objetivo de tornar mais ágil o processo de autorização das emissoras e dar mais transparência aos trâmites exigidos.
De maneira geral, tem-se a percepção de que os governos se omitem em relação ao grave problema da concentração monopólica da mídia, por receio de contrariar os grandes grupos privados que controlam, há décadas, o setor.
Não é por falta de diagnósticos abrangentes e de proposições consequentes que não se renova o sistema de mídia do Brasil. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro de 2009 com a expressiva participação de delegados escolhidos por entidades da sociedade civil, pelo empresariado e pelo próprio governo, foi um marco histórico em termos de esclarecimento e discussão pública das questões comunicacionais, tendo sido precedida por uma série de conferências estaduais e municipais. A Confecom definiu os temas prioritários que devem ser enfrentados pelo poder público para a democratização da comunicação no país. E, no entanto, um ano e meio depois, a imensa maioria das 633 proposições da Conferência, ao que se sabe, ainda não foi incorporada à ação governamental.
Quais os principais impasses que impedem a real democratização da comunicação em nosso país?
Historicamente, tem faltado vontade política à Presidência da República e a uma parte ponderável do Congresso Nacional para assumir a causa urgente da democratização da comunicação. É uma lástima que, nesse campo, o Brasil esteja na vanguarda do atraso na América Latina. Basta olhar a maioria dos países vizinhos para verificarmos como o nosso país ficou para trás, nos últimos anos, em termos de providências governamentais em prol da diversidade informativa e cultural. Espero que a presidenta Dilma rompa com a inércia de seus antecessores e demonstre vontade política e coragem para promover mudanças significativas no atual sistema de comunicação, a partir de consultas aos setores da sociedade civil envolvidos na questão. Dilma poderia inspirar-se no processo participativo que a presidenta Cristina Kirchner liderou na Argentina, com vistas à elaboração da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. Cristina ouviu, em audiências públicas na Casa Rosada, as avaliações e reivindicações de representantes das centrais sindicais, das associações profissionais e comunitárias, da Igreja, das universidades, dos organismos de direitos humanos, do empresariado da mídia e da Coalizão por uma Radiodifusão Democrática, entre outros participantes. Vários pleitos apresentados à presidenta foram incorporados ao anteprojeto, depois convertido em lei pelo Congresso, com apoio da maioria parlamentar governista. E tudo isso enfrentando as fortes pressões e resistências dos grupos midiáticos e seus aliados. Cristina não recuou em momento algum.
Em que sentido a obra de Eduardo Galeano lhe inspirou para o livro em questão?
O título de meu livro, intencionalmente, inspira-se no clássico do mestre Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina, escrito na sombria era das ditaduras militares, na década de 1970. Galeano aludia aos contrastes de uma região com ricas identidades e tradições culturais, porém assolada pelas clamorosas desigualdades que vicejam na engrenagem universal do capitalismo e vítima de dois ciclos do colonialismo mais deletério. O primeiro representado pela pilhagem de suas matérias-primas e riquezas naturais; o segundo, sem que o primeiro tenha desaparecido por completo, marcado por privatizações e corrupções de toda ordem, que fazem vibrar os mecanismos da espoliação. Tudo isso, enfatizava Galeano, para que "a injustiça continue sendo injusta e a fome faminta". Quarenta anos depois, ainda que desigualdades e injustiças sociais persistam, em vários países notam-se progressos no combate à pobreza e à miséria, além de esforços para que as vozes historicamente silenciadas pela mídia comercial e pelas elites dominantes possam se expressar na cena pública, em defesa de suas aspirações e necessidades. Mais do que nunca, é preciso liberar o que os discursos hegemônicos desejam silenciar ou neutralizar: a emergência de outras vozes, portadoras de outras visões de mundo e valores. Após décadas de domínio do pensamento único neoliberal, é necessário entender que as novas vozes abertas que despontam no continente podem ser a base da quebra da dominação secular e da recuperação e multiplicação de bens e sonhos que lhes foram historicamente usurpados.
O prosseguimento das transformações em curso na América Latina dependerá, fundamentalmente, de vontade política permanente e de uma sólida sustentação popular às iniciativas democratizadoras de governos progressistas. Os instrumentos legais que podem viabilizar o reequilíbrio e a descentralização dos sistemas de comunicação são indispensáveis, mas as mudanças dependem de um leque de ações coordenadas e permanentes, e não apenas da letra de forma jurídica. Até porque não adianta ter princípios gerais democráticos se não houver a determinação política de governantes de fazer valer normas, regulamentações e procedimentos que garantam a sua aplicação. Além de leis que impeçam práticas monopólicas, uma nova feição dos sistemas de comunicação depende de políticas públicas consistentes, debatidas e formuladas em sintonia com anseios de segmentos reivindicantes da sociedade civil.
Como o senhor qualifica, de modo geral, as políticas públicas na área da comunicação no Brasil? Quais as principais urgências e os maiores desafios?
