Foto: Roberto Stuckert Filho/PR |
A presidenta Dilma Rousseff abriu a Conferência Anual da Organização das Nações Unidas com um belo discurso sobre a luta contra corrupção.
Pena que Dilma seja tão ruim de oratória. O discurso foi feito sem paixão, com pausas erradas, atropelamento de frases, e naquele timbre grave, monótono e melancólico que evidencia uma verdade estranha: uma pessoa tímida, avessa aos holofotes e à mídia, exercendo o cargo mais midiático do país.
Se relevarmos a inabilidade da oradora e atentarmos apenas para o teor do discurso, descobrimos contudo reverberações ideológicas muito bonitas.
Dilma sintetizou, em poucas palavras, a essência da democracia: liberdade de expressão, autonomia das instituições e respeito absoluto aos direitos do cidadão, mesmo (e talvez sobretudo) aqueles perseguidos pelo Estado.
A presidenta lembrou que seu governo jamais interferiu em investigações que cortam fundo a carne do próprio governo e dos partidos governistas, e que afetam profundamente a estabilidade política, pois mexem com as maiores empresas nacionais, de um lado, e com as mais poderosas lideranças partidárias do país, de outro.
Nenhum governo, quiçá no mundo, jamais proporcionou tanta liberdade e tanta autonomia às instituições responsáveis por investigar o Estado e o próprio governo.
É um republicanismo de almanaque, excessivo, porém, baseado numa doutrina oportunista vendida pela mídia, uma doutrina na qual a presidenta - que ao contrário do que se pensou durante um tempo, não tem grande formação política - abraçou ingenuamente.
Mesmo assim, ainda é republicanismo.
Exagerado, ingênuo, porém nobre.
O Brasil é um país muito louco. Temos uma presidenta terrivelmente tímida, avessa aos holofotes, republicana até o suicídio, e um juiz do Supremo, Gilmar Mendes, apaixonado pelas câmeras, especializado em frases de efeito, cujo comportamento reflete uma agressiva e solene indiferença em relação aos mais básicos princípios republicanos.
Se, por um lado, Dilma parece estar à frente de seu tempo, governando um país estável politicamente, e dotado de uma mídia plural que permitisse às diferentes forças sociais exercerem seus respectivos direitos de opinião; como se fosse presidenta da Bélgica, não do Brasil; de outro lado, Gilmar Mendes parece ser juiz de um Brasil que pensávamos ter deixado para trás, o país dos coronéis, dos homens violentos que fazem valer seu poder falando alto e distribuindo ameaças.
Precisaríamos, hoje, de uma presidente muito mais criativa, que rasgasse todos os protocolos, e que, principalmente, soubesse usar as câmeras em seu favor.
Quando se contempla, porém, os adversários da presidenta, essas figuras mefíticas que tentam faturar em cima de sinistras conspirações midiático-judiciais, representantes de um país retrógrado, truculento e colonizado, um país que nos esforçamos diuturnamente para enterrar no passado, voltamos a entender o sentido histórico de sua vitória eleitoral em 2014.
O discurso da presidenta mostra uma personagem fraca, mas sustentada por ideias fortes. É irônico constatar que uma mulher tímida, desajeitada, de inteligência mediana, tornou-se o último anteparo às investidas do mais ardiloso, sórdido, truculento e poderoso golpismo político que o mundo já testemunhou.
Sim, porque a nossa suposta solidez democrática obrigou o golpismo a se intelectualizar, a dar mais importância às aparências. O golpismo entendeu como funciona o jogo hoje: é preciso antes construir uma narrativa, dominar a opinião pública, e por isso ele é tão dependente da mídia.
Um golpismo que ainda se agita, é importante ressaltar.
Eduardo Cunha, hoje, aparece na capa no site da Câmara, dizendo que irá despachar os primeiros pedidos de impeachment da presidenta da república ainda esta semana.
Cunha começa a transformar o site da Câmara em sua página política pessoal. Consta que ele nomeou para diretor da Agência Câmara uma figura extremamente reacionária, mas isso não é privilégio da Câmara, aparentemente a agência de notícias do Senado também é dirigida por uma figura similar.
E tudo isso ao mesmo tempo em que o próprio Eduardo Cunha se vê cada vez mais atolado em denúncias de corrupção.
Voltando ao discurso da presidenta, ela conseguiu calibrar a defesa da autonomia das instituições com a defesa dos princípios democráticos mais importantes quando se trata de direito penal: o respeito ao contraditório e ao princípio da presunção de inocência.
Com isso, Dilma aplicou merecidas palmadas em Gilmar Mendes e Sergio Moro, ao afirmar que "queremos um país (...) em que juízes julguem com liberdade e imparcialidade, sem pressões de qualquer natureza e desligados de paixões político-partidárias, jamais transigindo com a presunção da inocência de quaisquer cidadãos”.
1 comentários:
Analise extremamente ácida, com juizo de valor , no mínimo equivocado, para não dizer preconceituoso. Republicanismo ingênuo sim, não como marca da Dilma, porque Lula, assim procedeu e sim , na tática de "moralização" da politica, sem rupturas, que podemos questionar. Isto levou, concordo à não construção de uma narrativa contrahegemônica, enfraquecendo a resistência golpista, que tem outras origens. Este tipo de analise, de quem é militante de esquerda, não contribue para o fortalecimento da resistência democrática e de esquerda , para a ofensiva golpista.O discurso, foi excelente do ponto de vista internacionalista e o compromisso com os avanços nacionais e a defesa do estado de direito.
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