A legislação de radiodifusão brasileira continua sendo uma das mais anacrônicas da América Latina. Até hoje, não foram regulamentados os artigos 220 e 221 da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, que, respectivamente, impedem monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação de massa (art. 220, § 5º) e asseguram preferência, na produção e programação das emissoras de rádio e televisão, a "finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas", além da "promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação" (art. 221, I e II). O imobilismo dos sucessivos governos chega a ser alarmante. As políticas públicas de comunicação, quando existem, são absolutamente tímidas, limitadas, fragmentadas e desencontradas. Não há uma visão estratégica, por parte do poder público, sobre o estratégico campo da comunicação de massa. Isso é grave porque as políticas públicas são indispensáveis para a afirmação do pluralismo, como também para definir o que deve ser público e o que pode ser privado, resguardando o interesse coletivo frente às ambições particulares.
As consequências do imobilismo são de várias ordens. Persiste o coronelismo eletrônico (concessões diretas ou indiretas de licenças de rádio e televisão a parlamentares e políticos profissionais). Entidades que defendem a democratização da comunicação frequentemente protestam contra o fechamento de rádios comunitárias, com a apreensão, autorizada pela Anatel ou por mandados judiciais, de equipamentos pela Polícia Federal e o indiciamento dos responsáveis com base em dispositivos ultrapassados do Código Brasileiro de Telecomunicações (1962) e da Lei Geral de Telecomunicações (1997). Torçamos para que a presidenta Dilma Rousseff leve adiante o Plano Nacional de Outorgas para Rádios Comunitárias, lançado por ela em março de 2011 com o objetivo de tornar mais ágil o processo de autorização das emissoras e dar mais transparência aos trâmites exigidos.
De maneira geral, tem-se a percepção de que os governos se omitem em relação ao grave problema da concentração monopólica da mídia, por receio de contrariar os grandes grupos privados que controlam, há décadas, o setor.
Não é por falta de diagnósticos abrangentes e de proposições consequentes que não se renova o sistema de mídia do Brasil. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro de 2009 com a expressiva participação de delegados escolhidos por entidades da sociedade civil, pelo empresariado e pelo próprio governo, foi um marco histórico em termos de esclarecimento e discussão pública das questões comunicacionais, tendo sido precedida por uma série de conferências estaduais e municipais. A Confecom definiu os temas prioritários que devem ser enfrentados pelo poder público para a democratização da comunicação no país. E, no entanto, um ano e meio depois, a imensa maioria das 633 proposições da Conferência, ao que se sabe, ainda não foi incorporada à ação governamental.
Quais os principais impasses que impedem a real democratização da comunicação em nosso país?
Historicamente, tem faltado vontade política à Presidência da República e a uma parte ponderável do Congresso Nacional para assumir a causa urgente da democratização da comunicação. É uma lástima que, nesse campo, o Brasil esteja na vanguarda do atraso na América Latina. Basta olhar a maioria dos países vizinhos para verificarmos como o nosso país ficou para trás, nos últimos anos, em termos de providências governamentais em prol da diversidade informativa e cultural. Espero que a presidenta Dilma rompa com a inércia de seus antecessores e demonstre vontade política e coragem para promover mudanças significativas no atual sistema de comunicação, a partir de consultas aos setores da sociedade civil envolvidos na questão. Dilma poderia inspirar-se no processo participativo que a presidenta Cristina Kirchner liderou na Argentina, com vistas à elaboração da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. Cristina ouviu, em audiências públicas na Casa Rosada, as avaliações e reivindicações de representantes das centrais sindicais, das associações profissionais e comunitárias, da Igreja, das universidades, dos organismos de direitos humanos, do empresariado da mídia e da Coalizão por uma Radiodifusão Democrática, entre outros participantes. Vários pleitos apresentados à presidenta foram incorporados ao anteprojeto, depois convertido em lei pelo Congresso, com apoio da maioria parlamentar governista. E tudo isso enfrentando as fortes pressões e resistências dos grupos midiáticos e seus aliados. Cristina não recuou em momento algum.
Em que sentido a obra de Eduardo Galeano lhe inspirou para o livro em questão?
O título de meu livro, intencionalmente, inspira-se no clássico do mestre Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina, escrito na sombria era das ditaduras militares, na década de 1970. Galeano aludia aos contrastes de uma região com ricas identidades e tradições culturais, porém assolada pelas clamorosas desigualdades que vicejam na engrenagem universal do capitalismo e vítima de dois ciclos do colonialismo mais deletério. O primeiro representado pela pilhagem de suas matérias-primas e riquezas naturais; o segundo, sem que o primeiro tenha desaparecido por completo, marcado por privatizações e corrupções de toda ordem, que fazem vibrar os mecanismos da espoliação. Tudo isso, enfatizava Galeano, para que "a injustiça continue sendo injusta e a fome faminta". Quarenta anos depois, ainda que desigualdades e injustiças sociais persistam, em vários países notam-se progressos no combate à pobreza e à miséria, além de esforços para que as vozes historicamente silenciadas pela mídia comercial e pelas elites dominantes possam se expressar na cena pública, em defesa de suas aspirações e necessidades. Mais do que nunca, é preciso liberar o que os discursos hegemônicos desejam silenciar ou neutralizar: a emergência de outras vozes, portadoras de outras visões de mundo e valores. Após décadas de domínio do pensamento único neoliberal, é necessário entender que as novas vozes abertas que despontam no continente podem ser a base da quebra da dominação secular e da recuperação e multiplicação de bens e sonhos que lhes foram historicamente usurpados.
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